The Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Musa Velha Author: Francisco Palha Release Date: January 31, 2009 [EBook #27940] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA *** Produced by Pedro Saborano MUSA VELHA Porto: 1883--Typ. de A. J. da Silva Teixeira 62, Rua da Cancella Velha, 62 FRANCISCO PALHA MUSA VELHA PORTO ERNESTO CHARDRON, EDITOR 1883 _Virgem dos olhos negros, se em tua alma memoria inda conservas d'outro tempo, só tu entenderás porque este livro ousa ás trevas fugir, e o sol encara; mas como quem escreve e quem publica não perde tempo, nem dinheiro gasta para teus ocios entreter sómente, deixa-me vêr se á força de assignantes, de venda avulsa, exemplares de mofo, ha mais no mundo quem me entenda e leia._ _DONA MORTE_ Deu na tonta de entrar na minha escada á Dona Morte um dia. A pobre anda estafada do continuo ceifar desde que ao nada por divinaes processos da alchimia a terra foi roubada. * Da comprida queixola desdentada esta sentida nenia lhe saía: --Senhor! forte estopada! Sem poisar a caveira o mundo corro. Em toda a parte estou. A toda a hora prostro alguem a meus pés, e geme, e chora por minha culpa alguem! Nenhuma aurora, de luz nenhuma o jorro, as orbitas vazias me alumia!... Nunca uma esp'rança! nunca uma alegria! Á dôr alheia pondo um suave termo só a minha o não tem!... Só eu não morro emquanto o mundo não tornar um ermo!... Á obra! Á obra!-- E lepida subindo tocou a campainha: um lugubre tocar que dava medo; que não mais deixarei de estar ouvindo, e fez com que eu então, muito em segredo, rezasse a ladainha. * Era um simples aviso, pois que a porta por si se escancarou e deu entrada áquella feia ossada de vermes revestida, e negra, e torta, de mim ha longo tempo enamorada. --Senhora Morte, viva!-- disse ao vêl-a, fingindo animo forte; mas cá por dentro, como a sensitiva n'haste as folhas retráe que lh'as não córte quem d'ella se aproxima e levemente a mão lhe põe por cima, cá por dentro a minh'alma, em pasmo estranho por vêr-se em tão cruel extremidade, foi-se encolhendo até ser do tamanho d'um reles feijão frade! * --Desculpe a impertinencia-- continuei.--Como é que usam tratal-a? Por tu? Por _Excellencia_ como é hoje tratada toda a gente?-- «A mim é-me indifferente. Não faz ninguem de tal miseria gala no reino onde eu impero.» Esta resposta me deu a Dona Morte, e junto ao leito, onde eu espreguiçava a mandrieira, chegou; puxou cadeira; sentou-se gravemente, sobreposta uma rótula n'outra. Com effeito mau é vêl-a!... peior á cabeceira! E poz-me a fria mão aqui no peito. «Que bons pulmões tens tu! e como pulsa na tua idade o coração ainda pelas paixões mundanas agitado!» --Então...--volvi com voz menos convulsa-- inda tenho a viver um bom bocado?!-- «Conforme. Tudo finda quando me apraz e breve.» --Se ao teu lado para afastar-te eu não chamar a Siencia.-- «Dou-te um dôce que a chames! Cáe tu n'essa! descobriste a maneira, tem paciencia, de eu carregar comtigo mais depressa.» --Banal! Banal! Cuidei que era outra coisa-- rosnei com meus botões.--Um vende bolas, um palurdio qualquer vindo de Loiza, da Lourinhã, do inferno, esta sandice ancho diria qual a Morte a disse. * Ella no entanto, um pé bamboleando, co'as phalanges dos dedos descarnados batendo sobre a tibia, ia soltando uns sons de castanholas com que sóe convocar gatos pingados ás grandes, funerarias cabriolas. Após pequena pausa de subito se ergueu. «Não ha remedio! Deixar-te vou por causa d'uns ganchitos que tenho aqui no predio. O cónego não dorme ha tres semanas. Rouba-lhe o ar a suffocante angina que o peito dilacera. Tem esgotado as provações humanas. Na longa vida santamente austera fez jus, coitado! á compaixão divina. Melhor que o da morphina, premio á virtude, um somno lhe preparo brando, quieto, sereno como um lago. Apanha o padre agora! e apanha, é claro, quem lhe abichar na Sé o logar vago. O conego aviado, tenho uns planos de ir tocar no ferrolho ao conselheiro. Quero abater-lhe a prôa!... Setenta annos e sóbe inda lampeiro outros tantos degraus!... Então córado! redondo!... Uma cereja!... E como se espenneja quando vae pela rua engravatado, para as moças olhando ás furtadellas como quem diz: _Assim quisessem ellas!_ Chucha um pisco ao jantar; um pisco á ceia. Por não dormir de tarde nem trazer nunca a barriguinha cheia considera-se livre do meu jugo e d'isso faz alarde! Pois tu vaes vêr, fradinho de sabugo!» Travou da arqueada foice; disse-me:--«Adeus! Eu volto. Eu volto. Espera»: virou a espinha, e foi-se. * Sim, que te espero! Aqui te aguardo, ó fera! * Mal passado um minuto, instantes, penso, portas a abrir-se, gente que subia resmoneando latim, e cheiro a incenso, o _opoponax_ da velha liturgia. Desci. Curvei-me. Bemaventurado aquelle que tem fé! Como um soldado, firme em seu posto o conego morria. * Volto a casa. Corri logo á janella. Nos amplos ceus azues esmorecia a luz d'um sol d'abril. Do floreo seio perfumes exhalava a Primavera fallando-me por modo que a entendia. Quanto distava, quão diversa que era da outra scena aquella! Então clamei: _Em ti, meu Deus, eu creio!_ Um mez depois alguem contar-me veio: --Lá puxou o visinho aqui do lado! Hontem, depois do chá e o rol escripto, saíu da mesa, deu-lhe uma tontura, rodopiou, caíu na sepultura co'a paz na consciencia e o palito no canto inda da bocca!-- No outro dia foi-se o bom conselheiro, encaixotado, direito ao cemiterio. Na turba que o seguia havia quem dissesse: _Um homem sério!_ E tudo era acabado. * Chega-me agora a vez. Prompto! Presente! Prompto sou a marchar!... mas descontente. Não que eu tema morrer. Quem morre inteiro? Aquillo que me assusta, o que me aterra é sómente a lembrança de que á terra, tal qual se semeasse fava ou trigo, o bruto do coveiro cantarolando, atirará commigo! Eu, que respiro ao sol da liberdade, fechado n'um segredo humido, immenso, frio, escuro, por toda a eternidade! Preso... amarrado ali! Meu nome inscripto n'um livro negro, em folhas côr d'ict'ricia, como se inscreve em notas de policia o nome do gatuno a quem o apito tranquillo não deixou bifar um lenço! Numerado inda em cima! numerado como um grilheta!... _O cento e trinta e cinco._ de cestos de cal virgem carregado p'ra todo o sempre n'um caixão de zinco!... * Não estou pelos autos. Não!... Protesto. Quando a morte vier por este resto, d'homem... de coisa... nem eu sei ao certo isso que fui, que sou, para o que presto: quando ella pois vier, e virá cedo... e vem... que a sinto perto, ordeno que me estendam n'um penedo da minha amada Cintra. Redivivo, á luz serena e pura dos puros ceus, o misero captivo reabrirá seus olhos porventura! Inda lá teu amor, tua belleza, a força me darão, tres _estrellinhas_, para affrontar a idade, a natureza, e triumphar do Eterno! Com certeza que nem sequer, leitor, tu adivinhas, nem eu jámais direi de quem se trata. Bem o desejas tu, lingua de prata! Era um maná! * Ó sombra que fugiste, que sem cessar procuro em toda a parte e não encontro nunca, porque é que tu não voltas, e d'est'arte de saudades a Dôr, teimosa, junca o meu caminho triste?! Agora ao menos, anjo expatriado, em que eu por ti resumo n'uma lagrima só as que hei chorado dês que te dei minh'alma até est'hora, porque é que tu não vens mostrar-me o rumo do ninho teu d'outr'ora?! Vem! e guia-me tu n'este momento á dôce paz do suspirado porto! Foste na vida o meu maior tormento... Ai! Sê na morte o meu maior conforto! _POR FIM..._ Tu queres, Dorinda, queres que eu tome os banhos da igreja?! Não será melhor que esteja de noite a fazer colheres, de dia a apanhar carqueja?! Pelo ceu! que o matrimonio não é mais que pellourinho, d'onde as barbas do visinho vemos ardendo! demonio disfarçado em Cupidinho. O outono com seu cortejo de folhas seccas no chão! O eterno adeus á illusão! O ultimo som do harpejo que Amor tira ao coração! O susto! a agonia! o trance de ir vivendo sempre á espreita se ha quem tornar-nos alcance, pois tal historia deleita, _altos_ heroes d'um romance. E queres, Dorinda, queres que eu tome os banhos da igreja?! Para quê? Para que veja que entre todas as mulheres uma existe que sobeja?! Não! e não! Viva o solteiro! Aguia voando no espaço sem ter certo o paradeiro, e cravando as garras d'aço nas pombas que vê primeiro! Sae, e entra, e torna fóra sem que ninguem lhe interrogue onde foi, qual é a hora, nem pecuinhas lhe jogue sobre a provavel demora; Sem que a esposa ciumenta, Furia, Medusa, tormenta de más caras, más respostas, invente o que o diabo inventa: dormir-se costas com costas. E, depois, Madame Aline rôa as unhas! Que se fine entre rendas d'Alençon! que o meu dinheiro não tine p'ra que tu andes no tom! Já vês que debalde queres que eu tome os banhos da igreja. Iça o pau da carangueja! Nos turcos os escaleres, e para o largo veleja! Mas tambem... viver sósinho! Sem fé... perdido... sem ninho... Sem se erguer uma só voz na aridez d'este caminho a Deus orando por nós!! Retornando ao lar deserto achar tudo a _trochemoche_!... O bahu sem chave e aberto dizendo ao larapio:--_Entrouxe, que você é que é o esperto!_-- Sempre mal fervida a sopa! Sempre o café mal torrado! Feita a passagem na roupa deixando o dono enleiado se foi a agulha se a choupa! Se ainda, Dorinda, queres que eu tome os banhos da igreja, não descances na peleja, que eu sou como os malmequeres: _não e sim_. Louvado seja! Ai! que é bom durante os ocios, na fortuna e na miseria, achar ao lado uma Egeria que, em se fallando em negocios, não tuja sobre a materia; Que seja como a romana, meio amor e meio roca; não sáia nunca da toca mais que uma vez por semana, nem tinja o cabello d'óca; Nem, quando a afiada foice da vida o fio nos córte, de rijo invective a Sorte, e diga baixinho:--_Foi-se! Quanto és minha amiga, ó morte!_-- E d'aqui outro consolo melhor que maracujá e que o dôce de tijolo: ter quem, a rilhar n'um bolo, nos julgue e chame papá! Loura criancinha meiga, para o pai mimo celeste, e para o estranho uma peste que emporcalha de manteiga as calças que a gente veste. Inda agora é que eu reparo nos teus olhos, creatura! São negros... d'um negro raro! Negros como a noite escura com seus quês d'um sol bem claro! Alto o seio e pura neve que mil desejos excita! O pé delgadinho e breve; e quanto a mão... Deus permitta que a não tenhas muito leve. Dá-me o teu braço, Dorinda. Vamos aos banhos da igreja. Certo é que não graceja quem diz que os refrescos, linda, curam toda a brotoeja. _CARTA_ ao Conde D'Almedina, Inspector da Academia Real de Bellas-Artes, que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author Tratante d'inspector, cuidei-te amigo e sácas-te a mangar assim commigo! Traição! insidia! roubo! Eu, um pelintra que nem posso comprar um burro em Cintra, onde a commenda magna em chammas brilha sobre o manto azulado de escumilha que Deus usa no v'rão, e a natureza ironica sorri da pequeneza d'esta baixa comedia, eu--velho! eu--calvo! á publica irrisão a servir d'alvo?!... Qual foi meu crime? Qual? Era deveras menos duro entregar-me inteiro ás feras. Ridiculo não ha na gente morta. Fôra uma vez um Palha!... A questão corta e não se falla mais.-- Por não ter _guines_, tratante d'inspector, não me apepines. Eu amo a sombra fria. Odeio a moda. No bulicio d'um baile anda-me á roda a caixa do miolo; um labyrintho onde, perdido, entontecer-me sinto. Moem-me as praxes; pesam-me etiquetas, e tudo sei rasgar... menos baetas. Por mais que mire uns outros enfeitados, tão contentes de si, e tão coitados que julgam ser alguem!, não sei... não acho nem honra nem razão no berbicacho dourado, reluzente, sol d'esmalte, do qual em cada raio não ressalte, ante luz de gloriosa eternidade, um feito illustre a bem da humanidade. D'outro modo o que é? Um mau bocado de pão de rala a cães famintos dado: d'um réles charlatão a taboleta, na qual, quem passa, lê: _Dom Paparrêta!_ ou lê inda peior! Mette-me á bulha, terás aqui o rol de quanto pulha _grande_ se fez tal qual se torna grande o bácoro a fossar e a comer lande. _Ai! no me pique usted!_ Sob o arminho busca, e talvez encontres pergaminho lavrado a ferro e sangue, fresco ainda, nos coiros fuscos de infeliz cabinda. Nem titulos pomposos nem veneras valem dez reis furados n'estas eras. Hoje o premio a heroes dá-se ao dinheiro. Importa lá se é falso ou verdadeiro?! Comprou? Correu? O mais é tudo historia. Nem o nome villão fica em memoria. Uma coisa é escalracho, outra--papoila. Onde era a nódoa poz-se a lentejoila. Ha excepções, bem sei. Dou-lhes apreço. Morro d'amor por essas que eu conheço; mas como a estes raros não pertenço, e menos inda aos outros, o bom senso manda que eu te agradeça os teus favores e ria da mercê. Quando tu fores, saudade ao peito, encasacado, sério, despedir-te de mim no cemiterio, verás que desço á terra, oh! vista horrenda! nusinho tal qual vim; e por commenda inerte o coração, gasto da vida na rude, pertinaz, obscura lida. Tu mesmo então, artista d'olho fino, dirás á turba: «Emfim o peregrino na paz eterna vai dormir agora! Andou mettido a vida inteira á nora d'este poço sem fundo de miserias. Abusava do riso, das pilherias, e d'outras coisas mais em que não fallo. Foi Job em vez de ser Sardanapálo. Uma _raia_ da Sorte. Ella faz d'isto: dá impérios ao démo, a cruz ao Christo. Mas resta-nos, amigos, um consolo: tudo seria... excepto um grande tolo.» _REQUERIMENTO_ Meu Couto Monteiro, senhor da Justiça que nunca, que eu saiba, saíu do tinteiro, e pae dos famintos que engolem á missa o corpo sem mancha do santo Cordeiro. Não rondo as arcadas fazendo-te esperas. Não subo as escadas que ascendem aos atrios das altas espheras, levando no bolso memoria sebenta que ha mais de mil annos requer um despacho, nem ponho o toutiço, já calvo aos cincoenta, em ar de tapete, em ar de capacho, no teu gabinete. Só quero dizer-te que tenho defronte da casa onde habito um sino maldito. Não sei se t'o conte... De dia, de noite, ao sol, ao luar, não faz outra coisa senão badalar! Nem elle repoisa nem deixa na rua ninguem repoisar!... Ha quem me assevere que o demo mofino montado no sino se foi baloiçar!... Baloiça-te, pêrro! Engendra um badalo do vil pé caprino e dá-lhe um estalo! e dá-lhe a matar! Não tremas, sabujo! que o sino foi bento; mas sabes que as bençãos são cruzes no ar; levou-lh'as o vento. Entrasse em teus ossos o meu rheumatismo; roesse a medulla; por noites e dias chumbasse-te o corpo n'um duro colchão; então saberias, ó filho do abysmo, verias então se assim te mexias! O caso é que tu commigo caçôas e ris dos doutores, pois nunca tens dôres, e nem te constipas! e, mais, andas nu! Parece impossivel! Dá volta á cabeça! Eu cá, homem serio, que gema e padeça; que em vindo janeiro me rape um catarrho!... E haver um brejeiro que passa o inverno sem chuvas nem lamas! quentinho nas chammas do próvido inferno! rival do Eterno! eterno elle mesmo! Sagaz Providencia, e és da justiça, do amor és a essencia! Bem sei que o tal sino foi feito, fundido na terra dos cirios, da Carta, do hymno, d'aquelles quarenta de pêllo na venta que ao reino opprimido quebraram algemas d'um jugo ferino; e a Carta era um mytho, são presas do olvido os nomes e as glorias de heroes legendarios se os sinos dormirem nos seus campanarios qual dorme a memoria dos feitos illustres nas sombras da Historia. Ó Couto Monteiro, se a Carta está morta, o que é que lhe importa, que importa aos guerreiros em pó transformados, que toque ou não toque nas torres da Graça, da Sé, de S. Roque, o sino importuno masurkas e fados?! Nem isso os aquece, nem ha desafôro qual este que os templos agora profana passando dos palcos aos orgãos do côro, aos sinos de igrejas, a copla mundana. Nem tu me perguntes: «Quem é que armarieis com mais alegria que o meigo innocente, do somno lethal que á treva o prendia, nos braços do Christo resurge immortal? Qual voz, como aquella, dos vivos implora por alma dos mortos a prece final?» Por isso!... por isso, meu Couto Monteiro! O vil não repica, nem geme, nem chora, senão por aquelles que teem dinheiro! Que nasça, que viva, que durma na valla quem é pobresinho, sem festas nem dobres! O sino só tange conforme a tabella, só diz:--_Baptisou-se_, dos mortos só falla se o manda o _sob'rano_ do reino dos cobres, a libra amarella! No ceu, felizmente, vigora outra escala na qual os primeiros são elles--os pobres, e poucos ricassos, que vão por engano. Se és, qual eu julgo, christão verdadeiro. Meu Couto Monteiro, é justo que ponhas no prego o sineiro que á patria com fome propines uns nacos de sino em patacos: verás como os come. _PREFACIO D'UM LIVRO INEDITO_ Mamãsinha impertinente, não te ponhas com tolices. Faze como se não visses se vires a filha innocente lendo as minhas criancices. Deixa vãs prohibições se este meu livro não queres escondido entre colchões, que é onde escondem mulheres livros, cartas, e... orações. Depois, o livro que ensina? Muita coisa boa e má que ha de fazer a menina porque tu, que és menos fina, as fizeste ao seu papá. E sendo condão fatal que a filhinha, que tu crias com pretensões a Vestal, siga o exemplo das tias pela influencia carnal; Ao vêr servir de palito n'este meu livro erudito tanta gente, ha de hesitar; e á cova irá de palmito... se a morte cêdo a levar. Deixa-te pois de tolices, mamãsinha impertinente. Faze como se não visses se vires a filha innocente lendo as minhas criancices. _MAL POR MAL..._ Eu trago em minh'alma afflicta revolto mar de agonias. Tedio da vida os meus dias, as minhas noites, agita. Ó minhas crenças d'outr'ora, dôces amigas da infancia, a que longinqua distancia do meu peito andaes agora! N'esta cerração escura assim me deixaes sósinho! e sem que volteis ao ninho baixarei á sepultura! De mim te acerca bem perto, ó morte! No estreito abraço vôa commigo no espaço, leva-me d'este deserto! Mas se na mansão infinda, onde librar-me tencionas, nos dão as mesmas taponas com que a sorte aqui nos brinda; Se esguio velhote avaro n'essas alturas se encontra, com seu barrete de lontra, olhar e sorriso ignaro; De fallas mansas, beato para vêr se os santos pobres, saudosos dos magros cobres, lhe vão empenhar o fato; Se o operario, se o povo crê tambem que o mundo em ruina ha de saír da officina corrigido e mundo novo. E em lutas, que são eternas por lhe ser eterna a peia, quebrar pretende a cadeia e quebra a si proprio as pernas; Se n'esse logar bemdito pisamos a mesma lama que sobre a terra se chama --_O Asmodeu_,--_O Mosquito_--; Se é Mercurio almiscarado o filho de Compostella; se por ventura um Alviella tem lá de ser encanado; Se o Milhão é quem impera; se se fez Deus o egoismo; se ha dôres de rheumatismo, e nas vinhas phylloxera: Fecha, ó anjo, as negras azas! que em tal apuro, olha o rente! tanto faz morrer a gente como mudar-se de casas! _A UMA CREATURA_ Que tens tu a dizer do teu destino? Que mal... que mal te fez, ingrata, a sorte? Desunhas-te a comer queijo londrino; na polka és a mais forte; essa fulva cabeça de leôa não passa d'avellã; por isso és goso do bravo rapazio de Lisboa. Preludias na _banza_ um _rigoroso_ que os mortos ergue, as campas despovôa. Desmamadinho já, em salto airoso, balando, os longos ecos atordôa o teu futuro esposo. Calçando o largo pé na estreita bota encaixaste o Rocio na Bitesga. Capaz és tu de entrar, sendo janota, no ceu... por uma nesga. Trazes um _dogue_ ao collo... Tens na tia _chaperon_ e banqueiro. Anda estafada a velha e mais a burra. A orthographia comtigo, ao vêr as duas, não quer nada. Quem de môlho as barbas não poria vendo a barba visinha incendiada?! Dás á lingua durante o santo dia, e bates na criada! A coisa mais feliz de quanto existe és tu portanto. E dás então cavaco, maldizes, blasphemando, o mundo triste! e chamas-lhe velhaco! O mundo?! O mundo o que é? Por mim supponho ser apenas ironica pilheria que Jehovah soltou quando, risonho, pretendeu descansar de empreza séria. Ha n'elle o encanto espiritual do sonho. Ha n'elle o encanto vil da vil materia. Faz rir e faz chorar, o Triboulet medonho! a divinal miseria! A graça toda está n'estas _nuances_; nas sombras e na luz com que prepara da dôr e do prazer os varios lances o velho Dulcamára; Nunca viste Neptuno carrancudo pendurar-se nas azas da procella, roçar as cãs no ceu e em silvo agudo dar por mortalha ao barco a solta vela? Agora não o vês sereno e mudo como a brincar na praia se ennovella? Pois similhante ao mar no mundo é tudo. Resigna-te, donzella. E tudo ha de acabar, o mar e o mundo. Até do meu amor a intensidade sumir-se irá no pelago profundo da fria eternidade! Eu escrevi--_amor_?! Fiz mal. É grego; é grego para ti: peior,--sãoskrito; e tu nas linguas mortas não dás rego. Se um dia, por acaso, o pequenito traquinas e cruel, alado e cego, tentasse dar-te um golpe... era bonito! Fugiria a gritar: _Armas que emprego não entram no granito!_ Tu partilha não tens na dôce herança dos anjos que voaram! Antro escuro a tua alma será! Nenhuma esp'rança!-- nenhum extasis puro! Como quando ao romper da rôxa aurora deslisando na valsa doidejante soltas da trança a rosa que descora, de si te apartará n'um só instante o louco turbilhão que te enamora. Pallido o rosto, o seio palpitante, ao ceu perguntarás na dôr d'ess'hora se a morte vem distante! O vácuo! a saciedade! o horror das trevas! Ninguem ao pé da cruz no teu calvario! Por só cortejo ao cemiterio levas um padre mercenario! Nem esse volta lá. Rezou, e a prece, em mau latim, por bons tostões foi paga. O fardo que largou mais não merece. Recebe por adeus grosseira praga d'um coveiro que o some, e breve esquece. Grão d'areia que foste ao mar co'a vaga, quem te busca depois? Quem te conhece? Teu fim quem é que indaga? Se é tempo, ó transviada, atraz teus passos! Abre o teu coração. A fé te anime. Não ha na vida mais estreitos laços. Amor tudo redime. Vêl-o-has dissipar a nevoa densa que o teu dia transforma em noite escura. Respeitada serás. Trarás, suspensa de teus vermelhos labios, a ventura; que eu não sei de ninguem a quem não vença puro amor abraçado á formosura. Serás mulher,--é essa a recompensa, em vez de _creatura_. Se mover-te consegue esta palestra manda morrer o cão no Instituto; compra cartilha e pedra, e prova á mestra que vales mais que o bruto. Depois reforma a tia. Irá na Graça accender ao Senhor trezentos lumes por tirar-lhe do lombo essa carraça. Vê-se livre da espada de dois gumes que a burra lhe sangrava, e na carcassa vasto caminho abria a vãos queixumes. Menina, já que estás co'a mão na massa, reforma os teus costumes. E como incerto é sempre o bem futuro e póde arrepender-se o arrependido, vae lá pondo, á cautela, no seguro o nome do marido. _ALÉM DA CAMPA_ (Imitação do hespanhol) N'um povo, perto de Cintra, foi o rev'rendo prior em fria cova depor o cadaver d'um pelintra mesmo ao pé d'um seu crédor. Apenas se viram juntos por toda a vida sem fim romperam n'um tal chinfrim que, dizem velhos defuntos, ser virgem um caso assim. «Vossê pague! ai que vae torta!» gritava o crédor.--Com quê?-- gemia o outro.--Não vê que entrei nú aquella porta porque nú me poz vossê?!-- E n'este rosnar eterno, n'este diz tu direi eu, o crédor, que era judeu, enreda o outro n'um inferno como o inferno em que viveu. Se em meu derradeiro instante eu tiver crédor voraz, permitte, ó Deus, se te apraz, que por cá fique o tratante p'ra que eu, morto, viva em paz. _A JULIO CESAR MACHADO_ que em folhetim do _Diario de Noticias_ dirigira ao author phrases benevolas Ó Julio, ó meu amigo, o que disseste? Fallar em nós?! Fallar em mim?! Na peste d'esse Parnaso ignobil de ha trinta annos? Fui um asno sem tom, nem som, nem furo; uma coisa p'r'ahi entre os humanos como entre o trigo o joio; um insensato cuidando toda a vida que o futuro se faz sómente como o faz o gato por noites janeirinhas, e o menino d'onde ha de vir ridente, e róseo, e puro, é da raiz... do verso alexandrino! Tu verás, se viveres. O destino se condôa de ti a tempo e a horas, que eu já não temo nada. N'esta idade quanto mais o doutor me põe escoras mais depressa galopo á Eternidade. No dia em que florir a ideia nova nem restos ha de mim na escura cova. Depois... Pensando bem, ás vezes julgo que não deve ser mau vêr estes numes na faina redemptora! E, mais, o vulgo já não crê n'outro Deus! Os bons costumes vão apanhar por fim um São Martinho qual nunca lhes foi dado... excepto em vinho que embrutece a razão! Pois com certeza leva uma _razzia_ o Torres e o Cartaxo! Ou bem que a gente é gente ou que é um cacho! D'amor, que é velho, temos conversado! Rua com elle! Amor é uma fraqueza. É velho e cego, e não espera luas, e quando lhe appetece faz das suas, e são as suas d'elle o vil peccado! Basta cortar-lhe bem a ponta da aza e triumpha a moral. Rapaziada, nunca mais andarás no mundo em braza atraz da tua amada! Mudei de metro como d'alimaria muda Tinoco, o bravo, na tourada, pois quanto em verso a fórma fôr mais vária menor é a massada. Calcule-se o porvir pelo presente. Nós somos democratas; e fique o ponto assente. _Noventa e tres_ é tudo quanto, em datas, a Historia nos tem dado mais nobre, e santo, e digno de imitado. Amor... e guilhotina! Luz d'uma aurora, d'um incendio chamma! _Mayonnaise_ de sangue e de doutrina! Quanto o homem sublima e quanto o infama! _Noventa e tres_ e a França! Eis o lemma, eis o exemplo, a viva esp'rança. Anda tu cá, ó lemma, que te quero! Dom Bertholdinho a dar-se um ar de Nero! Somos, sim, democratas... á capucha; Marats de sêda frouxa; uma chalaça com Marselheza indigena,--a _Cachucha_. Palavra! que tem graça! Que o bom senso, tão raro! nos acuda; nos tome um dia a sério! Não ha Sebastião nenhum da Arruda, suando phalansterio, que não mande estampar nos seus bilhetes armas ducaes, brazões de pataratas! Morremos por trincar a monarchia; mas trincamos-lhe a ceia e os sorvetes emquanto lá do ceu Deus não envia novo maná... de instituições baratas!... Uns typos! Bons, pacatos, sem ter odios nem bombas... a não ser de Santo Antonio, bombas de luxo, bombas só de estrondo; indo buscar pretextos para brodios a casa do demonio, e quando os não achamos nem dentro em nossa casa nem na estranha, calçado a polimento o pé redondo, vazio o coração, repleta a entranha, vêr desfilar a procissão de Ramos. E n'este ambiente, em pleno Rilhafolles, no ardor da Saturnal, sonhaste, ó Julio, que um velho gordo, com as carnes molles, sem ter outro peculio além do rheumatismo, sertanejo, viria em _petit-maitre_ dar aos folles do outr'ora enamorado realejo? Desde que o maganão do deus Cupido não tem na aljava setta que me fira, passou-me do sentido tudo quanto em rapaz tanto sentira. Rabisaltona musa é hoje em dia quem me ampara e conforta, e quem me inspira. Quando fugir, morri. Outra alegria qual te foi dada a ti, sol na velhice, conceder-m'o não quiz quem bem podia. E fez uma tolice. Eu sei se a fez, ou não; modestia á parte. E só para dizer-te uma palavra d'affecto e gratidão moí d'est'arte a tua paciencia! Antes do Lavra subisses a calçada, ou lesses uma peça premiada. Era muito, bem sei; mas era menos. Obrigado, meu Julio. Isto, em resumo, devera ter escripto. O mais é fumo. Deixa-o seguir no espaço o ignoto rumo, e dá saudades minhas aos pequenos. _DIES IRAE_ É novembro, e faz um frio! Eu então é que ando em braza! Pudera! se o senhorio me pede a renda da casa! Réles cobre em vão recruto no lidar da vida insano. Desertam n'um só minuto as vis poupanças d'um anno. Embora á carne dê tratos, á velha carne exigente, deixando passar os pratos sem pôr nos piteus o dente; Embora esguia quinzena traga já no extremo fio, e córte a rara melena só pelas calmas, no estio: Não coalha esta formiga nem grão, nem sequer paveia! Sempre na mesma fadiga, enche... vasa... o pé da meia! Sob o teimoso aguaceiro de tanta renda de casas, depennado, em meu poleiro, metto a cabeça nas azas. Cança o sorrir da ventura; o rigor da sorte cança; só por entre o que não dura vae sempre durando a esp'rança. Eu espero a moradia, onde de graça me acoite, no seio da terra fria; nas sombras da infinda noite! Ao menos no eterno gelo, nos fundos antros escuros, não terei por pesadêlo meus senhorios futuros! Um é Deus: a esse um amigo satisfaça em padre-nossos. Outro é o verme: eu cá o espigo dando-lhe em paga os meus ossos. _O MEU TINTEIRO_ Era em agosto. O norte, desabrido, mugindo como um toiro, sacudia os troncos do arvoredo. Ia-se o dia: um dia d'amarguras tão comprido que eu cheguei a pensar que a Eternidade nas chammas infernaes já me envolvia! Por meu mal terminou! que um outro veio depois d'aquelle, e foi peior mil vezes! A minha irmã, á dôce companheira da longinqua, saudosa mocidade, coubera, nova ainda, a feliz sorte de ter, após tres longos, tristes mezes d'um filho haver perdido, achado a morte. Antes d'ella expirar, á cabeceira, em torno do seu leito, se agrupára tudo quanto durante a vida inteira fôra por ella amado, e tanto a amára. Eu, fingindo sorrir, assim dizia: «Agora estás melhor. No rosto as rosas da antiga primavera! Olhos em fogo! Uns olhos como d'antes! Vês, Maria, que estás melhor agora?! Em desafogo respira o peito já! Estas nervosas dão vontade de rir! Que espalhafato! Um cortejo de coisas! Raça estranha! Por isso o outro fez com que a montanha désse, aturdindo a terra, á luz um rato! Vae a galope a enferma que melhora. Ámanhã, ou depois, saltarás fóra d'essa importuna cama. O que te cança é ter o corpo ahi. Vamos a Piza passar o inverno todo. Alli serenos são sempre os ceus. Alli tepida a briza dá vida a um velho! Então a uma criança! «Tontinha é o que tu és! que estás chorando! sem que saibas porquê, aposto, ao menos! Iremos todos, grandes e pequenos! Quasi uma romaria, um cirio, um bando d'alegres passarinhos chilreando por essa Europa além! Tu, pregoando: _Quem quer saude? Quem? Vende-se e dá-se!_ irás distribuindo, co'a mão cheia d'essas papoilas, um _bouquet_ vermelho que pouco e pouco a desbotada face ha de tingir-te e... até fazer-te feia!» --Iremos todos, sim!--fraca, tossindo, a pobre interrompeu:--Sim!... Vamos _indo_. É então ámanhã que eu d'aqui saio? Depressa ámanhã vem! Dá-me esse espelho. Se tu não mentes devo estar um Maio!-- Mirando-se, volveu:--A minha pena é que... _ellas_... me não vejam n'este instante em que finda a comedia e deixo a scena! Se eu não soubesse que este mundo é um sonho; se trouxesse o meu Deus de mim distante; como este despertar fôra medonho!-- Depois foi repartindo as suas prendas por quantos eram lá. --A ti... primeiro. Lego-te... dou-te... aquelle meu tinteiro. Tu fazes versos. Sei que não te emendas; sempre te serve aquillo!-- Desde ess'hora, e já lá vão cumpridos bons trinta annos, quando me engano a mim n'esses enganos da musa brincalhona, raro mólho a penna folgazã que me não traga nos bicos uma lagrima. Ai!... Eu ólho... aos abysmos do mar pergunto: «A vaga, que eu vi sumir-se, onde é?» E o mar afaga a praia em que a deixei, e vae-se embora, e volta, e vae! mas não responde; chora. _A VENUS NOVA_ Não, Rachel, não desvario. Venus, o estylo é antigo, os seus dotes repartio bem largamente comtigo. Deu-te esse corpo divino! esses seios palpitantes! Fosse eu inda pequenino e tu minh'ama! Que instantes! Por ser branca e por ser loira tem o loiro em menos preço; por isso te deu da moira o negro cabello espesso. Chega aos olhos... De repente vê que não tem na palheta côr nenhuma refulgente para imitar um planeta. Corre logo á fonte limpa; e procedeu com acerto que em ocios não se repimpa quem se encontra em duro aperto. «Ó dôce noite», ella exclama. «Tu tens estrellas a esmo. Duas quero em rubra chamma, quasi soes; dois soes. É o mesmo.» A Noite, que é velha fina, e foi sempre a Venus dada, responde:--Minha menina, só para a outra fornada.-- «Pois ao forno! e já! que eu pago!» A Noite, ouvindo-a, lampeira. A estrada de São Thiago deitou logo na caldeira. Fogo ao lado, e fogo ao centro! Quando a fervura era viva o sete-estrello p'ra dentro! e folhas de sensitiva! Ao cabo de poucas horas em duas orbitas fundas despejou duas auroras com que est'alma em luz inundas. Venus pulou de contente; mas depois... (que são mulheres!) disse á outra em tom plangente: «Adeus!... O que tu quizeres!... «Fizeste-a fresca! Eu reinava. Era no Olympo a mais bella. Passei de rainha a escrava. A Venus agora... é ella!» _O LOBO E O CÃO_ Traducção da fabula de Lafontaine--Le Loup et le Chien Não tinha um lobo mais que a pelle e o osso. Signal é que de orelha arrebitada bem vigilante andava a canzoada. Encontra o lobo um dógue forte, grosso, nutrido, luzidio, uma belleza! que distraído abandonára a estrada. Sorri-lhe a nedia preza! Saltar-lhe logo ali, fazêl-a em postas o seu desejo fôra. Dura empreza! A lucta era infallivel. Voltar costas não usam perros quando são valentes, e, mais, os brutos! dão ás vezes cabo do fero contendor! Diabo!... Diabo! Então aquelle, com aquelles dentes! * Humilde o lobo, pois, encolhe a cauda; chega-se ao cão; abaixa-lhe a cabeça; puxa conversa; diz que folga em vêl-o, que deixe que elle admire, que elle applauda topal-o assim... e com tão bom cabello!... e rijo! e gordo! Um frade! Uma abbadessa! «Esplendido senhor»,--o cão responde;-- «de vós depende o ter igual gordura. Fugí dos bosques, onde por teima da desgraça de fome e frio só achaes fartura, vós, senhor lobo, e a vossa pifia raça. Dias e dias sem comerem nada! e lá por festas, raras, esquecidas, um petisquinho conquistado á espada, tragado ás escondidas! Ahi é certa a morte! Furtae-vos a seus braços! Seguí... seguí meus passos; tereis outro destino e melhor sorte.» --Mas como?--volve o lobo. --Fazer então que devo?-- «Bagatella: nem morte d'homem nem de egreja roubo; simplesmente estas coisas: não dar tregoa á _santa_ gente rôta, mendicante, bordão n'uma das mãos, n'outra a tigela, que vem inda a distancia d'uma legoa e já tresanda a essencia de tratante. Lamber as mãos ao dono; ser submisso... _dar cóca_, é o termo proprio, ao dono e a todo quanto bicho careta houver em casa. Salario apanhareis que vos apraza: ossos das aves, rodas de chouriço, restos vindos da mesa, e tudo a rôdo! Até uns _tagatés_ em cima d'isso!» * Tendo prestado ao cão attento ouvido o lobo, coitadinho! com perspectiva tal enternecido não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho. * Iam caminho já do povoado quando o lobo notou que no pescoço o cão era pellado. --Que tens ahi?--pergunta em alvoroço. «Nada, que eu saiba.» --Nada?!-- «Frioleira.» --Mas afinal o que é?-- «Ora!... A colleira com que á noite me prendem junto á porta...» --Prender-te?!--o lobo exclama.--Não saes fóra, não corres livre pela terra inteira quando te dá na gana, e a toda a hora?-- «Nem sempre. Isso que importa?!» --Tanto importa que toda a trincadeira com que me acenas, um thesouro embora, por tal preço não quero.-- O lobo finda; põe-se logo na perna, e corre ainda. _DEUS E O AMOR_ (1870) No ceu, cabisbaixo, o Amor um d'estes dias entrava. O pobresito levava impressa no rosto a dôr e as settas todas na aljava. Ao vêl-o o Eterno exclama: «Que vens tu fazer aqui?!» --De Lysia, meu Deus, fugi porque lá vivo da fama; os meus freguezes perdi. Busca a moça um noivo rico sem lhe importar nada mais. _São fumo as paixões e os ais; pintos, nina. Apanha o mico!--_ lhe bradam os proprios paes. Por isso, feito o consorcio, sae da egreja o par fiel, e o noivo compra papel para requ'rer o divorcio, passada a lua de mel. Torto já, e á vara larga, o fino _dandy_ seduz. O mais que faz o lapuz quando em finezas se alarga é roncar: _Que tal te eu puz!_ Do patrio amor todo o fogo traduz-se no _venha a mim_. Quem faz d'um jornal pasquim, sem trunfos entra no jogo e sae-se trunfo por fim. Bellini foi-se!... não presta. Da harmonia a nata, a flôr, veio encontrar successor no _Fado_, que é o rei da festa, o canto que faz _furor_!-- A virgem martyr Cecilia, ao ouvir blasphemia tal, ataca o _si_ natural, e, pedindo um chá de tilia, cae em deliquio mortal. Sem reparar no que passa soluça o Amor e diz: --Murcha pende a flôr de liz. Jaz prostrada na desgraça a patria de São Luiz! O Krupp a morte semeia de Sarbruck até Sedan, e París, a cortezã, nas garras da fome anceia! Que serás, França, ámanhã?! Pois n'estes dias sombrios a velha Europa sagaz, cuidando ter um antraz, fez ataduras e fios em vez de fazer a paz! Lisboa, toda vergonhas, e orgulhosa, e esmoler, atraz ficar-lhe não quer e desata a fazer _monhas_; mas fios, nem um, sequer! Acima da humanidade ha n'esse bom Portugal o novilho e o boi real. A dôce fraternidade anda nos paus do animal. De meu seio a pura chamma deixa, ó Deus, arder aqui. De Lysia a correr fugi porque lá já ninguem ama nem mesmo, Senhor, a ti! Nem mesmo! que sem respeito tonsurado berrador troveja em voz de Stentor, batendo murros no peito, que o teu braço é vingador; Que ao reino teu infinito, á mansão da eterna luz, tua mão, Senhor, não conduz quem fez o enorme delicto de ignorar que houve Jesus; Que tu, meu Deus, que és o forte que destruiu Jericó, que és a Justiça... tu só, habitas n'aquella córte; encarnas no immundo pó! E para acabar o quadro, para lhe dar mais unção, afoga o impio sermão junto á cruz que está no adro em ondas de carrascão! No templo teu, Pae divino, apparato theatral! Em redoma de crystal vestido Jesus Menino de _chéché_ do Carnaval; E o alvo lirio, Maria, a pura depois de mãe, caracoes e rolos tem como usava a minha tia quando ia ao Paço em Belem! No altar-mór o scenario que effeito fazendo está! Pallida a lua... acolá!... Além a cruz... o Calvario... Fóra, author! Bravo, Rambois![1] Na nave central--cavaco; e no côro, ai! pobre fé! latagões côr de café uivando dentro d'um sacco: --Sou o Barba-Azul! Olé!-- A catholica Judêa, o christianismo pagão, ousa mais! Põe em acção do Homem-Deus a epopêa na sensual procissão! Ás enfeitadas janellas corre a curiosa avidez. _Fazem cauda._ Esperam vez como se elles e ellas fossem vêr um entremez! Depois começa o serviço. Olho aqui... e olho lá... no seu _tudo_, e no papá que embirra co'o tal derriço por andar no _b-a-ba_. Namorando as carnes núas do que vae no floreo andor, outras dizem:--«Salvador, se todas são como as tuas quem não será peccador?!» Emquanto se eleva o incenso na caprichosa espiral, o garoto, essa vestal dos vates de hoje, no lenço faz mão baixa e no metal. E, manso, por entre o grupo da ondulante multidão, serpenteia a procissão. Rumoreja em torno o apupo. Consternam-se alma e razão. Que brutos cêpos são esses? Vae Deus ali? Christo nú posto a par do _manitú_, homens dos torpes int'resses, filhos glotões de Esaú?!... Tartufo os impetos doma. Vive agachado o chacal a espreitar se o olhar fatal de Filippe á voz de Roma lampeja no Escurial! Fiar n'elle!... O incendio lavra occulto. Na escuridão forja de novo o grilhão á consciencia, á palavra, a satanica legião. Em teu nome o lar deserto!... O pranto manando a flux!... Morta a esp'rança! Extincta a luz! e da cruz contra o liberto mudada em punhal a cruz!-- Largamente aqui respira sêcca a lingua e falto de ar, que o terno Amor, a fallar, não é como os de Tavira: --dá-lhe... dá-lhe até 'stoirar!-- Mas, depois, como o Vesuvio irrompe. Ao rosto gentil assoma a raiva, e febril bate o pé; grita;--um diluvio manda ao infame covil! Outro diluvio! incessante a subir... subir... até que não fique nada em pé! nem possa nenhum farçante fazer arca e ser Noé!-- Deus, que os seus ouvidos presta ás queixas que Amor lhe faz, sorri e diz: «Ó rapaz, um _T_ escripto na testa porventura me verás? Eu dei-lhes a lei sublime nas alturas do Sinai. Se contra a lei, contra o pae, conspira Lysia--no crime do crime o castigo vae. Triumpha o Milhão, e Hero não houve mais que uma só? O Creso do oiro em pó a flauta fará de Nero, e da flauta um bom cipó. E se os maridos, tontinho, fugindo ás esposas vão, deixa-os lá. Por fim terão, em vez do calor do ninho, os gêlos da solidão. A vida passa ligeira; e, quando a morte vier, qual d'elles é que não quer dôce oração derradeira entre beijos de mulher?! Ai!... Acabar longe d'isto!... sem perdão!... sem paz!... e meu sem ser nenhum!... Galileu, tu que fizeste?... Ó Christo, teu sangue que fructos deu?!... Fiz de ti a rósea aurora da universal redempção; inda após o teu clarão o Deus cêpo é o Deus que adora a proterva multidão! Pois para amar-me é preciso mais que os olhos alongar pelos ceus, por terra, e mar? mais que o pallôr indeciso d'uma noite de luar?! Pois n'esses milhões de mundos, que girar no espaço fiz, não falla tudo? não diz em seus canticos jucundos: --Senhor! Senhor, existis?!-- Erriça o leão a coma? Nas sombras do Escurial ergue a pedra sepulchral de Filippe a astuta Roma?... Erga!... e surja o rei fatal!... Antro, e fera, e vil Tiberio, tudo no pó sumirei!... que dos reis eu sou o rei, e as chaves do meu imperio a mão nenhuma entreguei! Perdes o tempo, creança! Se o perdes, meu doido Amor! Sei quanto és enganador! quanto és feroz na vingança e folgas da alheia dôr! És vendado, és cego, e ousas como se visses fallar?! Pois has de á terra voltar.»-- E o pae de todas as cousas foi-lhe os olhos desvendar. Então o dôce fedelho, tão dôce como cajú, repara em si... vê-se nú... faz-se azul... faz-se vermelho como um monco de perú. Depois a fugir desata pelas ethereas regiões. Atraz d'elle as maldições de quanta velha beata foi ao ceu... por alçapões. Que o ceu que estamos mirando occultas entradas tem, e sem fiscal! Inda bem. A não ser por contrabando já lá não entra ninguem. Vôa... vôa... É mesmo um raio rapido o espaço a rasgar. Vôa... Á força de voar perde o alento, e n'um desmaio vem no chão co'as azas dar! N'essa noite a authoridade metteu, zelosa qual é, o menino em São José; mas ninguem crê na cidade que a sciencia o ponha em pé. Quem tem os dias contados mais viver não póde, não. É do amor finda a missão dês que os fundos, bem cotados, valem mais que o coração. [1] Pronuncie _Ramboá_. _ENTEADA_ Casou segunda vez certo sujeito que sempre á viuvez torceu a cara. Deixára-lhe uma filha o velho leito, e mimo egual o novo lhe offertára. Quando eu as conheci, uma era forte, córada, alegre, brincalhona, viva; pallida a outra, triste, pensativa, como quem traz em si a dôr e a morte. Das duas a mais nova, a que é sadía, a lapis, n'um papel, graciosos traços d'um corpo de mulher hontem fazia. No fim as palmas bate, e, erguendo os braços, «Olha a mamã!» gritou, «De longe basta... basta vêl-a d'ahi!... Não será ella?»-- Volve-lhe a outra em voz que o sangue gela: --_Agora pinta lá uma madrasta!_-- Miserrimos poetas que nós somos! Por mais inspiração que nos abraze, por mais phantasiar tomos e tomos não valem juntos, não, aquella phrase. _N'UM ALBUM_ Por essa existencia fóra nosso caminho é diff'rente. Eu vou por onde se chora; tu por onde canta a gente. Tu chegas; tu vens agora; tu sobes qual sobe a aurora; eu, tal qual o sol poente, desço... desço!... Vou-me embora. _RAPHAELA_ I Era em março, e a Folia, dando o braço ao Carnaval, entrava em _Dona Maria_. Não sei que idea fatal me levou tambem á festa. Sei que fui. Sei que vestia _dominó_ côr de giesta, e que a mascara, que ao rosto trago presa todo o dia, eu trocára, ébrio de gosto, por outra que não mentia. II Ia a noite em mais de meio quando os pés na sala puz. Os gritos, a dança, a luz que os novos encanta, e creio que mais os velhos seduz, tocaram-me o coração por tão estranha maneira, que a não ter ali á mão as costas d'uma cadeira, dava co'as minhas no chão. Persuadiam-me que a Sorte quer que o homem seja egual sómente perante a morte, e vi eu que o Carnaval tinha o mesmo poder forte! Junto a mim o sôr _Sovela_, disfarçado em lord inglez, trata por _tu_ o freguez, que n'outro _tu_ se nivela com quem as botas lhe fez. Ao longe o sujo vadio que, para impingir á gente um bilhete do _Pão quente_, corre a Baixa e o Rocio dando _Excellencias_ a rodo, agora vestido á turca, _turca_ por dentro elle todo, grunhindo sem tom nem som paga depois da mazurka ponche ardente a quem tem _Dom_. N'aquelle canto escondido o calvo e gordo marido ás moças falla d'amor; e como deve o traidor pela traição ser punido, n'outro canto anda a mulher a brincar co'o deus Cupido... dê o brinquedo o que dér! Cada flôr, rosa ou jasmim, com seu calix entreaberto embalsama este jardim, e ás abelhas que andam perto como que as oiço dizer: --Oh! Bebei dôce prazer que rendida vos offerto!-- Isto é vida! Isto aqui, sim! que a humilde e santa egualdade o mundo mergulha emfim no sol da eterna verdade!... III «Boas noites, dominó.» --Só isso me dizes?-- «Só. --Pois desde já te requeiro que ámanhã fiques na cama, e manda o teu travesseiro dar umas voltas por cá. Na chalaça, no epigramma, as lampas te levará.-- «Quem de espirito é tão fino devêra ser mais cortez.» --Vestiu-se de peregrino a cortezia...-- «Talvez d'essa longa romaria a que foi não voltaria!» --Assim parece. Não vês?! IV Quem me descobre a razão d'esta infame grosseria?... Consultando minha tia, disse-me ella:--És um ratão! Coisas tuas!...-- «Coisas minhas?! Ora essa!» --De quem são? Se teu pae sem ter gallinhas te deu boa creação?!-- Mais ainda me condemna ser a mulher que offendi segunda Venus de Milo! Que remorso o que eu senti, e que nó no gorgomilo, quando, absorto, o que era vi!... Que ao fallar olhei... Por Christo! juro que olhei sem ter visto. V Como usa a formosa filha da formosa Andaluzia, sob a elegante mantilha pelos hombros lhe caía de negro e farto cabello a madeixa ondeada e crespa. Na cinturinha de vespa... Alto lá! De vespa, não; que é corriqueira a figura e tola a comparação.-- A cintura... Se lhe chamo só delgada--aqui d'el-rei! porque é prosa. Ah! Já sei. Delgadinha como um ramo que sustém duas laranjas... E da voz os sons tão finos com que os hei de comparar? Com voz d'anjos pequeninos, travêssos, loiros, meninos que andam no ceu a cantar, aos quaes não tira o chapeu este pobre filho d'Eva emquanto Deus o não leva a conhecel-os no ceu?!... Impossivel!... Pois com quê?... Deixe-se lá d'essas franjas, ruim poeta! Você não sabe que a natureza faz coisas de tal belleza que um homem, se logra vêl-as, ha de pasmado ficar, e pasmar... pasmar... pasmar; mas não tentar descrevêl-as?! VI Qual a timida gazella que no prado anda brincando estremece e foge quando sente rumor perto d'ella, assim Dona Raphaela... Podia chamar-lhe Jónia, Mathilde, Elisa ou Antonia. Era o mesmo. Á mulher bella todo o nome fica bem. Toma-lhe a graça, a frescura: participa da candura de su'alma... se é que a tem. Que a minha airosa andaluza como a gazella fugio, se o não disse a casta musa que me inspira, o leitor pio (não ha _calemburgo_ aqui) certo de si para si a crêl-o não se recusa; mas o que o leitor ignora é que eu proprio, eu que ind'agora lhe dissera: _Vae-te embora_, ao vêl-a fugir fiquei triste, só, desamparado como o valido d'um rei quando cae em desagrado!... Ai! se o pensamento é vário mais varía o coração. Coração--Contradicção-- affirma-me o diccionario que dois synonymos são. VII Amar depois que trinta annos nos pesam sobre o cachaço; quando os frios desenganos guias são do incerto passo que nos vae levando á campa; quando a edade a correr vem e nas faces nos estampa oitenta rugas, ou cem! amar sem crenças; amar sem possuir attractivos; é padecer, é penar dôres do inferno entre os vivos. Sabia-o; mas se fadado fôra eu já para essa dôr! e diz Garrett, o doutor em taes materias versado, que ninguem foge ao seu fado! Funesto foi sempre o meu! Est'alma, que Deus me deu, em quantos affectos nutre que devorou Prometheu!. VIII Da rósea estancia em que mora com seu limpido clarão, sorrindo, ao ceu vinha a aurora soltar do prégo as azelhas d'onde pende a escuridão sobre chaminés e telhas. A festival harmonia pouco e pouco esmorecêra; e co'a luz do novo dia d'outra oschestra a afinação mais altos cantos rompêra, pois que entre os rocios do orvalho levantára escopro, e malho, um hymno de gratidão ao Deus, author do trabalho. Este aranzel, espremido n'uma phrase clara e chã, quer dizer:--era manhã, e a solfa dos caldeireiros matava o bicho do ouvido na rua Augusta aos parceiros. IX Cheguei a casa. Quem ama tambem dorme o seu bocado; nem ha nada como a cama para amor ser bem tratado. Vêde as ratices do mundo! Sentados no mesmo throno amor, que é vida;--e o somno, que da morte é irmão segundo!... Em tão doloroso trance é praxe no bom romance surgir a pallida insomnia beliscando a cachimonia do que ás paixões não se poupa; mas eu, que sigo outra lei, fui-me enroscando na roupa, e dormi. Fiz mais: sonhei. Sonhei, sim. O que é sonhar? É fugir do captiveiro d'esta bola sublunar. A noss'alma, que gemia entre os ferros, encontrar a paz, o amor, a alegria, vivo, real, verdadeiro, o mundo da phantasia. É n'um divinal momento conquistar, possuir, haver o que nunca o pensamento, por mais audaz, ousou crêr que um dia á mão nos viria. Sonhar é vêr palpitante a toda a luz da existencia o pae, os filhos, a amante que a morte apartou de nós! Ouvir-lhes a dôce voz... interromper essa ausencia eterna, a eterna saudade que nos deixára o perdêl-os! Sonhar é esta piedade do ceu pelas nossas dôres; esta mão cheia de flôres que Deus esparge nos gelos!-- Tudo mais são pesadelos. Pois eu sonhei, e não digo o sonho que tive então. Não por ser segredo, não, que á terra desça commigo; mas quem tem, como eu, vergonha, mesmo ao leitor seu amigo nem sempre diz o que sonha. X No outro dia ao almoço, frugal almoço invejado ao pobre e triste empregado a quem aos mezes o Estado permitte rilhar um osso, muitas vezes esbrugado; no outro dia a Gertrudes, velha magra, feia, teza, inda cheia, á portugueza, de calvas e de virtudes, as quentes papas de milho veio pôr-me sobre a meza. A mim a quem nada escapa logo ali me deu no gôto O vêl-a andar n'um sarilho a peneirar-se, e á socapa sorrindo com ar garôto. --Gertrudes, que historia é esta?-- E ella a rir. --De que ri?!...-- A rir-se mais. --Temos festa! Vae grande baralha aqui se me não diz, como quero, porque essa bocca escancára, e se desengonça, e rebola... Ella, atalhando: «Salero! Soy, señorito, española!» Figurem-se a minha cara!! A visão, a Raphaela com quem ha pouco sonhára, o bello typo andaluz, a flôr de um dia... era ella saída das mãos do Cruz![2] XI A moral d'este meu conto implica artigos de fé: 1.º Quem vê masc'ra não vê rosto. 2.º Belleza vista de dia dê-se-lhe sempre o desconto de trinta por cento em cré. 3.º Depois do sol se haver posto até a Virgem Maria precisa ser vista ao pé. 4.º Mesmo assim, inda que perto, não se diga nunca ao certo que se está longe da Sé. [2] Guarda-roupa. _AS MINHAS MEMORIAS_ Á Exc.ma Snr.ª D. A. F. Pinto Nasci. Vivi. Foi meu cruel destino ser inutil, vulgar, emquanto moço. De dôr em dôr, cançado peregrino, chego á triste velhice sem conforto. Nunca pude saber o que era tino, como a bolsa não soube o que é _caroço_. Quando voltares hei de ser um morto. _ESTRELLA CADENTE_ Ella não tinha ainda os seus vinte annos. Eu já cincoenta, ou mais. Poucos enganos podia haver na conta. Trouxe-a ao cóllo! Não fôra um pólo em frente do outro pólo; mas, inda assim, contando-se este caso, dir-se-ia ao certo: Era uma vez o Occaso, e era uma vez a Aurora... Não sei como n'um bello dia, por ser vedado o pomo, por ser appetitoso, finalmente não sei porquê!... por eu ser um demente... por ser ella o retrato da que é morta... fosse lá porque fosse!--Isso o que importa n'um bello dia--amei-a!... Uma doença que a gente apanha quando menos pensa. * Sorriam de piedade os meus amigos todos á uma, e os novos e os antigos. Nas salas bichanava-se em cochichos: «Ora, o ginja! aparando inda os esguichos com que o _bisnaga_ amor! Atraz da pomba, o perfido lacrau!» Deitavam tromba os outros pretendentes. Um barulho por nada. Então porquê?! Por um arrulho?... Um simples suspirar?... Pois que mau era brotar-me em pleno inverno a primavera?... Durava pouco?... Tanto quanto dura em toda a terra tudo o que é ventura. Engeita-se por isso?... A minha idade?! Fui de Mathusalem socio e confrade. Adão dizia ao vêr-me: _Olá, compadre!_ Contemporaneo eu sou do eterno Padre. Não ha mais nada acima. Querem isto?... O Padre, o velho, foi mais tarde o Christo. Ondas d'amor jorrou d'aquelle peito. Remiu. Salvou. Pôz termo ao longo pleito entre as trevas e a luz, e, porque vinha em nome só do amor, annos que tinha ninguem lh'o perguntou. Sinceramente: ha rugas dentro d'alma?!... * Impenitente morrera n'esta fé; sobre o Evangelho jurára que mais ama o que é mais velho; se o ponto da questão, o delicado, outro não fôra; um velho ser amado! Aqui é que me dóe! É necessario primeiro formular um questionario. Menos se quer á flôr, menos se trata, por ser de argilla o vaso e não de prata? Aqui... além... embora onde estiveres... não és, ó flôr, a mesma?... e das mulheres, --não digo já de todas; mas d'algumas-- igualmente o _boudoir_ tu não perfumas?... Não busca asylo a crença, a christandade não presta o culto seu á Divindade no templo secular, de negro aspecto, humida arcada, abobadas por tecto, como na alegre ermida redourada, quente aos raios do sol, sempre inundada de jubilos e festa?!... Amor travêsso, só por vêr para dentro, vê do avêsso? * Não te illudas, ó louco! A Providencia dependente do amor fez a existencia. Para estimulo a amor fez a belleza, o viço, a força, quanto com certeza tu já não tens. Por isso no concurso aos vagos corações a pelle do urso, a penna luzidia do bom pato, dão por si preferencia ao candidato. Esta a verdade crua. O sentimento depois é que se faz. É-lhe fermento, é mister que primeiro insuffle a arteria, e n'ella o sangue injecte, a vil materia. A bocca, um pé, a guia d'um bigode mais que as almas em fogo sempre póde. E tu não valsas!... tu não tens bocca o _argot_ da moda, a phrase insossa e ôca! Por mais _ciré_, torcido, repintado, que o teu bigode vá... bigodeado és tu que ficas, velho! a torto e a esmo! Justo e fatal!... Fatal e justo é o mesmo. No chão não rojes teus cabellos brancos n'um desespero ignobil! Para arrancos, para entrares no inferno como o Dante, a dôr da tua cólica é bastante. Outras não queiras, outras não procures improprias já de ti. Não; em nenhures rejuvenesce o Fausto; e, dês que ha mundo, quem disse um velho--disse um moribundo. * Ella não tinha ainda os seus vinte annos. Por não tel-os vivia n'uns enganos que eu não devia ter nos meus cincoenta. Distraída commigo olhou attenta para um moço qualquer. Nem eu me lembro do nome d'elle já! Era em setembro. Isso sei eu. Que noite!... Estou a vêl-a! Ultima noite azul!... Rasto d'estrella, curva de luz nos amplos ceus cadente, illuminar-nos veio de repente. Ella assustou-se, e disse: _Dieu te garde!_ Pouco tempo depois, horas mais tarde, tal qual a estrella, em rapido trajecto, no mundo novo entrou d'um novo affecto. _AO ACTOR JOÃO ANASTACIO ROSA_ que, na sua officina de sapateiro, mandára fazer para uso do author umas botas impermeaveis Boas botas com effeito! Ha que tempos que te eu digo que, de pequeno, o teu geito é ser sapateiro, amigo! Afóra o bico da moda, que é moda o _bico_ hoje em dia, quem da terra andasse á roda _mestre_ assim não toparia. E lá no mar,--tens ratices!-- com ellas por sobre as ondas anda a gente como Ulysses nas aguas das Trabisondas. O povo grita: Milagre!--; teus filhos:--Estamos salvos!--; e tu com graxa e vinagre vaes enganando os papalvos. Queima a Sciencia as pestanas buscando o que seja aquillo; e nem passadas semanas conclue que é sebo de grillo! Tu proprio chuchas no dedo, _avis rara_, ó _raio_ d'ave; pois ao fechar teu segredo perdeste-lhe o tino e a chave. Seja qual fôr teu systema, graxa só ou graxa e sebo, eu, indigena na gemma, applaudo o que não percebo. De tão prodigioso invento só entendo, e não é pouco, que ou me saíste um portento ou és rematado louco! Mas que importa qual diploma um logar nos dá na Historia? Toda a estrada leva a Roma. Por atalhos vae-se á gloria. É certo que ao fim da vida a luz do provir é tua: luz accêsa sem torcida!... porta aberta com gazua!-- Vê quanto o sec'lo é fecundo! Vê; regista em tuas notas. Em poucos annos ao mundo botou dois homens das botas! _ÁS RÃS PEDINDO REI_ Traducção da fabula de Lafontaine--Les Grenouilles Viviam certas rãs n'um charco immundo em republica plena. Era um pagode! Tal qual uns democratas que ha no mundo julgando que a republica, no fundo, outra coisa não é senão a gente fazer o que bem quer e quanto póde, a rã tripudiava impunemente. Todos os dias era certo o choque entre o batrachio forte, intransigente, e parte da nação já descontente que a Jupiter pedia ou rei ou roque. O deus fez-lhe a vontade. Largou-lhe lá do ceu um rei pacato, de summa gravidade. Das alturas tombando, o rei na quéda fez tal espalhafato, que as fêmeas em pavor, os machos fulos, aquellas saltitando, estes aos pulos, como é uso das rãs nas grandes crises, cada qual a gritar:--arreda! arreda!-- entre os juncaes, no lôdo, nas raizes dos salgueiraes se enreda. * Por longo tempo em seus esconderijos das rãs esteve homiziado o povo. Transformaram-se em medo os regosijos da antiga bacchanal. Gigante novo cuidavam ser o rei que o ceu lhes déra. Não ousavam sequer saír da tóca; pois, não raro, os instinctos maus da fera por imprudente a presa é que os provoca. Já n'essas eras muito a pêllo vinha dizer: _Cautela e caldos de gallinha..._ O rei era um pedaço de madeira. Nem mais, nem menos. N'uma bella tarde uma das rãs, por ser menos covarde ou mais bisbilhoteira, tirou-se de cuidados, manso e manso na flôr das aguas surge, e ás guinadinhas com muito tento e geito do cêpo se aproxima. Após ella vem outra... e outra... aos centos. Vendo que o rei não sae do seu ripanso, rodeiam-no; coaxam: _Salta acima!..._ e coaxado e feito!... O rei, temido outr'ora, ás pecuinhas d'essa chusma villã se vê sujeito. Em rapido momento sobre elle a malta audaz se encarapita, e faz do bom monarcha um bom assento. Nem chus nem bus! Calado que nem porta, qual fôra n'outros tempos!... Isto irrita. Rompem as rãs então n'uma algazarra que o pantano atordôa, os fios d'alma a quem as ouve corta. «Leva d'aqui, ó Jove, esta almanjarra que nem mexe, nem pune, nem perdôa, e mais parece uma alimaria morta, cabide d'uma c'rôa, em vez de nosso rei--nossa vergonha!» Vae Jupiter que faz? Uma cegonha, das muitas que possue, logo destaca, e manda que das rãs ponha e disponha, n'uma das mãos o queijo e n'outra a faca. Ora a cegonha, apenas em seu throno dona das rãs se vê e sem ter dono, diz comsigo: --Nasci dentro d'um folle! Quem tira agora o papo da miseria sempre sou eu!...-- Passeia toda séria, perna aqui... perna além, n'um andar molle, e quanta rã apanha quanta engole. * Geral consternação o charco enluta. Renovam-se as lamurias: que o rei é doido e tem ás vezes furias; que, doido ou não, o povo trata á bruta; por fim, que faça o deus formal promessa d'outro rei que as não coma tão depressa! O Jupiter tonante d'est'arte lhes responde: «Inutil prece! Dei-vos um rei tranquillo, inoffensivo, que nem sempre se tem nem se merece: um rei que era um regalo! Foi vêl-o e pôl-o pela barra fóra! Dei-vos segundo: um genio um pouco vivo... um pouco extravagante... Meninas, aguental-o! Era bom o primeiro e foi-se embora. É mau este de agora. Contentae-vos com elle, ó meus endezes, pois venha quem vier... peior mil vezes.» _ONZE DE NOVEMBRO_ É noite de São Martinho, rival do velho Noé. Cae agua em logar de vinho, e--milagre!--o meu visinho entra em casa por seu pé!... Memorias do alegre santo, porque é que tanto duraes se eu já nem bailo nem canto dês que me deram quebranto as peças originaes?! Até as caras meninas, socias minhas na funcção, rosas, d'antes, purpurinas, por muito favor--cravinas... d'Ambrosio cravinas são. Martinho, ao que chega a gente! Ellas feitas uns pasteis de carne velha e doente; eu comprando cada dente por tres e quatro mil reis! Bem me toucaram taes flôres! Bem com ellas me touquei! Da cabeça agora as dôres quem m'as faz são os tenores, as portarias, e a lei! A lei!... a eterna cantiga! o eterno sarapatel! Na nossa edade, e na antiga, lá para uns certos--espiga; lá para uns outros--papel. Só uma córta direito: só a lei da morte é egual. Para calcular-lhe o effeito vou, deitado no meu leito, dormir um somno real. _ASSIM É QUE EU GÓSTO D'ELLA!_ Eu nunca fui poeta. Era loucura mostrar depois de velho pretensões quando as não tive em horas de ventura, de tão dôces, mas breves, illusões. Então era a minh'alma que gemia no vago anceio d'onde nasce o amor; mas hoje sei que amor no mesmo dia nasce, esmorece, e morre como a flôr. Da meiga briza o tépido bafejo, a rosa perfumada, o pôr do sol, as nuvens d'oiro,--esplendido cortejo do astro-rei, a voz do rouxinol; Esse hymno immenso com que a terra exprime viva saudade pela extincta luz, se para mim então era sublime, ai! que já por meu mal me não seduz! Quando contemplo agora o fim da tarde, quando ao sumir-se no crystallino mar o facho accêso sobre as ondas arde e vae depois nas ondas mergulhar; Sabeis vós o que penso em tal instante? --Vêde a que prosa vil isto chegou!-- Sabeis vós o que penso?'... o que lamento?... O dia mais de vida que passou. De vida, sim, meus senhores, que não ha pechincha egual! Só algum sarrafaçal em horas de maus humores grunhirá sombrio e rouco que pelo seu fim anhela! Eu cá por mim acho pouco e morro d'amores por ella! A vida saboreada de um certo modo que eu sei. Nem limpa-botas nem rei; trazer camisa lavada; bem lavada a consciencia; libras velhas na algibeira; ter um trem e por decencia um garoto na trazeira. Cadeiras... todas de braços, fôfas como pão de ló. Nunca dar ponto sem nó nem pôr ponto em dar abraços. Caçadas... feitas no prato, e sobre a caça café. Charutos... dos de contracto _Lib'ra nos!_ antes galé. Vejam se eu dava o cavaco ou se quebrava o toutiço por ser tudo quebradiço n'este mundo como um caco! Em se quebrando... acabou-se. Ora, adeus! Fortes lamechas! Era bonito se fosse ficando tudo p'ra mechas! Amor de marrafa branca como o cão e a cadellinha sempre fiel! Que gracinha!... Ao chá por baixo da banca dando ternas pizadellas que as meias deixam de luto, que fazem vêr as estrellas, e provam que o par é bruto. Ter sempre o mesmo barbeiro e sempre o mesmo topete!... Á mesa do voltarete defronte o mesmo parceiro!... O molle ser sempre o molle!... sempre esperto o serigaita!... Na mesma gaita de folle soprar quem sopra tal gaita!... Quem pensa assim... ai! coitado! ou perdeu todo o juizo, ou se tem dente do sizo pelo alveitar foi achado. Para mim que sou amante do que muda e do que mexe, como havia ser seccante o tal mundo de escabeche! Beijar nos pulsos a algema com que Amor nos manietava; amanhã mandal-a á fava; a belleza eis do systema. Ser hoje amigo do Brito, amanhã sêl-o dos Soisas!... Viajar hoje no Egypto; vêr ámanhã novas coisas! Isto, sim, que é prazer certo! Quem julgar que assim não presta diga adeus a esta festa que o cemiterio está perto! Pois póde haver tolerancia na China, aqui, ou em Gôa com quem defende a constancia que é a maçada em pessoa?! Aqui d'el-rei porque mente toda a humana geração!... Grande pena!... pois então, se mente, mente-lhe a gente. Por mentira, mentirola. Por esparrella, esparrella. Assim vae esta charola: assim é que eu gosto d'ella! Dizem que a vida os assusta porque em tudo encontram móca; que o bem a todos não toca, que a Justiça não é justa. Eu, por mim, quero-a mais larga, que, se acaso um dia fôr parar-lhe ás mãos, menos carga sobre os hombros me ha de pôr. E se o bem me não tocar tambem uma vez sómente, ferro commigo no quente e, lá, desato a chorar. Não é mau. Dou de conselho a quem quizer divertir-se que chore em frente do espelho e por força acaba a rir-se. Chorar é bom! Quem me dera nos tempos que já lá vão quando, moço, o coração, ao romper a primavera sobresaltado tremia, e da terra toda em flôr juntava á meiga harmonia doces lagrimas d'amor! Se á vida não acham geito porque todos têm chorado, cá para mim vem barrado quem lhe põe este defeito. Elles que foram pequenos e contra as lagrimas chiam, de _lacrima christi_ ao menos um copo não beberiam? Tal resmuneia e se queixa que as filhas não fecha a mãe; que a mãe namora tambem, e mais que torna e que deixa! Ih! Jesus!... Que gritaria! Se a mãe as filhas fechasse, nenhuma as portas abria. Ai de quem as arrombasse! Caturras! Se ha quem supponha nas politicas regiões que inda póde haver Catões sendo tão rara a vergonha!... O galante é que no jogo cada qual puxa o seu trunfo quando sem armas nem fogo alcançar póde o triumpho! Deploram republicanos que lhes tosquiam as azas? Pois vão lá p'ra suas casas fazer dos creados--manos. Os outros temem que os thronos se despedacem? Demonio! Não lhes resta ainda, monos, os thronos de Santo Antonio?-- Tudo aqui se remedeia; tudo tem facil saída se as honras dermos á vida d'um jantar ou d'uma ceia. Quem tentar pôl-a a direito perde o tempo e a razão porque luta peito a peito com phantastica visão. Eu nunca fui poeta. Agora vêdes que menos do que nunca aspiro a sêl-o. Se espalmar-me tentei pelas paredes do teu Parnaso, Apollo, vae-me ao pêllo! Põe-me nú se conservo n'este fato algum resto de parvoas pretensões, já que o mundo como é, o mundo ingrato, despir-me soube as dôces illusões. Dormi. Sonhei. Do sonho hoje acordado na prosa da verdade emfim caí; mas como tudo tem sempre um bom lado ganhei gordura se illusões perdi. _EM CINTRA_ Tal qual como o sacrista, o velho Catecismo soletrando, primeiro se espreguiça; cabeceia depois de quando em quando; por fim já não atina se ha tres, se um cento d'inimigos d'alma; meninos e doutrina, rosnando manda á missa; engendra um travesseiro da batina; deita-se e dorme emquanto dura a calma: farto da vida fui-me estiraçando n'este alcantil, onde aves de rapina fizeram ninho outr'ora. Ao longe o sol declina; já sobre as ondas arde. Soltando a voz sonora n'um murmurio suave expira a tarde. Ai! quem me dera aqui morrer agora!... Não ha somno melhor!... Somno?... Sería?... Eu penso que não é, que sentiria em torno do meu sêr, do meu sêr novo, uma coisa qualquer que a phantasia não ousa precisar, á qual aspiro, para a qual vou fugindo, que me chama, na qual hei de caír como em seu giro alado insecto vae caír na chamma. Não é tolice, não. Quem n'este mundo diria afoito ao sabio mais profundo, se n'esse tempo o mundo sabios tinha, que dentro da gallinha estava um ovo e dentro d'aquelle ovo outra gallinha?... Assim succede em tudo. Muda a fórma; as condições variam da existencia; mas, por mais que a materia se transforma, intacta se conserva sempre a essencia. Logo: hei de viver. Ter consciencia d'aquillo que então fôr!... UM CORVO (_que fende o espaço, grasnando_) Senil demencia! Sobre essa rocha estoira como um ôdre: terás a mesma sorte de tudo quanto é pôdre. Serei eu só bastante para fazer-te o corpo n'um farrapo. Que vida has de viver desde esse instante mettido no meu papo? Aonde a consciencia?... o sentimento?... Perante a Eternidade tu duras um momento. Serviste o pensamento da grande Divindade; depois!... Depois da morte não és coisa que importe do mundo ao movimento. UMA ANDORINHA (_chilreando em roda da penedia_) Ai! terra onde nasci! Ai! dôce patria minha! tão longe eu sou de ti!... Saudosa do palmar, aqui, pobre avesinha, errante a voltear. Um dia... qual--não sei... um dia, em vindo o inverno, de novo á patria irei. Então sob o docel d'aquelle azul eterno, nos plainos meus d'Argel Emfim serei feliz! Nenhuma primavera roubar-me ao meu paiz Jamais conseguirá!... Uma outra pátria, espera, tambem te surrirá. UM SAPO (_no fundo do valle_) Cantigas! boas cantigas lá por cima oiço cantar. Do que vae cá pela terra entendem mais as formigas, sabem mais reptis na serra que os passarinhos no ar. Deixa piar a andorinha. Bem facilmente se ad'vinha a tua sorte futura. Tu és, amigo, a doninha. É teu sapo a sepultura. Cantigas! Boas cantigas! Quem trinca, trinca; trincou. As doninhas que hei papado por mais figas, figas, figas que as outras me têm armado, ninguem d'aqui m'as levou! O PINHAL (_ao longe_) N'um cantico dolente meus hymnos rumorejo. É Deus que passa em mim; o Deus que eu vejo em tudo o que palpita, e vive, e sente. Ó balsamica rosa, quando a fragrancia exhalas docemente da petala mimosa; lá quando do teu seio, tepido ninho d'um amor fremente, irrompem n'um gorgeio maternas alegrias, é Deus que passa, o rosto surridente, cercado de harmonias. O SINO DA PENA Dong!... Dong!... Dong!... UM VELHO QUE VAE NA ESTRADA (_tirando o barrete_) Avè, Maria, cheia de graça... O SINO Dong!... Dong!... Dong!... N'estas auras subtis do fim do dia --descobri-vos, mortaes!--é Deus que passa. Dong!... Dong!... Dong!... Desde a remota edade á edade hodierna Descrença e Fé por esse mundo fóra vão em perpetua luta caminhando. Da Sciencia os cartapacios consultando em Deus não crê, não crê na vida eterna quem da eterna sciencia tudo ignora. Sei d'alguns que não crêem... porque é moda... por ser qualquer idea contrabando em casco avariado. Finalmente, crêr, ou não crêr, a certos pouco importa, por isso que incommoda andar com seus botões pensando a gente no fim que ha de levar depois de morta. Eu á Sciencia estranho e bom jarreta, eu que penso em morrer, por ser um vivo que fecha a mala e puxa da gorgeta, encontro ás minhas maguas lenitivo crendo que ambas as coisas não são pêta. Tudo em roda de mim é o grande effeito d'uma causa maior, cuja existencia dois principios envolve fatalmente; amor e omnipotencia: poder que salva; amor sempre clemente. Isto me fique ao menos! Hei mudado de pensar e sentir bastantes vezes. Só não pude sentir nem ter pensado ser o mundo um curral, e nós--as rezes. _PEDINDO O INDULTO_ D'UM ALUMNO MILITAR que em 1872 foi expulso do Lyceu de Lisboa por não haver restituido a outro alumno um livro que lhe pedira emprestado Misericordia!... Um rapaz sem reflexão e sem tino, que é da milicia e inda traz reles buço de menino, brincando pede e sonega um mau livro a um mau collega. O facto é grave! A moral traja luto!... Esta noticia corre por maneira tal que até chegou á policia! Desloca a pedra angular do social edificio!... Cheira a Communa!... Pelo ar, em busca d'um outro officio, paira e pia a disciplina!... Ai de nós! que é certa a ruina se um braço potente e audaz não suspende o cataclysmo!... Corte-se fundo o antraz! Dôa e pelle o sinapismo! Assim se fez. Lá no ceu ha quem nos proteja ainda. A lei pune. O infame reu cae prostrado, e o p'rigo finda. Sabia a lei no monstro fere _Cartouche e Robert Macaire._ N'um golpe os reduz a pó! Da dupla calamidade, descascando um ovo só, livra e salva a humanidade! Os relaxados sandeus dizem:--Não valia a pena.-- Mas é que a Lei, pygmeus, não raciocina, condemna. E raciocinasse!... O pepino não se torce em pequenino? Aprender nos livros quiz? Quiz illustrar a sua farda? Fique burro, que o paiz gosta que o sirvam d'albarda. A vergonha, a nodoa, o que é? O que foi sempre. Esta é fina! Um pinguinho de rapé que se tira com benzina: um nada... que inhabilita: a letra fatal escripta com ferro em braza na mão! E n'este abysmo se lança sem piedade e sem razão uma inconsciente creança!... Melhor livro alguem pilhou sem ninguem lhe gritar:--Larga!-- Lambeu; os beiços limpou; e poz-se de mão na ilharga! Não! que o melro d'alto canta! e quando ás vezes se espanta fazem-no Deus, tal crereis? Uno e bis trino,--isto é sério, pois sendo os ministros seis é só elle um ministerio! O supplicante, senhor, cartista puro, em presença dos factos que vem de expôr, pede o indulto e a recompensa que o pobre rapaz merece. É fundada a sua prece em ser a Lei coisa igual: e, sendo, já me contento, se não póde ser mar'chal façam-no ao menos sargento. _PROCESSO_ 1875 _LIBELLO_ _Le cynisme de l'apostasie._ (Berryer). Que graçolas são essas, senhor Palha? Que estulto riso sobre tudo espalha? Costuma attribuir-se a pouco siso O séstro folião do eterno riso. E cuidou tirar joias d'um thesouro? Cuidou ter dito bocadinhos d'ouro? Pilherias de matar, chistes d'arromba? Pois nunca embalde co'a razão se zomba, E com ella zombou no seu escripto. Uma coisa é _espirito_, outra _esprito_. Já vê que me refiro á carta-asneira Abrindo aos disparates a torneira Nas illustres columnas do _Illustrado_. Quanto fôra melhor estar calado! A defeza enterrou-lhe a protegida, Ha patronos assim; hoje é perdida A causa da Madama. Andou de leve Em tudo quanto disse, e nunca teve Hora mais infeliz. Veja: primeiro O seu grande argumento é--_dá dinheiro!_ Que miseria inaudita! D'esse modo Bota abaixo a moral do mundo todo. Ó venenos subtis, ó ferros finos. Quem maldirá a mão dos assassinos Se vós rendeis milhões? Ó lupanares Da vil prostituição, nos seus cantares Passou-vos Palha carta de limpeza. Lucraes muito por dia? Santa empreza. Não quer saber de mais; o merecimento Afére-o pelo ganho; isto é nojento. A moral, a virtude, que lhe importa? O caso está em quanto rende a porta, A corrupção geral é que o deleita Dês que possa ser fonte de receita. A arte mascarou-se em traficante, A arte é _chilrear_ e vêr sonante. E houve quem berrasse, e inda hoje berra, Contra o barbaro interesse da Inglaterra Envenenando a China? Que patetas! Não haviam mugir á vacca as tetas? Se vem sangue no tarro que tem isso? O sangue tambem faz bello chouriço. E fresquinha a _Madama_, e curto o fato? Diz elle que o reparo é caricato. Pois quanto mais a filha mostra a perna E a linguagem mais cheira a taberna Mais acode o concurso hoje em Lisboa Que até na _côrte_, em gripho, inda resôa A fama de Cascaes e os lindos _fados_ Que por lá se dançaram, e os trinados Da banza afidalgada; haja folgança Que n'este mundo ha só prazer e pança. Na insulsa peça o Palha chocarreiro Só dá voto de peso ao bilheteiro; Com este é tudo bom. Frivolidades. Phrases regateiraes, e necedades; A praça da Figueira, emfim, na scena. Sem um dito sequer que faça pena De não lembrar depois; eis o encanto Do Palha da Trindade; e faz-lhe espanto Que os da _Nação_ não saltem d'alegria, E ratos diz que são de _Sacristia_... Alto lá, senhor Palha, mais decencia. Não se emporcalhe assim _Vossa Excellencia_. Não bula na _Nação_, que o trouxe ao collo, Que passa por ingrato, além de tolo. Pois não andou por lá de noite e dia? Não foi rato tambem na sacristia? Então o dizer mal mui mal lhe fica; Embora n'outra parte arme a futrica. O bonito é caluda. Se hoje adora O que d'antes queimára, rôa agora Nas lonas do theatro, chupe azeite Dos candieiros da rampa, mas não deite Só por na corrupção viver contente Má fama da que fôra sua gente. Que mal lhe fez á bolsa, em que só pensa, A antiga tradição, a antiga crença? Desertou; e bem viu que foi tranquillo. Nenhum tiro se deu a perseguil-o. Nenhuma voz se ergueu bradando--raca--, Nem ninguem lhe puxou pela casaca. Virou-a como quiz; e nem as trovas D'aquelle _José Paes de Torres Novas_ Ninguem lhe recordou: assim, nem pio, Que mais calvo o farão, e inda faz frio. Se seu honrado pae resuscitasse Como o rubor lhe subiria á face Vendo o filho truão na patria cara Cuspir injurias, com facecia ignara; Vendo o filho nos tempos em que vamos Morder insano a procissão de Ramos! Que tem, que póde ter gambia obscena, Em anzol de patacos sobre a scena, Com pia procissão, qualquer que seja, Dês que tem por escudo a Santa Egreja? Como o tal velho Palha encresparia O sobr'olho a toda esta porcaria? Vêr seu filho gabando os assobios D'amoladinhos vãos e de vadios; Censurar a gravata séria e lisa; O _pé fresco_ exaltar; gente em camisa; Ser-lhe, emfim, tudo antigo de quizilia E comicos só ter como familia!... Ó manes venerandos e _embécados_ Dos Desembargadores, sois trocados Na voz do filho e neto, em sêde d'ouro. Por titeres do palco! Forte estouro Levava o tal amigo se surgia Toda a Palha anciã, se não morria De vergonha outra vez, que é coisa dura Ver por nossos mordida a sepultura! Mas basta, senhor Palha, e se inda a fome Lhe exige mais roer, roa em seu nome. (_A Nação_). _CONTRARIEDADE_ _.......... e nunca teve Hora mais infeliz....._ (V. Exc.ª mesmo). Cantor das duzias, teu rosto porque é que encobres assim? Quem és tu? Es Arlequim? Es o Furioso de Ariosto? Es o Roberto Pimpim? És um anão Torquemada com pretensões a Vestal, fructo da copla carnal do author da _Besta esfolada_ e do esfolado animal?... Não és coisa alguma d'estas? Então, ó santinho, o que és? Pedes p'r'a missa das dez, ou tocas órgão nas festas e dás aos folles co'os pés? Pela linguagem rasteira comtigo decerto dou. Se pae não és, és avô da que chamas regateira, da propria filha da Angot. E a neta engeitas?... e á neta condemnas a phrase chã? Que cheira mal a hortelã dizêl-o póde, pateta, a vil cebola albarrã? É franca? P'ra sempre o seja. Vale mais ter esse dom que ser beato e maçon e berrar que é contra a Egreja _colhér e trolha!..._ Chiton! Mostra uma perna? Essa é boa! Olhem lá co'o que elle vem! Mostrou uma? Pois tambem você percorre Lisboa mostrando as quatro que tem. Ó sociedade corrupta!... Ó moralista infeliz!... que viste a perna da actriz e em vez de beber cicuta vaes beber... ao chafariz! Eu sei que o mundo é doente. Tem um scirro que o corroe. Além d'isso ao fraco heroe doe-lhe inda a raiz do dente que foi arrancar a Alcoy. Ao mais pequeno symptoma que indique augmento do mal recresce a faina geral. Com papas lhe acode Roma na região temporal; Dá-lhe sangrias Castella; põe-lhe um cauterio o allemão, emquanto mata o capão e ferve á pressa a panella a Italia no seu vulcão. Em França a magna assemblea revôlta, ignara, loquaz, discute se é agua raz ou se é forca a panacea n'este momento efficaz. Seguindo o fraterno impulso, o frio, sizudo inglez chega-se ao leito do endez e diz, tomando-lhe o pulso: _Inda não vae d'esta vez._ E o pai da magra Siberia, o grande doutor Moscow, da casa de Deus avô brama:--_Pois se a coisa é séria, ó rapazinhos, lá vou._ Mas tu co'os teus alfarrabios e com teu surriso alvar é vêr, apalpar, e... obrar. Podera! Que valem sabios onde apparece o alveitar?... Assim, receitas á antiga: «Dois grãos de moral... de Adão, que andou nú e foi burlão. Com elles faça uma figa, raspe, e metta de infusão. «Deite depois disciplinas com ponta de pita e nó. Misture São Pedro em pó, e co'as minhas proprias clinas fomente o enfermo sem dó. «Note bem. Rigor na dieta de acepipes liberaes. Não cheirar sequer jornaes. Se a cura for incompleta dê-lhe mais... e mais... e mais!» O mau, o peior, o diabo, ó cego Miramolim, é que essa droga ruim por um triz que já deu cabo do mundo vezes sem fim. Não faças mais medicina que o tempo gastas em vão; e, se és tolo ou charlatão, grunhe contra a tua sina, mas contra mim, isso não. Porque andei lá na botica de _avantal_ e braços nús, porque os xaropes compuz, mais e mais se justifica meu tédio pelo alcaçuz. E se a _Nação_ me deu mama, se ao collo trazer-me quiz, porque estranhas se lhe eu fiz no regaço e p'ra tal ama o que faz todo o petiz?! Sob a campa que os encerra deixa tranquillos os meus. Não chames, rei dos pygmeus, para as contendas da terra aquelles que estão com Deus. Do seu tempo honradamente seguiram costume e lei. Com ser do meu provarei que amo a patria, a minha gente, e o seu exemplo imitei. E se algum, velha maluca, surgisse da eterna paz, de provar-me era incapaz, que os olhos estão na nuca; que o _direito_ é andar p'ra traz. _SENTENÇA_ Estes autos correndo folha a folha, d'elles fica provado á saciedade que tem bolha a _Nação_, e que tem bolha o Palha da Trindade. Marfára-se o jornal só porque em scena mostrára certa artista uma das pernas gordas, e essa--obscena. O Palha redarguiu: que era uma pena e, mais, uma injustiça tratar como se fôra de corista a perna d'uma actriz--das de mão cheia; --que a perna era a cubiça do velho jornalista; --que o ferro d'elle, o ferro... era que a meia cobrisse aquella gambia tão roliça; por fim--que era um sacrista... insulto enorme a quem ajuda á missa! Ás partes deu-se vista da perna questionada. Era postiça. Recalcitra a _Nação_, accesa em febre: --que fôra burla torpe, e facto novo em terra portugueza, dar-se ao povo um gato em vez de lebre. --Que falsa ou verdadeira a perna fosse, de rama d'algodão, ou simples cana, sempre era perna, e _gratis_ dava um dôce a quem de lhe morder não désse a gana. D'ahi a grave offensa á pureza moral da raça humana; a indignação immensa d'uma sã consciencia ultramontana! --Que o Palha tambem fôra antigamente irmão na sacristia levantando a ração, conforme a havia, e sempre com bom dente. --Que lá n'um bello dia fugira como um burro cacilheiro sem lhe gritarem: _Chó!..._ Que santa gente! Que o réles emprezario, tendo o fito nas cruzes do dinheiro, trazia todo inteiro, aos pinchos, dentro em si, um vil cabrito: a fórma d'animal mais predilecta do Belzebuth maldito quando a noss'alma empanzinar projecta. --Que os paes, avós, emfim toda a Palhada que jaz na cova, qual vivera, honrada, por causa da tal perna ficára condemnada d'uma eterna vergonha á dôr eterna. O réo contesta, e diz: --Que era verdade haver por lá andado; mas n'uma tal edade que não chegára nunca a ser ferrado. --Que o tinham n'um cerrado onde brotava apenas a Saudade; constante era a estiagem; o ceu caliginoso; de lagrimas sómente a beberagem; por festa o cardo; espinhos só por goso. --Que tiritando ali, aguado o pêllo, extincto o movimento, transportado se vira n'um momento ás pávidas mansões do eterno gêlo. --Que, lá muito de longe, a Liberdade lhe fez então negaças. «Tens frio?... Vem. Aqueço. A escuridade é de razão deixal-a á sepultura, veu das caveiras, manto das carcassas! Chama-te a luz! a luz que vem da altura dos iriados ceus!... Surge!... Caminha!... Quanto mais caminhar a humanidade do espirito de Deus mais se avisinha.» Apoz da seducçáo d'aquelle canto, ouvindo aquelles hymnos, homem por elles feito, erguida a fronte, partira ancioso em busca do horisonte onde, envolvida em nimbos purpurinos, c'roada d'amaranto, a deusa refulgia. Partira. Fôra. E não se arrependia. Conspurcal-a pretendem? Na passagem cospem-lhe insultos? Baixam-lhe a pagode o templo augusto? Arrastam-na á voragem? Ella é pura sempre; é sempre forte! Póde velar seu rosto; só não póde, sem que renasça, captival-a a morte! E disse mais. E disse d'esta sorte: --Que mesmo ao Santo Padre, e mais é santo, não faz o dinheirinho um mau cabello... nem, em nome de Pedro, recebêl-o. Para engeital-o, em menospreço tel-o, nas mãos como José largar-lhe o manto, um pobre peccador e Belisario, seria necessario que fosse um dromedario; que fosse um gran camêlo! --Que exhibir uma perna no theatro não era nada comparado ás quatro sobre as quaes a _Nação_ a qualquer hora vae, cabisbaixa, manquejando legoas por esse paiz fóra. --Que em seu rancor profundo, sendo christã, não dera ao menos tregoas áquelles que dormiam descançados nas sombras do outro mundo!... Coitados!... Sim; coitados! Empenharam-se juntos na batalha em pró do mesmo rei. Nos mesmos fossos o mesmo pó morderam. Na mortalha nem isso lhes valeu! Ai! pobres ossos! Ouvidos por tal fórma ambos os lados; e --Sendo mais que certo que a folha authora, os olhos pondo em Christo, por um cantinho d'elles já tem visto pernas no palco, e pernas mais ao perto, sem que torça o nariz ou mostre nojo; --Não podendo a Moral chegar tão longe que exija a cada canto um Varatojo, nem de cada mortal engendre um monge dormindo sobre o tojo; e Visto que a _Nação_ no seu ataque foi rude, e foi cruel, e deu motivo do Palha ao fogo vivo que a poz, no ardor do saque, pouco mais, pouco menos, como um crivo; --Sendo que o Palha, embora na defeza, faltou ás leis da guerra contundindo a _Nação_ prostrada em terra; inutil, bestial, impia fereza, inda em cima aggravada na certeza de estar sovando um martyr; Attendendo a ter o mesmo reu a consciencia do mal que procedia quando, esquecendo a antiga convivencia por futil ninharia, em vez de lhe deitar logo um remendo se poz a esg'ravatar na porcaria; Manda a Justiça, a cega, a que é machucha, a pomba immaculada, a fossil que nem chucha nem consente sequer em ser chuchada; ordena a incorruptivel,--Deus lhes valha!... que vejam bruxa os dois! Veja uma bruxa a bruxa da _Nação_! Veja outra o Palha. Assim, condemno os dois da vida airada. Em castigo ao jornal seja o Libello, n'um livro, publicado. E que o releia, (pequena penitencia ao grande excesso!) quem á bilis soez abriu a veia. Saibam-lhe a fel, e trinque-os sempre á ceia, os fructos do seu odio! Dal-o ao prelo, dar-se a si mesmo em elzevir impresso, jungidos ambos, presos n'um só elo, do Palha a pena seja, e o seu flagello! Na mesma falta incursos, e n'outra falta ainda, a de recursos, paguem os dois as custas do processo. _INDICE_ Dona Morte Por fim Carta ao Conde d'Almedina, Inspector da Academia Real de Bellas-Artes, que no estrangeiro sollicitou uma commenda para o author Requerimento Prefacio d'um livro inedito Mal por mal A uma creatura Além da campa A Julio Cesar Machado, que em folhetim do _Diario de Noticias_ dirigira ao author phrases benevolas Dies iræ O meu tinteiro A Venus nova O lobo e o cão Deus e o Amor Enteada N'um album Raphaela As minhas memorias Estrella cadente Ao actor João Anastacio Rosa que, na sua officina de sapateiro, mandára fazer para uso do author umas botas impermeaveis Ás rãs pedindo rei Onze de Novembro Assim é que eu gósto d'ella! Em Cintra Pedindo o indulto d'um alumno militar que em 1872 foi expulso do Lyceu de Lisboa por não haver restituido a outro alumno um livro que lhe pedira emprestado Processo (1875) Libello Contrariedade Sentença End of the Project Gutenberg EBook of Musa Velha, by Francisco Palha *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MUSA VELHA *** ***** This file should be named 27940-8.txt or 27940-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/2/7/9/4/27940/ Produced by Pedro Saborano Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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