The Project Gutenberg EBook of O Descobrimento do Brazil, by Garcia Redondo This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: O Descobrimento do Brazil Prioridade dos Portugueses no Descobrimento da America Author: Garcia Redondo Release Date: January 17, 2008 [EBook #24344] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O DESCOBRIMENTO DO BRAZIL *** Produced by Ricardo F. Diogo, Júlio Reis and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by The Internet Archive) Notas de transcrição: Pg 26: aspas abertas antes de "a terra achada"; original não tinha aspas. Pg 28: em "carta regia de D. João I" trata-se, na verdade, do rei D. João II (não corrigido). Pg 37: substituido "em 1742, vinte annos antes de Colombo" por "em 1472, ..."; havia sido corrigido à mão na cópia digitalizada que serviu de base a esta transcrição. GARCIA REDONDO (DA ACADEMIA BRASILEIRA) O DESCOBRIMENTO DO BRAZIL PRIORIDADE DOS PORTUGUEZES NO DESCOBRIMENTO DA AMERICA Primeira conferencia da serie organisada pelo Centro Republicano Portuguez de São Paulo, realizada no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo, na noite de 3 de Junho de 1911 SÃO PAULO CASA VANORDEN 1911 GARCIA REDONDO (DA ACADEMIA BRASILEIRA) O DESCOBRIMENTO DO BRAZIL PRIORIDADE DOS PORTUGUEZES NO DESCOBRIMENTO DA AMERICA Primeira conferencia da serie organisada pelo Centro Republicano Portuguez de São Paulo, realizada no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo, na noite de 3 de Junho de 1911 SÃO PAULO CASA VANORDEN 1911 Assistiram a esta conferencia, além do ministro de Portugal, Snr. Dr. Antonio Luiz Gomes, e do seu secretario, Dr. Bartholomeu Ferreira, que do Rio de Janeiro vieram especialmente para esse fim, o consul da França, Snr. Jacques Dupas e sua familia, os consules de Portugal em S. Paulo e Santos, os consules do Paraguay e da Guatemala, os representantes do Governo do Estado e do Governo Federal, a directoria e membros do Centro Republicano Portuguez de S. Paulo, o director e muitos lentes da Escola Polytechnica, uma parte da directoria e muitos socios do Instituto Historico e a fina flor da sociedade culta e da colonia portugueza de S. Paulo. Esta conferencia é impressa no formato do livro _Conferencias_ do auctor para que possa ser annexada a esse livro. O DESCOBRIMENTO DO BRAZIL Prioridade dos portugueses no descobrimento da America _O orador, depois de agradecer a presença do numeroso e luzido auditorio, que affluiu ao salão do Instituto Historico para ouvir a sua palavra rude e, depois de varias explicações que deu sobre o grande mappa que organisou para illustrar e esclarecer a sua conferencia, diz:_ _Minhas senhoras, meus senhores:_ Na minha ultima viagem ao Velho Mundo, em 1906, achando-me na Suissa e querendo visitar a exposição internacional de Milão, em vez de fazer a viagem directa e curta, indo de Genebra, onde estava, a Montreux e de Montreux a Milão, preferi fazer uma grande volta, indo de Genebra a Lyon e a Marselha e percorrendo depois toda essa extensa e deliciosa costa do Mediterraneo que se chama Côte d'Azur. Para que? Para entrar na Italia por Genova e prestar, antes de tudo, a minha homenagem de americano á memoria de Christovam Colombo, visitando a casa onde elle nasceu. Alli fui, pois, e alli estive no vetusto predio, onde, em 1450, viu a luz do dia o audacioso genovez, conforme reza a placa commemorativa collocada entre duas janellas antigas desastradamente vestidas á moderna com venezianas verdes. Até então, eu suppunha, pelo que sabia, pelo que havia lido, que Christovam Colombo era o descobridor da America, assim como suppunha tambem que Pedro Alvares Cabral era o descobridor do Brazil. Mas, veio-me depois ás mãos um livro--_A descoberta do Brazil_--do sr. Faustino da Fonseca, e esse livro precioso, feito com o nobilissimo intuito de reivindicar para Portugal a gloria completa do descobrimento do Novo Mundo, livro que, em abono da civilização portugueza, que, em abono dos nossos maiores, deveria ser traduzido em todas as linguas vivas para ser distribuido em todas as escolas do universo, veio mostrar-me, á luz de documentos authenticos e irrefutaveis, que nem o navegante genovez foi o primeiro a chegar ao Novo Mundo, nem Cabral o primeiro a achar essa parte do Novo Mundo que se chama o Brazil. Colombo e Cabral--o primeiro ao aportar, em 1492, ás Antilhas, e o segundo, em 1500, á costa brazileira, não fizeram mais do que _reconhecer e tomar posse_ officialmente de terras que muitos annos antes já haviam sido descobertas por navegantes portuguezes. Baseia-se o precioso livro do sr. Faustino da Fonseca em doações feitas pelos reis portuguezes aos primeiros navegantes que sulcaram o Atlantico, em tratados de limites, em correspondencias officiaes, roteiros, mappas, relações, cartas de testemunhas dos acontecimentos e outros documentos que o autor, no seu louvavel ardor patriotico, foi descobrir e copiar com uma paciencia de benedictino nos archivos hespanhóes e açorianos e na Torre do Tombo. É com esse fanal em punho, que dá por terra com todas as lendas, todos os erros e embustes dos historiadores que precederam o sr. Fonseca, que eu venho, hoje, na medida das minhas fracas forças, ajudal-o a reivindicar para Portugal, não a gloria de haver descoberto o Brazil sómente, mas tambem a gloria de haver descoberto a America. Oxalá seja esse meu auxilio efficaz, oxalá possa elle levar a convicção ao animo dos que me ouvem e dos que me lerem, para que possamos dizer todos, _una voce_, e fazendo a justiça tardia a que tem direito a velha civilização portugueza: Gloria a Portugal, descobridor do Novo Mundo! * * * * * Os conhecimentos geographicos dos antigos eram limitadissimos, não conhecendo os europeus mais do que duas terças partes do seu continente, o norte da Africa e o sudoeste da Asia, acreditando Ptolomeu que a Africa se estendia até ao polo antarctico, reduzindo assim o Oceano Indico a um simples lago ou pequeno mar interior. Nessa época, o que se chama India comprehendia a Indo-China, o Indostão, as ilhas e regiões do extremo Oriente. Era a India considerada como um paiz de fabulosas riquezas e nella dizia-se que habitava o Prestes João, soberano Christão, que reunia o poder temporal ao espiritual e era o summo pontifice do Oriente. O Oceano Atlantico era tratado por mar tenebroso e considerado innavegavel, povoado por monstros, coalhado de escolhos, coberto de nevoa densa. Era um mar onde, para uns, reinava a eterna calmaria podre, para outros, era constantemente açoutado por violentos tufões, de sorte que era uma barreira á communicação entre os dois hemispherios. Não contentes de limitar a tão pouco os seus conhecimentos geographicos, os antigos inventavam lendas, semeavam o oceano de ilhas imaginarias, de estatuas e de columnas, que impediam os navegantes de marchar. As columnas de Hercules fechavam o caminho do Atlantico, outras duas columnas erguiam-se num estreito, impedindo a entrada do mar da India. A phantasia não tinha diques e os mappas, principalmente o de Marco Polo, marcavam milhares de ilhas em algumas das quaes se localizava o paraiso, o purgatorio e o inferno! Na ilha de Salomão, onde se dizia estar o cadaver desse rei mulherengo, num maravilhoso palacio, tres estatuas faziam retroceder o navegante sob pena de morte. O cabo Bojador era um ninho de serpentes e na ilha de Ceylão estava o tumulo de Adão! Ainda em 1375 a costa africana só era conhecida de Ceuta até ao Cabo Bojador, e ainda em 1436, já em pleno seculo XV, o mappa de André Bianco, um mixto de christianismo e de paganismo, reproduz as lendas e figuras da edade média, collocando Jerusalém no centro do mundo e determinando o local do paraiso terrestre!... Toda a terra conhecida resumia-se num unico continente. Tudo mais eram ilhas entre as quaes estava a de Cypango, onde Colombo julgou ter chegado em 1492, quando aportou ás Antilhas. Lendas de origem portugueza só havia duas--a do gigante Adamastor, no Cabo das Tormentas, que o grande épico dos Lusiadas tão lindamente narrou em verso sonoroso, e a do cavalleiro de pedra, na ilha do Corvo--mas este, ao contrario dos outros que intimavam o navegante a retroceder, mandava-o avançar, apontava-lhe o caminho a seguir, demandando novas regiões. Taes eram os conhecimentos geographicos até ao primeiro terço do seculo XV. Foi então que appareceu o famoso projecto do infante d. Henrique, projecto que revolucionou o systema do mundo. Até ahi só se conheciam dois caminhos para chegar ao Oriente, ambos por terra, ambos partindo do Mediterraneo. Conhecida a India como um paiz de riquezas fabulosas e tendo cessado para os portuguezes, com a tomada de Ceuta, o trafico dos generos do sertão pelo Mediterraneo, cogitou o infante d. Henrique em chegar á India por um outro caminho--a via maritima, pelo occidente. Mas, para isso, tinha de affrontar o Mar Tenebroso, esse oceano inçado de escolhos e de monstros, impenetravel e mysterioso. Como o seu intuito era explorar as riquezas indianas e levar a fé aos musulmanos, com os quaes esperava combater, elle sentiu a necessidade de um alliado e o alliado natural era o Prestes João, o summo pontifice da christianidade indiana. Era preciso, pois, procural-o, mas seguindo pela via maritima. «Provêm desta origem, diz o sr. Faustino da Fonseca na sua obra admiravel, as explorações para o sul e para o occidente; as grandes viagens do occidente e do oriente; o encontro de duas passagens a leste e a oéste,--o Cabo da Boa Esperança e o estreito de Magalhães; as descobertas da costa da Africa e das ilhas do Atlantico, da America do Norte e do Brazil.» «Obedece tudo a este proposito, subordina-se tudo a este projecto, são tudo soluções ao problema: os conselhos de Toscanelli e de Monetario, o erro de Colombo, a audacia de Magalhães.» * * * * * Não é difficil provar que Colombo não descobriu a America e que quando chegou ás Antilhas, em 1492, já a America havia sido descoberta pelos portuguezes, muitos annos antes. O difficil seria provar hoje, em face dos documentos encontrados pelo sr. Faustino da Fonseca e dos quaes me vou soccorrer nesta conferencia, que o ousado genovez fez tal descoberta. Esmiucemos o interessante assumpto. Quando o infante d. Henrique fundou a escola de Sagres com observatorio astronomico, para o qual fez vir cosmographos e mathematicos estrangeiros, e mandou construir nos seus estaleiros as primeiras caravelas e ordenou que ellas sahissem, para o mar tenebroso e pelo occidente, dizendo aos capitães que avançassem sem receio, fazendo-se ao largo, já Gonçalves Zarco havia descoberto a ilha da Madeira e já o infante conhecia o livro de Marco Polo, que existia em Portugal desde 1418, trazido pelo infante d. Pedro, que o recebera como dadiva do senado de Veneza, assim como conhecia tambem o mappa do mesmo Marco Polo onde se veem as regiões do oriente muito proximas das do occidente. No seu livro, Marco Polo assegurava que Catay estava no Atlantico (que elle chama o mar de Cyn) a pequena distancia da Europa e que, no Atlantico, estavam tambem Cypango e outras ilhas de especiarias. As primeiras caravelas, construidas e equipadas pelo infante em 1431, começam a perscrutar o mar vasto e, um dia, de uma dellas, Gonçalo Velho Cabral descobre as _Formigas_. Um anno depois, em 1432, descobre ainda _Santa Maria_. As expedições maritimas portuguezas, desde então, succedem-se ininterruptamente e, annos depois, é descoberta grande parte das ilhas do archipelago dos Açores pelo mesmo Gonçalo Velho e depois as do Cabo Verde (1460) por Antonio Gomes e Diogo de Nola. Em 1435, já o mappa-mundi de Bechario representa a Antilia e outras ilhas, a oéste dos Açores, acompanhadas da seguinte legenda:--_Insule de novo reperte_ (ilhas recentemente descobertas.) Em 1436, um anno após, apparecem o mappa-mundi de André Bianco e o seu portulano cujas cartas já representam o mar de Baga, o mar dos Sargaços, as Antilhas e o Brazil, figurando este como se fosse uma grande ilha. Em 1447, uma nau parte do Porto e descobre a Groelandia aonde os marinheiros desembarcaram. No entretanto, do celebre promontorio de Sagres, o infante d. Henrique vê sumirem-se no mar intermino as caravelas, que successivamente iam partindo á descoberta, e já em 1448, numa carta do portulano de André Bianco, tratando dos descobrimentos dos portuguezes, se regista o Brazil de uma forma precisa, na parte oéste e sul do Cabo de S. Roque, ao sul das ilhas do Fogo e Brava de Cabo Verde, na sua verdadeira posição, em frente á costa africana, sendo designado por _ilha authentica_ e assignalada a sua distancia exacta de 1500 milhas do archipelago de Cabo Verde. Esta carta do portulano de Bianco, bem como os anteriores de 1436 mostram, pois, meus senhores, que o Brazil foi descoberto em 1435, ou antes, por navegantes portuguezes e que até das Antilhas já havia noticia nessa época. Mas, não fica nisto. As caravelas portuguezas continuam a singrar o mar tenebroso e, em 1452, Diogo de Teive e seu filho João de Teive descobrem as ilhas Corvo e das Flores e chegam á latitude da terra que se chamou mais tarde «do Lavrador» (porque a descobriu um portuguez deste nome) não desembarcando nella com receio do inverno. Em 1460 morre o infante d. Henrique, deixando reconhecida toda a costa africana até Serra Leôa e legando ainda á sua patria os descobrimentos dos archipelagos dos Açores, de Cabo Verde e do Brazil. A morte do infante não faz, porém, arrefecer o enthusiasmo lusitano pelos descobrimentos e já dois annos depois, em 1462, d. Affonso V, por carta regia de 29 de outubro, faz doação a seu irmão o infante d. Fernando, filho adoptivo de d. Henrique e seu herdeiro universal, de uma terra achada no mar alto, a noroeste das ilhas Canarias e da Madeira, que Gonçalo Fernandes havia descoberto. Essa terra não podia ser outra senão a America. Mezes antes, por carta régia de 19 de fevereiro, esse mesmo Affonso V havia feito doação a João Vogado de duas ilhas por elle descobertas no _mar oceano_, ás quaes dera os nomes de Lono e Capraria. Nos documentos da época, a expressão _mar oceano_ era usada para designar o mar que banhava a America, que então ainda não tinha esse nome. Esta doação a João Vogado prova que as duas ilhas Lono e Capraria eram ilhas ou pontos da costa americana. Onze annos depois, em 1473, d. Affonso V, por carta régia de 12 de janeiro, faz doação á sua sobrinha d. Beatriz, filha do infante d. Fernando, de uma ilha que apparecera, em 1468, através da ilha de Santiago, e que era uma das Antilhas, aonde só 24 annos depois aportou Colombo. Convém notar que esta descoberta é feita por navegadores portuguezes 5 annos antes da chegada de Colombo a Lisboa. Do exposto se conclue que as proprias Antilhas já tinham sido descobertas pelos portuguezes muitos annos antes de Colombo lá ir tomar dellas posse para a corôa da Hespanha. Todas estas consecutivas viagens para o occidente formam uma série que já constitue uma brilhante e indiscutivel documentação da prioridade dos portuguezes na descoberta da America. Mas ha ainda outros e valiosos documentos que melhor provam esta asserção áquelles a quem ella possa parecer um pouco vaga. Vejamos quaes são. Em 1472, tendo vagado a capitania da Ilha Terceira por fallecimento de Jacome de Bruges, a infanta d. Beatriz fez doação a João Vaz Côrte Real da capitania dessa ilha, na parte de Angra, doando a parte da Praia a Alvaro Martins. Na carta de doação, encontram-se as seguintes palavras: «havendo eu, por informação, estar ora vaga a capitania da ilha Terceira de Jesus Christo... por se affirmar ser morto Jacome de Bruges... houve por bem de a partir entre o dito João Vaz e o dito Alvaro Martins, mandei ao dito João Vaz que escolhesse e elle escolheu a parte de Angra... E considerando eu, de outra parte, _os muitos e grandes serviços_ que o dito João Vaz Côrte Real, fidalgo da casa do dito senhor meu filho, tem feito ao infante meu senhor e seu padre que Deus haja (é o infante d. Fernando), e depois a mim e a elle, _em galardão_ dos ditos serviços, lhe fiz mercê da dita capitania da ilha Terceira.» Annos após, em 1488, confirmando essa doação, o duque de Vizeu, filho de d. Beatriz, alludiu aos _grandes serviços_ de João Vaz Côrte Real a seus paes, dizendo: «querendo lhe fazer graça e mercê pelos _muitos serviços_ que tem feito ao infante meu senhor e padre, que Deus haja, e a mim, espero que ao deante fará.» Quem era esse João Vaz Côrte Real, que assim era galardoado e que serviços relevantes eram esses que havia prestado para receber tal galardão? Era um homem que, nesse mesmo anno de 1472, vinha de chegar da _Terra Nova_ ou _Terra dos Bacalhaus_, trazendo essa nova descoberta americana para a corôa portugueza, vinte annos antes de Colombo aportar ás Antilhas. As provas desta descoberta de João Vaz não escasseiam e encontram-se: 1.º--Na carta relativa á America do Norte do Atlas de Fernão Vaz Dourado, existente na Torre do Tombo, onde se lê, na parte referente á Terra Nova, a seguinte designação: _B. de João, Terra de João Vaz_. 2.º--No mappa-mundi do Atlas de Jomard, feito em pergaminho por ordem de Henrique II da França (1547-1559), onde a mesma designação para a Terra Nova se encontra. 3.º--No mappa-mundi de Mercator, do mesmo Atlas de Jomard, onde vem por extenso, designando a Terra Nova--_Terra de Joam Vaz_, _Rio de Joam Vaz_. 4.º--Num manuscripto feito entre 1672 e 1711 nos Açores, onde melhor se conheciam os descobrimentos de João Vaz, no qual é encontrada a seguinte referencia á doação de d. Beatriz a João Vaz: «Estando as cousas nesta forma, morreu o capitão Bruges, não deixando herdeiros. Chegaram então á ilha dois fidalgos que vinham de descobrir a _Terra do Bacalhau_; estes pediram a ilha a d. Beatriz, mulher do infante d. Fernando, por serviços que lhe tinham feito, lhes fizesse mercê da capitania da ilha Terceira, a qual ella lhe concedeu. A João Vaz Côrte Real, que era um destes fidalgos, ficou a de Angra.» 5.º--Finalmente, nestes trechos das _Saudades da Terra_, de Gaspar Fructuoso, nascido nos Açores em 1522: «João Vaz Côrte Real, primeiro capitão da ilha Terceira da parte de Angra, por serviços que fez a el-rei de Portugal nas guerras contra Castella, andando por _capitão de grossa armada_; do qual dizem que foi _tão grande aventureiro no mar que neste Reino não tem segundo_; e alguns querem dizer que descobriu a mesma ilha Terceira e _algumas partes do ponente e do Brazil, Cabo Verde_, onde foi o primeiro que houve vista da _ilha do Fogo_... e vindo, como atrás tenho dito, João Vaz Côrte Real do _descobrimento da Terra dos Bacalhaus que, por mandado de el-rei foi fazer_, lhe foi dada a capitania de Angra, da Ilha Terceira e da ilha de S. Jorge... Dizem alguns que Jacome de Bruges, primeiro capitão da ilha Terceira de Jesus Christo, era flamengo... e, estando-a povoando veio ter ahi João Vaz Côrte Real... e vinha do _descobrimento da Terra Nova do Bacalhau_ e o Jacome de Bruges o recolheu e lhe disse que lhe largaria metade da ilha, a qual acceitou, e depois Jacome de Bruges se foi para sua terra e desappareceu, de maneira que não tornou mais, e a infanta d. Beatriz, por vaga, deu a ilha ao dito João Vaz Côrte Real.» Não ha nada de mais positivo, de mais claro e comprovante, do que estes cinco documentos, que venho de citar, no ultimo dos quaes se allude, nada menos de trez vezes, ao descobrimento feito por João Vaz Côrte Real da _Terra Nova_ ou _Terra do Bacalhau_, na America do Norte, em 1472, vinte annos antes de Colombo aportar ás Antilhas. Mas, não foram sómente João Vaz e outros navegadores portuguezes, já citados, os precursores de Colombo na descoberta da America. João Vaz Côrte Real tinha tres filhos--Vasco Annes, Miguel e Gaspar Côrte Real--os quaes, como o pae, foram ousados navegantes, principalmente o ultimo, Gaspar, que ficou captivo dos indigenas numa das suas viagens á America. A carta regia de 12 de maio de 1500, fazendo doação a Gaspar Côrte Real de terras que vae descobrir (carta passada poucos dias após a chegada de Cabral ao Brazil, chegada essa de que ainda não havia noticia em Portugal) regista importantes trabalhos do mesmo Gaspar, anteriores ás duas viagens suas de que ha noticia e refere-se _ás suas explorações maritimas feitas com muito trabalho, despeza e perigos, realizadas por Gaspar á sua custa com seus navios e homens_. Diz ainda essa carta de doação que _elle vae continuar a descobrir_ ou reconhecer _ilhas e terra firme_ das quaes lhe são outorgadas as capitanias. A expressão vae _continuar a descobrir_, empregada na carta regia, significa que Gaspar já havia anteriormente feito descobertas. Infelizmente, Gaspar Côrte Real, partindo de Lisboa em 1501 para uma nova exploração na America, por lá ficou captivo dos naturaes, voltando todavia ao reino os dois navios que o haviam acompanhado. Em 1502, seu irmão Miguel sahiu com outros dois navios no intuito de o procurar e remir, mas tambem não regressou. Vasco Annes quiz ainda ir em busca dos dois irmãos, mas D. Manoel não lh'o consentiu. Documentos posteriores ao desapparecimento dos dois irmãos, Gaspar e Miguel Côrte Real, registam os seus feitos e os de seu pae João Vaz. Taes são: a carta régia de 17 de setembro de 1506 e principalmente a 4 de maio de 1567, de doação a Manoel Côrte Real, filho de Vasco Annes e neto de João Vaz, na qual se encontra a seguinte phrase: «seu pae e tios mandaram descobrir a Terra Nova». Mas, anteriormente, a carta régia de 4 de novembro de 1501, de d. Manoel--o venturoso--filho do duque de Vizeu e de d. Beatriz, concedendo a tença de 30.000 cruzados a Miguel Côrte Real por serviços feitos a d. João II, que falleceu em 1495, fixa ás viagens maritimas dos Côrtes Reaes uma data anterior a 1495. Ora, a sete de junho de 1494, d. João II assignou com a Hespanha o tratado de Tordesillas, abrangendo na demarcação portugueza não só a costa do Brazil (aonde Pedro Alvares Cabral só aportou _6 annos depois_) como a terra dos Côrtes Reaes, isto é, a _Terra Nova_ ou _dos Bacalhaus_, o que prova que a descoberta dessa terra é anterior ainda a 1494. Por ultimo, Bartholomeu las Casas, amigo de Colombo e companheiro do genovez numa das suas viagens ás Antilhas, na sua _Historia das Indias_, apontando ingenua e sinceramente as indicações que Colombo teve para ir ás Antilhas, indicações, aliás, confessadas pelo proprio Colombo, cita, entre outras, as viagens dos Côrtes Reaes, empregando estas expressões: «Os Côrte Reaes que foram em diversos tempos buscar _aquella terra_.» E isto prova ainda que o descobrimento da _Terra Nova_ ou _dos Bacalhaus_ e, portanto, da America, é anterior á primeira viagem de Colombo ás Antilhas, isto é, anterior a 1492 e mesmo anterior a 1484, porque foi em 1484 que Colombo sahiu de Portugal, onde obteve taes indicações e onde viu e conheceu Miguel e Gaspar Côrte Real, filhos de João Vaz Côrte Real, e Affonso Sanches, que descobriu as Antilhas de 1473 a 1484. As expressões que Las Casas emprega, referindo-se ás confissões feitas pelo seu amigo Colombo são as seguintes, que reproduzo textualmente: «_Disse_, pois, Christovam Colombo entre outras cousas _que poz em seus livros por escripto_... e accrescentou mais que tinha visto dois filhos do capitão que descobriu a ilha Terceira, que se chamavam Miguel e Gaspar Côrte Real, _ir em diversos tempos a buscar aquella terra_.» _Aquella terra_ era a _Terra Nova_ ou _Terra dos Bacalhaus_. Ainda relatando Las Casas as indicações e informações que conduziram Colombo ás Antilhas, cita a viagem de Vicente Dias e mais uma outra a respeito da qual assim se exprime: «uma caravela ou navio que tinha sahido de um porto de Hespanha (não me recordo ter ouvido indicar qual fosse, ainda que creio que do reino de Portugal, se dizia)... veio... parar a estas Antilhas e que esta caravela foi a primeira que as descobriu. Que isto assim acontecesse alguns argumentos ha para demonstral-o.» E ajunta que o piloto dessa caravela, «que alguns escriptores hespanhóes chamam Affonso Sanches e dão como natural de Cascaes, recolhido por Colombo em sua residencia na ilha da Madeira, ao sentir perto a morte lhe revelara o segredo e lhe dera por escripto os rumos e caminhos que tinham levado e trazido por carta de marear e pelas alturas e paragem aonde estava a ilha.» Esta confissão de Las Casas, amigo e companheiro de viagem de Colombo, é importantissima. Diz ainda Las Casas que, quando foi com Colombo ao primeiro descobrimento de Cuba, «os indios vizinhos daquella déram noticia de terem chegado a esta ilha Hespanhola outros homens brancos e barbados, como nós outros, _antes que nós outros não muitos annos_.» Mas, não fica nisto. Em 1501, Pietro Pasqualigo, referindo ao senado de Veneza a segunda viagem de Gaspar Côrte Real á America, disse que Gaspar e seus companheiros acreditavam que «a terra achada era firme e estava ligada com a outra (Terra dos Papagaios ou Brazil) que o anno passado (1500) foi descoberta por outras caravelas de S. Magestade, acreditando estar ligada com as Antilhas.» Humboldt confirma este conceito, quando diz «que antes mesmo das viagens de Colombo a Honduras e Veragua, em outubro de 1501, já se sabia em Portugal que as terras do norte eram cobertas de neve e gelo, contiguas ás Antilhas e á terra dos Papagaios _novamente_ achada.» E admiradissimo, Humboldt accrescenta: «esta _adivinhação_ que proclama, apesar da ausencia de tantos élos intermediarios, uma ligação continental entre o Brazil e as terras geladas do Lavrador _é muito surprehendente_.» Nem foi _adivinhação_ nem _cousa para surprehender_; os élos intermediarios, estabelecendo a ligação continental entre o Brazil e as terras geladas do Lavrador, existiam e eram conhecidos dos portuguezes pelas viagens e descobrimentos que haviam feito na sua pertinancia de procurar o caminho para a India, navegando constantemente para o occidente e para o sul, desde 1431. Ora, todos os documentos que citamos demonstram de um modo cabal e decisivo que os descobridores da Terra Nova e portanto da America do Norte foram João Vaz Côrte Real e seus filhos e que este descobrimento foi feito muitos annos antes que Colombo aportasse ás Antilhas. Mas o estudo dos documentos portuguezes e castelhanos que o sr. Faustino da Fonseca exhumou da Torre do Tombo, dos archivos açorianos e hespanhóes e a que deu publicidade no seu luminoso livro, referentes ás viagens maritimas dos seus antepassados, provam de um modo incontestavel que desde 1435, ou antes havia em Portugal conhecimento perfeito de terras americanas (o Brazil ou terra dos Papagaios com a sua posição determinada no mappa de Bianco e a sua distancia de 1500 milhas entre as ilhas de Cabo Verde e o Cabo de S. Roque precisamente marcada no mesmo mappa) e tambem que, desde 1475, as viagens dos portuguezes para o occidente já se realizavam, não tanto no empenho de procurar por ahi o caminho para chegar á India, como no de «colonizar, de aproveitar as terras americanas e nellas commerciar, como se commerciava na costa africana e nas ilhas dos seus mares.» Era pelo sul da costa da Africa que os navios da corôa portugueza procuravam o caminho do oriente e as viagens á Guiné eram então privativas dos navios reaes, não podendo os particulares emprehendel-as. Já para o occidente a navegação era francamente aberta ás naus dos particulares, dando-lhes ensejo ás descobertas e explorações commerciaes. A carta de doação a Fernão Dulmo, em 1486 e a confirmação do seu contracto com João Affonso Estreito, feita pela carta regia de D. João I, vem demonstrar de um modo cabal, como muito bem diz o sr. Faustino da Fonseca, «a existencia de trabalhos de mór importancia relativos á America em que se não trata já da descoberta, mas da posse effectiva, da conquista, da occupação.» Nessa carta de doação diz o rei que Fernão Dulmo, capitão da ilha Terceira, «lhe queria dar achada ao occidente uma grande ilha, ou ilhas, ou terra firme por costa», ilha essa que se presumia ser a das Sete Cidades, e isto prova «que não se julgava ser a India, como pensava Colombo, nem Catay, nem Cypango, terras do oriente, que o genovez procurava e que até morrer julgou ter descoberto.» Era uma outra terra a que se dava o nome de Sete Cidades por causa de uma velha lenda. Effectivamente, o que Fernão Dulmo queria dar ao rei _achada_ era, não uma ilha, mas terra firme, isto é, um continente. Dava-lhe a carta regia poder e autoridade para tomar posse real e autual de todas ilhas e terra firme que descobrisse, «podendo enforcar, matar e applicar toda outra pena criminal» e accrescentava que, «se as ilhas e terra firme não quizessem sujeitar-se, elle rei mandaria com Fernão Dulmo gentes e armadas de navios para as sujeitar.» Tão amplas eram as autorizações e poderes conferidos a Fernão Dulmo, contrastando com as restricções feitas nas doações anteriores, nas quaes a corôa reservava para si «a alçada de morte ou talhamento de membro,» que taes concessões levam a crer, com relativa segurança, que na terra, que Dulmo queria dar _achada_ ao seu rei, já elle havia estado, havendo encontrado resistencia á occupação por parte da população indigena. Nessa terra do occidente, ou America, que Dulmo queria dar _achada_ á corôa portugueza, já elle estivera, portanto, em 1486, ou antes. Que tinha havido luctas na America entre os donatarios e os indigenas prova-o ainda a carta de doação a Vasco Annes Côrte Real na qual se refere que Miguel Côrte Real (irmão de Vasco Annes), ao partir, em busca de seu irmão Gaspar, que ficara captivo das tribus americanas na terra onde aportara, ia «buscar, achar e remir o dito seu irmão.» Que Fernão Dulmo estivera na America em 1486, ou antes, prova-o ainda o contracto por elle feito com João Affonso Estreito pelo qual este fazia todas as despesas da expedição, e ainda o prazo marcado para irem e voltarem, ficando Dulmo com o commando da frota durante os primeiros 40 dias e assumindo-o João Affonso após esse tempo, o que significa que Fernão Dulmo estava seguro de attingir a terra achada em 40 dias e que João Affonso não receiava empregar o seu capital numa empresa temeraria, seguindo com o seu socio para o desconhecido. Estabelecia o contracto que as caravelas seriam abastecidas para 6 mezes ou 180 dias approximadamente. E dahi se deduz que, sendo precisos 80 dias para a viagem de ida e de volta, ficavam 100 dias para a permanencia na America, para a exploração, marcação e divisão das capitanias de que eram donatarios os dois associados e, finalmente, para a sujeição dos indigenas. A confiança de João Affonso Estreito na expedição era tal que, além de todas as despesas com o abastecimento das caravelas e sua equipagem, ainda deu 6.000 reaes brancos a Fernão Dulmo. Ora, o conhecimento que temos de Colombo ter gasto, posteriormente, 48 dias na sua primeira viagem de regresso das Antilhas, com atrasos devidos a temporaes e a uma arribada á ilha de Santa Maria, e ainda o facto de Pedro Alvares Cabral ter gasto 43 dias na sua viagem ao Brazil, _apesar da calmaria que encontrou_, e ainda a circumstancia de ter gasto Colombo, exactamente, 40 dias na sua viagem de Cadiz á Dominica, prova que 40 dias era o tempo, em média, preciso para ir da Europa á America e que, portanto, o facto de tal prazo ter sido fixado no contracto de Dulmo com João Affonso Estreito mostra que Dulmo tinha perfeito conhecimento do tempo que era preciso para chegar á terra _achada_ por elle em 1486, ou antes, e que essa terra era positivamente a America. Desta expedição de Dulmo fazia parte um allemão chamado Martim Behaim, que o Dr. Monetario, ou Montaro, na sua carta a d. João II, chama Martinho Bohemio. Ora, este allemão, que, de 1484 a 1486, acompanhou Diogo Cão, como cosmographo, rezidindo nos Açores de 1486 até 1490, seguia a opinião dos antigos de que o caminho para a India era pelo occidente. Foi, pois, nesta viagem de Dulmo que Behaim obteve o conhecimento da costa Americana, o qual registou depois no globo que construiu ao regressar á Europa e que tambem representou no mappa, que existia no erario do rei de Portugal e ao qual allude Pigaffeta. Nesse globo terraqueo de Behaim foram representados a peninsula da Florida, o golfo do Mexico e as Antilhas, embora sem estas denominações. Estes trabalhos geographicos de Behaim confirmam que Dulmo estivera na America do Norte e estabelecem de um modo preciso que as terras achadas por elle eram a Florida, as Antilhas e o golfo do Mexico. Em 1499 fez d. Manuel doação a João Fernandes Lavrador da capitania da ilha ou ilhas que elle _descobrir ou achar novamente_. Não tendo meios para custear a expedição, João Fernandes Lavrador associou-se a Francisco Fernandes e João Gonçalves, escudeiros, naturaes dos Açores, e com tres negociantes inglezes de Bristol, os quaes, provavelmente, forneceram o capital preciso, e com elles obteve do rei Henrique VII da Inglaterra nova carta de doação das terras que descobrisse. A expedição seguiu a sua rota e conseguiu descobrir a terra avistada em 1452 por Diogo de Teive e seu filho João de Teive, á qual foi dada o nome de Terra do Lavrador, que era o do seu novo descobridor e donatario. Ora, João Fernandes Lavrador, quando organizou a expedição, já sabia da existencia da terra que _ia achar_ porque nella estivera com Pedro de Barcellos de janeiro a abril de 1492, e o fim de sua expedição com os negociantes de Bristol não era outro senão tomar posse da terra anteriormente achada. Portanto, ainda alguns mezes antes de Colombo, que só a 8 de agosto de 1492 partiu para as Antilhas, dois navegantes portuguezes, João Fernandes Lavrador e Pedro de Barcellos haviam estado na America. Assim, synthetizando esta série de provas de ida e estada de navegantes portuguezes na America, anteriormente a Colombo, encontra-se o seguinte quadro chronologico registador dessas viagens e descobrimentos: 1436--Regista André Bianco nas suas cartas e no seu portulano as descobertas do Brazil ou Antilia, Mar de Baga e Mar de Sargaços. 1447--Um navio parte do Porto e vae á Groelandia onde os marinheiros desembarcam. 1448--Regista André Bianco nas suas cartas a existencia do Brazil á distancia precisa de 1500 milhas comprehendidas entre as ilhas do Cabo Verde e o Cabo de S. Roque. 1452--Diogo de Teive e seu filho João descobrem a ilha das Flores e chegam á latitude da terra do Lavrador. 1472--Descobre João Vaz Corte Real a Terra de João Vaz, ou Terra Nova, ou Terra dos Bacalhaus, na America do Norte. 1473-1484--Affonso Sanches descobre as Antilhas. 1487--Viagem á America de Fernão Dulmo e João Affonso Estreito, acompanhados de Martim Behaim, que registou, depois, no globo terraqueo que construiu e no mappa do erario real portuguez, a existencia da peninsula da Florida, das Antilhas e do golfo do Mexico. 1492--Descoberta, entre 30 de Janeiro e 14 de abril, da terra do Lavrador, por João Fernandes Lavrador e Pedro de Barcellos. Todas estas viagens, todos estes descobrimentos são anteriores á primeira viagem de Colombo, realizada a 8 de Agosto de 1492 e estabelecem a prioridade dos navegantes portuguezes no descobrimento da America. A carta do dr. Jeronymo Montaro, ou Monetario, de Nuremberg, a d. João II, em 1493, quando ainda ignorava a primeira viagem de Colombo ás Antilhas, aconselhando o monarcha lusitano a que demandasse a India pelo caminho do occidente, confirma o conhecimento que tinham os portuguezes das terras americanas. Ignorando, como Colombo (que até morrer suppoz sempre que chegando ás Antilhas havia chegado á India) que as terras do occidente constituiam um novo continente, formando a parte quarta do universo até então conhecido, o dr. Montaro elogia na sua carta o saber dos mareantes portuguezes, usando das seguintes expressões: «sabios que navegaram a _largura do mar_, que tomaram o caminho dos Açores por quadrantes chilindricos e astrolabio e outros engenhos, onde _nem frio nem calma os anojara_ e mais navegaram a _praia oriental_ sob uma temperança (temperatura) muito temperada do ar e do mar.» Nestas expressões--_navegaram a largura do mar, tomando o caminho dos Açores_--(que era o ponto de partida dos navegantes que iam ao novo continente) põe Montaro em evidencia as viagens dos portuguezes á America, muito embora ignorasse que essa terra era o Novo Mundo. Empregou a expressão _praia oriental_ suppondo sempre que era a India cujo caminho pelo oriente já havia sido descoberto, cinco annos antes, por Bartholomeu Dias, quando em 1487 dobrara o cabo da Boa Esperança, indo em busca do reino do Prestes João. Não admira que o dr. Montaro estivesse nessa ignorancia quando Colombo permanecia nella e insistia em acreditar que a America era a Asia e que, atravez della, havia um caminho por agua, que abreviava a viagem pelo occidente para a India. Esse caminho, que o audaz e astuto genovez embalde procurou até morrer, existia de facto, mas, em vez de abreviar, alongava a viagem para a India. Esse caminho, que elle nunca conseguiu achar, descobriu-o ainda um portuguez, Fernão de Magalhães, quando, a soldo da Hespanha, mas com marinheiros portuguezes e com o cosmographo portuguez Ruy Faleiro, transpoz o estreito a que ligou o seu nome, no extremo sul da America, e fez a primeira viagem de circumnavegação, dando a volta ao mundo e confirmando a doutrina da espheroicidade da terra. De tudo o que fica exposto resulta, meus senhores, de um modo indiscutivel, com uma veracidade esmagadora, que não foi Colombo quem teve a prioridade na descoberta da America e que essa grande gloria cabe de direito e de facto aos destemidos e desinteressados navegantes portuguezes do seculo XV, que á America foram e que na America estiveram muito antes do genovez. Qual delles, qual desses ousados lusos, precursores de Colombo, foi o primeiro a pôr o pé no solo americano? Evidentemente, aquelle que, em 1435, ou antes, segundo o registo de André Bianco, descobriu o Brazil. Desse, infelizmente, a historia não guardou o nome. Mas, daquelles que foram á parte norte da America e que lá estiveram, dando-lhe o seu nome, ha noticia; e o que firmou o direito á prioridade na descoberta foi evidentemente João Vaz Corte Real que, em 1472, vinte annos antes de Colombo, descobriu a _Terra Nova_, que os mappas, portulanos e manuscriptos da época designaram por essa denominação, pela de _Terra dos Bacalhaus_, pela de _Terra de João Vaz_ e ainda de _Terra dos Corte Reaes_, em homenagem ao grande navegante luso e a seus filhos, que á mesma terra foram, no mesmo ardor empenhados de engrandecerem a sua patria. * * * * * Mas, vejamos agora quem era Colombo e o que fez elle, não para _descobrir_, mas para _chegar_ á America e de uma parte della tomar posse official para a corôa de Hespanha. Por uma ironia da sorte, Colombo, nascido em Genova em 1450, veio ao mundo dois annos depois daquelle (1448) em que André Bianco registou no seu mappa a existencia do Brazil a 1.500 milhas das ilhas de Cabo Verde, tres annos depois que um navio portuguez foi á Groenlandia, e apenas dois annos antes daquelle em que o navegante portuguez Diogo de Teive chegou á latitude da Terra do Lavrador, terra americana que João Fernandes Lavrador e Pedro de Barcellos ainda descobriram e della tomaram posse em 1492, mezes antes de Colombo chegar pela primeira vez ás Antilhas. Filho de uma familia de operarios, era Colombo um tecelão, que apenas apprendera a ler e a escrever e que, até aos 23 annos de edade, se conservara sem fazer estudos universitarios, sem seguir a carreira maritima, sem nada saber de cosmographia nem de pilotagem. Indo para Savone, em 1470, ahi estabeleceu uma taverna e ahi se conservou durante dois annos. Não lhe sorrindo a fortuna como taverneiro, foi, em 1473, para Portugal, e fixou-se na ilha da Madeira, onde abriu uma casa de pasto, e onde casou com uma rapariga portugueza, filha de um tal Bartholomeu Perestrello, mareante, já então fallecido. Na Madeira nasceu-lhe o primeiro filho e na Madeira começou elle a apprender nautica nos documentos, instrumentos e mappas de Perestrello, que a sogra lhe forneceu. Mais tarde, ficou sabedor da exacta situação das Antilhas pelos papeis de Affonso Sanches[1], que as descobriu, que em sua casa de pasto se hospedou e que ahi falleceu. Creio que ainda existe na Madeira essa casa que Colombo habitou. É Bartholomeu de las Casas, o amigo e companheiro de Colombo numa das suas viagens, quem, na sua _Historia das Indias_, nos dá conta desse episodio da vida do genovez em Portugal. Referindo-se aos objectos de Perestrello, que a sogra dera a Colombo, diz: «eram instrumentos e escriptos e pinturas (cartas e mappas), convenientes á navegação, os quaes deu a sogra ao dito Colombo, que com a vista delles muito se alegrou.» E accrescenta: «_com estes se crê haver sido instigada a sua natural inclinação_.» [Nota de rodapé 1: Affonso Sanches descobriu as Antilhas de 1473 a 1484.] Quando Colombo chegou a Portugal já ahi eram conhecidas as cartas hydrographicas planas inventadas pelo infante d. Henrique, e foi durante a sua permanencia no reino que o portuguez Fernando construiu a primeira bussola completa com a rosa dos ventos e que a junta dos cosmographos do rei aperfeiçou o astrolabio, assim como as taboas astronomicas applicadas á navegação. Vivendo no meio de uma grande familia de navegadores, sabios, como o testemunhou mais tarde o sabio dr. Montaro, de Nuremberg, conhecedor das viagens e descobertas dos portuguezes, é natural que Colombo, instigado pela mulher e pela sogra, fascinado pelos instrumentos e documentos que recebeu e por outros que manuseou e consultou depois, estimulado pelas audacias felizes dos mareantes lusos, quizesse tentar fortuna pelo mar e procurasse obter a pratica da navegação que de todo lhe faltava. Para isso conseguir, embarcou em navios portuguezes e com pilotos portuguezes apprendeu a navegar. É ainda Las Casas quem nol-o affirma, quando diz, na sua já citada _Historia das Indias_: «resolveu ter por experiencia o que então do mundo pela de Ethiopia se andava e praticava pelo mar e assim navegou algumas vezes aquelle caminho em companhia de portuguezes, como pessoa já residente e quasi natural de Portugal.» Foi, portanto, em Portugal que Colombo apprendeu a navegar e foi ainda em Portugal que teve conhecimento exacto de terras ao occidente, terras que, obcecado pelas theorias de Toscanelli, Marco Polo e outros geographos e cosmographos antigos, elle suppoz sempre que fossem asiaticas. Foi então, depois de adquirida esta instrucção theorica e pratica, ministrada pelos portuguezes, que o genovez affagou a idéa de descobrir o caminho da India pelo occidente, indo á terra onde já havia chegado Affonso Sanches. Para conseguir os seus fins, procurou desde logo fazer relações com d. João II, rei de Portugal, o qual, longe de esconder delle as provas que possuia da existencia de terras ao occidente e ao sul, lh'as mostrou, como o proprio Colombo confessa, indicando-lhe nos mappas a situação da Terra Nova ou de João Vaz e a do Brazil ou Terra dos Papagaios. Ora, aconteceu, segundo informa Las Casas, que um dia, «soprando fortes ventos do poente, o mar trouxe ás costas das ilhas do Fayal e da Graciosa alguns troncos de pinheiros e ás da ilha das Flores dois cadaveres de caras mui largas e de feições differentes das dos christãos.» Guiado por estes indicios, e tendo conhecimento, como ainda informa Las Casas, da viagem do navio portuense que em 1447 tinha ido á Groelandia, da ida de Diogo de Teive em 1452 á latitude da Terra do Lavrador, das viagens de Vicente Dias, de Antonio Teive e de Affonso Sanches, de 1473 a 1484, da concessão a Fernão Domingues do Arco, em 1484, e das viagens de João Vaz Côrte Real e seus filhos, começadas em 1472, resolveu Colombo, certo da existencia de terras ao occidente, procurar um principe christão que o ajudasse e protegesse na empresa do descobrimento da India pelo poente. Foi então a Castella offerecer os seus serviços á corôa hespanhola. Diz Las Casas que, guiado pelas informações que possuia, «_Colombo tinha a certeza que havia de descobrir terras e gentes nellas, como si nellas pessoalmente tivesse estado_.» E foi isso, provavelmente, o que Colombo, munido de copias dos mappas que viu em Portugal, e conhecedor das viagens e das doações alli feitas, affirmou aos reis de Castella, assegurando-lhes, não que ia achar ou descobrir, mas tomar posse para a Hespanha de terras anteriormente descobertas pelos portuguezes, dessas Antilhas que Affonso Sanches descobrira, cuja situação os seus mappas e papeis lhe revelaram. Tal offerta elle não podia fazel-a ao rei de Portugal, porque tinha a certeza de que seria recusada. Que poderia elle offerecer á corôa portugueza, que esta já não conhecesse? Accresce que, achando-se individado e sendo perseguido pelos credores, elle sentia necessidade urgente de sahir de Portugal e procurar no estrangeiro os meios de solver os seus compromissos. Eis ahi as razões pelas quaes deixou Portugal e foi á Hespanha, não no nobre intuito de descobrir terras e de praticar feitos que lhe dessem renome, mas no de ganhar dinheiro. Os que, como Humbolt, affirmam que Colombo foi, _por inveja_, maltratado em Portugal e, por isso, de lá sahiu, fugindo, faltam á verdade. Inveja de que? Que feitos, que emprehendimentos, que descobertas havia elle feito, quando deixou o reino portuguez, onde tudo foi apprender, para que delle alli tivessem inveja? Inveja poderia elle ter, e certamente tinha, daquelles que, arriscando a vida e a fortuna, já haviam dilatado o mundo, quando elle nada tinha feito até então. Mas, é elle proprio quem desmente os que affirmam que foi a inveja que o fez sahir de Portugal, quando, em uma carta ao rei de Castella, diz: «fui aportar a Portugal cujo rei entendia de descobrimentos mais do que nenhum outro.» E, em outra carta, accrescenta: «o grande coração dos principes de Portugal que ha tanto tempo proseguem na empresa de Guiné e tambem na de Africa onde gastaram metade da gente do reino...» Não teria elle feito taes elogios aos reis portuguezes se, _por inveja_, tivesse sido maltratado em Portugal. Que a causa principal da sua precipitada sahida de Portugal foram as dividas, deprehende-se claramente dos seguintes trechos da amistosa e protectora carta que d. João II, em 1488, lhe dirigiu: «E porque por ventura tereis algum receio das nossas justiças _por razão de algumas cousas a que sejaes obrigado_, nós por esta carta vos asseguramos pela vinda, estada e tornada, que não sejaes preso, retido, accusado, citado nem demandado por nenhuma cousa ou seja civil ou criminal de qualquer penalidade. E por ella mesmo mandamos as nossas justiças que a cumpram assim.» Eis ahi como cáe por terra a invencionice da inveja e como fica patente que as dividas foram a causa principal da fuga do genovez. Munido dessa generosa carta de D. João II, que é um salvo conducto, Colombo volta a Portugal e vae então offerecer ao rei os seus serviços na empresa dos descobrimentos e o rei os acceita, não para aproveitar-se delles, mas para reter Colombo junto a si, evitando que, por meio delle, Castella se apropriasse de terras que a Portugal já pertenciam. Mas, o astuto genovez, nem pelo facto de ficar ao serviço do rei de Portugal, deixa de conservar-se ao serviço da Hespanha de cujo thesouro havia recebido 14.000 maravedis[2] em 1487, mais 3.000 pouco depois e ainda 3.000 em junho de 1488, isto é, mezes depois de receber a carta de d. João II que lhe dava o salvo conducto para voltar ao reino!!... [Nota de rodapé 2: O maravedi valia cerca de 25 réis fortes.] Eis ahi patente a dualidade ambiciosa de Colombo, que fica ao serviço de Portugal e ao da Hespanha, simultaneamente, explorando a ambos sem escrupulos!... Essa dualidade elle a revelou ainda no proprio nome, pois assignava-se _Colon_ na Hespanha e _Colombo_ na Italia e em Portugal!!!... Ao fim de quatro annos dessa dupla exploração, consegue Colombo assignar um tratado com a corôa de Hespanha, obtendo della as tres caravelas de que carecia para ir á India pelo occidente e _achar_ terras que já tinham sido achadas pelos navegantes portuguezes. Por esse tratado, elle obteve as seguintes vantagens: «o grau de cavalleiro da espada dourada, os cargos de almirante mór do mar oceano, de vice-rei e governador perpetuo das terras que descobrisse, a decima de todas as rendas, e o direito de poder concorrer com o oitavo das despesas de todas as frotas, recebendo o oitavo dos lucros.» Que contraste resalta do procedimento deste aventureiro com o dos navegantes portuguezes que, antes delle, haviam ido á America,--como os Corte Reaes, Fernão Dulmo e Lavrador--que armavam as caravelas á sua custa, que, nisso consumiam as suas fortunas e se individavam, vindo, ao depois, offerecer ao seu rei e ao seu paiz as terras achadas, sem pedir favor nem retribuição alguma! Havia no tratado entre Colombo e os reis de Castella uma clausula pela qual fora estipulado que 10.000 maravedis seriam dados pela corôa e de alviçaras ao marinheiro da frota columbina que primeiro avistasse e annunciasse terra ao commandante. Esse marinheiro foi Rodrigo de Triana. Mas quando elle, do cesto da gavea, enthusiasmado apontou para o horizonte onde apparecia o relevo da terra desejada e, alegremente, a annunciou a Colombo, este declarou logo que, na noite anterior, já havia visto uma _luz_ e, estabelecendo com essa _luz_ a prioridade, apossou-se da gratificação que ao seu subordinado competia! Os que pela rama estudaram a vida deste aventureiro audaz exaltam a sua caridade christã, esquecendo: que, na sua primeira viagem ás Antilhas, nem padre elle levou na frota para chamar o gentio ao gremio da egreja; que, ao chegar ao golfo de Samaná, fez logo correr sangue, atacando os indigenas nús e quasi desarmados; que, não podendo enviar aos reis de Castella as promettidas e almejadas riquezas em especiarias, pedras e metaes preciosos, mandou navios carregados de escravos para serem vendidos e com o preço obtido pagar-se a despesa da viagem; que, de 1493 a 1496, governando a Hespaniola, que é o Haiti de hoje, exterminou barbaramente a terça parte da população; que, quando mandou Pedro Margarite reconhecer a ilha de Cuba, deu-lhe ordem para mutilar os indigenas que lá encontrasse; que, finalmente, quando ordenou a Hojeda (um dos pretensos descobridores do Brazil) que fosse prender o cacique Cahonaboa, deu-lhe instrucções para que o fizesse á traição, attrahindo-o com presentes, illudindo-o com fingida amizade e apoderando-se delle em seguida!!... Eis ahi o quilate da caridade christã de Colombo. Parece que a cavalheiresca Hespanha, a despeito de Colombo a ter enriquecido, sempre suspeitou desse _descobridor_, que a seu soldo trazia, pois, logo após a sua segunda viagem á America, perseguiu-o tenazmente, submettendo-o a um tribunal e, quando elle regressou da terceira, após dois mezes de prisão em calabouço, mandou que viesse a bordo preso a uma grilheta, como se fosse um bandido! Morto em 1506, ignorando sempre que a terra que alcançara para a Hespanha era a America, pois viveu sempre convicto de que era a Asia, nem depois de morto conseguiu descansar, pois os seus ossos andaram em viagens continuas de Valladolid, onde primeiro foi sepultado, para Sevilha, depois para o Haiti, depois para Cuba e, finalmente, de Cuba, de novo, para a Hespanha, onde actualmente param. E sendo genovez, a Italia, que aliás lhe ergueu uma estatua, não reclamou jamais as suas atormentadas cinzas, talvez por desconfiar da authenticidade desse pretenso filho cuja nacionalidade é ainda hoje discutida.[3] [Nota de rodapé 3: Vide _Nota A_ no fim da conferencia.] Eis ahi senhores, quem foi Colombo, e como foi que elle deu á Hespanha terras dessa America que os portuguezes haviam descoberto. Conhecidos os factos que venho de narrar, posso dizer agora, sem receio de contestação séria, que Colombo não descobriu a America, porque, 15 annos, pelo menos, antes delle nascer, já a America havia sido descoberta pelos navegantes lusos do primeiro terço do seculo XV. Como nota elucidativa e de importancia historica, cumpre-me accrescentar que, quando Colombo regressou da sua primeira viagem ás Antilhas e communicou a sua descoberta ao rei de Portugal, d. João II, logo este monarcha protestou energicamente, dizendo-lhe: «Que aquella conquista lhe pertencia e que suas eram as terras aonde elle chegára.» A este protesto do rei portuguez, respondeu Colombo hypocritamente, «que o não sabia e que os reis de Castella apenas lhe haviam ordenado que não fosse á Guiné nem á Mina.» Ao que retrucou d. João II: «Que tinha a certeza que nisso não haveria mistér de terceiros». Este dialogo, extrahido do diario da primeira viagem de Colombo, por elle proprio escripto, mostra que o usurpador da gloria alheia esquivava-se á responsabilidade directa do delicto por elle commettido, sciente e conscientemente, e que atirava essa responsabilidade para os hombros dos reis de Castella, como se fossem estes que tivessem ido ás Antilhas ou que o tivessem induzido a ir até lá!... Mas, deixemos Colombo e vejamos agora como foi descoberta esta parte do continente americano que se chama o Brazil. Desde o começo desta conferencia, vos disse que não foi Pedro Alvares Cabral quem descobriu o Brazil, pois o Brazil já estava designado e marcado nos mappas que a corôa portugueza possuia desde 1436, fixando André Bianco, desde 1448, a sua distancia das ilhas de Cabo Verde em 1500 milhas. Nesse mappa de 1448, que André Bianco traçou em Londres, _depois de haver passado por Portugal_, estava o Brazil representado ao sul das ilhas dos Hermanos do archipelago de Cabo Verde, ilhas que têm hoje a denominação de Brava e do Fogo. Na parte referente ao Brazil e correspondente ao Cabo de S. Roque, havia no mappa esta legenda: _Ixola otincticha xe longa a ponente 1500 mia_, cuja traducção é esta: «Ilha authentica (ou Antilia) 1500 milhas ao poente.» Ora, o cabo de S. Roque, como todos sabem, dista exactamente 1520 milhas das ilhas de Cabo Verde. Estes dois documentos bastam para deixar patente que, quando, em 1500, Pedro Alvares Cabral aportou a Porto Seguro da costa brazileira, fazia, no minimo, 65 annos que essa parte da America tinha sido descoberta. Foram ainda navegantes portuguezes que a descobriram e até o testamento de João Ramalho, escripto nas notas do tabellião Lourenço Vaz, na villa de S. Paulo, em 3 de maio de 1580, segundo o testemunho do frei Gaspar da Madre de Deus, que delle teve uma copia, o prova, pois, ahi, Ramalho, na presença do dito tabellião, do juiz ordinario Pedro Dias e de quatro testemunhas, declarou que estava no Brazil ha 90 annos, isto é, desde 1490, dois annos antes da ida de Colombo ás Antilhas e dez annos antes da chegada de Cabral a Porto Seguro. Prova-o ainda o tratado de Tordesillas, assignado em 1494 entre Portugal e a Hespanha, o qual, marcando para limites entre os dois reinos uma linha divisoria, do polo artico ao antarctico, distante 370 leguas das ilhas de Cabo Verde, abrangia na parte portugueza o Brazil, cujos limites foram traçados por esse meridiano. O mappa de Cantino, de 1502, regista essa linha divisoria e inclue, de accordo com o tratado, na parte portugueza, não só o Brazil como a Terra Nova ou de João Vaz e a Groelandia, assignalando tudo o que ficava á direita da linha divisoria com a bandeira portugueza e a parte á esquerda com a de Castella, com a seguinte legenda:--«Este é o marco dantre Castella e Portugal.» O açoriano Fructuoso, tratando de João Vaz Côrte Real, diz que elle «descobriu algumas partes do Poente e do Brazil», devendo, portanto, esta ultima descoberta ser anterior a 1500, pois João Vaz falleceu em 1496. Por um manuscripto de frei Diogo das Chagas, citado por Drumond nos seus _Annaes da Ilha Terceira_, sabe-se que, antes de 1496, tambem o navegante João Coelho veio ao Brazil. Em 1514, Estevam Fróes confirma este asserto, numa carta ao rei de Portugal, na qual lhe diz: «alegravamos que vossa alteza possuia esta terra ha vinte annos e mais (portanto, desde antes de 1494), e que já João Coelho... viera ter por onde nós outros vinhamos a descobrir e que vossa alteza estava em posse destas terras por muitos tempos.» O proprio Vasco da Gama, na sua primeira viagem á India, em 1497, passou proximo do Brazil, tendo signaes de terra em 22 de agosto, isto é, 19 dias depois que sahiu de Cabo Verde, como se verifica no Roteiro dessa sua viagem. No seu _Esmeraldo de situ orbis_ refere Duarte Pacheco, o celebre cosmographo, _que em 1498 estivera no Brazil_, provavelmente, como suppõe plausivelmente o sr. Faustino da Fonseca, no intuito de verificar, por ordem da corôa portugueza, os limites determinados pela linha divisoria do tratado de Tordesillas. Mestre João, physico mór de d. Manoel, e cosmographo da frota de Cabral, que na sua interessante carta ao rei, escripta de Porto Seguro, regista o Cruzeiro do Sul e marca para o Brazil a latitude de 17 graus, diz, entre outras cousas interessantes, referindo-se á terra brazileira, que a terra onde chegara, _já se achava traçada no mappa-mundi de Pedro Vaz da Cunha Bisagudo_, affirmando-o categoricamente na seguinte passagem da carta: «quanto, senhor, ao sitio desta terra, mande vossa alteza trazer um mappa-mundi, que tem Pedro Vaz Bisagudo, e por ahi poderá ver vossa alteza o sitio desta terra, ainda que aquelle mappa-mundi não certifica si esta terra é habitada ou não: é mappa-mundi antigo e ahi achará vossa alteza escripta tambem a Mina...» Portanto, o proprio cosmographo da frota de Cabral sabia, desde antes da viagem de 1500, que havia terra nesse rumo de sudoeste que a frota cabralina seguiu, como o sabia tambem Duarte Pacheco, o qual já nessa terra tinha estado em 1498. Tudo isto vem provar que, se Cabral não descobriu o Brazil, tambem o não descobriram os pretensos descobridores Vicente Yanez Pinzon, Diogo de Lepe e Alonso Hojeda, aventureiros, que só chegaram á costa americana em 1499, não podendo tomar posse da terra brazileira porque o tratado de Tordesillas de 1494 não consentia em tal. As proprias instrucções que o rei de Castella lhes deu em 1499, determinavam «que não tocassem nas terras de Portugal». Elles estiveram, de facto, em terras do Brazil, antes de Cabral, mas a descoberta dessas terras não lhes pertence. Não foram, pois, Cabral, nem Pinzon, nem Lepe, nem Hojeda, os descobridores do Brazil, podendo-se, porém, assegurar que essa gloria cabe incontestavelmente a navegantes portuguezes do seculo XV, embora seja difficil determinar qual foi desses intrepidos argonautas o primeiro que pisou o solo brazileiro. Á vista das cartas e portulanos de André Bianco, de 1436 e de 1448, pode-se affirmar que essa descoberta foi feita, como já disse, em 1435, ou antes. Vejamos, agora, como Cabral aportou a esta terra e della tomou posse official para a corôa de Portugal. O fim ostensivo, o fim apparente da expedição de Cabral era ir á India. O fim real, o fim verdadeiro era ir, primeiro, ao Brazil, delle tomar posse official, e, em seguida, fazer rumo para o Cabo da Boa Esperança, em demanda da India. Como já referi, a corôa portugueza, anteriormente á viagem de Cabral, havia enviado ao Brazil Duarte Pacheco, eminente cosmographo, que tambem veio na frota cabralina. O autor do _Esmeraldo de situ orbis_ aqui estivera, pois, em 1498, para verificar os limites da linha divisoria do tratado de Tordesillas, que, na parte portugueza, abrangia as terras dos Corte Reaes, a Groelandia e o Brazil, mas deste não havia tomado posse official. Tornava-se, pois, indispensavel a Portugal reconhecer e tomar posse, sem demora, dessa terra e, assim, guiando-se pelas informações de Duarte Pacheco e do proprio Vasco da Gama, bem como pelas de outros seus navegantes, que haviam aportado á Terra dos Papagaios, aproveitava a expedição á India para, de passagem, tomar posse official do Brazil. O Brasil era, portanto, um ponto de escala da viagem de Cabral á India, mas um ponto de escala forçado e já conhecido, pois sabia tambem a corôa portugueza, pelos mappas e portulanos de Bianco, que essa «Ilha authentica ou Antilia» ficava a 1500 milhas de distancia das ilhas Brava e do Fogo, do archipelago de Cabo Verde. Era a frota de Cabral composta de 13 naus, uma das quaes com mantimentos, e nellas embarcaram 1.200 homens, entre os quaes o capitão-mór Pedro Alvares Cabral, que commandava a nau capitanea, os capitães das outras naus Sancho de Toar, Simão de Miranda de Azevedo, Ayres Gomes da Silva, Nicolau Coelho, Bartholomeu Dias (o descobridor do Cabo da Boa Esperança), Diogo Dias, Gaspar de Lemos, Luiz Pires, Simão de Pina, Pedro de Atayde Inferno, Vasco de Atayde e Nuno Leitão da Cunha. Iam tambem na frota: Duarte Pacheco, autor do _Esmeraldo de situ orbis_, Mestre João, physico mór do rei, que ia como cosmographo, o escrivão Pero Vaz Caminha, diversos frades, entre os quaes frei Henrique de Coimbra, os pilotos Affonso Lopes, Pedro Escolar e outros que Vasco da Gama trouxera da India, diversos indios, um grumete negro da Guiné, alguns interpretes e varios degredados. Iam os navios de Cabral apparelhados e munidos do necessario para anno e meio de viagem, bem providos de artilheria, de munições de bocca, de armas brancas, como espadas e lanças, e, em cada nau, havia uma botica. Para o commercio, levavam as caravelas, velludos, setins, damascos, pannos de lã, coral, cobre, vermelhão, mercurio e ambar. Além disso, levavam os padres comsigo um orgão e alfaias de prata. Era, evidentemente, a maior, a melhor apparelhada e a mais garrida frota que partia da Europa. Em 15 de fevereiro de 1500 recebeu Cabral a carta de capitão mór e dos poderes de que ia revestido. Com essa carta foi-lhe dado o regimento pelo qual se devia guiar na viagem e, nesse regimento, que, na parte relativa ao rumo, fôra organizado por Vasco da Gama, estava traçada a rota que devia seguir. Nesse documento minucioso, recommendava-se ao capitão mór que «se afastasse da costa da Africa para encurtar a via e que, ao partir da ilha de Santiago em Cabo Verde, deviam os navios fazer o seu caminho pelo sul, _bordejando pelas bandas do sudoeste_... e, depois, na volta do mar, até metterem o Cabo da Boa Esperança, em leste franco.» O regimento não fala claramente em aportar á Terra dos Papagaios, mas estipula que, ao deixar Cabo Verde, «fáça a frota caminho pelo sul, bordejando pelas bandas de sudoeste» e sendo a missão secreta de Cabral tomar posse official dessa terra e devendo elle de ter necessidade de arribar a uma terra qualquer, antes da chegada ao Cabo ou á India, para abastecer a frota de agua e lenha e dar descanso á marinhagem, a terra do Brazil estava naturalmente indicada para tal fim. Accresce que, na frota, ia Duarte Pacheco que, tendo já estado no Brazil, saberia guiar Cabral com segurança a esse ponto de escala forçada da gran viagem, de antemão indicada pelo Gama. A rota traçada nas linhas e entrelinhas do regimento era, pois: seguir a frota de Lisboa á ilha de Santiago, de Cabo Verde, dahi seguir pelo sul, bordejando pelo sudoeste, até alcançar a costa da Terra dos Papagaios, dahi zarpar para o Cabo, dobral-o e seguir para a India. Esse rumo inda é o mesmo que hoje seguem os navios que vêm de Lisboa ao Brazil. Prompta a frota de Cabral, partiu ella do Tejo aos 9 de março de 1500, acompanhando-a o rei d. Manuel até fora da barra. Cinco dias depois, a 14 de março, passa a frota pelas Canarias onde encontra calmaria e onde permanece um dia; a 22, chega a Cabo Verde e, exactamente um mez depois, a 22 de abril, avista a terra brazileira, gastando, de Lisboa a Porto Seguro, 43 dias.[4] [Nota de rodapé 4: Vide _Nota C_ no fim da Conferencia] Dos historiadores que consultei, e não poucos foram, sobre a viagem de Cabral ao Brazil, attribuem uns ao _acaso_ esse feito, dizem outros que a frota fôra impellida para a nossa costa por um _forte temporal_, que a apanhou. Nenhum delles porém, explica em que altura a frota foi apanhada pelo temporal nem quanto tempo este durou. Ora, contra esse _forte temporal_ protestam energicamente os dois melhores documentos que possuimos da viagem de Cabral: as cartas que Mestre João, o cosmographo da frota, e Vaz Caminha, o escrivão, enviaram ao rei d. Manuel, de Porto Seguro, pela nau que dahi partiu a 1.º de maio, de regresso a Lisboa, para dar conta do feito ao monarcha. Nem o cosmographo nem Caminha falam de tal temporal, pelo contrario, o que dizem é que, durante a viagem, houve calmaria e que por causa della perdeu a frota um dia em frente ás Canarias. Temporal soffreu a frota, mas depois que deixou o Brazil e se fez vella para o Cabo, onde falleceu o seu descobridor Bartholomeu Dias. Não houve, pois, temporal na travessia até ao Brazil, nem o acaso interveio na chegada da frota cabralina a esta terra. O rumo a seguir tinha-lhe sido traçado; além disso, já nessa época tinham os portuguezes perfeito conhecimento das correntes maritimas e dos ventos geraes e sabiam aproveital-os de accôrdo com as rotas a seguir. O duplo fim de Cabral, tomando o rumo seguido e aportando ao Brazil, éra, como já o disse, abastecer-se de lenha e agua, dando descanso á marinhagem e tomar posse official da Terra dos Papagaios para a corôa portugueza. O _acaso_ e o _temporal_ têm, portanto, de ser banidos dos livros que se occupam do descobrimento da terra de Vera Cruz. O primeiro e grande historiador que o Brazil teve, ainda hoje o mais sincero e veridico, é Pero Vaz Caminha, o modesto escrivão, que narrou ao rei d. Manoel, numa commovente e encantadora carta, onde a minucia corre parelhas com a simplicidade, a historia da travessia, da chegada e da permanencia de Cabral na terra brazileira. Nessa longa missiva, escripta de Porto Seguro e datada de 1.º de maio de 1500, o consciencioso historiador dá conta ao seu rei e senhor de todas as peripecias da viagem, desde a partida de Lisboa até ao Brazil e ainda de tudo o que se passou durante os 12 dias em que a frota ficou ancorada em frente á costa brazileira. Persuadido de que o que mais interessaria a D. Manuel era o conhecimento exacto da terra reconhecida, da gente que a habitava, dos seus costumes e indole, das riquezas que possuia e da facilidade que poderia offerecer á colonização, não poupou minucias para pôr o rei ao corrente do que vira e do que lhe poderia ser proveitoso. É assim que elle descreveu com enthusiasmo e cores vivas o esplendor da natureza brazileira, a frescura, abundancia e potabilidade das nossas aguas, a brandura do clima, a belleza do nosso céo, onde rutilava o cruzeiro, referindo-se com interesse e insistencia á indole pacifica dos nossos indigenas, aos seus habitos e costumes, á belleza das suas formas, á sua completa innocencia, deprehendida da sua completa nudez, e á facilidade com que acceitavam a cathechese, parecendo-lhe empresa de pequeno esforço fazel-os christãos, chamando-os ao gremio da egreja. Tratando dos productos naturaes, descreveu a fauna e a flora que encontrou, accentuando que os incolas, haviam dado demonstrações evidentes aos da frota de que em terra havia ouro, prata e papagaios. Descrevendo o que fizeram os indigenas, que acudiram á praia, quando das naus partiram as primeiras almadias para o transporte de agua, diz que «os indios logo trouxeram cabaças e tomavam alguns barris que nós levavamos, enchiam-os de agua e traziam-os aos bateis». Este trecho da carta de Caminha prova que a frota cabralina começou logo por fazer aguada e prova tambem que os indigenas vinham offerecer agua aos homens brancos, como se já estivessem habituados a praticar esse serviço, repetindo actos praticados anteriormente; o que demonstra que não era a primeira vez que viam homens brancos e naus. A facilidade com que alguns dos naturaes se deixaram capturar e levar a bordo da nau capitanea, alli permanecendo e dormindo tranquilamente durante uma noite, como narra Caminha, prova ainda que os nossos indigenas já estavam familiarizados com os europeus, que já os conheciam, que conheciam os seus habitos e costumes, que delles não tinham receio. E isso é ainda uma prova indirecta de que os portuguezes já haviam estado no Brazil antes de Cabral aqui chegar. E, de facto, cá estiveram, porque já aqui estava João Ramalho, que havia chegado 10 annos antes e que tanto facilitou a missão de Martim Affonso, quando este aportou á antiga capitania de S. Vicente. Ao primeiro monte que avistou deu Cabral o nome de Monte Paschoal, á terra o nome de Vera Cruz, porque no céo rutilava o cruzeiro, e ao porto, onde definitivamente fundeou, o de Porto Seguro. Chegou o domingo de paschoela, e, narra Caminha, que o capitão mór deliberou ouvir missa e sermão em um ilhéo de Porto Seguro. Logo alli se armou o altar e frei Henrique de Coimbra officiou, cercado de todos os padres da frota. Foi essa a primeira missa, de que temos noticia exacta e circumstanciada, dita no Brazil, que forneceu assumpto para um dos mais bellos e suggestivos quadros de Victor Meirelles. Terminada a missa, frei Henrique subiu a uma cadeira alta, que lhe serviu de pulpito e dahi prégou, fazendo a historia do Evangelho, descrevendo a travessia e pondo a terra reconhecida por Cabral sob a protecção da Cruz. Á missa e ao sermão assistiram os naturaes que ao ilhéo acudiram e que ao depois, folgaram, fraternizando com os tripulantes da frota. Na nau capitanea discutiu-se depois se conviria tomar dois indigenas para envial-os ao reino, ou se seria preferivel deixar entre elles alguns degredados, sendo por grande maioria, adoptado de preferencia este ultimo alvitre, pois os degredados, ficando alli, apprenderiam a lingua dos naturaes e poderiam servir de interpretes, quando o rei mandasse nova frota ao Brazil para o colonizar; accresce que era do plano de Cabral, como foi mais tarde do de Martim Affonso, não hostilizar os indigenas, não lhes incutir desconfiança alguma, tratando-os com carinho e brandura, sem os violentar jámais, para assim não sahir dos preceitos da caridade christã e tel-os sempre como alliados. Para os ir habituando á vida com os brancos, que deviam ficar definitivamente com elles, foram logo enviados á praia e ahi deixados dois degredados, que deviam passar a noite com os naturaes; mas estes, sem os molestar, coagiram-nos a voltar ás naus. Quando os da frota ergueram num ponto elevado da costa, dominando o mar, a primeira cruz, que ficou em terra brazileira e que confirmou o nome de Vera Cruz, que Cabral lhe havia dado, os indigenas auxiliaram depois á abastecer as naus de lenha e de agua. E quando a maruja beijou a cruz erguida, os indios tambem a beijaram, pondo-se de joelhos, gestos que levaram Caminha a affirmar «que era gente de tal innocencia que, se os intendessemos e elles a nós, seriam logo christãos, porque, segundo parece, não têm nenhuma crença». E accrescenta, logo depois, na sua luminosa carta ao rei: «se os degredados, que hão de ficar, aprenderem bem a sua fala, não duvido, _segundo a santa tenção de vossa alteza_, fazerem-se christãos e crerem a nossa santa fé á qual praza Nosso Senhor que os traga, porque decerto esta gente é boa e imprimir-se-á ligeiramente nelles qualquer cunho que lhe quizerem dar... e, portanto v. alteza, pois tanto deseja accrescentar na santa fé catholica, deve entender na sua salvação, e prazerá a Deus que com pouco trabalho será assim.» Prova este trecho de carta do escrivão da frota que elle conhecia a tenção do rei, que sabia que o seu intento era chamar os naturaes das terras, por onde passasse a frota, ao gremio da egreja e que, ao contrario do que fizeram Colombo, Pinzon, Hojeda, Lepe e outros, era do seu programma assegurar a posse da terra reconhecida, conquistando os naturaes pela brandura e carinho, incutindo-lhes a fé christã. No dia primeiro de maio de 1500, vespera da partida de Cabral para o Cabo, nova missa foi dita por frei Henrique de Coimbra, não mais no ilhéu em que disséra a primeira, mas junto á cruz erguida em terra e á qual foi pregado o escudo das armas de Portugal. Ainda a essa missa assistiram os indigenas, imitando todos os gestos que viram fazer aos portuguezes e, depois do sermão, frei Henrique lançou ao pescoço de todos os que alli estavam, pequenos crucifixos de metal, que elles beijaram com satisfação e receberam com visivel empenho. Em seguida, foram-se os mareantes para as naus, deixando em terra dois degredados e no dia immediato, 2 de maio, a frota fez-se de véla para o Cabo da Boa Esperança, tendo regressado ao reino uma das caravelas, capitaneada por Gaspar de Lemos, para levar ao rei a noticia do reconhecimento officialmente feito da terra do Brazil e da sua posse para a corôa portugueza. A essa terra, que era conhecida pelo nome de Terra dos Papagaios e que Cabral denominou Vera Cruz, poz d. Manoel, em 1502, o nome de Santa Cruz, que foi posteriormente substituido pelo de Brazil, devido ao grande commercio do pau brazil que ella produzia. Dando conta, em carta, ao rei da Hespanha do reconhecimento do Brazil feito por Cabral, disse d. Manoel: «o capitão deixou alli dois degredados á mercê de Deus.» Um dos pilotos da frota explicou depois que esses degredados puzeram-se a chorar e que logo os naturaes os animaram, mostrando ter piedade delles. Vaz Caminha, na sua deliciosa carta, revela, que, além desses dois degredados, que foram abandonados em terra, dois grumetes da frota para ella fugiram e nella ficaram por sua livre vontade, o que significa que a gente que a habitava era pacifica e hospitaleira. Vem talvez dahi a herança dessa proverbial hospitalidade brazileira, que tanto surprehende e encanta os estrangeiros que visitam o nosso paiz. Eis, senhores, como foi descoberto o Brazil e como Cabral, 65 annos depois do seu descobrimento, o reconheceu e delle officialmente tomou posse para a corôa de Portugal, á qual aliás já pertencia pelo tratado de Tordesillas. Não coube, pois, a Cabral a grande gloria de descobrir o Brazil, mas coube-lhe a não pequena gloria de fazer o seu reconhecimento e delle tomar posse para o paiz que o descobrira, realizando o memoravel feito sem hostilizar os filhos dessas regiões incultas, sem inflingir um ligeiro castigo, sem despertar nelles o odio que Colombo e os hespanhoes, que depois vieram á conquista da America, accenderam entre os indigenas, dizimando-os, submettendo-os a ferro e fogo, caçando-os barbara e deshumanamente _com cães amestrados na caça do homem_, como quem caça hyenas e lobos! Essa imperecivel gloria coube a Cabral e basta ella para que se justifique o preito de admiração que lhe rendemos, sem olvidar os serviços inestimaveis dos seus maiores na busca e descobrimento desta terra abençoada. Bastava a sua caridade christã para com os filhos deste paiz para que lhe devessemos o monumento que no Rio de Janeiro se acha erguido em frente ao mar glauco e luminoso, perpetuando a sua memoria immaculada e a do seu feito incruento. Com o reconhecimento do Brazil em 1500, fechou Portugal com élo de ouro o ciclo grandioso das suas descobertas no seculo XV com as quaes dilatou o mundo e fez avançar a civilização. Nesse seculo de estupenda actividade maritima, em que os lusos mareantes, guiados e instigados pela voz prophetica do infante d. Henrique, avançaram sem pavor pelo mar immenso e tenebroso, que devia estar cheio de escolhos, de bruma negra e povoado de monstros assustadores, descobriram elles, caminhando para o desconhecido, a ilha da Madeira, as Formigas, todas as ilhas do archipelago dos Açores, todas as de Cabo Verde, o mar de Sargaços, uma grande parte do Brazil, uma parte da America Central e da America do Norte e, caminhando de ousadia em ousadia, dobraram o Cabo das Tormentas, descobriram e atravessaram o estreito de Magalhães, fizeram a primeira viagem em redor do mundo, apoderaram-se de uma parte da Asia e de uma parte da Africa, enchendo o mappa com conquistas suas!... E tudo isto foi feito do decurso de menos de um seculo por um punhado de homens que partiram, affrontando a morte, de uma insignificante nesga de terra erguida á beira mar, no occidente da vasta Europa!... Olhae para o mappa que vos apresento e nelle vereis, em côr vermelha, traçada a epopéa desses grandiosos feitos. Podeis dizer agora commigo, senhores, sem hesitação e com ufania:--Gloria aos portuguezes, mestres de Colombo, precursores de Colombo, incontestaveis e unicos descobridores do Novo Mundo![5] [Nota de rodapé 5: Vide _Nota B_ no fim da conferencia.] * * * * * Portuguezes que me ouvis, meus amigos e meus irmãos; a monarchia tradicional que, por tantos seculos, regeu os vossos destinos, começou a dissolver-se na batalha de Alcacer Kibir, e, combalida, ruiu de todo com a quéda e com a fuga do ultimo Bragança, em 5 de outubro de 1910. Depois de tanta luz offuscante, que o seculo XV projectou da occidental praia lusitana, veio a sombra e veio o marasmo, que vos não deixou avançar mais. Dir-se-ia que, desde 1500 até ha pouco, vivestes acorrentados, manietados, sem poder dar expansão ao vosso genio irrequieto e aventuroso, sem poder tirar partido das conquistas feitas com tanto sacrificio e perigo. Raiou para vós agora a aurora da liberdade com a proclamação da Republica em vossa terra. Uma nova era, promissora e fecunda, apresenta-se, durante a qual podeis resgatar os erros de quatro seculos e achar as energias precisas para conquistar o antigo esplendor. Vejo-vos, com pesar, divididos nos campos maninhos da politica esteril, da politica dissolvente dos partidos. Que quereis obter com a lucta perturbadora neste momento em que a vossa patria mais precisa de paz, de dedicações e de tino? A reconquista de um regimen que vos amesquinhou, que vos empobreceu, que vos fez descer do alto da columna onde já estivestes erguidos, dominando o universe? A reconquista de um regimen que vos deu o jugo da Hespanha, por 60 annos, a vergonha da fuga da vossa familia real e da sua côrte para o Brazil, e o abandono da vossa patria á invasão estrangeira? a reconquista de um regimen que vos deu o vergonhoso «ultimatum» de 1890? Sois ainda hoje os depositarios de dois legados sagrados, que vos deixou o creador fecundo da Escola de Sagres e o grande épico, que, em verso estridente, cantou as vossas glorias e descortinou ao mundo o vosso saber e as vossas gloriosas jornadas. Que quereis fazer dessa herança, levando-a á labareda das vossas disputas domesticas? Enfraquecer mais a patria, desprestigial-a, deixar que, considerada ingovernavel, vá parar ás mãos do estrangeiro, ávido e cobiçoso, que já pensa como repartir entre si o precioso legado do previdente infante? Não, não! Deixae o velho regimen sepultado nas trévas do passado, cessae as vossas luctas fratricidas, e, unidos todos, em blóco, trabalhae pela rehabilitação do vosso formoso paiz, pela consolidação das suas actuaes instituições, sendo sempre portuguezes, mais portuguezes ainda no regimen da democracia e da liberdade, sendo sempre os briosos descendentes de d. Henrique, que mandou a descobrir esta formosa terra que, em vinte annos de Republica, tem avançado sempre e tem sabido sempre impor-se ao respeito e á admiração das potencias. Tenho dito. Notas e Noticias NOTAS NOTA A A revista hespanhola _España Moderna_, de Junho de 1910, consagrou um longo artigo, á nacionalidade de Colombo e chegou á conclusão de que elle era hespanhol, natural de Pontevedra e, portanto, gallego. Entre os argumentos apresentados para firmar a sua asserção, cita o facto da caravela _Santa Maria_, uma das trez da frota com que Colombo foi ás Antilhas, ser appellidada vulgarmente _La Gallega_. O historiador hespanhol D. Celso Garcia de la Riega, filho de Pontevedra, sustentou a affirmação da _España Moderna_ em um longo artigo que, posteriormente, em Janeiro de 1911, publicou no _Heraldo_, de Madrid. A Hespanha reclama, pois, para si, a gloria de ter dado nascimento a Colombo, que ainda é lá conhecido por Colon. Todavia, Las Casas, amigo intimo de Colombo, affirma que este era genovez e Toscanelli, em uma das suas cartas ao proprio Colombo, considera-o portuguez!... Eis ahi porque dissemos que a nacionalidade de Colombo ainda hoje é discutida. NOTA B Não se tractou nesta conferencia de Americo Vespucio porque, a despeito de affirmarem que elle legou o seu nome á America, della ainda foi menos descobridor do que Colombo. Quem se lembrou de baptisar com o nome de America a terra, que João Vaz Corte Real e outros navegantes lusos descobriram, foi o cosmographo francez Mathias Ringmann que, na sua _Cosmographiae introductio in super quatuor Americi navigationes_, publicada em 1507, em Saint-Dié, na Alsacia franceza, escreveu:[6] [Nota de rodapé 6: A Cosmographia de Ringmann foi publicada em Saint-Dié a 25 de Abril de 1507. Ringmann falleceu em Strasburgo em 1511. A França, querendo perpetuar a leviandade de Ringmann, festejou este anno o quarto anniversario da sua morte, sob o pretexto de ter sido elle o baptizador do Novo Mundo! Eis ahi como se escreve e como se faz a Historia!...] «No mundo existe mais uma quarta parte que Americo Vespucio descobriu e que, por essa razão, poderiamos chamar America, isto é, Terra de Americo.» O alvitre de Ringmann foi aceito e á nova terra descoberta deu-se o nome desse usurpador da gloria alheia, que nunca passou de um cosmographo, que veio ás terras americanas com Hojeda, muito depois que os Corte Reaes, Lavrador, Dulmo, Affonso Sanches e outros navegantes lusos nellas estiveram e ainda mesmo depois de Colombo, que já foi um retardatario. Accresce que ha quem affirme (é o erudito Snr. H. Vart) que o nome America, dado ao Novo Mundo, provêm, não do prenome de Vespucio, mas da denominação que os indios de Nicaragua davam ás «terras altas» dessa região americana de onde extrahiam o ouro que empregavam nos seus utensilios e adornos, terras essas que elles chamavam America, expressão equivalente a Eldorado ou Terra do Ouro, que, primeiro, os companheiros de Colombo e, depois, todos os outros navegadores foram acceitando e que serviu para designar, não só as terras altas de Nicaragua, mas todo o novo continente. A ser verdadeira a affirmação de H. Vart, o nome America é de origem americana. NOTA C A 6 de Maio de 1895, quando eu ainda desconhecia o livro do Snr. Faustino da Fonseca, que só veio a lume muitos annos depois, publiquei no _O Paiz_ da Capital Federal o seguinte artigo sobre a commemoração official da data do pretenso descobrimento do Brazil, feito por Pedro Alvares Cabral, em 1500: «O dia 3 de Maio é officialmente commemorado como data anniversaria do descobrimento do Brazil. E todavia é um erro, é um anniversario falso, porque a verdadeira data anniversaria desse descobrimento é 22 de Abril, pois foi a 22 de Abril de 1500, que Pedro Alvares Cabral, em demanda das terras da India, avistou na frente da sua frota um morro elevado da terra brazileira para o qual mandou aproar fundeando a seis leguas de distancia. Celebrava então a igreja catholica as festas da Paschoa e d'ahi a razão porque Cabral deu a esse morro o nome do Monte Paschoal. Os historiadores dos seculos XVII e XVIII e notadamente a obra de Fr. Gaspar da Madre de Deus é que, no dizer de Pereira da Silva, induziram os estadistas fundadores do imperio brazileiro ao erro de estabelecerem a data de 3 de Maio como a do descobrimento. Todavia a carta de Pero Vaz Caminha, publicada pela Academia Real de Sciencias de Lisboa e escripta a el-rei D. Manoel em 1.º de maio de 1500, annunciando-lhe a descoberta e os documentos deixados pelo physico-mór da armada de Cabral e por um piloto que fazia parte da frota, não deixam duvida sobre o dia exacto em que o almirante viu e mandou aproar para a terra brazileira. Basta a circumstancia de ser a carta de Pero Vaz Caminha, que ia n'uma das treze náos da frota de Cabral como futuro escrivão do almoxarifado que o almirante devia fundar nas Indias, datada de 1.º de maio, para tornar patente a impossibilidade do descobrimento a 3 desse mez. Nessa carta, onde Vaz Caminha dá conta do descobrimento, lê-se que elle foi effectuado a 22 de abril. Nesse dia, que era uma quarta-feira, Cabral limitou-se a approximar-se de terra, fundeando ás 4 horas da tarde, em ponto em que havia 19 braças de profundidade. Só no dia seguinte, 23 de abril, aproximou-se mais de terra com as precisas cautelas e, ao chegar á desembocadura de um rio, mandou que Nicoláo Coelho fosse em uma almadia explorar as plagas que se avistavam da frota. Partiu Coelho e vendo homens nús na praia, sem comtudo desembarcar, atirou-lhes alguns objectos que levara comsigo e delles recebeu outros em troca, entabolando assim relações amistosas com os naturaes da terra. Voltou a bordo e deu conta do succedido ao almirante. Nessa noite, porém, levantou-se forte vento do sueste e Cabral, não se considerando seguro no ponto em que estava, tratou de procurar um ancoradouro para abrigo dos navios e, continuando a navegação em rumo de norte, mas sempre á vista da costa, foi fundear de novo, dez leguas adiante, em uma bella enseada á qual deu o nome de Porto Seguro. Isto passava-se n'uma sexta-feira, 24 de abril de 1500. Essa enseada, mais tarde, passou a denominar-se bahia Cabralia, sendo transferido o seu primitivo nome de Porto Seguro para a povoação que se fundou nas suas proximidades. Na enseada de Porto Seguro appareceu logo uma piroga com indigenas e, aos poucos, a costa foi-se enchendo de gentios, manifestando intenções pacificas. Só no dia 25 o almirante dirigiu-se a terra. No dia 26, que era domingo de Paschoela, foi erguido um altar em terra e ahi celebrada a primeira missa no Brazil, acontecimento este que Victor Meirelles celebrisou e commemorou n'um magnifico quadro, o melhor e o mais commovente que o seu pincel produziu. A essa missa assistiu o gentio que dansou e cantou após a cerimonia, fraternisando com os portuguezes. Só no dia 1.º de maio é que o almirante resolveu dar conta a D. Manoel do seu feito e nesse dia, depois de mandar dizer segunda missa, tomou posse official da terra e despachou para Lisboa a nao que devia levar ao rei a noticia da nova terra descoberta, a que elle deu o nome de Vera Cruz, mais tarde substituido por Santa Cruz e ainda depois por Brazil. Foi nessa nao, commandada por Gaspar Lemos, que seguiu para o reino a carta de Pero Vaz Caminha escripta nesse mesmo dia 1.º de maio de 1500. Tal é, em resumo, a narração contida nos tres documentos da época, aos quaes allude com interesse e perfeito conhecimento do assumpto o conselheiro Pereira da Silva na segunda serie dos interessantes escriptos que denominou _A Historia e a Legenda_. Ora, se isto é assim, se hoje não pode restar mais duvida a ninguem, em presença desses documentos do seculo XVI, que determinam com perfeita exactidão a data da chegada de Cabral ao Brazil, por que havemos de conservar officialmente um anniversario falso, que, se ao tempo em que foi decretado pelos estadistas fundadores do imperio, se justificava pela ignorancia em que viviam desses documentos, não se justifica nem se explica mais hoje, que estão publicados e ao alcance de toda a gente? É que os estadistas da Republica, que conservaram o erro, fundam-se na correcção que soffreu o calendario Juliano mandado executar pelo papa Gregorio XIII, que, em 1582, mandou supprimir 10 dias a esse anno, ordenando que o dia 5 de outubro fosse designado pelo numero 15, o immediato 16 e assim por diante, encurtando esse anno de dez dias para compensar a differença para mais desse mesmo espaço de tempo, que o calendario Juliano já accusava no fim do seculo XVI. E assim, em virtude dessa corrigenda, o dia 22 de abril de 1500 passou a ser, em qualquer dos annos posteriores a 1582, correspondente ao dia 3 de maio. Mas tal razão será sufficiente para manter na tradição popular uma crença falsa? Pensamos que não. Officialmente, o dia consagrado como data anniversaria do descobrimento do Brazil é o dia 3 de maio. E assim o povo, que não sabe das correcções que soffreu o calendario Juliano, nem dos motivos que as determinaram, fica persuadido que effectivamente foi no dia 3 de maio de 1500 que se realizou o descobrimento, quando os documentos do seculo XVI, que as historias populares do Brazil já registram, não consignam tal data, mas sim a de 22 de abril. Sou de parecer que, se ao tempo da descoberta ainda não existia no calendario Juliano a correcção ordenada por Gregorio XIII, que só se realizou 82 annos depois, se para Pedro Alvares Cabral o dia desse feliz successo foi o de 22 de abril, essa é a data que deve ser officialmente consagrada para assim manter-se na tradição popular. De 1500 a 1582 acontecimentos houve que ficaram registrados na historia da nossa terra e, todavia, ninguem se lembrou de applicar aos seus respectivos anniversarios a correcção ordenada por Gregorio XIII, limitando-se a corrigenda tão sómente ao successo, isto é, á data da chegada de Cabral ao Brazil. Ora, uma de duas, ou os estadistas da Republica têm de mandar fazer uma revisão completa de todas as datas mais ou menos celebres da historia, e principalmente da nossa, no periodo comprehendido entre 1500 e 1582, ou, para serem coherentes, têm de mantel-as taes como ainda hoje a tradição as conserva; mas, nesse caso, preciso se torna que a consagração do feito de Cabral seja feita não mais a 3 de maio, mas sim a 22 de abril. Tal é o meu modo de ver, salvo melhor juizo.» GARCIA REDONDO NOTICIAS Conferencias portuguezas Não podia ser mais auspiciosa a inauguração da primeira série das conferencias portuguezas, promovidas pelo Centro Republicano Portuguez desta capital. A despeito da noite fria e chuvosa, o amplo salão do Instituto Historico e Geographico encheu-se completamente, de uma assistencia distincta e brilhante, quer pela quantidade, quer pela qualidade. Além de muitas senhoras e senhoritas, compareceram tambem á primeira conferencia do Centro Republicano Portuguez os srs. Jacques Dupas, consul da França, Daniel Monteiro de Abreu, consul do Paraguay e encarregado de negocios de Portugal, o representante do sr. general Ferreira de Abreu, inspector da decima região militar, o dr. Paula Souza, director da Escola Polytechnica, commendador Mondim Pestana, official de gabinete do sr. dr. secretario do interior, dr. Bettencourt Rodrigues, dr. Rodolpho de Santiago, dr. Ricardo Severo, dr. Eugenio Egas, e muitas outras pessoas gradas. O sr. Antonio Luiz Gomes, Ministro de Portugal, chegou ao Instituto Historico ás 8 e meia da noite, em companhia do dr. Bartholomeu Ferreira, secretario da Legação Portugueza, sendo recebido á porta pela directoria do Centro. Em seguida, s. exa. foi introduzido no salão pelos srs. drs. Bettencourt Rodrigues e Ricardo Severo, tomando assento na mesa, ao lado da directoria do Centro, e tendo á sua esquerda o dr. Bettencourt Rodrigues. Abrindo a sessão, o sr. Joaquim Dias da Cunha Barbosa, presidente do Centro R. Portuguez, explicou o fim das conferencias portuguezas, dizendo que, antes de apresentar á assistencia o conferencista sr. dr. Garcia Redondo, cumpria lhe o dever de agradecer á directoria do Instituto Historico, que promptamente poz á disposição do Centro o seu salão, afim de ahi serem realisadas as conferencias. Agradece tambem a honrosa visita do sr. ministro portuguez, que, com sua presença, veio dar maior solennidade á primeira conferencia. Alludindo á pessoa do conferencista, o sr. presidente diz que o dr. Garcia Redondo é por demais conhecido do auditorio que, sobejamente, conhece a sua bagagem literaria, pelo que se dispensa de apresental-o. Em seguida, é dada a palavra ao sr. dr. Garcia Redondo para proceder á leitura de sua conferencia sobre «O descobrimento do Brasil--Prioridade dos portuguezes no descobrimento da America.» Por ser muito longo o trabalho do dr. Garcia Redondo, e não dispomos, hoje, do necessario espaço, só amanhan poderemos dar na integra a sua conferencia. As ultimas palavras do conferencista foram abafadas com uma grande salva de palmas, sendo s. s. abraçado e cumprimentado pela directoria do Centro e pelo sr. ministro de Portugal. Antes de ser encerrada a sessão, o sr. ministro de Portugal solicita a palavra pronunciando um discurso do qual damos o resumo que se segue: O sr. Antonio Luiz Gomes começa dizendo que não vinha com a intenção de tomar a palavra nesta assembléa. Vinha apenas, na qualidade de representante do seu paiz, trazer as saudações mais affectuosas ao Gremio Republicano Portuguez de S. Paulo e aos iniciadores destas magnificas conferencias. «Quando vi o assumpto de que se ia tratar, diz o orador, despertou-se logo no meu espirito e na minha alma a certeza absoluta de que estas conferencias deviam ter uma influencia muitissimo grande na pacificação dos espiritos dos portuguezes, um pouco revoltados, e que ellas teriam, como conclusão final, approximar ainda mais a familia portugueza da familia brazileira. E, senão bastara isso, eu tambem não podia conservar-me calado depois de ouvir a palavra brilhantissima do sr. dr. Garcia Redondo. Seria uma crueldade, uma injustiça que eu, em publico, deixasse de attestar, não só o meu reconhecimento, mas, o que é mais, o reconhecimento do meu paiz, por este formosissimo e esplendido trabalho. (Muito bem). Se por ventura o nome do dr. Garcia Redondo não fosse sufficientemente conhecido, não só nas boas letras, como na sciencia, bastava esta conferencia para justificar o elevadissimo conceito em que o seu nome é tido entre portuguezes e brazileiros. Trabalho magnifico, soberbo, onde se alliam, indiscutivelmente, altos pensamentos com uma forma burilada e perfeita, e que vem coroar a sua já larga obra na sciencia e nas letras. E depois de prestar um enorme serviço, de vir levantar a minha patria á altura a que indiscutivelmente ella tem direito, porque Portugal, embora pequeno como disse s. exa., aquella mancha pequena, que se encontra no ponto occidental da Europa, prestou serviços á humanidade, e á civilisação humana, que, positivamente, não foram excedidos por povo algum do mundo. (Muito bem.) A civilisação do mundo, meus senhores, firma-se em tres peninsulas, nos tres pontos que observaes naquelle mappa. Se na Grecia nasce a civilisação, nascem as artes, a philosophia, a sciencia; se naquella peninsula italica nasce o direito, porque o direito romano, pode-se dizer, é a propria razão humana feita lei; foi naquella pequenina peninsula iberica, naquelle extremo do occidente, que, numa época em que os grandes povos de hoje viviam uma vida inteiramente apagada, numa época em que a valorosa Inglaterra ainda não tinha historia; em que a Allemanha apenas se preparava para esse movimento augusto e sublime que proclamava perante o mundo inteiro a liberdade de consciencia; em que a França fazia os ultimos retoques na sua lingua e se preparava para escrever paginas brilhantissimas sobre a historia da humanidade, é certo, entretanto, que nenhuma dellas, por assim dizer, tinha ainda firmada a sua civilisação. Por esse tempo, naquelle «pontinho» se levantava um povo pequenino de lavradores e de guerreiros, que deixava a patria, para levar o pendão das Quinas aos extremos mais remotos, aos confins do mundo. Essa historia é assombrosa: é inacreditavel. Custa a acreditar que esse povo, como disse um dos grandes philosophos contemporaneos, Max Nordau, fosse o precursor em todos os grandes acontecimentos. Elle tinha dispersado os arabes sem que a Hespanha o conseguisse em duzentos annos. É que durante esse tempo a essa grande raça nada faltava: tinha força, tinha talento, tinha sciencia. Foi precisamente esse povo pequenino que deixou sementes por toda a parte da grandesa do genio de sua raça. Por isso, meus senhores, espero que a invocação do dr. Garcia Redondo produza bem rapidamente seus frutos. Estas lutas não podem continuar, e não podem continuar, sobretudo, no campo em que infelizmente foram postas. Eu, quando vim representar a Republica Portugueza, não vim com o desejo de que todos os portuguezes se fizessem republicanos: não precisamos de tanto. A unica coisa que desejamos, que eu desejo, como patriota, é que todos sejamos bons portuguezes. (Muito bem, muito bem.) Eu louvo até, com a franqueza que me caracteriza, que hajam convicções monarchicas no meio de portuguezes. O que é necessario é que os republicanos respeitem os monarchistas e que os monarchistas respeitem os republicanos (Muito bem). O que nós pedimos é muito pouco: é que nunca confundam as glorias da patria, da terra onde nasceram com as pequeninas paixões que possam viver no nosso espirito. (Muito bem, muito bem). E, posta a luta nestes termos, como é facil todos nos entendermos! Basta que cada um de nós se esforce para ser o melhor portuguez que possa ser; trabalhe pelo engrandecimento do seu paiz; honre o nome portuguez por toda a parte; defenda as suas convicções politicas, mas honradamente, honestamente.» (Muito bem. Palmas). Depois de varias considerações termina o sr. Antonio Luiz Gomes. «Para realisar a nossa obra não queremos que todos sejam republicanos; o que queremos apenas é que ninguem se esqueça que a patria está acima das paixões de cada um. (Muito bem). E eu estou convencido de que esse tempo vae chegar rapidamente. A Republica vae, dentro de pouco tempo, ter a sua constituinte, a sua constituição. Nas ultimas eleições, que foram feitas em condições excepcionaes, depois de uma revolução, depois de boatos aterradores, a Republica já teve a sua consagração. Nunca as urnas portuguezas foram tão concorridas como neste momento: 80 por cento do corpo eleitoral de Lisboa foi votar. O Porto, considerado como reaccionario, não para nós republicanos, porque foi precisamente lá que tiveram inicio todos os grandes movimentos de Portugal, no proprio Porto, a votação foi maior do que em qualquer outro ponto. Portanto, todos vêm a situação definida e clara em que se encontra hoje Portugal. Vindo a S. Paulo, eu dirijo as minhas saudações mais affectuosas não só ao povo de S. Paulo, mas tambem á auctoridades do Estado, que nos deram a alta honra de se fazer representar nesta conferencia, e remato por agradecer a todas as senhoras, a todos os cidadãos que aqui vieram e, finalmente de novo, dirijo os meus agradecimentos mais sinceros e profundos ao dr. Garcia Redondo, não só em meu nome, como no de Portugal, que tenho a honra de representar.» As ultimas palavras do dr. Antonio Luiz Gomes foram abafadas com uma estrepitosa e prolongada salva de palmas da grande assistencia. (_Noticia do_ ESTADO DE S. PAULO _de 4 de Junho de 1911_). Conferencias portuguezas Em carro reservado ligado ao nocturno de luxo, chegou hontem a esta capital, conforme era esperado, o dr. Antonio Luiz Gomes, ministro de Portugal junto ao nosso governo, acompanhado de seu secretario, sr. dr. Bartholomeu Ferreira. Á noite s. exc. assistiu á conferencia que o sr. dr. Garcia Redondo, com grande successo e brilhantismo, realizou no salão nobre do Instituto Historico e Geographico, tendo por thema: «O descobrimento do Brazil e a prioridade dos portuguezes no descobrimento da America». Publicaremos amanhã, na integra, esse importante trabalho do distincto membro da Academia Brazileira de Letras, que foi, pelo successo que alcançou, vivamente applaudido e felicitado. Depois da conferencia do dr. Garcia Redondo, o dr. Antonio Luiz Gomes, usou da palavra, produzindo bellissima allocução, durante a qual era constantemente interrompido por estrepitosa salva de palmas. (_Noticia do_ SÃO PAULO _de 4 de Junho de 1911_). Conferencias portuguezas No salão nobre do Instituto Historico e Geographico de S. Paulo, realizou-se hontem á noite, conforme se annunciára, a primeira conferencia da série promovida pelo Centro Republicano Portuguez, desta capital. Coube o inicio das conferencias ao dr. Garcia Redondo, que tomou por thema de sua oração--«O descobrimento do Brazil» «Prioridade dos portuguezes, no descobrimento da America». Precisamente ás 8 horas e meia, constituida a mesa da presidencia pelo sr. Joaquim Dias da Cunha Barbosa, tendo a seu lado o ministro plenipotenciario de Portugal no Rio de Janeiro, sr. Dr. Antonio Luiz Gomes, que para tal fim veio a esta capital; dr. Bitencourt Rodrigues, e membros da directoria do Centro Republicano Portuguez, era o conferencista introduzido no salão, que já regorgitava de numerosos cavalheiros e gentilissimas senhoras e senhoritas. Pudemos mesmo notar entre os assistentes, os seguintes: Commendador Tiburtino Mondim Pestana, segundo-tenente Carlos Rocha, representando o general Ferreira de Abreu, inspector da 10.ª região militar, com séde nesta capital; major Arthur da Graça Martins, secretario do commando geral, da Força Publica; Jacques Dupas, consul da França, e sua familia; commendador Daniel Monteiro de Abreu, consul do Paraguay e encarregado do consulado de Portugal; dr. Eugenio Egas, Arthur Vautier, Nestor Rangel Pestana, Gelasio Pimenta, José Vicente Sobrinho, dr. Antonio Francisco de Paula Sousa, director da Escola Polytechnica; dr. Rodolpho S. Thiago, lente da mesma escola; dr. Ricardo Severo, dr. Leopoldo de Freitas, consul de Guatemala, dr. Alfredo Redondo, dr. Manoel Redondo, Jayme Redondo e sua familia. Abriu a sessão o sr. Cunha Barbosa. Referiu-se s. s. com palavras elogiosas ao dr. Bettencourt Rodrigues, de quem partira a idéa das conferencias, cujo grande valor salientou, pois ellas viriam cada vez mais estreitar os vinculos que unem os dois povos portuguez e brazileiro. Saudava a patria portugueza, alli directamente representada na pessoa do seu ministro plenipotenciario, cuja presença, agradecia. Á directoria do Instituto Historico e Geographico agradecia tambem, penhorada, a gentileza de haver cedido o salão da sua séde, para a realização da conferencia. Isto dito, e como não desejava prender por mais tempo a attenção do auditorio, naturalmente ancioso, dava a palavra ao dr. Garcia Redondo, cuja apresentação julgava desnecessario fazer, pois tinha absoluta certeza de que nem uma só pessoa alli presente, desconhecia, quer através da imprensa ou da literatura, os altos meritos do conferencista. Uma prolongada salva de palmas ecôa pela sala. Levanta-se então o dr. Garcia Redondo que começa agradecendo aos circumstantes a sua temeridade em affrontar os rigores daquella noite humida e fria, não para ouvir a sua modesta palavra, pois não tinha sobre isso illusão alguma, mas para corresponder ao appello que lhes dirigiram os promotores daquella conferencia. Sobretudo, era-lhe grato constatar alli a presença das representantes do sexo gentil, que á festa emprestavam a nota brilhante. Diz que o thema da sua conferencia havia sido para elle objecto de longos e profundos estudos. Poderia por isso dissertar sobre elle sem ter necessidade de ler, nem mesmo simples annotações. Mas, importando o que tinha de dizer responsabilidades que queria assumir e receiando que a memoria o trahisse, considerava mais prudente ler a sua conferencia. Em seguida, offerece alguns esclarecimentos sobre um grande mappa que está ao seu lado, e que elle organizou para illustrar a conferencia, e entra finalmente no assumpto. Ás ultimas palavras da brilhante oração do dr. Garcia Redondo, uma calorosa e prolongada salva de palmas se fez ouvir no salão. S. s. foi distinguido com a offerta de um lindo «bouquet» de flôres naturaes. Levantou-se então o ministro plenipotenciario da Republica de Portugal, sr. Antonio Luiz Gomes. Recáe sobre a sala um profundo silencio. O illustrado diplomata começa affirmando que não comparecera áquella reunião com o intuito de falar. Mas, cumpria-lhe o dever de agradecer em nome de Portugal, que tinha a honra de representar, o bello trabalho do dr. Garcia Redondo. Tratando da moderna phase da sua patria, fala sobre o Portugal antigo, cujos feitos enchem as paginas da historia universal. Refere-se á Monarchia, dizendo que ella teve tempo mais que sufficiente para demonstrar a capacidade dos seus homens. Por occasião do assassinato de d. Carlos, levaram os republicanos a sua generosidade ao ponto de prestigiar--sem o sacrificio, porém, das suas convicções politicas--as instituições então vigentes, desde que isso concorresse para o bem do paiz. Entretanto a Monarchia mostrou-se impotente; nada fez porque nada poude fazer para manter o prestigio de Portugal. As crises ministeriaes succediam-se de um modo assustador e a situação chegou a tal ponto que só a Republica poderia salvar as gloriosas tradições do paiz. E a Republica veio, não a Republica do terror, das perseguições, como apraz aos boateiros vulgares, mas a Republica que tem por lemma o levantamento moral do tradicional paiz das quinas. 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