Introdução á archeologia da peninsula Iberica

By Augusto Filipe Simões

The Project Gutenberg eBook of Introdução á archeologia da
peninsula Iberica, by Augusto Filippe Simões


Title: Introdução á archeologia da peninsula Iberica

Author: Augusto Filippe Simões

Release Date: May 31, 2023 [eBook #70886]

Language: Portuguese

Produced by: Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões and the
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*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK INTRODUÇÃO Á ARCHEOLOGIA
DA PENINSULA IBERICA ***





                              INTRODUCÇÃO

                                   Á

                              ARCHEOLOGIA

                                   DA

                           PENINSULA IBERICA




               Typ. Castro Irmão--Rua da Cruz de Pau, 31




                              INTRODUCÇÃO
                                   Á
                              ARCHEOLOGIA
                                   DA
                           PENINSULA IBERICA

                              PELO DOUTOR
                        _AUGUSTO FILIPPE SIMÕES_
              LENTE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


                             PARTE PRIMEIRA
                       ANTIGUIDADES PREHISTORICAS
                          COM OITENTA GRAVURAS


                                 LISBOA
                           LIVRARIA FERREIRA
                           132 Rua Aurea 134
                                  1878




                                PROLOGO


As sciencias historicas e sociaes transformam-se actualmente sob o
poderoso influxo dos factos, principios e methodos das sciencias da
natureza. A archeologia é a principal das vias por onde se opéra esta
grande transformação. Relacionada por uma parte com a geologia, a
paleontologia e a anthropologia, e por outra parte com a historia, tem
aproximado, attrahido, ligado estas sciencias que a differença das
idades e dos methodos respectivos por tantos annos conservára afastadas
e independentes umas das outras.

A tradição e a auctoridade d’aquelles que o precederam guiam e
esclarecem o historiador. Ao naturalista falta-lhe a tradição; tem
apenas os vestigios dos factos para os explicar e relacionar; mas,
por isso mesmo, afaz-se a observar, analysar, comparar e induzir
com toda a força que dá o exercicio ás faculdades intellectuaes, e
com a independencia a que o espirito humano se habitua, desprendido
inteiramente de opiniões antecipadas e de systemas preconcebidos.
O historiador principia pelo mais antigo dos factos que a tradição
refere, e deduz depois chronologicamente todos os outros até chegar
á actualidade. O geologo segue o caminho inverso; começa pelos
factos contemporaneos e, induzindo do conhecido para o desconhecido,
interpretando pelo presente o passado, remonta-se, de vestigio em
vestigio, até á origem da terra. Ninguem lhe contou, ninguem deixou
escripta a historia do planeta que habitamos. É elle quem a cria, quem
a inventa, observando e interpretando os vestigios materiaes dos
factos que lhe revelam na sua evolução incessante as phases principaes
da vida do globo. Os documentos que a natureza offerece ao naturalista
não exprimem senão a verdade rigorosa e exacta. Os documentos que
o historiador aprecia, traçados por mãos humanas, muitas vezes a
desfiguram e falseam. Mente o homem, a natureza não.

As condições do archeologo que estuda as epocas prehistoricas são
identicas ás do naturalista, e como naturalista ha de proceder se
quizer chegar ao conhecimento da verdade. Em primeiro logar falta-lhe
inteiramente a tradição verbal ou escripta; tem de cingir-se á
significação exacta e rigorosa dos vestigios que observa. Em segundo
logar a qualidade d’estes vestigios, o modo como se encontram nas
camadas superficiaes da crusta da terra, os restos fosseis que lhes
andam associados, fazem da archeologia prehistorica uma como parte da
paleontologia humana. Aqui pois desapparece de todo a differença entre
o archeologo e o naturalista.

Na archeologia dos tempos historicos, com quanto se considerem já os
factos á luz da historia, subsiste todavia, como elemento essencial
da interpretação d’elles, a analyse dos monumentos, a apreciação dos
productos da arte, correspondentes em cada seculo aos fosseis ou aos
outros vestigios em que o geologo, á força de observar e comparar,
chega a constituir e a lêr a historia da terra. O historiador não póde
pois deixar de ser archeologo; tem de aproveitar-se das luzes que a
archeologia lhe presta; e não raras vezes acontece indicarem-lhe os
monumentos a verdade alterada pela tradição. Não ha muitos annos, por
exemplo, que a historia nos representava os wisigodos como gente que
não chegara a cultivar as artes. As descobertas de alguns capiteis em
Toledo e do thesouro de Guarrazar corrigiram a falsidade historica,
mostrando-nos até que ponto elles se elevaram na esculptura da
pedra e dos metaes, e tambem na architectura, porque de certo não
fabricariam esplendidas coroas votivas de ouro e de pedras preciosas,
nem esculpiriam delicados capiteis para templos de pedra e barro ou
de madeira, como diziam terem sido em Hespanha os dos successores dos
romanos na dominação da Peninsula.

Quem considerar portanto a archeologia a esta luz, como poderoso
elemento de critica para o historiador, e como a principal das vias
por onde os methodos e noções das sciencias da natureza passam para
as sciencias historicas e sociaes, necessariamente concluirá ser o
seu estudo uma necessidade impreterivel para qualquer povo que não
queira ficar estacionario ou retardado áquem d’aquelles que o facho
da sciencia allumia na vanguarda da civilisação. Sobe de ponto a
necessidade em Portugal, de quem o poeta diria ainda hoje, como ha tres
seculos:

    E não sei por que influxo do destino
    Não tem um ledo orgulho e geral gosto,
    Que os animos levanta de contino
    A ter para trabalhos ledo o rosto.

A superioridade relativa da Hespanha em comprehender e apreciar os
estudos archeologicos claramente se nos patentêa em publicações de
tal interesse e magnitude, quaes são os _Monumentos arquitetonicos_
e o _Museo español de antigüedades_; e em monographias como aquellas
que das suas respectivas provincias escreveram os srs. Villa-amil,
Gongora, Sivelo, etc. Todas estas obras e alguns jornaes scientificos
e litterarios contêem grande copia de subsidios para o estudo
da archeologia hespanhola. Mas até hoje ninguem a tratára ainda
comparativa e syntheticamente. Para isto sería mister considerar
tambem as antiguidades portuguezas, e Portugal não poderia offerecer a
qualquer escriptor hespanhol senão alguma rara memoria ou um ou outro
artigo nos jornaes litterarios. Entre nós até certo ponto facilita-se
a empreza, porque, se, por uma parte, a Hespanha nos subministra em
tantas publicações, noticias e estampas dos seus monumentos, por outra
parte, temos os nossos tão proximo de nós, que as distancias serão o
menor dos obstaculos para quem pretender estudal-os ou descrevel-os.

Terá chegado a occasião opportuna de aproveitar taes elementos e de
contribuir para o commum progresso de Hespanha e de Portugal com um
dos maiores serviços litterarios que actualmente se lhes poderiam
prestar? Crêmos que sim, e por isso intentámos escrever a _Introducção
á Archeologia da Peninsula_, cuja parte primeira, comprehendendo as
antiguidades prehistoricas sahe por agora á luz do dia.

Este assumpto pouca ou nenhuma attenção tem merecido aos governos
hespanhoes e portuguezes, e cá e lá o publico mal lhe comprehende ainda
a maxima importancia. Todavia ha quarenta annos que Nilsson publicou
a primeira edição do seu livro ácerca dos habitantes primitivos da
Scandinavia. E desde essa epoca, na Suecia, Allemanha, Inglaterra,
França, Belgica, Suissa, em todos os paizes cultos, o estudo das
antiguidades prehistoricas tem constituido um verdadeiro movimento
scientifico, de certo o mais notavel e o mais caracteristico do
nosso tempo. Provam a existencia e a intensidade d’esse movimento a
exploração das cavernas e de outras estações prehistoricas, a fundação
de museus, a celebração de congressos, e finalmente a publicação de
livros e jornaes, destinados para registrar as descobertas que todos
os dias estão fazendo, ou para divulgar a nova sciencia entre aquelles
a quem interessa conhecer as origens e o desenvolvimento de civilisação
humana.

A archeologia prehistorica tem ainda outra grande importancia.
Estudando os mais antigos dos vestigios do homem na face da terra,
contribue a par com algumas das sciencias naturaes para a solução
do grande problema da origem das especies. Convém advertir que os
conhecimentos modernamente adquiridos n’este ponto interessante refazem
a biologia nas suas doutrinas fundamentaes e abrem novo e largo caminho
á philosophia. A paleontologia humana demonstra já a existencia do
homem nos mais antigos dos tempos quaternarios. Acompanha-a n’essa
demonstração a archeologia prehistorica, e vae mais longe ainda
rebuscar nas camadas pliocenas e miocenas dos terrenos terciarios, onde
aquella sciencia nada até hoje descobriu, as provas da habitação da
terra pelo homem em epocas em que as condições geographicas, zoologicas
e botanicas mal deixam acreditar na possibilidade de similhante facto.

O desejo de conhecer as origens dos povos e os primordios da nossa
especie na face da terra é natural a todo o espirito illustrado,
e distingue até as raças mais cultas d’aquellas que permanecem no
estado selvagem ou n’um grau inferior de civilisação. Ora quem
quizer satisfazer este desejo, soccorrendo-se unicamente aos dados
scientificos, ha de pedil-os tanto á historia natural como á
archeologia prehistorica. O que ellas já hoje nos dizem, apesar de
insufficiente para a completa solução do problema, é todavia muito
em comparação da total ignorancia em que a este respeito estavam os
naturalistas ainda ha poucos annos.

O problema da origem das especies liga-se naturalmente com a doutrina
da evolução que a archeologia prehistorica demonstra com evidencia na
parte que respeita á industria humana. O fundamento d’esta doutrina vem
a ser que a natureza não produz as cousas logo de principio completas
ou acabadas, porém no estado rudimentar, do qual se elevam por graus
successivos, por modificações infinitamente pequenas, até á sua fórma
precisa e determinada; e que, chegadas a este ponto, começam a padecer
alterações inversas, até se dissolverem pela total desaggregação das
suas partes constituintes. Chamam-se _lei de progressão ou integração_
aquella que regula as primeiras, e _lei de regressão ou dissolução_
aquella que regula as segundas de taes alterações.

A cellula, o elemento fundamental, irreductivel dos seres vivos, nasce,
cresce, atrophia-se e morre. O homem, cada animal, cada vegetal como
a cellula; a humanidade como o homem ou a especie como o individuo;
e, se chegar a demonstrar-se a hypothese de Laplace, a terra como os
organismos, o systema planetario como a terra. A humanidade inteira e
cada uma de suas partes, cada raça, cada povo, estão pois sujeitas a
estas leis universaes. O progresso é portanto uma condição necessaria
e fatal, e a civilisação ha de considerar-se não um effeito da arte,
mas uma phase tão natural da vida da humanidade, como o crescimento dos
orgãos nos animaes ou o desabrochar da flor nos vegetaes.

O descobrimento dos primeiros e disformes instrumentos que o homem
fabricou e de que fez uso na terra serve para demonstrar a lei da
integração ou o progresso na industria e na civilisação humana. A
serie progressiva manifesta-se claramente no machado, por exemplo:
ao de pedra lascada succedeu o de pedra polida; a este o de cobre;
ao de cobre o de bronze; a este finalmente o de ferro. A integração
patentêa-se da mesma sorte nos outros productos da industria, e
continúa depois nos tempos historicos pelas varias manifestações
do espirito humano, nas artes, nos costumes, na politica, etc. Os
estacionamentos e até as regressões locaes, temporarias, não invalidam
a regra geral, cuja verificação se ha de fazer comparando entre si, não
os periodos pouco distantes, porém as eras principaes, sem attender aos
longos seculos de elaboração que as separam.

Mais do que em geral se pensa, interessa ao individuo e á sociedade
esse estudo comparativo. Quem de boa fé e despreoccupadamente o
emprehender concluirá por certo que as faculdades humanas são por
extremo perfectiveis; que nos tempos primitivos o homem, arriscado
sempre a servir de pasto ás feras que o cercavam e com as quaes
tinha de luctar, armado apenas de paus e pedras, para se defender
da sua voracidade, ou para lhes disputar a posse das cavernas ou a
colheita dos fructos da terra, que o homem, só pelos seus proprios
esforços, pelo trabalho que desenvolve os orgãos, pelo exercicio
que aperfeiçôa as faculdades, se elevaria d’aquellas miseraveis
condições aos commodos e gozos do estado civilisado. Assim adquirirá
uma fé viva na perfectibilidade, em que o progresso tende a diminuir
a somma dos males e a augmentar a dos bens, e, guiado por esta
convicção consoladora e salutar, trabalhará para se aperfeiçoar a si
proprio e aos seus similhantes. Facil se lhe tornará tambem prevêr
os resultados da applicação de taes principios á educação physica e
moral. A criança está para o adulto, como o selvagem para o homem
civilisado. A mesma lei, que transforma o primeiro no segundo, permitte
desenvolver as faculdades infantís, e aproximal-as, em vez de, como
tantas vezes acontece, as desviar do typo da perfeição. Finalmente,
um povo, inspirado pela fé em que o seu futuro dependeria dos seus
proprios costumes, dos meios que pozesse para se aperfeiçoar physica
e moralmente, esse povo, convencido pelo estudo do passado de quanto
póde a natureza humana, e illustrado pela sciencia, elevar-se-hia a uma
civilisação superior a todas que têem existido, e chegaria a dominar,
ou melhor que dominar, a civilisar os outros povos da terra.

Nas origens e primeiros desenvolvimentos das civilisações antigas a
fé viva na intervenção miraculosa de potencias sobrenaturaes era o
estimulo forte que incitava os povos aos grandes commettimentos, que
cega e inconscientemente os conduzia aos grandes bens ou aos grandes
males. Nas civilisações modernas uma fé similhante nas forças naturaes,
no alto poder e na grande perfectibilidade das faculdades com que Deus
dotou o homem, substituirá de certo aquelle incentivo, mas sem expôr
aos mesmos perigos, porque, em vez de impedir lhe, facilitar-lhe-ha o
conhecimento da verdade. Temos infelizmente por impossivel cumprir-se
inteiramente aquella prophecia do poeta:

    _Un jour tout sera bien_, voilá notre espérance,
    _Tout est bien aujourd’hui_, voilá l’illusion.

Mas, assim como a curva se aproxima cada vez mais da asymptota, sem
chegar a tocal-a, assim tambem o homem, sem poder chegar á perfeição
absoluta, aproximar-se-ha, se quizer, cada vez mais a este sublime
ideal.




                              INTRODUCÇÃO

                      Á ARCHEOLOGIA DA PENINSULA




                              CAPITULO I

                         ESTUDOS PREHISTORICOS

 _Os erros geocentrico e anthropocentrico e o progresso das
 sciencias.--Machados de pedra.--Opiniões dos antigos e do vulgo
 ácerca da sua origem.--Mercati entrevê a verdade.--Demonstrações
 de Jussieu e de Mahudel.--Opiniões de auctores hespanhoes e
 portuguezes.--Primeira definição das idades prehistoricas.--O homem
 fossil.--Schmerling.--Boucher de Perthes.--Os sabios francezes e
 inglezes.--Inversão das opiniões em França e Inglaterra.--Conferencia
 internacional.--Resultados definitivos.--Estudos prehistoricos em
 Hespanha e Portugal._


Obcecados pela ignorancia e desvanecidos pelo orgulho, os homens
acreditaram por muito tempo dois erros capitaes, oppostos e contrarios
ao progresso da sciencia e ao desenvolvimento da humanidade. Consistia
um, que chamam _geocentrico_, em suppor a terra, plana e immovel, o
centro do Universo; o outro, _anthropocentrico_[1], em julgar tambem
o homem centro e fim unico e ultimo de toda a creação. E tanto esses
erros se tinham arraigado, durante a longa infancia do genero humano,
que, só porque proclamaram o movimento da terra, no seculo XVI
Copernico passava por doido, e, no seculo XVII Galileu, por não ser
posto a tormento ou lançado ás chammas, tinha de abjurar, perante a
Inquisição de Roma, as crenças scientificas.

Todos sabem que, depois da epoca memoravel do renascimento, a
demonstração do primeiro erro foi uma das causas que mais contribuiram
para elevar a humanidade acima dos apertados horisontes em que a idade
media a confrangera. O segundo, porém, continuou a dominar o animo
dos naturalistas a ponto que, na primeira metade do seculo XIX, Cuvier
e a maior parte não acabaram comsigo a acreditar em que existisse nas
entranhas da terra algum vestigio fossil do homem entre os dos outros
mammaes, contemporaneos dos ultimos phenomenos que alteraram a face do
globo. Cediam assim ao geral influxo do erro anthropocentrico, segundo
o qual, a especie humana, a ultima na ordem das creações successivas,
sómente poderia apparecer depois que os varios agentes da natureza
houvessem longamente preparado a configuração actual dos continentes,
que tinham de servir-lhe de berço e de vivenda.

Do erro anthropocentrico derivava-se tambem naturalmente a crença na
civilisação primordial e na consecutiva decadencia da humanidade;
e portanto, cousa impossivel parecia o descobrirem-se objectos da
industria humana que provassem exactamente o contrario, isto é, que o
homem progredira e se aperfeiçoára gradualmente, passando do estado
selvagem a civilisações cada vez menos imperfeitas.

Os machados de pedra, que em grande numero apparecem sepultados na
terra em todas as partes do mundo, foram por muito tempo considerados,
não como productos da industria humana, mas como effeitos miraculosos
da cholera dos deuses ou resultas incomprehensiveis das forças
naturaes. O vulgo chama-lhes ainda hoje _pedras de raio_, como em
Grecia e Roma lhes chamavam _ceraunias_[2]. E, tambem como os povos
modernos, os gregos e romanos lhes attribuiam virtudes mysteriosas e
curativas. Na Grecia, particularmente, era opinião commum que Jupiter
as arrojára do céo, e sobre certos montes convisinhos do mar Caspio e
no da Chymera, no Epiro, mais do que em qualquer outra parte. Em razão
do que, lhes rendiam culto e as collocavam em logares reservados. Não
falta quem supponha que os sacerdotes de Cybele se serviam com facas
ou machados de pedra para espontaneamente se mutilar em honra de
Atys. Entre os hebreus era uso fazer a circumcisão com instrumentos
de pedra[3], venerados talvez como sagrada recordação da remota
antiguidade.

Parece que as betylas que os antigos traziam comsigo e consultavam como
oraculos, fabricadas pelo céo, não seriam senão as ceraunias achadas
na terra. Algumas vezes estas mesmas pedras substituiam a imagem de
Jupiter; pois na fórma de machado adoravam os Carios aquelle que
denominavam _Labradæus_. Sotaco e Plinio dizem que as ceraunias eram á
maneira de machados (_similes securibus_). A maior parte dos auctores
não fazem distincção entre as betylas e as ceraunias. Outros porém
entendem que as primeiras seriam propriamente os machados e as segundas
as pontas de frechas.

Um poeta da decadencia, Marbodeo, descreveu nos seguintes versos a
origem, usos e virtudes das ceraunias ou pedras de raio:

    Ventorum rabie cùm turbidus æstuat aër
    Cùm tonat horrendum, cum fulminat igneus æther,
    Nubibus illisis, cœlo cadit iste lapillus,
    Cujus apud græcos exstat de fulmine nomen.
    Illis quippe locis quos constat fulmine tactos
    Iste lapis tantùm reperire posse putatur.
    Unde cerauneos est græco nomine dictus,
    Nam, quod nos fulmen, Græci dixere ceraunum,
    Qui castè gerunt hunc à fulmine non ferientur
    Sed neque navigio per flumina vel mare vectus,
    Turbine mergetur, nec fulmine percutietur.
    Ad causas etiam, vincendaque prœlia prodest.
    Et dulces somnos et dulcia somnia præstat.
    Huic dantur binæ species, totidem que colores
    Cristallo similem Germania mittere fertur,
    Cœruleo tantum infectum, rutiloque colore
    Mittit et Hispanus similem fulgore Pyropi.

Os escriptores da idade media repetiram as fabulas antigamente
acreditadas das ceraunias. Comtudo já Lucrecio dissera em bellissimos
versos como os homens primeiro se tinham servido das pedras e paus por
armas, e sómente mais tarde as haviam feito de bronze, e por fim de
ferro:

    Arma antiqua manus, ungues, dentesque fuerunt,
    Et lapides, et item silvarum fragmina rami,
    Et flammæ atque ignes, postquam sunt cognita primum.
    Posterius ferri vis ærisque reperta;
    Et prior æris erat quam ferri cognitus usus.

Mas esta asserção, bem como outras do grande poeta, sómente no seculo
XIX poderia ser demonstrada e comprehendida.

Mercati, medico e antiquario illustre do seculo XVI, foi quem primeiro
tentou demonstrar que as ceraunias seriam antes as armas lapideas que
os primeiros homens usaram, do que productos mysteriosos do raio.
Entretanto, era tão commum esta ultima opinião, que o auctor, apezar
da força dos argumentos que produziu, não se declarou terminantemente
a favor da outra, á qual apenas se mostrou inclinado. N’um dos seus
livros, que é uma descripção das riquissimas collecções do museu
Vaticano, para onde Sixto V o escolhera para director, n’esse livro
publicado e annotado em 1715 por outro medico insigne, João Maria
Lancisi, descreve Mercati e figura em estampas illustrativas os
machados de pedra e as facas ou lascas ou as pontas de frechas, e
affirma terem sido feitas de pederneira. Alguns outros escriptores
do seculo XVI, como Aldrovando e Conrado Gesner, fallaram das armas
de pedra e das excavações onde appareciam, todavia ninguem o fez tão
expressa e positivamente como Mercati. Na Peninsula em 1534, Beuter,
historiador de Valencia, deu noticia de muitas armas de pedra,
apparecidas em Cariñena de Aragão, e de alguns craneos atravessados por
ellas e na mesma excavação descobertos[4].

Nos seculos XVII e XVIII o exame das pedras denominadas ceraunias
e a sua comparação com as armas de que ainda hoje se servem certos
povos selvagens, mostrou a alguns desabusados observadores a origem
e fins communs de umas e de outras. É sobre tudo notavel a memoria
apresentada em 1723 por Jussieu á Academia das sciencias de Pariz, com
a demonstração rigorosa de que as ceraunias ou pedras de raio não eram
mais que as armas ou instrumentos fabricados e usados pelos primitivos
habitantes da Europa, antes que a civilisação lhes ensinasse a extrahir
e obrar os metaes. Dez annos depois, Mahudel sustenta a mesma opinião
n’uma memoria que offerece á Academia de inscripções e bellas letras.
Mas estes votos particulares não mudam o sentir do vulgo a respeito das
ceraunias ou pedras de raio.

Em Hespanha o padre Torrubia dizia-as pedras figuradas pela
natureza[5]. Em Portugal o padre João Baptista de Castro explicava
assim a sua formação: «A pedra de corisco é distincta do raio; não
obstante cahir juntamente com elle da nuvem; porque entre as exhalações
sêccas, de que o raio se fórma, sobem tambem algumas particulas de
materia terrestre e viscosa, as quaes pelo vigor do fogo se accendem e
se tornam em massa empedernida, combatida ao depois pelo vigor do frio.
Toma ella varias fórmas segundo a diversidade da nuvem em que se fórma,
porque ou é de figura de pyramide, ou de ovo, ou de cunha, ou tambem
redonda»[6].

O capitão Luiz Marinho de Azevedo no seu livro da fundação,
antiguidades e grandezas de Lisboa, cita Plinio, Mario Nigro e Solino
que disseram abundantes de ceraunias os campos de Lisboa ou da
Lusitania, e trata de indagar se estas pedras seriam ou não d’aquellas
que se formam da gomma de certa arvore da ilha de Cadiz, de que falla
Estrabão. D. Antonio de Souza Macedo[7], tratando da invenção das armas
diz: «Aonde não havia ferros, páos e pedras foram armas (e ainda entre
nações de Africa e America o são) páos tostados ao fogo». Bluteau no
Vocabulario, definindo a pedra de corisco, cita um auctor que diz que
quem trouxer comsigo uma não poderá ser ferido de raios nem afogar-se.
Conclue porém com a seguinte observação. «Eu tenho uma, mas nem com
ella me quizera eu expôr a raios ou naufragios».

O padre Theodoro d’Almeida[8] chama contos de velhas ás explicações
que davam da formação das pedras de raio, e mostra que não podem ser
geradas nas nuvens. Foi mais adiante n’este ponto em Hespanha, pelo
mesmo tempo, Marin y Mendoza, que mui claramente affirma a existencia
das idades ante-historicas. Referindo-se aos homens primitivos
diz: «Conocidos los estragos que causaba la voracidade del fuego,
aprendieron que era poderoso no sólo para exterminar, sino tambien
para penetrar y convertir las materias, por cuyo medio hallaron el
cobre y hierro. Juzgase que se inventó de estos dos metales, primero el
cobre, por ser más facil de labrar y hallar-se en mayor abundancia, y
asi cultivaban con cobre la tierra, y se encuentran formadas armas de
él para pelear, entre los más antiguos guerreros; pero con el tiempo,
llegando á experimentar la fineza del hierro, lo preferieron para la
labranza y fabrica de espadas... Es de creer que antes de inventar-se
el hierro ó que lo supiesen aplicar para los instrumentos de guerra, se
ensayasen poniendo en los extremos de los maderos y lanzas, huesos ó
pedernales, y lo mismo harian con los cuchillos para cortar, del modo
que lo usaban los americanos»[9].

D. fr. Manuel do Cenaculo, n’um livro inedito, descrevendo as espadas
de cobre ou de bronze que appareceram na diocese de Beja, em excavações
que mandou fazer, admitte egualmente a existencia da idade de bronze,
anterior á invenção do ferro, e cita a obra mencionada de Marin y
Mendoza[10]. Antecedentemente, em 1733, Martinho de Mendonça de Pina
escrevera uma dissertação ácerca das Antas de Portugal, que anda
impressa entre as Memorias da Academia Real de Historia[11]. Mas Eccard
e Goguet, no meiado do seculo passado, foram aquelles que primeiro
definiram com mais clareza as tres idades ante-historicas da pedra,
do bronze e do ferro, o primeiro inquirindo as origens dos germanos,
o segundo historiando os progressos sociaes dos povos antigos[12].
Havia porém um grande obstaculo a que esta idéa se vulgarisasse e
fosse geralmente acreditada. As ceraunias appareciam em varias camadas
da crusta da terra. Ora, se ellas tivessem servido de armas aos
homens primitivos, porque não se descobririam tambem e conjuntamente
nos mesmos terrenos ossos humanos no estado fossil? Á paleontologia
competiria por tanto decidir a questão, mostrando se o homem teria
ou não coexistido com a formação dos terrenos, onde aquellas pedras
singulares tinham ficado sepultadas. Mas o atrazo e, portanto, a
incompetencia da paleontologia eram taes que já n’este seculo Cuvier,
elevando-a á categoria de sciencia, sustentava que nenhuma das
descobertas, antecedentemente feitas, auctorisava a crêr na existencia
do homem fossil. A reducção do _homo diluvii testis_ de Scheuchzer ao
genero das salamandras, reducção feita pelo celebre naturalista, depois
de ter examinado o pretendido fossil humano, ainda mais o firmou nas
idéas em que estava ácerca do recente apparecimento da nossa especie
na superficie da terra[13]. É verdade que em 1774, Esper encontrára
na caverna de Gaileurenth, na Baviera, ossadas humanas de mistura com
esqueletos, evidentemente fosseis, de grandes alimarias antidiluvianas,
e differentes de todas as especies actuaes. E alguns annos depois, em
1797, J. Frére achára em Hoxne, no condado de Suffolk, varios machados
de pedra, juntos com ossadas de animaes igualmente desapparecidos. Mas
esses factos, apezar de expressivos e concludentes, não bastaram para
destruir a crença geral do vulgo e dos sabios ácerca da origem recente
de genero humano.

Achados similhantes, feitos já n’este seculo por Crahay no læss de
Caberg, junto de Maestricht, na Hollanda; por Ami Boué em Lahr, na
margem direita do Rheno, defronte de Strasburg; pelo conde Breuner em
alluviões da Austria; e finalmente por Tournal e Christol em cavernas
da França meridional, todos antes de 1830, não influiram mais que os
outros no animo preoccupado dos naturalistas.

Em 1823, Buchland, celebre geologo inglez, deu á luz uma obra
intitulada _Reliquiæ diluvianæ_, com a descripção da caverna de
Kinklake e com a exposição de todos os factos então conhecidos
favoraveis á hypothese da coexistencia do homem e dos animaes
antidiluvianos. Mas o desejo que o dominava de concordar as descobertas
da sciencia com a chronologia da biblia o impediu de se render á
evidencia d’esses factos.

Seis annos depois, em setembro de 1829, tiveram principio os estudos
e investigações de Schmerling, que explorou mais de quarenta cavernas
nas collinas de calcareo carbonifero da provincia de Liége. Nas
muitas excavações que ordenou e dirigiu achou instrumentos de pedra
e de osso juntamente com restos fosseis do mammouth, do _rhinoceros
tichorinus_, da hyena e do urso das cavernas. N’algumas lhe appareceram
tambem ossadas humanas, e nas de Engis o celebre craneo conhecido por
este nome, e que o proprio Schmerling disse assimilhar-se mais aos
craneos dos ethiopes que aos dos europeus. Este incansavel explorador
demonstrou, pelas condições em que appareciam os ossos dos homens e dos
animaes fosseis, serem todos contemporaneos, e terem ficado sepultados
da mesma maneira entre os materiaes que as aguas introduziam nas
cavernas, passando pelas fendas estreitas das suas paredes[14]. Lyell
accusa os professores da universidade de Liége, collegas de Schmerling,
de terem deixado passar um quarto de seculo, sem se importarem de
attestar a verdade das descobertas que viam fazer; e accusa-se tambem
a si proprio de ter passado em 1833 em Liége, sem visitar as cavernas
exploradas, estando já então publicado o primeiro tomo da obra em
que o illustre professor expunha o resultado das suas laboriosas
investigações, e tendo visto com os seus proprios olhos a collecção dos
objectos que este descobrira.

Em 1835, Joly, professor do lyceu de Montpellier, achou numa caverna
da provincia de Lozére o craneo de um urso com signaes manifestos de
ter sido ferido por uma frecha. Em pequena distancia achou tambem
um fragmento de louça com vestigios dos dedos humanos que o tinham
moldado. Proclamou o explorador a importancia da sua descoberta, que
foi acolhida, como as outras que a precederam, com a mesma commum
indifferença.

Por essa epoca entrou Boucher de Perthes n’aquella grande e memoravel
lucta da qual, mais tarde, haveria de sair vencedor da incredulidade
e indifferença dos sabios e das academias. Estudando com attenção as
camadas diluvianas da Normandia e da Picardia, communicou, durante
alguns annos, em diversas memorias á Sociedade de emulação de Abbeville
os seus importantes descobrimentos. Datam de 1842 as primeiras
communicações de Boucher de Perthes á Academia das sciencias de Pariz,
e de 1846 a primeira impressão do livro com que pretendeu divulgar as
suas idéas respectivas á antiguidade do genero humano[15].

As explorações em que Boucher de Perthes andou associado a innumeros
operarios, a quem soube communicar o interesse e até o enthusiasmo que
o animava, fizeram-se, pelo espaço de muitos annos, em varios terrenos
diluviaes, entre outros nos de Saint-Acheul, Saint-Roch-les-Amiens,
Hôpital, Moulin-Quignon e Menchecourt-les-Abbeville. Depois de ter
colligido muitos productos da industria humana e muitos fosseis
antidiluvianos que provavam a antiguidade do terreno, é que escreveu e
em 1846 imprimiu o seu livro da Industria primitiva, que apresentou á
Academia das sciencias de Pariz, em agosto de 1846. A Academia nomeou
uma commissão que, apezar de todas as instancias de Boucher de Perthes,
não chegou a ir a Abbeville, nem a fazer qualquer exame para confirmar
ou destruir as suas asserções. Elle porém não descançou em quanto
não resolveu alguns sabios auctorisados a irem observar os terrenos
explorados e sanccionar os descobrimentos que n’elles se tinham feito.
Estes visitantes, posto que, pela maior parte, predispostos contra
a opinião defendida por Boucher de Perthes, sahiam de Abbeville
convertidos. Tal era a evidencia dos factos que alli verificavam.

Em 1859 alguns geologos inglezes, os srs. Falconer, Prestwich, Evans,
Godwin, Austen, Flower e Mylne, começaram a visitar uma e muitas vezes
Abbeville, e a acreditar em Inglaterra as descobertas de Boucher de
Perthes. O proprio Lyell fez tambem a peregrinação, e, de impugnador
que era, tornou-se estrenuo defensor da opinião d’aquelles que julgam
o apparecimento do homem, na terra, anterior á epoca geologica actual.
No anno de 1860 a Sociedade de anthropologia de Pariz examinou alguns
dos objectos descobertos em Abbeville; e o resultado de uma discussão
em que tomaram parte os srs. Castelnau, Baillarger, Broca, Bertillon,
Trelot, Verneuil, Lagneau, G. Saint-Hilaire e Pouchet, foi favoravel a
Boucher de Perthes. Conseguiu este em 1863 fazer acceitar pelo Estado
a offerta do seu museu, constituido principalmente com os objectos
encontrados em Abbeville. A acceitação da offerta, antecedentemente
rejeitada, era já uma prova de que a França começava em fim a fazer
justiça aos trabalhos e á dedicação do infatigavel explorador.

N’esse mesmo anno descobriu-se pela primeira vez em Abbeville um
osso humano fossil, o que anteriormente não tinha sido possivel. Na
pedreira de Moulin-Quignon appareceu a celebre maxilla conhecida por
esse nome. Examinou-a o sr. Quatrefages, e apresentou na Academia
das sciencias um parecer em que a reputava authentica e, portanto,
um fossil humano. Mas, coisa notavel! ao passo que os naturalistas
francezes se convertiam e principiavam a pôr a realidade dos factos
acima da auctoridade de Cuvier, os geologos inglezes, tomados de subita
desconfiança, suscitada talvez pela força da opinião publica que em
Inglaterra se proclamava adversa ás novas idéas, reconsideravam,
pelo menos alguns, e, depois de terem proclamado a veracidade das
descobertas de Boucher de Perthes, entraram em 1863 a impugnar não
sómente os factos anteriores, mas tambem a authenticidade da maxilla
recentemente descoberta. O proprio Falconer, outr’ora ardente pregoeiro
das novidades de Abbeville, escreveu ao _Times_, em seu nome e no de
muitos dos seus compatriotas que o tinham acompanhado áquella cidade,
confessando que todos se tinham enganado, que todos tinham sido
illudidos por uma fraude que então sómente reconheciam. Agora, pois,
mudadas as scenas, eram Quatrefages e outros sabios francezes que
sustentavam contra os inglezes serem realidades e não falsificações
os celebres descobrimentos de Boucher de Perthes. De tal discordancia
resultou uma conferencia entre os srs. Delafosse, Daubrée, Hébert,
Gaudry, Buteux, abbade Bourgeois e A. Edwards por parte da França; e
Falconer, Prestwich, Carpenter e Busk, todos membros da Sociedade real
de Londres, por parte da Inglaterra. Foram eleitos presidente o sr. H.
Milne-Edwards e secretario o sr. Delesse.

Em maio de 1863 os conferentes reuniram-se por tres vezes no Museu de
historia natural. N’estas tres sessões, pelo exame das pederneiras
e da maxilla, julgaram os inglezes achar novos indicios contra a
authenticidade de taes objectos. E, como parecesse impossivel chegarem
a algum accordo, resolveram apresentar-se de repente em Abbeville, para
fazer uma inquirição scientifica nos logares explorados, e resolver
assim cabalmente, e de uma vez para sempre, as duvidas occorridas em
Inglaterra ácêrca dos descobrimentos de Boucher de Perthes.

Tomada esta resolução no dia 11 de tarde, logo no dia seguinte
os sabios francezes e inglezes se apresentaram, sem que ninguem
os esperasse, em Abbeville. O sr. Milne-Edwards redigiu e enviou
á Academia das sciencias de Pariz um relatorio d’este processo
interessante. Descreveu minuciosamente o exame feito pelos conferentes
em Abbeville, e apontou as provas que a todos deixaram convencidos da
authenticidade da maxilla e dos instrumentos de silex. Convém saber
que, serrada a maxilla, n’uma das sessões do Museu, tinha apparecido
no canal da arteria dentaria uma areia acinzentada que pareceu aos
inglezes um signal de falsificação, porque não viam nas estampas,
que representavam os terrenos de Moulin-Quignon, areia da mesma côr.
Verificou-se porém n’aquelles terrenos a existencia de uma camada
de areia cinzenta que não tinha sido indicada nos mappas, e assim o
signal que era antes negativo, desde logo se tornou positivo. Por outra
parte, as suspeitas respectivas aos machados de pedra inteiramente se
desvaneceram, quando outros similhantes se descobriram em excavações,
feitas á vista dos naturalistas inglezes e francezes.

Os resultados d’esta conferencia memoravel, desde as sessões no Museu
até ao accordão final dos naturalistas, nem que de antemão fossem
combinados, teriam mais decisiva influencia no animo d’aquelles que
receiavam ainda admitir, como verdadeiros, os modernos descobrimentos.
Na França e n’outros paizes da Europa, n’algumas partes da America,
Asia e Africa, trabalhadores incançaveis se dedicam animados de
zêlo ardente á exploração dos terrenos sedimentares, das cavernas,
das turfeiras, dos dolmens, dos tumulos, das palafittas ou cidades
lacustres e finalmente dos kiokkenmoddings ou rebotalhos das cozinhas
dos homens primitivos. Publicam-se livros, memorias e jornaes
destinados a divulgar os achados dos exploradores. Patentêam-se as
Academias aos novos estudos. Fundam-se museus para se depositarem os
objectos encontrados. Celebram-se congressos para os archeologos de
todas as nações communicarem entre si as suas descobertas e resolverem
as duvidas que, sómente pelo conselho de muitos, podem ser resolvidas.

A Peninsula não tem permanecido de todo estranha a este grande
movimento scientifico. Desde 1860 que o sr. Carlos Ribeiro busca
os vestigios da industria primitiva nos terrenos de Portugal e
principalmente nos sedimentares do valle do Tejo. Os srs. Pereira
da Costa e Delgado exploraram varias estações humanas prehistoricas
do valle do Tejo, e publicaram em 1865 e 1867 os descobrimentos que
fizeram de restos humanos fosseis e de instrumentos de osso ou de
pederneira antidiluvianos. O sr. Pereira da Costa estudou tambem as
antas ou dolmens de Portugal, dos quaes escreveu uma interessante
memoria, impressa em 1868.

Em Hespanha D. Cassiano de Prado, engenheiro de minas, já fallecido,
foi quem primeiramente se occupou dos estudos prehistoricos. Na sua
_Descripção physica e geologica da provincia de Madrid_, impressa em
1864, se vê que desde 1851 se empenhava em colligir instrumentos
de silex, sem todavia saber ao certo o que fossem. Em 1862, indo a
Madrid os srs. Verneuil e Lartet (filho), exploraram na companhia de
D. Cassiano a celebre estação de San Isidro, pouco distante d’aquella
cidade. Desde então dedicou-se com ardor a estes estudos e emprehendeu
varias explorações, nas quaes colligiu fosseis humanos e de animaes e
muitos instrumentos da industria primitiva. Depois, muitos geologos
e amadores têem contribuido em Hespanha para augmentar o peculio dos
conhecimentos prehistoricos. Exploraram os srs. Vilanova em 1866 a
cova de Monduber e a Cueva Negra na provincia de Valencia; Lartet em
1866 as cavernas de Castella a Velha; Vilamil y Castro em 1868 e 1869
alguns tumulos da Galiza; Gongora as cavernas e outras antiguidades
prehistoricas da Andaluzia; Garay as minas abandonadas de Rio Tinto;
Jagor a caverna de Balzola; Rada y Delgado as de Cangas de Onis e
Colunga. Os srs. Vilanova y Piera e F. M. Tubino fazem explorações,
assistem a congressos europeus, e publicam artigos importantes
sobre o assumpto. Na Academia de historia lêem dissertações os
srs. Benavides, Amador de los Rios, Saavedra e Fernandez Guerra. O
sr. D. José Amador de los Rios conseguiu que no Museu archeologico
nacional, fundado em 1869 em Madrid, se designasse uma secção para os
objectos prehistoricos. Começados, pois, ao mesmo tempo os estudos
prehistoricos em Hespanha e Portugal, os nossos visinhos, apezar das
dissenções intestinas, têem-se adiantado a ponto de rivalisar hoje
com os povos mais civilisados. Entre nós o movimento principiado pela
commissão geologica não se propagou no paiz, e, alli mesmo, cremos ter
sido destruido por audazes reformadores que não respeitaram nem as
instituições mais importantes e mais sagradas da instrucção popular.
Apenas o sr. Carlos Ribeiro communicou á Academia real das sciencias
uma memoria com a descripção dos silex e quartzites lascados que
se conservam nas collecções da secção geologica da direcção geral
dos trabalhos geodesicos, em 1872, e publicou em 1873 o relatorio
do congresso de Bruxellas, onde dignamente nos representára no anno
anterior.

Exploradores não os ha; collectores são raros. Sabemos dos srs. Judice
no Algarve, Gabriel Pereira em Evora, Martins Sarmento em Guimarães,
e de ninguem mais. São desfavoraveis as condições de Portugal, n’este
ponto, relativamente aos outros povos cultos. Do abatimento em que
estamos só poderia erguer-nos a iniciativa dos governos alliada á
dedicação de todos aquelles a quem não são indifferentes o progresso da
sciencia e o passado e o futuro da humanidade[16].


NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Geocentrico, de _gê_, Terra, e _kentron_, centro. Anthropocentrico,
de _anthrôpos_, homem, e _kentron_, centro.

[2] Ceraunia, de _keraunos_, raio.

[3] Tulit ilico Sephora acutissimam petram, et circumcidit præputium
filii sui... Exod. IV, 25. Eo tempore ait Dominus ad Josue. Fac tibi
cultros lapideos et circumcide secundò filios Israel. Josué, V, 2.

[4] _Historia y progresos de la arqueologia prehistorica_, por Don
Francisco Maria Tubino.--_Museo español de antigüedades_, tomo I, pag.
1 a 21.

[5] Ibidem.

[6] Na _Recreação proveitosa_ que deu á luz com o pseudonymo de
Custodio Jesam, Barata, anagramma de João Baptista de Castro.

[7] _Eva e Ave_, p. 1.ª, cap. XXI.

[8] _Recreação Philosophica_, tomo VI, pag. 466.

[9] _Historia de la milicia española_, tomo I, pag. 33.

[10] _Vida de S. Sizenando e Historia de Beja, sua patria._ Ms. da
bibliotheca publica de Evora.

[11] _Collecção dos documentos e Memorias da Academia Real de Historia
Portugueza._ Tomo XIV; conferencia de 30 de julho de 1733.

[12] _Historia y progreso de la arqueologia prehistorica_, por Don
Francisco Maria Tubino. _Museo español de antigüedades_, tomo I, pag. 1
a 21.

[13] _Discours sur les revolutions du globe._

[14] _Recherches sur les ossements fossiles découverts dans les
cavernes de la province de Liége._ Liége 1833 e 1834.

[15] _De l’Industrie primitive, ou des Arts à leur origine._ Pariz
1846. A segunda edição sahiu logo no anno seguinte com este titulo:
_Antiquités celtiques et diluviennes. Mémoire sur l’Industrie primitive
et les Arts à leur origine._ Pariz 1847. Imprimiram-se posteriormente
os tomos II e III.

[16] Depois de escripto este capitulo, correu a noticia das grandes
explorações, emprehendidas pelo sr. Martins Sarmento nas ruinas
da Citania, perto de Guimarães. São muito notaveis os vestigios
encontrados, correspondentes a varias civilisações. No fim do volume em
nota especial tractaremos do assumpto.




                              CAPITULO II

                         ANTIGUIDADE DO HOMEM

 _Constituição da crusta da terra.--Rochas sedimentares.--Serie
 geologica.--Rochas plutonicas.--Rochas metamorphicas.--Classificação
 dos terrenos estratificados.--Duração relativa d’estas
 formações.--Computo e provas da antiguidade do homem, deduzidas
 1.º da vegetação florestal da Dinamarca; 2.º dos sedimentos
 fluviaes; 3.º do desgaste das terras pelas aguas affluentes aos
 rios.--Antiguidade do homem na Peninsula.--Clima glaciario.--Fauna
 correlativa.--Effeitos da fusão dos gelos.--Hypothese de Adhémar
 ácerca da epoca glaciaria.--Epocas glaciaria e preglaciaria.--Diluvios
 periodicos.--Comparação de ambos os hemispherios.--Proporção
 das aguas e das terras.--Factos comprobativos.--Outras causas
 astronomicas.--Causas geographicas.--Gulf Stream.--Sahara._


A observação da superficie da terra, os estudos, as viagens,
as explorações patentearam a configuração dos continentes, a
extensão e profundidade dos mares, a fórma, direcção e altura das
cordilheiras, o curso dos rios, os limites das planicies e todas
as mais particularidades da geographia physica. Mas, para conhecer
a fabrica da crusta, a natureza das suas rochas constituintes, a
disposição relativa das suas camadas, não basta já a vista exterior,
importa necessariamente perscrutar a estructura intima, bem como se
hão de dissecar as carnes do corpo, a fim de descobrir os segredos da
organisação humana. Os logares mais adequados para se examinar a crusta
da terra serão, portanto, aquelles onde a natureza ou a arte pozeram
descobertas de alto abaixo e no sentido da espessura as varias camadas
integrantes: logares taes como as ribas desnudadas pelas aguas; as
escarpas das estradas, os poços profundos das minas; e finalmente as
encostas nuas e aprumadas, quaes são as do monte da Pyramide nas terras
do Novo Mexico dos Estados Unidos.

Das rochas que assim se patentêam, umas são estratificadas, sobrepostas
á maneira das folhas de um livro; contam-se debaixo até cima; seguem-se
por grande espaço sem jamais se confundirem. Outras são irregulares;
não se estendem em camadas; não se prolongam em direcções definidas;
não constituem series inalteraveis; nem têem nenhuma especie de
estratificação. Outras em fim, por seus caracteres mixtos, parece
participarem da natureza tanto das primeiras como das segundas.

Uma das circumstancias mais notaveis e importantes das rochas
estratificadas é conterem fosseis ou restos de seres organisados,
fóra das condições actuaes e normaes da sua existencia. E, como a
organisação dos animaes e a dos vegetaes padeceram mudanças grandes
e profundas nas varias epocas, servem muito bem estes caracteres dos
fosseis para determinar quaes dos terrenos têem as mesmas idades e
quaes idades differentes.

A serie das camadas sedimentares não se encontra completa n’uma só
região. Mas os terrenos que faltam n’umas partes apparecem n’outras; e
assim, por meio de observações em diversos logares da crusta da terra,
se tem formado a collecção inteira. Seja qual for o numero dos terrenos
que faltem em qualquer região, aquelles que subsistem conservam sempre
as suas posições relativas. Se representarmos a serie pelas letras A,
B, C, D, E, F, G,....., contando debaixo para cima, poderão faltar B ou
D ou F, porém jamais A apparecerá por cima de B, ou E por cima de G. Em
menos palavras, ha sómente interpolações, e não transposições na serie
geologica.

As rochas estratificadas formam-se no fundo da agua com os materiaes
por ella carreados, bem como hoje se formam outras similhantes rochas
no fundo dos mares ou dos lagos, ou nos alveos dos rios. Chamam-se
por isso sedimentares. Umas vezes são parallelas entre si e com o
horisonte; outras vezes parallelas entre si e discordantes com o
horisonte em angulos variaveis. Outras vezes finalmente, além de
discordarem com o horisonte, discordam tambem entre si. Nas montanhas
é onde apparecem maiores discordancias, chegando ás vezes as camadas a
aproximar-se da vertical.

Estes grandes desvios das rochas sedimentares provam a existencia de
causas que as levantaram, fenderam e tiraram da sua situação primitiva,
parallela ao horisonte. Quaes foram essas causas dil-o-ha o exame das
outras rochas que se encontram na crusta da terra.

Com effeito as rochas não estratificadas, que servem de base ás
sedimentares ou se elevam por meio d’ellas, são crystallinas, como
vitreas, e em tudo analogas áquellas que ainda hoje se formam nos
vulcões. Geradas pois pela acção do fogo, consistem em massas que,
do estado de fusão ignea, passaram ao estado solido por via do
arrefecimento.

D’estas ultimas rochas de origem ignea ou plutonica, umas precederam
as sedimentares, outras formaram-se depois, alevantando as camadas
estratificadas, irrompendo por meio d’ellas, alterando-lhes a
estructura e destruindo-lhes os vestigios dos seres organisados. Foi
uma verdadeira metamorphose; e, por isso, se denominaram metamorphicas
aquellas que a padeceram.

Mas o estudo mais interessante e mais fecundo de consequencias para
a historia dos seres organisados é o das camadas sedimentares. A
variedade das faunas e floras, correspondentes a cada grupo de
terrenos, a serie regular e ascendente de organismos cada vez mais
complexos provam com evidencia a diversidade das condições, em que
elles se desenvolveram, e a successão de periodos, que, por caracteres
peremptorios, se distinguem uns dos outros.

Geralmente os geologos fazem dos terrenos respectivos a esses varios
periodos tres grandes grupos fundamentaes, convém a saber: terrenos
inferiores ou primarios ou paleozoicos; terrenos medios ou secundarios
ou mesozoicos; e finalmente terrenos superiores ou terciarios ou
neozoicos[17]. Cada grupo tem portanto tres nomes diversos. O primeiro
refere-se á posição em que está relativamente aos outros; o segundo ao
tempo em que se formou; o terceiro á idade das especies que contém no
estado fossil.

D’estes tres grupos separam-se naturalmente os mais antigos dos
terrenos primarios, nos quaes ou faltam os fosseis ou são rarissimos e
correspondem aos mais simples dos organismos. A esses terrenos chamam
primordiaes. Por outra parte, em cima ou depois dos ultimos terrenos
superiores ou neozoicos ou terciarios, depositaram-se ainda outros
que denominaram quaternarios, em cuja epoca se continuou a formar e a
desenvolver a fauna da actualidade, que teve os seus principios nos
ultimos tempos da epoca anterior.

Acharemos assim a historia da terra dividida em cinco idades
correspondentes aos principaes grupos dos terrenos, como se verá mais
claramente da tabella seguinte:

SEDIMENTOS OU CAMADAS CONSTITUINTES DA CRUSTA DA TERRA

   _Idades_          _Terrenos_

  Quaternaria      { XIV  Alluvio
                   {XIII  Diluvio

                   { XII  Plioceno
  Terciaria        {  XI  Mioceno
                   {   X  Eoceno

                   {  IX  Cretaceo
  Secundaria       {VIII  Jurassico
                   { VII  Triassico

                   {  VI  Permico
  Primaria         {   V  Carbonifero
                   {  IV  Devonico

                   { III  Silurico
  Primordial       {  II  Cambrico
                   {   I  Laurentiaco[18]

Os caracteres das rochas estratificadas, e mais em particular os
fosseis, não nos demonstram a idade absoluta de cada terreno ou de cada
grupo de terrenos, porem sómente a idade relativa de uns comparados com
os outros. A espessura das camadas dá idéa da duração das formações
respectivas, sem comtudo indicar o numero de seculos.

A possança total dos sedimentos constituintes de crusta da terra
tem-se computado pouco mais ou menos em 43 kilometros; competindo 23
kilometros aos terrenos da idade primordial; 14 aos da idade primaria;
5 aos da idade secundaria; 1 aos da idade terciaria e finalmente 150 ou
200 metros aos da idade quaternaria.

Representando por 100 unidades a duração total da vida no globo
terraqueo, desde o apparecimento dos primeiros seres organicos até ao
tempo presente, acharemos expressa em unidades e partes da unidade a
duração particular de cada idade pela fórma seguinte[19]:

  Idade primordial        53,6
    ”   primaria          32,1
    ”   secundaria        11,5
    ”   terciaria          2,3
    ”   quaternaria        0,5
                        ------
          Somma total    100,0

Assim é que a duração da primeira idade, d’aquella em que não havia
ainda nenhuns organismos terrestres, porém sómente os que habitavam
as aguas, equivale, por si só, a mais de metade da duração total. A
duração da idade quaternaria ou d’aquella em que o homem tem vivido na
terra apenas chega a ser 5 decimas de cada unidade da duração total
das cinco idades. Mas, se, como alguns opinam, elle existisse já no
periodo mioceno da idade terciaria, então o tempo da sua duração sería
representado por 1 a 2 unidades das 100 que se fizeram corresponder
ao espaço total das cinco idades. Adiante veremos que as provas mais
certas da existencia do homem na terra não remontam além dos tempos
quaternarios.

No fim da idade terciaria appareceram os mammaes agigantados:
elephantes, rhinocerontes, ursos, hippopotamos de especies particulares
que povoaram a Europa, e se extinguiram nos primeiros tempos da idade
quaternaria. Os restos fosseis d’esses animaes, descobertos juntamente
com productos da primitiva industria, provam que em epocas remotissimas
em que o clima, a fauna, a flora, a configuração dos continentes, a
distribuição relativa das terras e das aguas eram mui differentes das
actuaes, já o homem existia na superficie do globo.

Nem se diga que sería possivel ficarem esses objectos sepultados em
terrenos muito mais antigos do que elles, bem como hoje em qualquer
jazigo de fosseis podem accidentalmente enterrar-se vestigios da
industria moderna. As condições em que se fizeram aquellas descobertas
demonstraram serem da mesma idade os objectos afeiçoados pela mão do
homem e os restos fosseis das alimarias perdidas.

Certas cavernas, por exemplo, contêem depositos formados por
materiaes, que, por occasião de grandes e remotas inundações, a agua
arrastou de fóra para dentro. Entre esses materiaes que nas mesmas
epocas se agglomeravam nos terrenos proximos, d’onde mais tarde eram
transportados para o interior das cavernas, apparecem conjuntamente
ossos humanos, rudes instrumentos de pedra e ossos dos animaes
extinctos[20]. Em fim, se ainda alguma duvida restasse, inteiramente
se desvaneceria em vista ou das fracturas e entalhos, tantas vezes
observados nos ossos d’aquelles animaes, e praticados intencionalmente
pela mão do homem; ou dos esboços de certas especies perdidas traçados
em instrumentos da industria humana, como se têem encontrado em varias
estações prehistoricas, ou finalmente das armas de pedra cravadas nos
proprios craneos.

Muitos dos geologos modernos consideram a apparição da especie
humana sobre a terra como caracter distinctivo da idade quaternaria,
e acreditam que, abaixo das camadas inferiores dos terrenos d’essa
idade, não se descobriu ainda vestigio nenhum authentico da existencia
do homem. Alguns, porém, como os srs. Desnoyers, Abbade Bourgeois,
Delaunay, Hamy e Carlos Ribeiro julgam possuir provas em contrario,
achadas nos terrenos miocenos e pliocenos da idade terciaria[21]. Mas,
ainda que os vestigios do homem não ultrapassem os limites das epocas
quaternarias, nem por isso, ainda assim, deixaria de ser remotissima
a sua antiguidade. Factos interessantes e calculos de grande
curiosidade, colligidos por Lubbock, o demonstram com evidencia[22].

As faias dão hoje em dia a feição proeminente á vegetação florestal
da Dinamarca. Prova-se porém que nem sempre assim foi, que nos
logares baixos e pantanosos de certas florestas, na turfa que os
enche, ficaram conservados primeiramente, na maior profundidade, os
abetos que por agora não vegetam espontaneos n’aquelle paiz: depois
mais acima os carvalhos e as betulas brancas hoje raras: em fim a
camada superior consiste principalmente em individuos da betula
verrucosa, representante do periodo actual que muito bem se podera
dizer das faias. Ora o professor Steenstrup achou instrumentos de
pedra por entre os troncos dos abetos, representantes da primeira
e mais antiga das vegetações florestaes, que vestiram a Dinamarca
nos tempos quaternarios. E, como, por outra parte, se encontram nos
kjokkenmödings, ou rebotalhos das cozinhas dos homens prehistoricos,
os esqueletos do gallo do matto ou tetraz grande das serras que se
alimenta dos rebentões tenros dos pinheiros, concluiremos com certeza
que os primeiros habitantes da Dinamarca foram contemporaneos das
antigas e perdidas florestas abietinas, e pertenceram portanto a uma
epoca muito differente da actual pelas condições physicas e botanicas
d’aquelle paiz. Além d’isto, pretendem alguns que aos tres periodos
florestaes caracterisados o primeiro pelos abetos, o segundo pelos
carvalhos e betulas brancas, e o terceiro pelas faias, correspondessem
as tres idades principaes da humanidade assignaladas pelo uso da
pedra, do bronze e do ferro. Seja, porém, como for, é indubitavel
que esta successão de vegetações florestaes differentes, não poderia
effeituar-se senão em longuissimo espaço de tempo, e que portanto o
homem não poderia presencial-as, sem ter apparecido em eras muito
remotas na superficie da terra.

O sr. Morlot, na Suissa, intentou determinar mais circumstanciadamente
a duração de cada uma idade. No logar onde a torrente da Tinière se
lança no lago de Genova, junto de Villeneuve, tem-se formado um cone
de cascalho e alluviões. Este cone foi aberto na extensão de 325
metros, e na profundidade de 10ᵐ,4 para se construir uma via ferrea.
O exame dos objectos encontrados nas camadas, pelo corte descobertas,
mostrou corresponderem á epoca romana as da profundidade de 1ᵐ,14; á
epoca do bronze as da profundidade de 2ᵐ,97, e finalmente á epoca da
pedra polida as da profundidade de 5ᵐ,69. Como as camadas se tinham
depositado com grande regularidade, calculou o observador que, sendo de
1600 annos a idade das romanas, a das correspondentes á epoca do bronze
sería de 3000 a 4000 annos, e a das respectivas á epoca da pedra polida
de 5000 a 7000 annos.

O sr. Gilliéron fez um calculo similhante para determinar a idade das
habitações lacustres da ponte de Thièle, e achou a antiguidade de 6000
a 7000 annos para a epoca da pedra polida.

No Egypto o sr. Horner, calculando a elevação media secular do terreno
em volta dos monumentos, por effeito das inundações do Nilo; depois,
abrindo poços a profundidades maiores, achou vestigios da industria
humana que teriam, segundo esses calculos, 13000 e mais annos.

O sr. Forel mostrou as causas de erros, inherentes a estes calculos
e a difficuldade de as evitar todas. Tentou porém, por meio de um
processo differente, determinar a antiguidade do periodo geologico
actual, que chegou a computar em 100000 annos. As observações fêl-as
no lago Léman; e para os seus calculos recorreu á regra de falsa
posição que permitte achar os limites maximo e minimo, acima e abaixo
dos quaes fica excluida a possibilidade de errar. Eis aqui o processo
de Forel, preferido por Quatrefages a todos os outros, com quanto lhe
pareça haver até certo ponto exageração no resultado obtido: «A agua
do Rhodano, sobre tudo por occasião das cheias, causadas pela fusão da
neve, entra no lago turva, e sahe d’elle extremamente limpida. O lodo,
assim depositado, vae enchendo o lago, e entulha já uma parte da grande
cavidade que occuparam os gelos da epoca quaternaria. O sr. Forel
determinou primeiramente o volume annual do deposito do lodo. Indagou
depois, tomando por fundamento as sondagens effeituadas por de La
Béche, o volume do lago actual. Chegou por este modo a avaliar o tempo
necessario para que o lodo do Rhodano chegue a entulhar o lago. Depois,
admittindo que a parte já entulhada do Léman primitivo teria uma
profundidade media e egual á do Léman actual, comparou as superficies
alluviaes já formadas com a superficie do proprio lago. Achou a
proporção de 1 para 3. Estas planicies foram por tanto depositadas
durante um espaço de tempo egual á terça parte d’aquelle que sería
necessario para entulhar o lago actual. Ora, como ellas começaram a
formar-se immediatamente depois do desapparecimento das geleiras,
segue-se que o seu principio corresponderá ao da epoca geologica
moderna»[23].

O dr. Dickeson, de Natchez, achou um sacro humano com alguns ossos
do mastodonte de Ohio no valle do Mississipi. O dr. Usher reputou
o primeiro e os segundos todos contemporaneos. O sr. Bennet-Dowler
computou em 158400 annos o tempo necessario para a formação dos
depositos alluviaes do Mississipi. Este mesmo calculo daria a idade
de 57000 annos aos mais recentes dos craneos fosseis da America.
Julgam porém os naturalistas da Europa que estes e outros similhantes
factos, referidos do Novo-Mundo, carecem de confirmação para ter força
probativa.

O Mississipi tem sido objecto de muitos estudos a fim de determinar a
idade dos depositos formados pelas suas aguas, estudos duplicadamente
interessantes, porque os seus resultados são tambem applicaveis a
formações analogas da Europa. Riddle, Carpenter, Forskey, Humphreys
e Abbot chegaram a avaliar com a possivel aproximação, por meio de
innumeras experiencias e observações, as quantidades dos materiaes
carreados pelas aguas em cada anno, a espessura e as outras dimensões
do delta, e finalmente a parte d’aquelles mesmos materiaes não
incorporados no delta, por serem expellidos para o Oceano. Entrando
em calculo com essas observações, computou Lyell em 100000 annos a
antiguidade do delta do Mississipi, e, por analogia, suppoz não seriam
menos antigos os depositos alluviaes do valle do Somme, em França, onde
apparecem instrumentos de silex e os restos fosseis do mammouth e da
hyena.

Conduz tambem a este mesmo resultado um processo muito differente. Das
observações feitas no Mississipi e de outras similhantes no Ganges,
Rhodano, Danubio e outros rios concluiu Geikie poder representar pela
media de ¹⁄₆₀₀₀ de pé a camada que perdem em cada anno as terras
lavadas pelas aguas affluentes aos rios. Esse é o termo medio, porque
nas planicies, por correrem lentas e escoadas as aguas, a perda é
menor, ¹⁄₁₀₈₀₀ de pé; e nas vertentes lateraes dos valles, pela sua
inclinação que accelera a corrente do liquido, a perda é maior, ¹⁄₁₂₀₀
de pé. Ora o sr. Lubbock applicando esses calculos á excavação do
valle do Somme que tem a profundidade de 200 pés, concluiu que a sua
idade e, portanto, a dos mais antigos dos depositos, onde se encontram
instrumentos de silex, sería de 100000 a 240000 annos[24]. Faltam
dados geologicos e archeologicos para calcular a antiguidade do homem
na Peninsula. Todavia é singularmente notavel que os vestigios da
industria primitiva, encontrados na estação de San Isidro, perto de
Madrid, similhantes aos do valle do Somme, e, por isso, attribuiveis
á mesma epoca prehistorica, estejam tambem n’uma altura similhante
acima do leito actual do Manzanares. Sendo admissivel, como o é no
valle do Somme, que as aguas do rio tenham excavado o terreno desde
aquella estação até ao leito actual, o calculo daria aos vestigios ali
encontrados uma idade comprehendida entre 80000 e 167000 annos. Mas,
da possibilidade ou probabilidade de tal excavação, sómente poderão
informar os geologos hespanhoes, conhecedores da disposição e dos
caracteres das margens do Manzanares no sitio de San Isidro.

Na idade quaternaria houve uma ou mais epocas em que se tornou glacial
o clima da Europa. As geleiras extenderam-se até á latitude temperada
da Sicilia, deixando por varias regiões as rochas erraticas, provas
evidentes da sua existencia. Com esses vestigios apparecem tambem os
restos fosseis do rangifer, do boi almiscarado, do urso e de outros
quadrupedes que na Europa não habitam já senão as regiões arcticas
ou os nevados cumes dos Alpes e dos Pyreneus. O sr. A. Milne Edward
mostrou que muitas especies de aves, proprias dos climas frios, e
communs durante a epoca glacial, emigraram juntamente com aquelles
mammaes para as regiões mais frias, quando a temperatura se elevou e
as geleiras se fundiram no centro e no Meio-dia da Europa. Em fim nos
mares Britannicos e até no Mediterraneo têem apparecido conchas de
especies que se não encontram actualmente senão nos mares glaciaes.
Assim, tantos e tão probativos são os vestigios do clima glacial nas
regiões temperadas da Europa, que ninguem contesta hoje esse facto
notavel.

Por outra parte, os depositos quaternarios immediatamente collocados
por cima das camadas terciarias, soltos, sem consistencia, compostos
quasi exclusivamente de _lehm_ (mistura de areia e argila), de _laess_
(mistura de areia e calcareo), de areias, cascalhos e calhaus, parece
terem sido formados por violentas e prolongadas submersões de terras,
que antecedentemente estariam sêccas e superiores ao nivel das aguas.
Concordam os geologos em dar o nome expressivo de _Diluvium_ a essas
formações cuja origem naturalmente lhes trazia á lembrança a grande
catastrophe commemorada até aos nossos dias nas tradições de alguns
povos.

Se admittirmos pois que a temperatura da Europa baixou a ponto de
se cobrirem de neve os montes e as planicies, formando-se geleiras,
similhantes áquellas que ainda hoje subsistem na Suissa; se admittirmos
mais que uma subsequente elevação de temperatura fundisse as massas
enormes de gelo, inundando e submergindo as terras do continente
europeu, explicaremos assim não sómente a fauna da epoca glacial, mas
tambem a formação dos vastos e profundos depositos do diluvio.

Adhémar imaginou uma hypothese ingenhosissima para ligar e explicar
todos os factos referidos da epoca glaciaria pela mesma causa
geral[25]. O phenomeno astronomico da _precessão dos equinoxios_
consiste na lenta deslocação do eixo da terra de oeste para leste.
Depende da direcção d’esta linha a desegual duração das estações nos
dois hemispherios, tendo presentemente a primavera e o estio das
regiões boreaes, sommados, mais sete dias que o outono e o inverno.
No hemispherio austral acontece o contrario. É a somma do outono e do
inverno que excede em sete dias a da primavera com o estio. E, como
durante aquellas estações a terra perde mais calor do que n’estas
ultimas, segue-se evidentemente que a perda annual do calor será maior
no hemispherio do sul que no hemispherio do norte, e portanto que a
temperatura do primeiro será inferior á do segundo. O que, em verdade,
se observa e se prova pela maior extensão dos gelos, que no sul impedem
a navegação em latitudes correspondentes áquellas, em que se faz livre
e desembaraçada no hemispherio do norte.

Mas como a posição do eixo vae mudando sempre lentamente, chegará
um dia em que a differença entre as durações das estações nos dois
hemispherios desapparecerá, tornando-se todas eguaes tanto ao norte
como ao sul do equador. N’essa epoca a temperatura será muito menos
differente nas latitudes dos dois hemispherios, sería até egual, se
não fossem as causas locaes, como os ventos, as correntes, a altitude,
a proximidade da agua, etc. Depois começará outra vez a apparecer a
differença entre as durações das estações, não aquella que já foi
designada, porém a inversa, isto é, a primavera e o verão tornar-se-hão
maiores no hemispherio austral e menores no hemispherio boreal,
exactamente o contrario de hoje. O cyclo completo d’estes movimentos
abrange 21000 annos. Ha de pois decorrer esse espaço de tempo a fim de
que a differença das estações torne a ser mathematicamente tal qual
agora se observa.

Depois d’esta brevissima exposição do fundamento principal da
hypothese, comprehender-se-ha facilmente que a temperatura maxima de
um hemispherio deverá corresponder ao maior excesso da duração da
primavera e do estio sobre a das outras duas estações; e a temperatura
minima ao maior excesso da duração do outono e do inverno sobre a da
primavera e do estio. Portanto o espaço de tempo decorrido entre o
momento da temperatura maxima e o da temperatura minima será egual
á metade de 21000 ou 10500 annos. A ultima vez que esta maxima
correspondeu ao hemispherio boreal foi em 1248, o que está dizendo que
até esse anno a temperatura foi sempre augmentando; começou então a
diminuir e continúa e continuará até ao anno de 11748, em que chegará
ao seu minimo grau. Mas a epoca anterior correspondente deve ter sido
21000 annos antes de 11748 ou 9252 annos antes de Jesus Christo. Tal
sería pois, na opinião de Adhémar, a epoca glaciaria, a epoca do
rangifer, bisonte, urso, em fim a epoca dos homens que se serviam das
armas e instrumentos de pedra lascada e de osso.

Suppõe-se porém que antecedentemente houvera já uma outra epoca
glaciaria, caracterisada pela apparição do rhinoceronte e dos ursos
das cavernas. Na Suissa conhecem-se provas da existencia de dois
periodos de frio separados por um intervallo, durante o qual o clima se
conservou temperado. Ora, segundo a lei de precessão dos equinoxios,
essa epoca sería 21000 annos antes ou 30252 annos antes de Christo. E
a epoca denominada preglaciaria, quando um clima temperado favoreceu o
desenvolvimento do hippopotamo e do elephante antigo e dos primeiros
dos homens, conhecidos por vestigios incontestaveis, sería 10500 annos
antes ou em 40752 antes de Christo.

A hypothese de Adhémar não explicaria unicamente a alternação dos
climas durante a idade quaternaria. Sendo deseguaes as calotes de gelo
dos dois hemispherios, pois a do sul aproxima-se do equador muito mais
que a do norte, o centro de gravidade da terra deverá deslocar-se para
a parte das massas maiores. N’esta deslocação successiva, o centro da
terra passará de 10500 em 10500 annos pelo plano do equador, mudando-se
de um para outro hemispherio, alterando portanto as condições de
equilibrio, e fazendo com que as aguas de uma corram para a outra
parte, e formem um diluvio. O hemispherio austral está hoje mais
coberto de agua, porque o centro de gravidade se deslocou para esta
parte, em razão de ser maior a calote dos gelos austraes que a dos
boreaes. Quando os gelos começarem a ser mais da parte do norte,
o centro da gravidade mudar-se-ha para este hemispherio, as aguas
deixarão descobertos novos continentes austraes e alagarão os boreaes,
cobrindo-os de novos depositos similhantes aos do diluvio.

A maior quantidade de gelos do hemispherio austral e o avizinharem-se
estes mais do equador que no hemispherio boreal provam a inferioridade
da temperatura do primeiro relativamente ao segundo. Nas viagens
antarcticas os navegantes experimentam, mais cedo e em maior grau que
nas viagens arcticas, as dificuldades da navegação, resultantes de
frio e dos gelos. Eis o motivo porque elles se têem aproximado mais
do polo do norte, e porque são hoje muito mais conhecidas as regiões
hyperboreas que as do outro hemispherio em latitudes correspondentes.

Basta lançar a vista a um mappa-mundi ou a uma esphera para vêr
a extensão das terras no hemispherio boreal proporcionalmente
muito maior. Mas esta desproporção tornar-se-ha mais expressiva e
concludente, em favor da hypothese que attribue á mudança do centro
da terra para o hemispherio austral a deslocação da agua para esse
mesmo hemispherio, se a avaliarmos com exactidão por meio da tabella
seguinte, que representa numericamente a diminuição successiva e
gradual das terras do norte para o sul, medindo em cada parallelo a
razão em que está a parte occupada pela terra com aquella que as aguas
cobrem. Representando cada parallelo pela unidade, teremos uma fracção
para representar a extensão da terra e outra para exprimir a extensão
da agua.

  Latitude        Agua     Terra
  ------------------------------
  60° ao norte    0,363    0,647
  50°    ”        0,407    0,593
  40°    ”        0,527    0,473
  30°    ”        0,536    0,464
  20°    ”        0,677    0,323
  10°    ”        0,710    0,290
   0°    ”        0,771    0,229
  10° ao sul      0,786    0,214
  20°    ”        0,777    0,223
  30°    ”        0,791    0,209
  40°    ”        0,951    0,049
  50°    ”        0,972    0,028
  60°    ”        1,000    0,000

Este augmento tão regular, tão graduado da agua do norte para o sul,
dispõe naturalmente o espirito em favor da hypothese de Adhémar,
limitando-se a comparação ás regiões que em ambos os hemispherios
não ultrapassam a latitude de 60°. Mas alguns graus mais além no
hemispherio austral as descobertas da terra Victoria, da terra Enderby,
do vulcão Erebus contrariam em parte a pretendida lei, e parece
darem antes razão a Lyell, que, exactamente ao contrario de Adhémar,
attribuiu o grande frio das altas latitudes meridionaes á vasta
extensão e á grande altura do continente que suppoz existir nas regiões
antarcticas. Convém saber que, sendo maior a irradiação do calor na
terra do que na agua, a existencia de um alto e vasto continente
no circulo polar do sul, teria por effeito natural a diminuição da
temperatura nos mares proximos. E assim as differenças observadas
explicar-se-hiam até certo ponto por essa causa. Mas em quanto se não
demonstrar positivamente o que não passa apenas de mera supposição, não
será por certo com uma hypothese que se queira destruir a possibilidade
de outra.

Quanto á supposição de que a altura e extensão dos gelos teem
alternadamente influido, e assim continuarão no futuro, ora n’uma ora
n’outra metade do globo, ora cobrindo ora descobrindo as terras com
as aguas dos mares, fazendo um diluvio de 21000 em 21000 annos, cousa
é tão possivel como indemonstravel no estado actual de sciencia. Que
o gelo accumulado para a parte de um dos polos desloque para ahi o
centro de gravidade da terra, ninguem o contestará. Chegou até o sr.
Croll a calcular que a diminuição de 470 pés na espessura dos gelos
antarcticos elevaria no polo do norte a agua do mar á altura de 26 pés
e 5 pollegadas, e á altura de 25 pés na latitude de Glasgow que é de
55° e 55′. Se porém a diminuição fosse maior, se fosse, por exemplo
de 1 milha, a elevação tornar-se-hia de 280 pés. Assim poderá adoptar
a hypothese quem vir nos phenomenos da idade quaternaria e sobre tudo
nas dunas e fosseis marinhos em logares actualmente muito superiores
ao nivel do mar, e nas grandes florestas submergidas, factos menos
explicaveis por outras causas geologicas.

Se, como Adhémar assevera, a temperatura do nosso hemispherio diminue
desde o anno de 1248, alguns effeitos se hão de por certo observar de
tal diminuição. O auctor cita os seguintes: 1.º A grande cupola de gelo
do hemispherio austral tem diminuido depois das viagens do capitão
Cook.--2.º As geleiras da Groelandia e da Suissa tem avançado para o
Meio-dia.--3.º Têem baixado tambem do norte para o sul os limites da
cultura da vinha.

Lyell impugnou ainda este argumento, dizendo que a differença entre
o frio do inverno de 1248 e o frio do inverno actual deveria ser
insignificante e, por isso, incapaz de produzir os effeitos allegados.
Pareceu-lhe que essa differença não passará de 0,3 de grau centigrado.
Porém se durante seis seculos a temperatura tivesse baixado apenas 0,3
de grau, a differença entre as temperaturas medias do inverno de 1248 e
do mais frio dos invernos anteriores, que, segundo a hypothese, teria
sido 10500 annos antes, andaria apenas por uns 5 graus centigrados,
o que de certo parecerá pouco. Entretanto a uma differença tripla ou
de 15 graus entre aquelles dois invernos, separados por um espaço de
10500 annos, corresponderia ainda uma differença inferior a 1 grau
entre as temperaturas do inverno de 1248 e dos invernos actuaes. Outro
sabio inglez tambem de grande auctoridade, J. Herschel, foi egualmente
de opinião que a mudança de posição da terra causada pela precessão dos
equinoxios não basta para explicar as alterações do clima que Adhémar
lhe attribue.

Alguns, convencidos da insufficiencia da hypothese, pretenderam
completal-a, entrando em linha de conta com outra causa astronomica.
Sabe-se que a orbita da terra ora se aproxima ora se afasta do circulo,
por meio de variações muito longas, que sómente se fazem sensiveis
de milhares em milhares de annos. Quando a orbita se aproximar do
circulo o effeito da precessão dos equinoxios deverá diminuir; pelo
contrario quando se afastar do circulo, alongando-se, então aquelle
effeito redobrará de intensidade. Ora os srs. Croll e Stone calcularam
a excentricidade da orbita de 50000 em 50000 annos, no espaço de
1000000 de annos decorridos anteriormente ao de 1800. O sr. J. Carrick
Moore calculou os effeitos d’estas excentricidades maiores no clima
de Londres e achou que, sendo actualmente a temperatura media do mais
frio dos mezes do inverno 20° de Farenheit, ha 100000 annos sería de
5°; de 1°,9 ha 210000 annos; de 0°,6 ha 750000 annos; e finalmente de
3° ha 950000 annos. Lyell inclinou-se á opinião de Croll, e suppoz que
este frio maximo de ha 750000 annos sería o da epoca glacial. Lubbock
discorda n’este ponto, e julga que o frio de 1°,9 de ha 210000 annos
será o que melhor corresponda áquella epoca. Em qualquer das hypotheses
os periodos de Adhémar ficarão parecendo bem pequenos em comparação de
tão dilatados tempos.

Não falta ainda quem tenha pretendido explicar os phenomenos da epoca
glaciaria sómente por alterações geographicas. O Gulf Stream eleva
hoje alguns graus a temperatura da grande parte da Europa. Se em
qualquer tempo essa enorme corrente seguisse outra direcção, a sua
falta manifestar-se-hia logo por uma baixa notavel da temperatura,
egual talvez a 10 graus de Farenheit. Admitta-se mais que, por essa
mesma falta, se estabelecesse uma corrente em sentido contrario, isto
é, dirigida do norte ao sul, o que faria ainda baixar a temperatura 3
ou 4 graus de Farenheit. O resultado bastaria para explicar a epoca
glaciaria. Ora, na opinião do sr. Hopkins, a suppressão do Gulf
Stream sería a consequencia natural de uma depressão de 2000 pés que
transformaria o valle do Mississipi n’um grande braço de mar por onde
a corrente passaria do golfo do Mexico para o Oceano arctico, em vez
de se dirigir para as costas occidentaes da Europa. N’esta hypothese
a excavação do valle do Somme e o apparecimento do homem na Europa
seriam anteriores ao delta do Mississipi, cuja formação foi calculada
em 100000 annos. Mas o Gulf Stream poderia ser antes desviado pela
depressão do isthmo de Panamá, idéa que até certo ponto se torna
provavel, pela similhança das faunas marinhas que habitam de um e de
outro lado do isthmo.

Finalmente, se, como por tantas razões parece incontestavel, o deserto
do Sahara foi n’outras eras uma parte do Oceano Atlantico, a existencia
d’essa grande massa de agua no Meio-dia da Europa, modificaria
por extremo o clima d’este continente. Os vapores, destacados da
superficie da agua, ou se congelariam nas montanhas por onde passassem,
cobrindo-as de neve, ou impediriam os raios do sol de aquecer a face
da terra, contribuindo assim, por um ou por outro modo ou por ambos
juntamente, para abaixar a temperatura.

Taes são as principaes hypotheses imaginadas para explicar a epoca
glaciaria. Com quanto se não possa demonstrar a evidencia de nenhuma
d’ellas, é todavia certo que, ainda assim, provam até certo ponto a
antiguidade da especie humana, pela impossibilidade de se realisarem
esses grandes factos astronomicos ou geologicos, a que se referem,
senão em epocas muito remotas e em periodos muito dilatados.


NOTAS DE RODAPÉ:

[17] _Paleozoico_, de _palaios_ antigo e _zoon_, animal. _Meozoico_, de
_mesos_, meio, e _zoon_, animal. _Neozoico_, de _neos_, novo e _zoon_,
animal.

[18] _Laurentiaco_, do nome do rio ou do golfo de _S. Lourenço_, na
America septemtrional.

_Cambrico_, de _Cambria_, nome latino do paiz de Galles, na Inglaterra.

_Silurico_ de _Siluros_, habitantes antigos da parte meridional do paiz
de Galles.

_Devonico_, do nome do condado de Devon na Inglaterra.

_Carbonifero_, de _carbo_, carvão, e _fero_ conter.

_Permico_, de _Perm_ na Russia.

_Triassico_, de _trias_ tres. Por ser composto de tres camadas
principaes.

_Jurassico_, de _Jura_, cordilheira notavel da França e da Suissa.

_Cretaceo_, de _creta_, cré.

_Eoceno_, de _eos_, aurora, e _kainos_ novo.

_Mioceno_, de _meion_, menos, e _kainos_ novo.

_Plioceno_, de _pleion_, mais, e _kainos_ novo.

[19] A tabella dos terrenos e o computo das suas possanças e dos
espaços de tempo que levaram a formar-se foram extrahidos da _Histoire
de la creation des êtres organisés, d’après les lois naturelles_ par
Ernest Haeckel.--Pariz 1874.

[20] Veja-se adiante o capitulo das cavernas.

[21] Mais de espaço tractaremos esta questão no capitulo seguinte.

[22] Lubbock, _L’homme préhistorique_, Pariz 1876.

[23] De Quatrefages, _L’espéce hummaine_. Pariz 1877, pag. 101 e 102.

[24] Zaborowski dá o computo seguinte das idades prehistoricas. _De
l’ancienneté de l’homme_, tom. II, pag. 229. A epoca do mioceno
inferior ao plioceno superior corresponde á duração do homem terciario,
cuja existencia, posto que provavel, não está ainda evidentemente
demonstrada.

  Epoca do ferro                 1500 a  2000 annos
    ”   do bronze                3000 a  4000   ”
    ”   da pedra polida          6000 a 12000   ”
  Periodo post-glaciario               100000   ”
     ”    glaciario                    224000   ”
  Duração da epoca do mioceno
    inferior ao plioceno superior      680000   ”


[25] Adhémar--_Revolutions de la mer_.




                             CAPITULO III

                         ANTIQUIORA MONUMENTA

 _Classificação dos tempos prehistoricos.--Subdivisões da idade da
 pedra.--Silex e quartzites lascadas da Beira e da Extremadura,
 attribuidas ao homem terciario.--Julgamento d’estas provas no
 congresso de Bruxellas.--Provas indirectas do homem terciario,
 colligidas n’outros paizes.--Sua incerteza.--É maior ainda a das
 provas directas.--Primeiros vestigios do homem quaternario na
 Peninsula.--Estação de San Isidro.--Falta de vestigios da epoca
 mesolithica.--Bruteza do homem paleolithico.--Progresso na epoca
 neolithica.--Condições favoraveis d’esse periodo ao desenvolvimento da
 humanidade.--Primeiras exigencias do sentimento esthetico.--Origem das
 artes._


Os tempos prehistoricos dividiram-os primeiramente os archeologos
em duas grandes idades: a idade da pedra e a idade dos metaes; e
subdividiram a primeira, a idade da pedra, em duas epocas: 1.ª Epoca
da pedra lascada; 2.ª Epoca da pedra polida. Ainda hoje todos estão
accordes na divisão geral das idades, e alguns conservam a sub-divisão
da primeira d’ellas nas duas epocas que o apparecimento da arte de
polir a pedra separa uma da outra.

No congresso de Bruxellas de 1872 os srs. Dupont e Mortillet
admittiram, por mais natural, a sub-divisão da idade da pedra em tres
epocas principaes que o primeiro caracterisou pelas faunas respectivas,
e o segundo pelos vestigios da industria humana. Já anteriormente em
Hespanha o sr. D. João Vilanova propozera uma classificação similhante,
dividindo a idade da pedra em quatro epocas, das quaes chamou á
primeira _archeolithica_ ou dos vestigios encontrados nos terrenos
terciarios; á segunda _paleolithica_ ou dos instrumentos de pedra
lascada dos terrenos quaternarios; á terceira _mesolithica_ ou das
facas ou do rangifer; á quarta finalmente _neolithica_ ou da pedra
polida[26].

Pondo de parte a primeira, por incerta e duvidosa, as outras tres
epocas do sr. Vilanova concordam exactamente com as dos srs. Dupont
e Mortillet. Com as denominações propostas pelo sr. Dupont e com os
caracteres indicados pelo sr. Mortillet, será a seguinte a

                    CLASSIFICAÇÃO DA IDADE DA PEDRA

 _Epocas_        _Caracteres zoologicos_      _Caracteres industriaes_

Paleolithica    Mammouth e outros animaes     Instrumentos de pedra
                  desapparecidos                lascada

Mesolithica     Rangifer e outros animaes     Instrumentos de pedra
                  emigrados                     lascada e de osso

Neolithica      Animaes domesticos ainda      Instrumentos de pedra
                  hoje companheiros do          polida
                  homem

Esta classificação, ainda que pareça conforme aos factos até hoje
observados na França, Belgica e alguns outros paizes, não póde ter
applicação em todas as regiões da Europa. A successão dos tres grupos
zoologicos é um facto geral, pois que, em correspondencia a cada grupo,
se observam geraes vestigios de mudanças profundas nos climas e nas
outras circumstancias da geographia physica. Nem seriam possiveis as
variações da fauna sem outras variações correlativas nos meios que
os animaes habitassem. Mas os caracteres industriaes não estão da
mesma sorte e unicamente sujeitos á influencia invariavel e fatal
das leis physicas. A maior ou menor disposição das raças humanas
para a perfectibilidade, as emigrações dos povos, os commettimentos
guerreiros, as emprezas maritimas e outras circumstancias accidentaes
poriam muitas vezes em discordancia os caracteres deduzidos da fauna
com os dos instrumentos da industria. Assim como, em quanto alguns
dos povos menos civilisados percorrem já a epoca do ferro, e outros
estacionam ainda na idade da pedra, assim tambem não podia em toda a
parte a cada grupo zoologico ou a cada especie de clima corresponder
a mesma phase industrial. Suppondo que o synchronismo declarado na
classificação existiria em partes da França e da Belgica, é claro que
não poderia ser geral em toda a Europa.

Na Peninsula não têem apparecido instrumentos de pedra lascada e de
osso em tal quantidade que obriguem a subdividir a idade da pedra em
mais de duas epocas. Além de que, para caracterisar a epoca mesolithica
tambem nos faltam os animaes proprios, porque nem o rangifer nem a
hyena spelœa, nem algumas outras das especies contemporaneas habitaram
para áquem dos Pyreneus. Parece haver, em Hespanha e Portugal, entre os
silex lascados de San Isidro e os objectos de pedra polida, uma grande
lacuna ou interpolação, que as explorações até hoje emprehendidas não
poderam ainda preencher. Por isso, a classificação do sr. Vilanova
foi notavelmente alterada pelo sr. F. M. Tubino que dividiu a idade
da pedra sómente em duas epocas, a paleolithica e a neolithica, e
subdividiu esta ultima em dois periodos o mesolithico e o do cobre[27].
Pela nossa parte, prescindiremos d’esta subdivisão, porque o periodo
mesolithico, sendo caracterisado pela pedra lascada, não póde pertencer
á epoca da pedra polida, e o do cobre, por motivo analogo, sómente na
idade dos metaes se ha de comprehender. Conservaremos pois a divisão
primitiva da idade da pedra nas duas epocas da pedra lascada e da pedra
polida, como ainda hoje fazem Lubbock e outros archeologos, attribuindo
á primeira o rangifer e os animaes emigrados.

Da epoca paleolithica ou da pedra lascada e da epoca neolithica ou
da pedra polida têem apparecido na Peninsula não sómente vestigios
da industria humana, mas tambem restos dos animaes caracteristicos.
Porém da epoca anterior, correspondente aos terrenos terciarios, que
o sr. Vilanova chama _archeolithica_ não se tem encontrado nada até
hoje em Hespanha. Em Portugal o sr. Carlos Ribeiro colligiu em camadas
terciarias e quaternarias das provincias da Extremadura e da Beira, e
particularmente das bacias do Tejo e Sado, silex e quartzites lascadas
nas quaes lhe pareceu evidente a acção intencional do homem. E na
Memoria que em 1871 apresentou á Academia das sciencias de Lisboa fez
estampar cento e trinta de taes objectos[29].

Examinada esta collecção em 1872 no congresso de Bruxellas, pareceu
em principio ao sr. abbade Bourgeois, apaixonado defensor do homem
terciario, não ter vestigios da industria humana nenhum dos objectos
colligidos. Mudou porém depois de opinião, confessando com o sr.
Franks, director do Museu britannico, haver em alguns provas evidentes
do trabalho do homem[30]. Por outra parte, o mesmo sr. Franks,
examinando trinta e duas pedras, que o sr. abbade Bourgeois apresentára
ao congresso, como vestigios da industria humana, encontradas em terras
terciarias de Thenay, n’uma só de taes pedras viu signaes positivos da
acção intencional do homem. Nomeou-se para examinar as de Portugal uma
commissão, entre cujos vogaes não chegou a haver maioria que declarasse
attribuiveis á industria humana a maior parte d’aquelles objectos[31].

Bastarão estes factos, occorridos no congresso de Bruxellas, para
mostrar a incerteza das provas, actualmente conhecidas da existencia
do homem terciario. Na commissão geologica de Portugal ha centenares
de pedras, colligidas pelos srs. Carlos Ribeiro e Delgado. Talvez que
uma escolha racional apurasse entre ellas algumas em que parecesse
menos duvidoso o trabalho humano, nas quaes, comparadas ás congeneres
da idade quaternaria, melhor se reconheceria a origem natural ou
artificial. Foi isto mesmo que no Museu de Saint-Germain fez o sr.
Mortillet, escolhendo algumas das pedras que o abbade Bourgeois para
ali enviara, como instrumentos fabricados pelo homem terciario, e
expondo-as juntamente com outras do valle do Somme ou de outras
estações quaternarias, para os observadores poderem comparar e tirar da
comparação as illações que lhes parecesse.

Algumas das pedras da commissão geologica taes como as que as figuras
1, 2 e 3 representam não têem similhança com as formas typicas de
Saint-Acheul, Hoxne, San Isidro, etc. Outras que vimos na collecção
talvez, sem grande esforço, se reduzam no typo dos denominados
raspadores[32].

Das provas até hoje adduzidas em favor da existencia do homem
terciario umas, indirectas, consistem nos vestigios da sua actividade;
outras, directas, seriam as suas proprias ossadas no estado fossil.

A fauna de Saint-Prest, em pequena distancia de Chartrou, estudada
desde 1848 por varios naturalistas, é quasi identica á de outras
camadas terciarias de varias regiões da Europa. Encontram-se os seus
representantes fosseis n’um valle, cortado em angulo consideravel por
outro valle quaternario, por cuja idade mais recente se prova tambem a
antiguidade relativa do primeiro. Além de outras especies perdidas, ali
têem apparecido o _elephas meridionalis_, o _rhinoceros leptorhinus_ e
o _megaceros Carnutorum_.

                         [Illustração: Fig. 1

                                Fig. 2

                                Fig. 3

     PEDRAS LASCADAS ATTRIBUIDAS AO HOMEM TERCIARIO DE PORTUGAL.]

Em abril de 1873, Desnoyers foi examinar estes restos fosseis, e
pareceu-lhe ver em muitos ossos estrias ou entalhos, que teriam sido
feitos pela mão do homem, armada com instrumento cortante. Não contente
d’este exame, buscou as collecções anteriormente constituidas com
ossadas de Saint-Prest e em todas achou vestigios similhantes. Além
dos ossos riscados ou entalhados, encontrou alguns de ruminantes,
partidos pela mesma forma por que ainda hoje os partem alguns
selvagens para lhes extrahir as medullas. D’onde entendeu poder com
toda a probabilidade concluir que «o homem viveria em França...
contemporaneamente ao _elephas meridionalis_ e outras especies
_pliocenas_, caracteristicas do Valle d’Arno na Toscana, e que teria de
luctar com as grandes alimarias, anteriores ao _elephas primigenius_ e
aos outros mammaes, cujos restos apparecem misturados com os vestigios
ou indicios do homem nos terrenos de transporte ou quaternarios dos
grandes valles e das cavernas»[33].

A pretenção do descobridor discordava a tal ponto das idéas geralmente
seguidas, ácerca da coincidencia da origem da especie humana dentro nos
limites de idade quaternaria, que de toda a parte se levantaram logo
contraditores a inventar explicações dos factos observados por causas
differentes d’aquellas a que se attribuiam. Quaes disseram que os
entalhos dos ossos de Saint-Prest teriam sido feitos pelos instrumentos
dos operarios que os extrahiram da terra, ou dos preparadores que os
alimparam; quaes recorreram á acção das geleiras; quaes ao attrito das
raizes sobre os ossos; quaes ao dessecamento consecutivo á putrefacção
dos ossos que os cobriria de fendas longitudinaes e transversaes; quaes
á acção de transporte da agua que rolaria com os ossos pedras que os
riscassem; quaes, finalmente, aos dentes de certos animaes carnivoros
ou roedores pertencentes á fauna terciaria.

Movido da importancia da questão, Lyell chegou a instituir um
verdadeiro inquerito para resolver até que ponto seriam admissiveis
as causas invocadas pelos contradictores de Desnoyers. Pareceu-lhe
que, entre todas, duas sómente poderiam ter tido o effeito que se
lhes suppunha; e eram a acção da agua corrente e os dentes dos
carnivoros ou roedores. Se os ossos não fossem extremamente duros, as
pedras e calhaus com elles arrastados seriam capazes de os riscar.
«Podemos suppor, dizia Lyell, relativamente a certo exemplar do _Museu
Britannico_, que estando quasi todo o osso enterrado no lodo, as partes
que todavia o não estivessem ficariam expostas á acção da corrente, que
arrastaria areia e cascalho contra ellas, e com bastante força para
formar riscas ou entalhos, no tempo em que talvez o osso estivesse
mais molle do que hoje. Uma pequena mudança na posição do osso ou na
direcção da corrente da agua poderia produzir uma segunda serie de
estrias parallelas, entrecruzadas com as primeiras». Porém sómente em
certos ossos se poderiam explicar as estrias por esta hypothese[34].

Por outra parte, o mesmo Lyell mandou lançar uma porção de ossos
aos porcos-espinhos do Jardim Zoologico de Londres, que os deixaram
riscados e entalhados á maneira dos de Saint-Prest. D’onde concluiu
que estes ultimos poderiam ter andado nos dentes do grande roedor
de Chartres do genero _Trogontherium_, ou de algum outro da fauna
terciaria.

A fauna do valle d’Arno, na Italia, assimilha-se extremamente á de
Saint-Prest: nos ossos das mesmas especies de mammaes apparecem da
mesma sorte estrias ou entalhos. Examinou tambem Lyell estes vestigios,
e não se julgou habilitado para expender qualquer opinião decisiva.
Todavia, reconhecendo a insufficiencia das provas allegadas em favor
do homem terciario, appellou para o futuro, cujos acontecimentos lhe
pareceu haverem de dissipar todas as duvidas.

O sr. Lubbock, depois de examinar os ossos de Saint-Prest, expendeu
a respeito d’elles a opinião seguinte: «Os vestigios das incisões
concordam exactamente com os termos em que foram descriptos; alguns
pelo menos parece terem origem humana. Entretanto no estado actual dos
nossos conhecimentos não ousaria affirmar que não tivessem sido feitos
por differente modo»[35].

O sr. abbade Delaunay encontrou em Pouancé costellas e um humero de
_haliterium_, especie miocene, profundamente entalhados, segundo
parecia, com um instrumento cortante que só pelo homem poderia ser
manejado. E já no anno de 1876 o sr. Quatrefages deu conta á Academia
das sciencias de Pariz do descobrimento, que o sr. Capellini ha pouco
tempo fizera de ossadas de cetaceos com incisões e entalhos, feitos com
instrumento cortante. Os ossos assignalados appareceram em argillas
pliocenas do Monte Aperto, juncto de Sienne. O descobridor e outros
naturalistas italianos estavam convencidos de que não haveria senão a
mão do homem, capaz de entalhar os ossos por aquella fórma[36].

Outras provas tambem indirectas são os silex e quartzites lascadas
taes como as colligidas em França pelo sr. abbade Bourgeois, e em
Portugal pelo sr. Carlos Ribeiro. Todavia de uns não se demonstra que
os terrenos onde appareceram fossem terciarios e não quaternarios;
de outros não parece incontestavel o terem sido lascados pela mão do
homem. Citam-se observações dos srs. Desor, Escher, Fraas, Livingston
e Wetzstein que em varias regiões da Africa viram silex lascados
naturalmente pela acção do calor do sol, testimunhando alguns este
curioso phenomeno[37].

Infelizmente as provas directas da existencia do homem terciario
são ainda mais contestaveis que as provas indirectas. O sr. Issel
apresentou ao congresso anthropologico de Pariz, em 1867, ossos humanos
com signaes de remota antiguidade, achados em camadas pliocenas na
cidade de Savone na Toscana. Correu tambem ha alguns annos, apregoada
pelo sr. Whitney, director do _Geological Survey_, a descoberta de um
craneo humano na California em depositos pliocenos, por baixo de cinco
ou seis camadas de cinzas vulcanicas, endurecidas. O sr. Quatrefages
duvída d’este facto não sómente porque pediu informações e não lh’as
deram, mas tambem porque não sahiu a publico nenhuma estampa ou noticia
descriptiva do tal craneo. Para a maior parte dos naturalistas a
doutrina corrente é que até hoje não se conhecem nenhuns restos humanos
fosseis incontestavelmente attribuiveis á idade terciaria.

Das razões, ponderadas no capitulo anterior, se deprehende que, já
na idade quaternaria, a humanidade passára milhares e milhares de
annos sem outros instrumentos mais que os rudes machados de silex,
com o mesmo silex fabricados. Mas, como a duração da idade terciaria
fosse quasi cinco vezes maior que a da idade quaternaria[38], a
existencia de vestigios da industria humana em camadas miocenas
importaria um estacionamento muito mais longo, importaria o decurso
de uma eternidade, durante a qual os homens não possuiriam outra arte
fabril, senão a de lascar pedras, que mal se differençariam d’aquellas
manifestamente resultantes de choques operados por forças physicas.
Advirta-se que os depositos miocenos, a cuja epoca se attribuem os
mais antigos dos silex e quartzites lascadas, os depositos pliocenos
e os diluviaes que se lhes seguiram têem a enorme possança de muitos
centenares de metros, e que, em quanto se effeituaram tão longas
formações, o homem viveria reduzido á condição dos irracionaes, sem
obedecer á lei do progresso, fóra da qual se conservaria até ao fim dos
tempos geologicos. A fauna, a flora, as circumstancias hydrographicas e
orographicas da superficie do globo na idade terciaria eram obstaculos
taes que mal póde o espirito comprehender como, apesar d’elles, se
conservaria e desenvolveria a especie humana. Existiam, é verdade,
os quadrumanos; mas o macaco, pela sua organisação, avantajava-se ao
homem; facilimo lhe sería saltar de ramo em ramo pelas intrincadas
florestas miocenas ou pliocenas, para fugir das alimarias que o
perseguissem ou para buscar os alimentos indispensaveis á vida. Para
fazer compativeis as condições da terra terciaria com a organisação
humana, não falta quem tenha supposto que o homem mioceno sería de uma
especie differente! Mas contra factos não prevalecem razões, por mais
ponderosas que pareçam, e, portanto, bom serviço prestam á sciencia
aquelles que se empenham, como o sr. Carlos Ribeiro, em colligir
documentos interessantes a esta questão, que talvez dentro em poucos
annos vejamos cabalmente resolvida.

Em Hespanha, em terrenos quaternarios, acharam-se já instrumentos
de pedra lascada, alguns dos quaes se guardam no Museu archeologico
nacional. A estação mais importante, pela maior variedade dos vestigios
encontrados, e pelos estudos que n’ella se têem feito, é a de San
Isidro del Campo, em pequena distancia de Madrid. Este terreno situado
na margem direita do Manzanares, quarenta metros acima das suas aguas,
tem vinte metros de espessura e cobre camadas de marga miocenas. Com
os vestigios da industria humana primitiva têem apparecido ossos de
animaes: de um elephante, talvez o _Elephas meridionalis_; do _Cervus
elephas_; do _Equus fossilis_, _varietas pliscidens_ etc.[39] Um
machado de silex encontrado em San Isidro provaria que a antiguidade
d’essa estação não sería menos remota que a da estação de Saint-Acheul
em França, se tivesse havido synchronismo na successão das phases da
industria humana em todos os paizes.

Em toda a Peninsula não têem até hoje apparecido outros vestigios
certos da industria humana durante a epoca da pedra lascada, excepto
os de San Isidro. São já numerosas as estações d’esta epoca da França
e de outros paizes e mais numerosos ainda os objectos colligidos nos
museus e estampados nos livros. A falta de explorações geologicas e
archeologicas será causa, em parte, de tamanha raridade dos vestigios
da pedra lascada em Hespanha e Portugal. Entretanto, apesar d’essa
falta, mais alguns deveriam ter apparecido, se esta parte da Europa
fosse tão habitada, como a França, em tempos tão remotos.

                         [Illustração: Fig. 4

                MACHADO DE PEDRA LASCADA DE SAN ISIDRO]

Mas, o que é mais notavel, da epoca seguinte, da epoca do rangifer não
se conhece um só vestigio indubitavel de industria humana. De sorte
que, se por acaso não se tivesse descoberto a estação de San Isidro,
poderia hoje racionalmente affirmar-se que o homem não teria habitado
a Peninsula antes da epoca neolithica. Por outra parte nem do rangifer
nem d’alguns outros dos animaes contemporaneos têem apparecido restos,
havendo-se, pelo contrario, encontrado alguns dos mammiferos mais
antigos que viviam em Hespanha e Portugal ao mesmo tempo em que o homem
habitava as margens do Manzanares. Explicar-se-ha a falta do homem
contemporaneo do rangifer pelas mesmas causas que deveram obstar a que
este e outros animaes da mesma epoca passassem para áquem dos Pyreneus?
Eis um curioso problema que sómente o conhecimento mais perfeito da
geologia peninsular poderá resolver.

É força confessar que o homem da epoca paleolithica vivia quasi tão
brutamente como as ferozes alimarias que o cercavam, e sem ao menos
dispor dos poderosos elementos de ataque e defeza que as faziam
invenciveis e temidas. Percutir uma pedra com outra e fazer saltar
lascas da primeira até ficar mais ou menos acuminada ou ponteaguda,
transformar os paus, os ossos, os chifres em instrumentos não menos
imperfeitos, tirar chispas de fogo da rapida fricção de ramos
resequidos, eis quasi tudo a que se reduzia a sua limitadissima
industria.

Sem fallar na invenção do fogo, que, só por si, prometteria todo o
futuro desenvolvimento da humanidade, avantajavam-se-lhe, por certo,
na regularidade e importancia das obras, na delicadeza e perfeição dos
processos o castor, a abelha, a formiga. Eram-lhe superiores pelos
fortes musculos, pelas garras, prezas ou outras armas naturaes, o
hippopotamo, o elephante, o urso, o rangifer ou a hyena. As alterações
physicas da superficie do globo livraram a especie humana de alguns
d’esses poderosos inimigos. Mas os sobreviventes bastariam talvez para
extinguil-a, se o homem, inferior nos recursos da natureza physica,
se não tornasse superior a todos, pelo successivo desenvolvimento das
faculdades intellectuaes.

Progride rapido esse desenvolvimento na epoca neolithica ou da pedra
polida. Cessa a anterior agitação que punha em temerosa desordem as
partes solida e liquida da crusta da terra; temperam-se os rigores do
clima, e as neves perpetuas recuam para os mais altos dos cerros das
cordilheiras; algumas das alimarias que disputavam ao homem a posse das
cavernas e dos fructos da terra, emigram para as regiões hyperboreas
ou alpinas, em busca de temperaturas mais conformes a organisações
affeitas á frialdade dos gelos, que não aos ardores dos raios solares.
No meio de condições physicas, similhantes ás da actualidade, o homem
sahe por fim da bruteza em que longamente vivera, eleva-se acima dos
irracionaes que o cercam, alguns converte á domesticidade, e a aurora
esplendida da civilisação illumina pela primeira vez os horisontes das
sociedades nascentes.

Outr’ora as armas e os pouquissimos instrumentos da industria humana
eram feitos de rochas, que pela sua estructura, mais facilmente
lascavam, para tomar, por effeito da percussão, as fórmas acuminadas ou
ponte-agudas. O silex, a quartzite, a obsidiana mereciam a preferencia
para servirem de materias primas á industria incipiente. Agora essas
pedras são muitas vezes substituidas pela diorite, serpentina,
porphydo, jade e outras, suceptiveis de tomarem fórmas e côres mais
varias e mais bellas, embora á força de trabalho e paciencia d’aquelles
que as fabricavam. N’esta nova epoca não basta já como d’antes, que
os instrumentos possam ferir ou cortar, importa egualmente que sejam
bellos e commodos. As fórmas que dão ás rochas com os percutores, o
polimento que lhes põem e as côres que lhes avivam com os alizadores
ou com os raspadores satisfazem ás primeiras exigencias do sentimento
esthetico, mal despontando ainda no coração humano.

Pelo espaço de milhares de annos a intelligencia do homem não teve
á sua disposição mais que uns toscos pedaços de silex aguçados
ou acuminados para furar ou cortar. Na epoca mesolithica, e
particularmente na epoca neolithica ou da pedra polida, dilatam-se
os horisontes industriaes. Fabricam-se martellos, serras, arpões,
collares e outras armas ou ornamentos. Aproveitam-se as pontas do
veado e de outros animaes para varios utensilios. N’alguns apparecem
os primeiros ensaios artisticos em gravuras ou esculpturas toscas e
disformes, porém representando já claramente o homem ou os animaes
amigos e inimigos que o cercavam. Fabricam-se tambem moinhos de duas
pedras para moêr os cereaes, e vasos de barro para guardar as sementes
e as farinhas, ou para outros usos. Em fim, a disposição para a
mais nobre das artes, para a architectura, revela-se no dolmen, no
tumulo, no menhir, no cromleck, monumentos megalithicos da epoca da
pedra polida, que foram para esse tempo o mesmo que as basilicas, os
mausoleus ou os obeliscos para os tempos historicos.

Examinar d’essas varias memorias aquellas que restam na Peninsula,
inquirir a significação que por ventura tenham, relativamente á
prehistoria da humanidade, tal será o objecto dos capitulos seguintes.


NOTAS DE RODAPÉ:

[26] D. Juan Vilanova y Piera. _Estudios sobre lo prehistorico español.
Museo español de antigüedades_, tomo 1, pag. 129.

As palavras _archeolithica_, _paleolithica_, _mesolithica_ e
_neolithica_ foram compostas com as palavras gregas _arche_ principio,
_palaios_ antigo, _mesos_ meio, _neos_ novo, e _lithos_ pedra.

[27] Classificação das epocas prehistoricas, proposta pelo sr.
Tubino, para o reino de Portugal e para as provincias hespanholas da
Andaluzia e Extremadura. Veja Los monumentos megaliticos de Andalucia,
Extremadura y Portugal. Museu español de antigüedades, tomo VII, 1876.

Edad Paleolitica      Hasta ahora desconocida, si prescindimos
                        de los silex tallados recogidos por el sr.
                        Ribeiro en las cuevas del Tajo y del Sado,
                        cuya atribuicion és hipotética[28].

Edad Neolitica              Primero periodo: El mesolitico.

                       {Cavernas del Monte Calpe
                     a {Caverna de Alhama de Granada
                       {Cavernas de Cesareda

                    b   Monumentos megaliticos

                    c   Quioquenmodingo del Cabezo de Arruda

                            Segundo periodo: El del cobre.

                       {Minas de Cerro-Muriano
                    a  {Minas del Odiel y de Riotinto
                       {Minas del Alemtejo

Edad del bronce         Sin acreditar. Los mas raros ejemplares
                          procedentes de la zona que estudiamos,
                          no tienen la fianza del yacimiento. Pudieron
                          ser elaborados en otras regiones
                          y llevados á aquella en epocas historicas.

Edad del hierro         Carece tambien de estaciones especiales en
                          su seccion prehistorica.


[28] Não menciona a estação paleolithica de San Isidro, por ficar fóra
da região considerada. Os silex do sr. Carlos Ribeiro não foram achados
nas cavernas, porém nas bacias do Tejo e Sado.

[29] _Descripção de alguns silex e quartzites lascados, encontrados
nas camadas dos terrenos terciario e quaternario das bacias do Tejo e
Sado._ Lisboa 1871.

[30] _Relatorio ácerca da sexta reunião do congresso de anthropologia
e de archeologia prehistoricas, verificado na cidade de Bruxellas em
agosto de 1872, elaborado por_ Carlos Ribeiro. Lisboa 1873.

[31] Ibidem.

[32] Vejam-se um terciario de Thenay (Bourgeois) e outro quaternario
do valle do Somme, estampados a par, a fim de se compararem, em
Hamy.--_Précis de Paleontologie Humaine._ Pariz 1870, pag. 49.

[33] _Note sur des indices matériels de la coexistence de l’homme avec
l’Elephas meridionalis dans un terrain des environs de Chartres, plus
ancien que les terrains de transport quaternaires des vallées de la
Somme et de la Seine. Comptes Rendues de l’Academie des Sciences_, 8
juin 1863.

[34] Hamy, _Précis de paléontologie humaine_. Pariz 1870, pag. 95 e 96.

[35] _L’homme préhistorique._ Pariz 1876, pag. 381.

[36] _Comptes Rendus_, 31 janvier 1876, pag. 348.

[37] _Matériaux pour servir à l’histoire positive et philosophique de
l’homme._

[38] Cap. II, pag. 14.

[39] D. Juan Vilanova.--_Lo prehistorico en España. Anales de la
sociedad española de Historia Natural_, tomo I, pag. 194.




                              CAPITULO IV

                           PRIMICIAS DA ARTE

 _A estação de Argecilla e outras da Peninsula comparadas aos
 kiokkenmoddings.--Antiguidade d’estas estações prehistoricas.--Pontas
 de frecha e de lança, encontradas em Hespanha e Portugal.--Estações
 notaveis de Castella a Velha.--Facas de silex e seu
 fabrico.--Officinas em Portugal.--Machados.--Picaretas.--Instrumentos
 de osso.--Puncções.--Fragmentos lavrados.--Placas de shisto.--Outras
 insignias ou emblemas.--Contas de collares.--Ceramica.--Objectos
 achados na caverna de Albuñol.--Diadema de ouro.--Vestidos, gorros e
 bolsas de esparto.--Ornatos feitos de conchas e de dentes.--Bracelete
 de concha da_ CUEVA DE LA MUJER.


Á epoca mesolithica ou do rangifer, da qual--já o dissemos--não ha
vestigios certos na Peninsula, attribue o sr. Vilanova os nucleos de
silex, facas, frechas e percutores, achados em Hespanha na estação de
Argecilla. Descobriu-a o sr. D. Nicanor de la Peña «no sitio chamado
Palomar, no terço superior da vertente bastante empinada das collinas
terciarias lacustres, que na provincia de Guadalajara caracterisam toda
a região conhecida pelo nome de Alcarria. Constitue este deposito um
banco de um metro e meio de espessura, sessenta a setenta de comprido,
e dez a doze de largo, composto de terra pardacenta, em certos logares
muito escura, como se tivera padecido alguma incineração, coroando tudo
os extractos calcareos com helix, paludinas e outros fosseis terrestres
e lacustres, argillas e margas, que horisontalmente ou com pequena
inclinação apparecem na encosta».

A proximidade de uma caverna assaz profunda persuadiu ao sr. Vilanova
que o deposito de Argecilla sería analogo aos dos kiokkenmoddings
da Dinamarca. Mas, como explorasse o interior da caverna e não
achasse vestigios nenhuns de ter servido de habitação ao homem, ficou
entendendo que o deposito exterior teria antes sido uma officina da
primeira e segunda epoca da idade da pedra. Entretanto, depois de
descrever os nucleos, lascas, facas, pontas de frecha e percutores de
silex, que o induziram a considerar o deposito de Argecilla, como uma
antiga officina, o sr. Vilanova cita varias pedras ali encontradas
que parece terem servido de lar para o fogo, similhantes ás dos
kiokkenmoddings da Dinamarca. Comtudo, os machados polidos, os
alizadores, os fragmentos de louça e os ossos dos animaes domesticos
que o sr. Vilanova achou em Argecilla, e que reputou, parece que
sem fundamento, de epoca posterior áquella a que referiu os outros
objectos, denunciam claramente a idade do deposito, posterior á dos
kiokkenmoddings, apesar de todas as analogias mencionadas[40].

Deu-se este nome, que significa _rebutalhos de cozinha_, áquellas
estações prehistoricas do litoral dinamarquez, constituidas de conchas
de ostras e outros mariscos, de ossos partidos de mammaes, de restos de
aves e de peixes e finalmente de silex pela maior parte lascados, porém
alguns polidos.

É maior a similhança entre a estação de Argecilla e aquella que o sr.
Pereira da Costa explorou em Portugal no Cabeço da Arruda.

  GENEROS DE ANIMAES, ACHADOS        GENEROS DE ANIMAES, ACHADOS
      NO CABEÇO DA ARRUDA                   EM ARGECILLA

            _Bos_                               _Bos_
            _Equus_                             _Equus_
            _Sus_                               _Sus_
            _Cervus_                            _Cervus_
            _Felix_                             _Canis_

O sr. Pereira da Costa comparou tambem a estação do Cabeço da Arruda
aos kiokkenmoddings, fundando-se para isso na existencia de madeira
e ossos carbonisados, de seixos estalados pela acção do fogo, e
finalmente na côr avermelhada do lodo, por effeito da cozedura. Isto
pelo que respeita aos vestigios do fogo, mas por outra parte notou
mais a accumulação de restos de conchas de animaes comestiveis, e
tambem o descobrimento de um similhante deposito, feito de conchas
quebradas, fragmentos de carvão, ossos quebrados de mammiferos, pedaços
de pederneira e seixos, mas sem restos humanos, no porto da Amoreira,
a um kilometro de distancia do Cabeço da Arruda; e de outro na Fonte
do Padre Pedro, a tres kilometros de distancia, e formado de conchas
partidas, ossos e dentes de mammaes e fragmentos de louça grosseira[41].

Se o leitor quizer apreciar mais uma analogia entre a estação da
Argecilla e os kiokkenmoddings, compare a faca de silex, ali achada,
com aquellas que se têem encontrado n’estas estações da Dinamarca.
Compare a fig. 5, 6 e 7 com aquellas que o sr. Lubbock dá de uma faca
do kiokkenmodding de Fannerup no Jutland. Parecer-lhe-hão duas copias
do mesmo objecto[42].

                         [Illustração: Fig. 5

                                Fig. 6

                                Fig. 7

                FACA DE SILEX DA ESTAÇÃO DE ARGECILLA.]

Estabelecidas assim as relações da estação de Argecilla e de outras,
tanto de Hespanha como de Portugal, com os kiokkenmoddings da
Dinamarca, torna-se-nos extremamente importante determinar a idade
d’estes ultimos a fim de conhecer a idade d’aquellas. Na opinião do
sr. Worsaæ os kiokkenmoddings pertenceriam á epoca da pedra lascada.
Demonstral-o-hiam: 1.º a raridade dos instrumentos de pedra polida;
2.º a falta de animaes domesticos, pois o cão é o unico de que têem
apparecido restos fosseis. O sr. Steenstrup sustenta, pelo contrario, a
contemporaneidade dos kiokkenmoddings e dos tumulos, cuja construcção
ninguem refere além da epoca da pedra polida. Se nos primeiros faltam
restos do boi e do cavallo domesticos, nos segundos são muito raros,
e não custa nada admittir que esses mesmos fossem posteriormente ali
introduzidos.

As longas facas de silex, similhantes á de Argecilla, servem
exactamente ao professor Steenstrup a fim de provar que os habitantes
dos kiokkenmoddings não estavam tão atrazados, como dizem, na arte
de fabricar instrumentos de pedra. É verdade que estes são mais
grosseiros, mas os depositos em que se encontram serão os rebutalhos da
cozinha de pescadores. Os tumulos pelo contrario seriam as sepulturas
dos chefes. De sorte que uns e outros monumentos representam não
epocas differentes, mas graus diversos de civilisação de duas classes
do mesmo povo. O sr. Lubbock pondera as razões apresentadas por cada
um dos opinantes, e conclue que os kiokkenmoddings plausivelmente
se attribuirão ao primeiro periodo da epoca neolithica, quando não
tinha ainda chegado ao seu completo desenvolvimento a arte de polir o
silex[43].

Em fim em varias estações, attribuidas sem contestação á epoca da pedra
polida, como a caverna de Pont-á-Lesse, na Belgica, têem apparecido
com outros objectos caracteristicos da mesma epoca facas similhantes
ás dos kiokkenmoddings e da estação de Argecilla[44]. Todavia convem
advertir que os animaes domesticos das estações da Peninsula denotam
não terem estas tamanha antiguidade como as da Dinamarca onde se não
têem encontrado. Os depositos de conchas partidas encontram-se tambem
na Escocia, na foz do rio Somme, em Cornwall e no Devonshire. Mas os
fragmentos de louça, achados n’estas ultimas estações, provam tambem
não serem tão antigas como os kiokkenmoddings, ou terem tido por
habitantes gente mais civilisada.

                         [Illustração: Fig. 8

                                Fig. 9

             MACHADINHA DE PEDRA DA ESTAÇÃO DE ARGECILLA.]

Se taes considerações não bastassem para referir com certeza a estação
de Argecilla á epoca da pedra polida, outros objectos ali encontrados
completariam a demonstração. A machadinha de pedra furada na base (fig.
8 e 9) não se póde classificar senão entre os objectos d’aquella epoca.
E brevemente veremos outras similhantes, achadas em Portugal em dolmens
ou em outras estações da pedra polida. O orificio poderia servir
para ligar a machadinha a uma haste com uma corda ou corrêa, ou para
suspendel-a ao peito, como amuleto ou como insignia. N’este ultimo caso
faria parte de algum collar.

Pertence tambem evidentemente á epoca neolithica a ponta de frecha,
(fig. 10). É notavel a sua fórma elegante e apurado lavor. A base
prolonga-se á maneira de pé, excavada de um e de outro lado a fim de
se ligar á haste com corda ou corrêa que se fixasse n’estes entalhos.
Outras similhantes se têem encontrado nas cidades lacustres da Suissa
e n’algumas estações de Portugal com fragmentos de louça e outros
objectos caracteristicos da epoca neolithica.

                        [Illustração: Fig. 10

                                Fig. 11

                                Fig. 12

                                Fig. 13

    PONTAS DE FRECHA DE SILEX DE ARGECILLA E DA FONTE DA RUPTURA.]

Taes são aquellas que em grande numero se conservam no museu da Escola
Polytechnica, descobertas na Fonte da Ruptura e na Pena em Setubal, na
Casa da Moura e na anta de Bellas (fig. 11, 12 e 13).

Wilde classifica as pontas de frecha em cinco grupos, segundo as suas
fórmas caracteristicas: 1.º _triangulares_, muitas das quaes têem um
entalho de cada lado da base para fixar a corda ou corrêa com que as
ligavam á haste; 2.º _bidentadas_, cujos bordos se prolongam para
além da base formando uma curva concava á maneira de ferradura; 3.º
_tridentadas_, com tres saliencias na base figurando um M gothico
(d’estas ultimas appareceu uma em Argecilla); 4.º com uma saliencia na
base para se introduzir na haste; 5.º com a fórma de folha, as quaes,
sendo muito alongadas, se chamam dardos. As fig. 11 e 13 são do 1.º
grupo; a fig. 10 do 4.º; e finalmente do 5.º a fig. 12.

As pontas de lança, maiores, e, geralmente mais bem acabadas, têem
tambem a fórma triangular. Na Commissão geologica ha uma, apparecida
n’um dolmen das circumvisinhanças de Niza, que é das maiores
conhecidas. Infelizmente falta-lhe a ponta. Se estivesse completa teria
de comprimento 0ᵐ,20. Outra menor foi encontrada na Sepultura de Martim
Affonso, perto de Muge.

                        [Illustração: Fig. 14

                                Fig. 15

               PONTAS DE LANÇA DE SILEX DE NIZA E MUGE.]

                        [Illustração: Fig. 16

                                Fig. 17

                   FACA DE SILEX DA COVA DA ESTRIA.]

Em Hespanha, na provincia de Castella a Velha, ha uns depositos
muito notaveis que, mais bem estudados do que até hoje o têem sido,
esclarecerão talvez com importantes factos a epoca das estações
de Argecilla e do Cabeço da Arruda. Esses depositos, constituidos
principalmente por ossos, e em tamanha quantidade que têem sido
exportados para França a fim de se lhes darem applicações industriaes,
encontram-se n’uma região de trinta a quarenta leguas quadradas
nos confins das provincias de Leão, Valhadolid e Palencia. Com os
ossos, affirma o sr. Vilanova, apparecem machados toscos e polidos,
ceramica grossa e fina, vidro irisado por decomposição, objectos de
ouro e outros metaes, esculpturas de osso, etc. Dos restos organicos
menciona os paus, mandibulas e ossos largos dos cervos; cabeças
d’estes mesmos animaes inteiras ou sem maxilla inferior; alguma aberta
intencionalmente na base pelo homem a fim de lhe extrahir a massa
encephalica, portanto em condições analogas ás d’aquellas que se tem
descoberto nas _palafittas_ ou cidades lacustres da Suissa. Alguns dos
paus de veado são lavrados ou polidos ou desgastados, bem como os das
mencionadas estações prehistoricas. Em fim o sr. Vilanova cita ainda
além dos objectos indicados, dentes de javali com riscas, entalhos
(contadores?) e varios ornatos; cabos de pau de veado, cilindros da
mesma materia com desenhos e furados n’uma das extremidades talvez para
servirem de ornato ou de amuleto; algum chifre do grande cervo, no qual
se teria aproveitado a natural disposição de uma das pontas para o
empregar como instrumento de lavoura, e mil outros objectos de osso

«Os ossos sem lavor apparecem pela maior parte quebrados, alguns
intencionalmente, outros com signaes de longo transporte. Em geral,
estes restos organicos encontram-se em jazigos de côr cinzenta,
misturados os naturaes com os lavrados, e em profundidade que não passa
de dois ou tres metros»[45].

Com uns objectos evidentemente prehistoricos acham-se tambem outros
de metal, vidro ou barro da epoca romana. As estações de Castella a
Velha são portanto importantissimas, e é muito para lamentar que até
hoje não tenham sido estudadas pelos archeologos hespanhoes. Ha grande
analogia entre os depositos de Castella a Velha e as _terramaras_ da
Italia. Teriam sido, como estas, habitações lacustres, comparaveis ás
_palafittas_ da Suissa?

As facas de silex, mais communs em Portugal, são lascas estreitas e
compridas, algum tanto recurvadas no sentido do comprimento. Têem
a face concava muito lisa, a convexa formada por tres superficies
inclinadas entre si em angulos muito obtusos. N’esta face vêem-se pois
quatro arestas longitudinaes, duas formadas pela união d’aquellas tres
superficies entre si, e outras duas, que são os bordos, pela união
de cada uma das superficies externas com a face concava. Os bordos
são acuminados e cortantes. N’uma das extremidades vê-se o bolbo de
percussão, ou a parte onde percutiram o nucleo ou matriz de silex para
fazer saltar a lasca inteira. Adiante do bolbo de percussão notam-se
algumas depressões que poderiam servir para fincar os dedos e segurar a
faca. Estes instrumentos poderiam ser applicados para fins differentes,
taes como destacar a carne dos ossos dos animaes, cortar as pelles,
etc. Todavia algumas ha tão delicadas e tão frageis que parece
teriam sido antes usadas como symbolos, opinião cuja probabilidade,
relativamente a outros objectos, adiante mostraremos.

No museu da Escola Polytechnica de Lisboa guardam-se muitas facas
d’este mesmo typo, apparecidas em differentes logares com outros
objectos de pedra polida[46].

Lubbock explica mui clara e satisfatoriamente o modo de fabricar
as facas e outros objectos de silex. Quem percutir com um martello
arredondado a superficie plana de um silex produzirá uma fractura
conoide, cujo tamanho dependerá em grande parte da forma do martello.
A superficie da fractura formará um cone com o vertice correspondente
ao ponto percutido. Supponhamos agora que não se percute a superficie
plana, porém o angulo de um silex prismatico, a fractura será em
principio semi-conoide, mas tornar-se-ha depois achatada, e poderá
continuar-se com essa fórma na extensão de mais de 0ᵐ,20. Obter-se-ha
assim uma lasca de silex, similhante á folha de uma faca, mas com
uma secção triangular. D’esta sorte, arrancados os quatros angulos
primitivos da massa prismatica de base quadrangular, poderão ainda
destacar-se do mesmo modo os oito angulos restantes e assim por diante.

                        [Illustração: Fig. 18

                                Fig. 19

                     PERCUTOR ACHADO NO ALEMTEJO.]

Para que do silex, por meio da fractura, se obtenham taes resultados,
importa que elle seja fresco, isto é, recentemente extrahido da
terra. Por isso os homens prehistoricos exploraram esta rocha em
grande escala, furando poços e abrindo galerias, alguns e algumas de
grandes dimensões. Os instrumentos de que se serviam eram uma especie
de picaretas feitas de ponta de veado. Em Portugal algumas se têem
encontrado de pedra.

No museu da Escola Polytechnica de Lisboa guardam-se muitas lascas
de silex, colhidas em varios sitios onde esta rocha foi explorada e
fabricada. Vieram da Matta de Otta, da Charneca de Sacavem, do Arieiro
de Telheiras, do Alto de Foz da Ponte, etc. Ignoram-se porém as
circumstancias especiaes d’esses logares, que muito conviria saber para
determinar a epoca e as circumstancias especiaes das varias officinas.

Têem apparecido n’algumas estações prehistoricas os instrumentos
empregados para polir ou para lascar o silex. São tambem de silex. Os
polidores têem cavidades de varias formas, onde pelo attrito se alisava
a superficie das armas de pedra. Os percutores eram afeiçoados de sorte
que se podessem apertar na chave da mão. Tinham tambem cavidades de
fórma concava para o artifice fincar n’ellas os dedos, e percutir assim
com mais força (fig. 18 e 19).

                        [Illustração: Fig. 20

        MACHADO DE FELDSPATH POLIDO, DA PROVINCIA DO ALEMTEJO.]

Das armas de pedra aquellas que mais numerosas apparecem tanto em
Portugal como em Hespanha e em toda a parte, são os machados. Não
foram encontrados, é verdade, nas explorações do Cabeço da Arruda e
das grutas de Cesareda; mas, em compensação, acham-se em todas as
provincias, onde, desde tempos immemoriaes os camponezes lhes chamam
pedras de raio, e os guardam com grande veneração pelas virtudes que
lhes attribuem.

Acham-se com frequencia nos dolmens. Na Memoria que ácerca d’estes
monumentos escreveu o sr. Pereira da Costa vem desenhados oito com
varias fórmas e dimensões[47]. São os typos mais communs em Portugal.
Variam tambem muito as pedras de que os machados são feitos. Predominam
o silex, o schisto, a amphibole, a diorite e o calcareo. Em Cantanhede
appareceram alguns de jade, rocha não existente em Portugal, nem no
resto da Europa, segundo dizem. No Alemtejo encontram-se os machados de
pedra em muito maior numero que nas outras provincias[48].

                        [Illustração: Fig. 21

                               Fig. 22.

                                Fig. 23

       INSTRUMENTOS DE PEDRA DA CAVERNA DE ALBUÑOL E DE MAFRA.]

No museu da Universidade de Coimbra conservam-se muitos machados de
pedra provavelmente de selvagens modernos. Ignora-se d’onde procederam
e a epoca em que foram depositados n’aquelle estabelecimento. Além
d’estes, ha um notavel, pela perfeição com que foi fabricado: appareceu
na Cegonheira, perto de Bordalo, nas circumvisinhanças e a oeste de
Coimbra.

São do mesmo typo os machados de diorite e de jade, descobertos em
Argecilla e os que appareceram na caverna de Albuñol, Andaluzia[49].
Aqui porém encontraram-se dois, um inteiro e outro partido, mui
differentes dos typos communs em Hespanha e Portugal. É possivel até
que não sejam machados, mas outros instrumentos de pedra, conforme a
opinião do sr. Gongora, que assim os denomina.

Alguns instrumentos se têem colligido em Portugal com a fórma curva,
quasi de crescente (fig. 23). Na Commissão geologica conservam-se
quatro d’estes instrumentos curvos de calcareo branco e molle, achados
um em Mont’Abrão, e os outros tres nas immediações de Mafra, e tambem
um fragmento egualmente de calcareo que parece de outro similhante
objecto, fragmento encontrado na Casa da Moura, uma das grutas de
Cesareda. Outro muito curvo, porém de diorite e de maiores dimensões,
apparecido em Thomar, pertence hoje ás collecções do museu da Escola
Polytechnica. É notavel esta fórma. Seriam picaretas?[50] Parece que os
de Mafra, por serem de calcareo sem dureza, e portanto improprios para
se empregarem como armas ou como instrumentos, teriam antes servido de
insignias. Muitas facas de silex são tambem tão delgadas que talvez
não tivessem outro fim. As que appareceram no concelho de Ancião
partiram-se logo na occasião em que foram encontradas, por effeito dos
choques que soffreram. O apparecerem algumas com objectos de bronze
persuade até certo ponto a opinião, segundo a qual alguns d’estes
objectos prehistoricos passariam de uma a outra idade, não com os usos
que em principio tiveram, porém como emblemas, como symbolos sagrados,
por trazerem á lembrança uma grande antiguidade ou os primordios da
especie humana.

Não ha motivos para suppôr alguns dos objectos de osso, encontrados em
Portugal nas estações prehistoricas, anteriores á epoca neolithica.
Na casa da Moura, uma das cavernas da Cesareda, appareceram varios
puncções, uma grande faca partida e um cabo de osso. A faca tem
n’uma das faces uma excavação á maneira de meia cana, que é parte do
canal medullar. O cabo não passa de um fragmento de um osso grande,
cuja fórma natural aproveitaram sem o afeiçoarem. A superficie está
desgastada pelo attrito da mão. Parece ter servido para encabar algum
machado ou outro instrumento de pedra, da mesma sorte que empregavam
para este mesmo fim as pontas de veado. E na Casa da Moura se encontrou
tambem um cabo d’esta ultima especie (fig. 24). Similhantes ao outro de
osso appareceram dois na Fonte da Ruptura em Setubal e um na Azambuja,
perto da Penha de França. Todos se conservam no museu da Escola
Polytechnica.

Na Fonte da Ruptura appareceram ossos transformados em puncções, algum
ou alguns dos quaes, pelo grande comprimento, parecem de ave ribeirinha.

                        [Illustração: Fig. 24.

                    CABO DE OSSO DA CASA DA MOURA.]

Estes instrumentos, designados pelo nome commum de _puncções_, (fig. 25
e 26) poderiam servir de pontas de frechas ou de dardos e para outros
fins differentes. Apparecem com frequencia nas estações prehistoricas
e todos os archeologos os conhecem. Pelo contrario deveria ter um fim
certo e determinado um instrumento tambem de osso, apparecido na Fonte
da Ruptura, em Setubal, e que não consta haver-se encontrado n’outras
partes. É um osso macisso de fórma cylindrica, adelgaçado em metade do
seu comprimento para se introduzir n’outro osso vasado, cuja capacidade
interior corresponde áquella parte menos grossa do cylindro macisso.

O sr. Pereira da Costa julga que este instrumento serviria para abrir
furos em pelles. Collocadas as pelles sobre o orificio superior do
cylindro vasado, facilmente se atravessariam pela parte mais delgada do
cylindro macisso. Sería este ou outro o uso de tão singular objecto?
Ninguem o saberá dizer hoje com certeza. Acharam-se na Fonte da Ruptura
dois d’estes furadores. Chame-se-lhes assim interinamente.

                        [Illustração: Fig. 25

                                Fig. 26

          PUNCÇÕES DE OSSO DE ALMERIA E DA FONTE DA RUPTURA.]

Na caverna de Albuñol na Andaluzia appareceram puncções de osso e
uma folha de faca ou canivete, furado na base, tambem de osso. No
Cabeço da Arruda em Portugal encontrára o sr. Pereira da Costa uma
faca similhante de osso, porém muito comida do tempo ou do uso que
tivera[51].

                        [Illustração: Fig. 27

                                Fig. 28

                   FURADOR (?) DA FONTE DA RUPTURA.]

                        [Illustração: Fig. 29

                       FACA DE OSSO DE ALBUÑOL.]

Na anta de Bellas appareceu um fragmento de cylindro de osso, vasado
por dentro, e por fóra muito lavrado. Sería parte de um copo, ou de um
ornato de algum objecto de fórma cylindrica?

                        [Illustração: Fig. 30

         FRAGMENTO DE OSSO SEMI-CYLINDRICO DA ANTA DE BELLAS.]

Outro fragmento similhante tambem de osso lavrado achou-se na Furninha
do Cão (Peniche?). Ambos se conservam no museu da Escola Polytechnica.
Têem apparecido em Portugal muitas placas de schisto negro, com
lavores similhantes aos do fragmento anterior n’uma das faces. São
furadas umas em um, outras em dois pontos, n’uma das extremidades.

No museu da Escola Polytechnica, além d’aquella que appareceu em Monte
Real (fig. 31), conservam-se mais duas de Vianna do Alemtejo, quatro de
uma anta de Pavia, e finalmente outra da anta de Bellas; na Commissão
geologica o fragmento de outra placa da Cova da Estria (fig. 32). Na
collecção de archeología do Instituto de Coimbra outra apparecida em
Ancião. Em fim na bibliotheca publica de Evora mais duas, n’uma das
quaes se vê o mesmo lavor da fig. 31, e n’outra apenas umas listas em
zig-zag, similhantes ás do fragmento de osso da anta de Bellas.

As placas de schisto riscadas parece terem sido usadas pelos
constructores das antas, por se encontrarem algumas d’ellas nas antas
de Bellas e de Pavia. Em Bellas, Ancião, Monte Real e Cova da Estria
encontraram-se juntamente facas de silex do typo das fig. 16 e 17, o
que tambem demonstra terem sido usadas tanto umas como outras na mesma
epoca e pelo mesmo povo.

                        [Illustração: Fig. 31

               PLACA DE SCHISTO DE MONTE-REAL, LEIRIA.]

                        [Illustração: Fig. 32

         FRAGMENTO DE UMA PLACA DE SCHISTO DA COVA DA ESTRIA.]

Estes objectos são desconhecidos dos archeologos. Não têem sido
desenhados, nem outros nenhuns similhantes, nos livros de archeologia
prehistorica; excepto na grande obra _Reliquiæ Aquitanicæ_, onde a pag.
186 vem um instrumento comparavel ás placas de schisto. É de basalto
e tem a fórma de um machado. N’uma das extremidades vê-se um orificio
e no bordo correspondente oito entalhos que formam uma especie de
serrilha. Appareceu na Pensylvania. Os auctores das _Reliquiæ_ entendem
que sería uma especie de machado que se ligaria a um cabo, passando o
cordão ou corrêa pelo orificio e fixando-se nos entalhos[52].

A placa de schisto (fig. 31) tem, além do orificio, um entalho no
bordo, e algumas têem mais de um orificio e de um entalho. Por analogia
concluiremos que as placas de schisto poderiam tambem ser uns como
machados que se ligassem por meio dos orificios e dos entalhos a cabos
de madeira. Mas a delicadeza d’estes objectos, e não estarem gastos do
attrito, faz crivel que serviriam apenas de amuletos ou insignias ou
emblemas ou objectos de culto na epoca dos dolmens, bem como as facas
de silex contemporaneas (fig. 16 e 17).

                        [Illustração: Fig. 33

          BACULO DE SCHISTO DA SEPULTURA DE MARTIM AFFONSO.]

Em fim convem notar que a machadinha de Argecilla (fig. 8 e 9), é
analoga ás placas de schisto e serviria talvez para o mesmo fim, bem
como outra de calcareo com a fórma de coração, achada na Cova da Estria
(fig. 34).

No museu da Escola Polytechnica ha uma especie de baculo (fig. 33),
tambem de schisto negro e com ornatos parecidos aos das placas (fig.
31). Appareceu na Sepultura de Martim Affonso juntamente com facas de
silex, como as da fig. 16 e 17, e com a ponta de lança (fig. 15.)
Sería talvez insignia de grau superior, pois não se sabe de outra
similhante[53].

Convém notar que na parte inferior ha um pequeno espaço liso,
por onde talvez se introduzisse n’algum cabo ou haste de pau. É
extremamente comparavel esta insignia áquellas que denominaram
bastões de commando, feitas de pau de rangifer, e muito communs
nas estações prehistoricas de outros paizes. Dir-se-hia que, não
habitando o rangifer na Peninsula, os homens se veriam aqui obrigados
a substituir aquella materia pelo schisto. Mas a coexistencia das
placas, baculos de schisto e dolmens está demonstrando ter sido o
uso d’estes objectos muito posterior á epoca do rangifer. Quanto aos
ornatos triangulares, foram muito communs na epoca da pedra polida.
A ornamentação com linhas curvas representa já um progresso da arte,
posterior ao emprego exclusivo da linha recta. Mas advirta-se que a
superficie dos triangulos, coberta de traços que se cruzam, formando
pequenos quadrados, não é nada commum na epoca neolithica, e póde
até considerar-se caracteristica dos objectos de schisto achados
em Portugal. Na Scandinavia, como se vê da obra de Nilsson, têem
apparecido enxadas de ponta de veado, com figuras de animaes (cervos?)
esboçadas, e junto d’estas figuras os triangulos cobertos de traços
cruzados como os das nossas placas e baculos. Os dolmens da Scandinavia
são tambem aquelles que mais se assimilham aos de Portugal. Adiante
veremos as conclusões que se hão de tirar d’estes factos importantes.

                        [Illustração: Fig. 34

              MACHADINHA DE CALCAREO DA COVA DA ESTRIA.]

Que as placas de schisto não serviriam de certo para os fins a que
se applicaram os machados de pedra claramente se prova com o achado
de um objecto similhante, mas de calcareo que a fig. 34 representa em
tamanho natural. Tem a fórma de um coração, com quanto os orificios e
os entalhos da base mostrem com certeza que deveria ligar-se a um cabo
ou haste de pau para representar o antigo e talvez já obsoleto machado
de pedra. A molleza do calcareo, provando que este objecto não poderia
servir para qualquer trabalho em que tivesse de se empregar um machado,
confirma a hypothese de que estas e outras reliquias prehistoricas
não seriam mais que emblemas ou insignias para as ceremonias do culto
ou para quaesquer outras, e que se enterrariam com aquelles a quem
tivessem pertencido. Assim temos já as facas de silex, as picaretas com
fórma de crescente, as machadinhas de schisto e de calcareo, a que é
applicavel a nossa hypothese, e que, sem ella, não teriam razão de ser,
nem outra explicação possivel.

                        [Illustração: Fig. 35

               FRAGMENTO DE CALCAREO DA COVA DA ESTRIA.]

Achou-se tambem na Cova da Estria um fragmento cylindroide do mesmo
calcareo esbranquiçado e sem dureza com duas riscas transversaes n’uma
das extremidades e tres riscas obliquas do lado da outra extremidade
(fig. 35). Impossivel parece apresentar no estado actual da prehistoria
uma opinião certa ácerca do fim para que tal objecto serviria na epoca
dos dolmens. Sería um contador ou uma insignia de graduação determinada?

Do mesmo calcareo é uma conta de collar, achada na anta de Bellas,
(fig. 36), e tambem duas bolas encontradas na Cova de Estria.
Acharam-se mais na anta de Bellas duas contas de schisto (fig. 37).
Outras similhantes a estas ultimas e da mesma materia appareceram na
Casa da Moura.

No dolmen de Vauréal, em França, descobriu-se um esqueleto de mulher
e junto d’elle as contas de um collar, umas feitas de osso, outras
de schisto e um amuleto com a fórma de machadinha que parecem ter
pertencido ao mesmo collar[54]. Se não fôra a grande similhança das
placas de schisto do typo da fig. 31 como o instrumento de basalto da
Pensylvania, poderiam antes considerar-se como amuletos ou insignias
de collares, bem como a peça cordiforme de calcareo (fig. 34); porém a
existencia dos entalhos tanto em uns como em outros, faz mais provavel
a opinião expendida.

                        [Illustração: Fig. 36

                     CONTA DE CALCAREO DE BELLAS.]

                        [Illustração: Fig. 37

                     CONTAS DE SCHISTO DE BELLAS.]

N’algumas das estações prehistoricas de Hespanha e de Portugal têem
apparecido juntamente com os objectos descriptos ou outros similhantes,
vasos de barro ou fragmentos de louça. Os mais imperfeitos são os vasos
hemisphericos da Casa da Moura, sem lavores nenhuns, com a superficie
aspera, feitos á mão, antes da invenção do torno, ou por quem não
tivesse este instrumento. Estão cheios de uma substancia amorpha
que parece haver-se solidificado dentro dos vasos. Seriam alimentos
depositados juntamente com os cadaveres? Acreditariam já os antigos
habitantes da Casa da Moura o dogma da resurreição?

No alto do Mont’Abrão, na Pena de Setubal e na Fonte da Ruptura
da mesma cidade appareceram fragmentos que denotam muito maior
adiantamento das artes da ceramica, não sómente pela qualidade do
barro, mas tambem pela regularidade dos ornatos. Alguns são cobertos de
um verniz vermelho (fig. 38, 39 e 40).

Outros similhantes fragmentos se conservam tambem nas collecções da
Commissão geologica e do museu da Escola Polytechnica, encontrados em
Santa Eulalia, perto de Monte-Mór-o-Velho, em Barcarena, etc.

A fig. 41 representa um fragmento da ceramica prehistorica da
Andaluzia, achado na caverna de Albuñol, e que parece contemporaneo
d’aquelles que ultimamente dissemos terem sido encontrados em varias
estações prehistoricas de Portugal.

Ha grande similhança entre taes fragmentos e os que se encontraram no
tumulo de West-Kennet no Wilt-shire. A fig. 39 é quasi uma copia do
desenho de um d’aquelles fragmentos estampados, descriptos e publicados
por Lubbock. Por onde se confirma que a estação da Pena de Setubal e
outras estações correlativas de Portugal e Hespanha foram com effeito
occupadas na epoca neolithica ou premetallica.

                        [Illustração: Fig. 38

                                Fig. 39

                                Fig. 40

     FRAGMENTOS DE LOUÇA DE MONT’ABRÃO, PENA E FONTE DA RUPTURA.]

                        [Illustração: Fig. 41

                  FRAGMENTO DE CERAMICA DE ALBUÑOL.]

Outros achados feitos na caverna de Albuñol da provincia da Andaluzia
dão-nos mais alguma idéa dos costumes e do estado social dos homens
que habitavam a Peninsula n’esses tempos remotos. A caverna, conhecida
pelo nome de _Cueva de los murcielagos_, tinha sido explorada em 1831
com o fim de extrahir d’ella o guano formado pelos excrementos dos
animaes que lhe deram o nome. Não se revolveu o solo n’esta primeira
exploração; portanto ficaram intactos os objectos que ali estavam
sepultados. Em 1857 constituiu-se uma companhia para explorar os
mineraes de chumbo que suppunham haver na caverna. Logo no principio
das excavações appareceram á entrada tres esqueletos, um dos quaes
cingido com diadema singelo de ouro puro (fig. 42).

Continuando a excavação pelo interior da caverna, acharam os mineiros
doze cadaveres, postos em semi-circulo á roda de um esqueleto de mulher
muito bem conservado, vestido com uma tunica de pelle, apertada com
corrêas, e adornado com um collar feito de anneis de esparto, de um dos
quaes pendia um dente de javali lavrado na ponta, e dos outros conchas
furadas.

                        [Illustração: Fig. 42

                DIADEMA DE OURO DA CAVERNA DE ALBUÑOL.]

O esqueleto a que pertencia o diadema de ouro tinha uma veste curta de
tecido fino de esparto, (fig. 43). Os vestidos dos outros eram tambem
de esparto, porém de tecido mais grosseiro, (fig. 44). Alguns tinham
gorros de tecido similhante (fig. 45), e calçado tambem de esparto, á
maneira de alpercatas. Cada um dos tres esqueletos tinha uma bolsa de
esparto, cujo tamanho variava entre seis e quinze pollegadas (fig. 46).

Em fim, na parte mais remota do interior da caverna acharam os mineiros
outros cincoenta esqueletos tambem vestidos e calçados de esparto.
Juntamente com as ossadas havia facas e machados de pedra, lanças
e frechas com pontas de silex pegadas a toscos paus com um cimento
fortissimo; vasos de barro, e colhéres de madeira trabalhadas á
pedra e ao fogo. O sr. D. Manuel de Gongora, annos depois, encontrou
ainda o diadema de ouro e outros objectos, que algumas pessoas
curiosas guardavam, e poude mandal-os desenhar e gravar para lhes dar
publicidade na sua interessante Memoria[55].

Serão porém authenthicos os objectos que dizem achados em Albuñol?
E, sendo-o, não se deverá antes attribuil-os a uma epoca muito
menos antiga, de sorte que podessem chegar aos nossos dias tão bem
conservados? Que o sr. Gongora viu os objectos é indubitavel. Responde
pela sua veracidade a Academia Real de Historia que deu o parecer
favoravel á impressão da Memoria. Que abusassem da boa fé do explorador
e da sua paixão pela archeologia não é crivel; uma falsificação
denunciar-se-hia logo por qualquer incompatibilidade entre os objectos
encontrados. Ora todos elles revelam claramente a epoca neolithica.
Entre tantos objectos achados não houve um só de bronze ou de ferro.
Appareceu, é verdade, o diadema de ouro, mas ha toda a razão para
suppôr que este metal sería fabricado anteriormente ao cobre, por
se apresentar no estado nativo e não exigir portanto a invenção de
processos especiaes de extracção. Demais andam conformes os auctores
antigos em descrever as areias dos rios da Peninsula como abundantes de
palhetas de ouro.

                        [Illustração: Fig. 43

                                Fig. 45

                                Fig. 44

              TECIDOS DE ESPARTO DA CAVERNA DE ALBUÑOL.]

Os tecidos de esparto não ha impossibilidade nenhuma em attribuil-os á
epoca neolithica, pois têem apparecido em estações lacustres da idade
da pedra, sobre tudo em Wangen e em Robenhausen, fragmentos similhantes
áquelles que se descobriram em Albuñol[56].

Mas como se conservariam os esqueletos, alguns com as carnes
mumificadas, os tecidos e as pelles, por tantos seculos? A falta
do ar e da humidade no subsolo da caverna, poderiam ter obstado á
putrefacção. Por outra parte concorreria igualmente para o mesmo
effeito o salitre que o sr. Gongora diz ter encontrado dentro da _Cueva
de los murcielagos_.

                        [Illustração: Fig. 46

               BOLSA DE ESPARTO DA CAVERNA DE ALBUÑOL.]

O uso das conchas e das prezas de javali, como ornatos, era muito
commum aos habitantes das cavernas e dos dolmens. No entulho superior
da Casa da Moura encontraram-se valvas de _Pectunculus_ com as faces
muito desgastadas, e furadas no umbão. Outras valvas d’aquella mesma
especie ou de _Pecten maximus_ não tinham signal nenhum de terem sido
furadas, como as outras, mas estavam similhantemente desgastadas[57].

O sr. Vilanova dá noticia de conchas dos generos _Pecten_,
_Pectunculus_, _Helix_, _Melanopsis_, _Cyclostoma_, _Cardium_,
_Bulimus_, _Conus_ e outras achadas nas cavernas de Parpalló na falda
occidental de Monduber; de Avellanera, na falda septemtrional de
Matamon, provincia de Valencia; da Roca em pequena distancia da cidade
de Orihuela; attribuindo os vestigios das duas primeiras cavernas
á epoca paleolithica e os da terceira á epoca mesolithica. Mas é
possivel que os vestigios d’estas cavernas, bem como os de Argecilla,
não tenham a antiguidade que se lhes attribuiu[58].

Na _Cueva de la mujer_, nas circumvisinhanças da Alhama de Granada,
achou o sr. Mac Pherson um bracelete muito notavel, feito de uma
concha (fig. 47)[59]. Pelos fragmentos de louça encontrados n’esta
caverna se prova serem os seus habitantes contemporaneos d’aquelles que
ficaram sepultados em Albuñol, e dos outros que frequentavam a Pena e
a Fonte da Ruptura em Setubal. Entretanto, não consta que se tenha até
hoje achado na Peninsula outro bracelete similhante. Em França n’uma
pedreira da estrada de Dijon a Auxonne appareceu em 1849 uma sepultura,
e d’entro n’ella, juntamente com os ossos, um bracelete como o da
_Cueva de la mujer_ e dois anneis feitos tambem de conchas bivalvas e
desgastadas no meio, ficando uma parte muito mais grossa que sería para
formar saliencia pela parte de fóra do dedo. Acharam-se mais no mesmo
logar outras conchas furadas que parece teriam sido de um collar.

                        [Illustração: Fig. 47

              BRACELETE DE CONCHA DA CUEVA DE LA MUJER.]

Ainda hoje os Neo-Caledonios usam braceletes de conchas, e rosarios
feitos com as ultimas spiras de conchas pequenas que furam com
paciencia e destreza, dignas de admiração. Nas costas da Africa certos
negros fazem collares de conchinhas brancas da especie denominada
_Volvaria monilis_[60].


NOTAS DE RODAPÉ:

[40] D. Juan Vilanova, _Lo préhistorico en España. Anales de la
sociedad española de Historia Natural_, tomo I, cuarderno 2.º pag. 201
a 204.

[41] F. A. Pereira da Costa, _Da existencia do homem em epocas remotas
no valle do Tejo_. Lisboa, 1865.

[42] Lubbock, _L’homme prehistorique_. Pariz 1876, pag. 77 e 624.

[43] Lubbock, Op. cit. pag. 221 a 227.

[44] Dupont, _L’homme pendant les ages de la pierre_. Pariz 1872, pag.
221.

[45] Vilanova, _Lo prehistorico en España_.

[46] Muitas das pontas de frecha do museu da Escola Polytechnica
provieram da Fonte da Ruptura e da Pena de Setubal, da Casa da
Moura (Cesareda), da anta de Bellas, dos montes de Verride, de
Barcarena, da Sepultura de Martim Affonso, de Monte-real (Leiria),
das circumvisinhanças de Extremoz. As lascas de silex, procedentes do
fabrico das facas, foram encontradas na Matta de Otta, na Charneca de
Sacavem, nos Arieiros de Telheiras (perto do Campo Grande), no alto da
Foz da Ponte (entre a Trafaria e o Cabo), nas Quintinhas de Sant’Anna
(junto de Cezimbra?), ao norte de Mindeis (acima de Collares), entre
Penedo e Bicas, em S. Francisco de Peniche.

[47] F. A. Pereira da Costa. _Dolmins ou antas de Portugal._ Lisboa
1868.

[48] Na collecção de archeologia do Instituto de Coimbra conservam-se
muitos exemplares, pela maior parte do Alemtejo; ali estão tambem os de
Cantanhede.

[49] Vilanova, _Lo prehistorico en España. Gongora, Antigüedades
prehistoricas da Andalucia._

[50] Ha poucos dias achou-se um d’estes instrumentos, similhante ao de
Thomar, pela fórma e tamanho, em S. Miguel de Machede, districto de
Evora, no Alemtejo. Apesar de mutilado na ponta, mede 0,ᵐ27 de comprido.

[51] Gongora, op. cit., Pereira da Costa, op. cit.

[52] _Reliquiæ Aquitanicæ_, pag. 186.

[53] Depois de escripto este capitulo, acharam-se outros dois baculos
em Portugal. Um muito similhante á fig. 31; outro com os ornatos em
relevo. Pertencem á Commissão geologica.

[54] Saint-Aymour. _Études sur quelques monuments mégalithiques de la
vallée de l’Oise._ Pariz 1875.

[55] D. Manuel de Gongora, _Antigüedades prehistoricas de Andalucia_.
Madrid 1868.

[56] Lubbock, _L’homme prehistorique_. Pariz 1876, pag 178.

[57] J. F. N. Delgado, _Noticia ácerca das grutas de Cesareda_. Lisboa
1867.

[58] _Lo prehistorico en España._

[59] _La Cueva de la mujer. Descripcion de una caverna conteniendo
restos prehistoricos, descobierta en las immediaciones de Alhama e
Granada._ Por G. M. Pherson, parte 2.ª, pag. 6, est. VIII, fig. 3.

[60] _Magasin Pittoresque_, 1868, pag. 44 a 46, onde se podem vêr as
estampas dos objectos achados em Dijon.




                              CAPITULO V

                              AS CAVERNAS

 _Os troglodytas.--As cavernas imitadas nas mais antigas das
 construcções.--Seu estudo recente.--Bocas das cavernas.--Vãos
 interiores.--Como se formariam?--Analogias das cavernas
 com os veios metallicos.--Causas capazes de formar as
 cavernas.--Depositos.--Cavernas ossiferas.--Procedencia
 das ossadas.--Ossos humanos e vestigios da industria
 primitiva.--Caverna de Cavillon.--Cavernas da Sierra Cebollera,
 Gibraltar, Parpalló, Alhama de Granada e Albuñol.--Cavernas da
 Cesareda.--Se a anthropophagia sería um costume geral dos homens
 prehistoricos?--Razões em contrario._


Pelos vestigios encontrados dentro nas cavernas, se prova terem sido
habitadas umas pelos homens e outras pelas feras. Algumas serviriam
tambem alternativamente aos homens e aos animaes, conforme a sorte dos
combates, em que todos se disputavam a posse, senão dos unicos, ao
menos dos melhores dos abrigos que a natureza lhes offerecia contra
as intemperies das estações e contra os ataques dos inimigos. Houve,
portanto, _troglodytas_ ou gentes que habitavam as concavidades da
terra e viviam á maneira dos irracionaes. Nem é muito que assim fosse
nos primordios da humanidade, quando ainda hoje alguns povos selvagens,
refractarios á lei do progresso, habitam similhantemente cavernas e
tocas de barro, feitas á similhança d’ellas.

Imitar a caverna parece ter sido a grande aspiração dos primeiros dos
constructores e dos architectos. Os dolmens, os tumulos, e até os
templos subterraneos do Egypto e da India recordam as lobregas moradas
dos homens primitivos, bem como os templos da Grecia fazem lembrar a
cabana scythica, habitação de uma epoca e de uma raça que esquecera os
antigos costumes dos avoengos prehistoricos.

Depois que, inventada a architectura, as cavernas deixaram de ser
habitadas, tornaram-se naturalmente objectos de terror, admiração ou
curiosidade. Assim em tempo de Æliano, os lugubres gemidos e vozes
lamentosas do bárathro de Plutão inspiravam aos indios de Aria o temor
de uma divindade cruel e malfazeja. Por toda a parte, as trevas, os
animaes, os sons e ruidos estranhos que enchem os vãos interiores das
cavernas punham medo áquelles que não ousavam mais que observar-lhes
a furto as bocas mysteriosas, ou perscrutar-lhes com olhos timidos as
reconditas profundezas. Só algum pastor mais destemido, ou viajante
mais curioso, chegavam a aventurar-se pelos secretos reconcavos com o
intento de medil-os, de examinal-os, de admirar o reflexo das luzes
nas gottas de agua pendentes das abobadas naturaes, ou na superficie
dos riachos ou cascatas; ou com o fim de contemplar a perspectiva
interessante e pittoresca das stalactites e stalagmites a simularem
penduroes, laçarias, arcadas, balaustradas, columnatas e outras
maravilhas de uma arte phantastica e caprichosa. Mas o estudo geologico
das cavernas data de ha poucos annos, e de ha menos ainda o exame das
ossadas e dos vestigios da industria primitiva que ellas contêem.

As bocas da maior parte das cavernas abrem-se nas vertentes dos valles
ou nos bordos das bacias naturaes. São quasi sempre as unicas partes
exteriormente visiveis; e, se n’alguns casos não têem nada notavel,
n’outros chegam a parecer portas de templos, com as suas voltas ou
archivoltas estribadas em rochas fendidas e esburacadas á maneira
de columnatas carcomidas pelos seculos. Outras consistem apenas em
estreitas fendas tapadas em parte por incrustações e entulho. Outras
dirigem-se vertical ou quasi verticalmente, como poços ou chaminés, da
superficie para o interior. Outras em fim estão obstruidas com paredes
ou com montões de pedras que difficultam a passagem. Muitas abriram-se
natural ou artificialmente em epocas modernas e posteriores ás da
formação das cavernas a que pertencem. Algumas e mais em particular as
d’aquellas que elle tem habitado, foram alteradas pela mão do homem.

Interiormente ha grande variedade nas cavernas. Umas consistem apenas
em cavidades unicas de fórmas regulares ou irregulares. Outras constam
de muitas cavidades ou salas que entre si communicam por meio de longas
e estreitas galerias. Ás vezes os tectos d’estes vãos interiores
são concavos, muito altos e similhantes ás abobadas dos zimborios.
Outras vezes abatem-se insensivelmente, chegam a tocar o chão e deixam
estreitas passagens, por onde mal pode penetrar um homem. Não é raro em
fim estarem as camaras interiores em niveis differentes, e communicarem
entre si por meio de galerias muito inclinadas ou quasi verticaes.

Encontram-se nos terrenos calcareos as mais vastas das cavernas.
Explica-se este facto pela estructura das rochas calcareas, pela
facilidade com que se desaggregam, e finalmente pelo modo porque se
fendem ou abrem ou affastam as suas longas bancadas.

Não houve ainda quem formulasse uma theoria racional e sufficientemente
explanada da formação das cavernas. Sabe-se apenas que trabalharam
em vão aquelles que pretenderam explicar por uma só causa esses
factos complexos, intimamente relacionados com outros grandes factos
geologicos. Primeiro que tudo convirá considerar as causas que elevaram
as montanhas e que, só por si, poderiam ter produzido algumas cavernas,
e deixar as camadas da crusta em condições favoraveis á producção de
muitas outras. Alguns geologos acreditaram a hypothese da existencia
de immensas cavidades no interior do globo, das quaes as cavernas
apenas seriam pequenos appendices superficiaes. Todos sabem que, para
explicar as fontes, importa necessariamente admittir a existencia de
grandes depositos subterraneos, onde se ajuntam as aguas das chuvas,
para depois correrem na superficie da terra, filtradas pelas camadas
superficiaes. Se taes depositos são vãos interiores, as mesmas causas
que os formaram, formariam tambem as cavernas; se pelo contrario estão
cheios de rochas porosas, não custa nada admittir que as cavernas
fossem ainda da mesma sorte produzidas, tendo sido posteriormente
esvasiadas das materias porosas que por ventura contivessem.

Os veios metallicos encheram, em varias epocas da vida do globo,
fendas ou rupturas preexistentes da sua crusta. As massas de minerio
ficaram portanto com a fórma desses espaços que preencheram. Ora a
observação tem mostrado grandes analogias entre a fórma e disposição
das cavernas e as dos veios metallicos. Em primeiro logar, na mesma
região constituem estes veios systemas determinados, correspondentes
a epocas diversas, e seguindo os veios de cada um a mesma direcção,
de modo que os differentes systemas se distinguem entre si pelas
direcções respectivas que ás vezes se cruzam umas com as outras.
Assim tambem n’uma região, abundante de cavernas naturaes, não será
difficil classifical-as em grupos varios, conforme as suas respectivas
direcções, cada um dos quaes deverá corresponder a uma epoca
determinada. A disposição das salas das cavernas multiloculares e dos
corredores que as ligam observa-se em ponto pequeno nos systemas dos
veios, cujas dilatações em varios niveis se ligam entre si por meio de
prolongamentos de muito menor diametro. Em ponto grande encontrar-se-ha
essa mesma disposição nas cordilheiras calcareas, nos valles e bacias
situadas em diversas alturas e nas gargantas ou passos estreitos, por
meio dos quaes se communicam entre si. Taes são os factos, até hoje
pouco estudados, que persuadem a possibilidade de subordinar á mesma
causa a elevação dos montes e collinas e a formação dos seus vãos
interiores ou das cavernas.

Além d’esta causa, algumas outras poderiam ou completar o seu effeito
acabando de formar as cavernas e alterando-lhes as formas, ou
produzil-as só por si sem qualquer trabalho ou disposição anterior.
Taes são: 1.º. Os terremotos, cujas oscillações produziriam talvez, nos
pontos em que ellas se entrecruzassem, os vãos ou dilatações maiores:
2.º As rupturas e depressões causadas pela retracção e deslocação dos
estratos calcareos, ou pelo desmoronamento d’aquelles que tivessem
ficado em vão: 3.º Os gazes e vapores acidos que poderiam dilatar os
espaços interiores ou corroer as materias que os enchessem: 4.º A agua
que arrastaria umas das substancias interiores e dissolveria outras,
esvaseando assim os logares occupados por essas substancias.

Interessa por extremo á paleontologia, tanto do homem como dos animaes,
o estudo dos depositos contidos nas cavernas. Muitos foram formados
pela agua que circula nas rochas permeaveis e nos vãos interiores da
crusta da terra, uns por precipitação de substancias dissolvidas,
outros por separação mechanica de materias suspensas n’aquelle liquido.
A agua que se infiltra pelas paredes das cavernas calcareas, dissolve
uma porção de carbonato de cal. O acido carbonico resultante da
decomposição dos restos organicos ou procedente da atmosphera favorece
esta dissolução transformando o protocarbonato mui pouco soluvel em
bicarbonato soluvel. A dissolução d’este sal, chegando ao ar livre,
perde um equivalente de acido carbonico, e o bicarbonato transforma-se
em protocarbonato que se precipita. Assim se formam as stalactites e as
stalagmites no tecto e no chão das cavernas, quando a agua carbonatada
gotteja das suas paredes. Quando porém corre em quantidades maiores e
arrasta comsigo areias, restos de plantas e outros materiaes, fórma
então aquellas massas leves e porosas que chamam _tufo_, em que o
protocarbonato de cal se incrusta sobre as partes solidas arrastadas.
Acha-se o tufo em grandes porções nas cavernas de Condeixa, tres leguas
ao SO de Coimbra.

Mas os depositos mechanicos são os mais interessantes pela maior
variedade de restos que contêem. Todos sabem que as aguas correntes
arrastam em suspensão materias solidas, e muitas especificamente mais
pesadas. Se qualquer causa diminuir ou destruir o movimento da agua,
as partes solidas depositar-se-hão, em geral, pela ordem das suas
densidades relativas. Isto posto, vê-se como os vãos das cavernas
deveriam favorecer similhantes depositos, retardando a velocidade das
correntes interiores ou das exteriores que dentro n’elles penetrassem.
Na maior parte dos depositos, assim formados, predomina a argilla
arenosa de côr avermelhada ou amarellada, sem grande consistencia, umas
vezes mais ou menos estratificada, outras vezes sem nenhuns signaes
de estratificação. Conforme o mechanismo do deposito e a natureza das
partes depositadas, assim as camadas são ou extremamente molles ou
tão endurecidas pelo calcareo que as impregna, que se não cortam sem
dificuldade. Ás vezes nas camadas depositadas acham-se incorporados
seixos, calhaus rolados, fragmentos de stalactites e pedras angulosas
pela maior parte provenientes das paredes das cavernas. Alguns porém
foram arrastados de fóra e de pequenas distancias pela agua corrente.
Consideram os geologos os depositos interiores das cavernas como a
continuação dos depositos exteriores superficiaes. Têem todos a mesma
natureza e textura e até muitas vezes a mesma côr avermelhada.

Muitas cavernas tornam-se notaveis pela quantidade de ossos que
encerram. Por isso lhes chamam commumente cavernas ossiferas ou
cavernas de ossadas. Estes ossarios têem ás vezes grande espessura.
Na caverna de Banwel, no condado de Sommersetshire, em Inglaterra, a
sala maior de quinze metros de altura, estava cheia até ao tecto com
um deposito de ossos. A regra geral é apparecer a camada molle dos
ossos por baixo da camada dura calcarea ou stalagmitica. Algumas vezes
acham-se invertidas, e outras vezes alternam camadas de uma com as de
outra especie. Para explicar esta alternação importa considerar não
sómente as causas já indicadas da formação dos depositos calcareos,
mas tambem aquellas que operaram os depositos dos ossos. Primeiro que
tudo convirá notar uma circumstancia importante, um facto capital,
que em toda a explicação se ha de ter em vista. E vem a ser a grande
variedade de animaes, cujos ossos se encontram juntos nas mesmas
cavernas.

«As cavernas de Muggendorf e de Gailenreuth, diz Burgmeister, formadas
na dolomia do terreno jurassico bavaro, são particularmente celebres.
Da ultima têem extrahido ossadas pelo menos de mil individuos, dos
quaes oitocentos pertencentes á especie do grande urso (_Ursus
spelœus_), sessenta a uma outra especie do mesmo genero (_Ursus
arctoideus_) e dez ainda a uma outra especie (_Ursus priscus_). As
cento e cincoenta restantes são de lobos, hyenas, leões e texugos.
As cavernas de Sundwig em Iserlohn continham restos de especies
similhantes, sendo mais numerosos os do _Ursus spelœus_. A caverna de
Kirkdale, na região oriental do condado d’York, contém pelo contrario,
sobre tudo, ossos de hyenas com outros ossos roidos de cavallos, bois,
veados, trazidos pelas hyenas. Ahi foi que Buckland fez as suas bellas
investigações sobre o genero da vida primitiva d’estes animaes, e notou
as camadas de excrementos juntos das paredes polidas pelas hyenas.
Achou-se em Argou, departamento dos Pyreneus, uma caverna com animaes
herbivoros, a qual de resto se ha de considerar como uma raridade.
Occupa um schisto liasico, e continha principalmente ossos de cavallos,
bois, veados e rhinocerontes»[61].

Os ossos das cavernas podem ter sido de animaes mortos ou dentro ou
fóra d’ellas. Se ainda hoje são habitadas pelos morcegos, corujas e
outras aves nocturnas e por grande variedade de animaes carniceiros,
que muito que em epocas remotas egualmente o fossem, e que esses
animaes de tantas classes e de tantas especies lá ficassem sepultados?
Morreriam uns de morte natural deixando os seus restos incorporados
no solo das cavernas. Outros seriam arrastados, como presas, pelos
carnivoros para dentro d’ellas. Em fim, por occasião das inundações,
era natural que animaes de especies differentes, e até inimigos, se
recolhessem ás cavernas, pois quando é grande o perigo e commum, todos
os instinctos cedem ao da propria conservação. Em tal caso, elevando-se
o nivel da agua e tapando a boca da caverna e enchendo o seu interior,
todos os animaes ali accumulados morreriam por asphyxia.

Todavia em muitas cavernas encontram-se os ossos maiores dos grandes
mammaes, como os dos membros anteriores e posteriores, com os angulos
arredondados e com as arestas comidas do attrito, e os ossos pequenos
reduzidos a fragmentos disformes e boleados. Alterações taes provam que
os ossos foram arrastados pela agua juntamente com os calhaus e por
estes friccionados. Por outra parte, a natureza das rochas accumuladas
com os ossos, differentes d’aquellas que constituem as paredes das
cavernas, demonstra haverem-se formado as camadas ossiferas á custa dos
terrenos exteriores. Finalmente não apparecerem esqueletos inteiros
em taes depositos é ainda outro motivo para crer que, na maior parte
das cavernas, os ossos procedentes de animaes, mortos fóra e não dentro
d’ellas, seriam arrastados, por occasião das inundações, pela agua com
os materiaes constituintes dos terrenos onde jaziam sepultados.

Por entre as ossadas de muitas cavernas têem apparecido ossos humanos e
vestigios da industria primitiva, e, como algumas d’aquellas pertenciam
a especies extinctas ou emigradas, ao mammouth, ao rangifer, ao
urso, allega-se geralmente este facto entre as provas da antiguidade
remota da especie humana. Porém na opinião de alguns tal prova é
insufficiente, porque, dizem, se os vestigios do homem foram sepultados
dentro das cavernas, muito bem o poderiam ser depois de lá existirem
ossadas de animaes que tivessem vivido muitos milhares de annos antes.
Se pelo contrario taes vestigios foram arrastados de fóra com as
ossadas antidiluvianas, é claro que poderiam egualmente uns e outros
ter idades mui differentes, e até fazer parte de terrenos mui diversos.

Estas objecções levaram os exploradores a pôr todo o cuidado nas
explorações, de modo que os resultados obtidos não ficassem sujeitos a
contradictas. Assim as relações de posição dos instrumentos de silex
com os ossos dos depositos, o encontrarem-se no mesmo plano ou em
planos inferiores, os entalhos feitos nos ossos, o modo por que foram
quebrados para se lhes extrahir a medulla e finalmente os desenhos do
mammouth ou do rangifer em objectos de osso, de chifre ou nas proprias
presas dos animaes, como se encontraram em cavernas da Dordonha, tudo
foi minuciosamente estudado e tudo mostrou haverem sido contemporaneos
o homem e os grandes mammaes desapparecidos.

Uma das cavernas que mais concorreram para esclarecer a questão foi
a de Cavillon, explorada pelo sr. Rivière entre aquellas que se
descobriram na occasião de se construir o caminho de ferro de Genova a
Menton e a Nice. No dia 26 de março de 1872 achou o explorador os ossos
do pé de um esqueleto humano. O esqueleto estava de tal sorte adherente
aos materiaes que o envolviam, que só, depois de oito dias de trabalho,
se poude destacar d’elles. Estendido no decubito lateral esquerdo e com
a maxilla inferior appoiada nas phalangetas da mão esquerda, jazia na
attitude de um homem a quem morte subita e sem agonia surprehendesse
durante o somno. Em roda do esqueleto acharam-se instrumentos de silex
lascados, taes como pontas de frecha, pontas de lança e raspadeiras; um
pedaço de puncção de osso, conchas de varios generos e dentes furados
que tinham servido de ornatos; dentes do urso grande (_ursus spelœus_),
do gato grande (_felis spelœus_), do _rhinoceros tichorhinus_ e da
_hyena spelæa_, especies caracteristicas da epoca do mammouth.

Apesar da sua remota antiguidade e do seu prognathismo, o craneo de
Menton, pelo angulo facial, pela proeminencia de _vertex_, pelo grande
volume da parte posterior, etc., assimilha-se aos craneos da mais
perfeita das raças actuaes. Comtudo para contrapôr a este facto que
tenderia a provar a invariabilidade do typo humano durante largos
periodos de tempo, ha os craneos de Neanderthal, de Forbes’Quarry, de
Brux, de Eguisheim e as maxillas encontradas na caverna de La Naulette
e n’outros logares. Estes vestigios, de epocas mais remotas, demonstram
a diversidade anatomica dos homens a quem pertenceram, em relação ao
typo humano da actualidade.

Nos paizes, onde mais se cultivam os estudos prehistoricos, têem-se
explorado as cavernas para colher os numerosos e importantes vestigios
que ellas contêem do homem primitivo. Na Peninsula muitas estão já
exploradas, mais em Hespanha que em Portugal, mas ha ainda muitissimas
para explorar. Falta sobre tudo comparar os resultados obtidos e
aquelles que por ventura se possam obter, para lançar alguma luz por
entre as trevas espessas que involvem ainda hoje os tempos anteriores á
historia.

Em 1865 Luiz Lartet explorou as cavernas do terreno jurassico da
Sierra Cebollera, no termo de Torrecilla de Cameros, Nieva de Cameros
e Ortigosa, nas mais notaveis das quaes, na superior e na inferior
da Peña de Miel e na Lobrega, encontrou machados, facas, raspadores,
ceramica e alguns utensilios de osso, pertencentes á epoca neolithica
ou da pedra polida. As cavernas exploradas attribuia-as Lartet a tres
diversas idades: 1.ª do rhinoceronte, mas de uma especie differente
do _R. tichorhinus_ que parece não ter atravessado nem os Alpes nem
os Pyreneus. 2.ª Do boi primitivo, e unicamente d’elle, porque na
Peninsula não apparecem vestigios do rangifer nem da maior parte dos
mammiferos que nas cavernas da França lhe andam associados. 3.ª Das
especies domesticas. Das cavernas da primeira idade suppoz o explorador
que não seriam habitadas pelo homem na epoca do rhinoceronte. Nas
da segunda idade achou instrumentos de osso e de pedra lascada,
similhantes áquelles que em França caracterisam a epoca mesolithica, e
nas da terceira idade depararam-se-lhe mais numerosos os silex polidos,
os instrumentos de osso mais perfeitos, a ceramica, etc.[62]

O Capitão Brome explorou muitas cavernas do monte Calpe na bahia de
Gibraltar. Pela situação geographica d’estas cavernas, os fosseis
e os productos da industria humana aqui encontrados têem grande
importancia para o estudo das origens ethnicas e das emigrações dos
povos primitivos. Conheceu-o o governo inglez, e incumbiu os srs. Busk
e Falconer de estudarem tão curiosos vestigios prehistoricos. N’uma
d’aquellas cavernas, que chamam _Genista_, acharam estes naturalistas
restos fosseis da _hyena crocuta_, especie africana ainda existente,
do leopardo, lynce, gato do Cabo, cervo de Barbaria e de uma especie
de ibex. Porém, como os instrumentos encontrados pertencem á epoca
neolithica, é possivel que o homem habitasse as cavernas de Gibraltar
posteriormente áquelles animaes. O celebre craneo da Pedreira de
Forbes, similhante ao de Néanderthal, é que póde ser anterior á epoca
da pedra polida e, portanto, contemporaneo de uma fauna differente da
actual[63].

O sr. Vilanova explorou na provincia de Valencia as cavernas de
Parpalló, na falda occidental de Monduber, no termo da cidade de
Gandia; de Cova Negra entre as aguas de Bellus e a cidade de Jativa na
margem esquerda do rio Albaida; de San Nicolás, no termo da Olleria; de
Avellanera, no termo de Catadau, na falda septemtrional de Matamon; e
finalmente das Maravillas, no termo de Gandia. Encontrou o explorador
grande variedade de ossos, dentes, conchas, paus de veado, facas e
pontas de frecha de silex, ceramica, etc. Estas cavernas attribuiu-as o
sr. Vilanova á epoca paleolithica. Basta porém a presença da ceramica e
dos animaes domesticos para se conhecer que seriam habitadas na epoca
neolithica. O sr. Tubino tambem affirma que, sómente pelos fragmentos
de silex, se não podem classificar as cavernas de Valencia na epoca
paleolithica[64].

O sr. Mac-Pherson explorou a Cueva de la Mujer, situada n’um cerro
chamado Mesa del Baño, junto do estabelecimento thermal de Alhama de
Granada, a cincoenta metros sobre o rio Marchan. Em duas memorias,
illustradas com muitas estampas, deu o explorador curiosa noticia dos
vestigios descobertos em duas explorações successivas, uma no deposito
superior, outra no deposito inferior d’esta caverna. Os vestigios
foram fragmentos de ceramica, alguns tintos de encarnado com almagre;
facas e lascas de silex; ossos furados para servirem de amuletos ou
adornos, furadores ou puncções de osso; fragmentos de conchas; craneos
humanos, ossos e dentes de varios animaes, alguns abertos no sentido
longitudinal, talvez para lhes extrahirem a medulla; carvão e cinza; um
bracelete feito de uma concha (fig. 47), etc.[65]

Nota-se grande similhança entre estes vestigios, os das cavernas de
Gibraltar e de Albuñol na Andaluzia, e os das estações prehistoricas
da epoca da pedra polida em Portugal, taes como a Fonte da Ruptura e a
Pena de Setubal, a Cova da Estria, etc. No museu da Escola Polytechnica
ou na Commissão geologica, talvez em ambas as partes, se conservam
tambem fragmentos de louça tintos com almagre. Da exploração da caverna
de Albuñol pelo sr. Gongora já demos noticia n’um dos capitulos
anteriores[66].

Em Portugal têem-se emprehendido menos explorações que em Hespanha.
Comtudo as do sr. Delgado nas cavernas de Cesareda, pelo cuidado com
que foram feitas, pela minuciosidade e exactidão das noticias que
publicou, serão em todo o tempo dos mais importantes subsidios para o
estudo d’esta parte da prehistoria peninsular.

A Cesareda é um planalto de calcareo, situado ao norte da linha
divisoria d’aguas do Tejo, a seis kilometros da costa do mar, e além
do sopé septemtrional da serra de Monte-Junto. A Casa da Moura, a Lapa
furada e a Cova da Moura foram as tres cavernas exploradas na Cesareda,
e descriptas em 1867 pelo sr. Delgado. A primeira é de todas tres a
mais importante, não sómente pelas suas dimensões, mas tambem pelo
numero e variedade de restos humanos e de animaes que se descobriram.
Consta interiormente a caverna de duas salas irregulares com abobadas
em alturas differentes; a da sala de fóra mas baixa e inclinada, a da
outra sala, muito alta e similhante a um zimborio. Dá entrada para
a caverna um poço vertical rectangular, com uns quatro metros de
profundidade, e tres na sua maior largura.

Verificou-se haver na sala de fóra dois depositos de idades differentes
sobrepostos. No superior abundavam os ossos humanos e os utensilios
e instrumentos de pedra polida, de osso, de ponta de veado e de
barro. Pelo contrario no deposito inferior appareceram apenas alguns
silex lascados, o fragmento de um puncção de osso e um craneo humano
mesocephalo. Entre os objectos achados no entulho superior da sala
exterior da Casa da Moura é muito para notar-se o fragmento de um
osso longo, provavelmente um humero humano, cheio de terra amassada
com vertebras pequenas e ossiculos que pareceram de morcego. Na sala
interior appareceu tambem outro fragmento de osso humano longo,
similhantemente cheio de terra amassada com ossos de morcego[67].

O sr. Delgado admitte, como cousa provavel, que os habitantes da Casa
da Moura fossem anthropophagos. A sua opinião tem por fundamento os
factos seguintes: 1.º Serem muito mais numerosos os ossos longos
que os chatos ou curtos. 2.º Acharem-se alguns partidos no sentido
longitudinal. 3.º Faltarem á maior parte as extremidades articulares.
4.º Terem pertencido a maior parte das maxillas a individuos novos, e
algumas a crianças de tenra idade. 5.º Parecerem alguns excavados por
dentro. 6.º Não ter apparecido senão um craneo inteiro, porém muitos
partidos em fragmentos pequenos[68].

Esta questão da anthropophagia dos habitantes das cavernas, durante
os tempos prehistoricos, tem sido muito debatida. É obvia a sua
importancia. A existencia de tal costume importaria necessariamente
a idéa de degradação e inferioridade moral. Spring é quem mais
tem querido persuadir que os homens prehistoricos, teriam sido
anthropophagos, estribando-se n’alguns dos factos observados na Casa
da Moura, já antecedentemente conhecidos de outras cavernas.

Na opinião de alguns auctores as provas adduzidas para qualificar de
anthropophagos os habitantes das cavernas são insufficientes. Os ossos
podem partir-se sómente pela acção do peso da terra que os cobre. A
fractura operada em taes circumstancias é transversal. Porém sob a
influencia da atmosphera, segundo affirma Dupont, é possivel tomarem
os fragmentos a fórma de lascas alongadas, similhantes áquellas que
resultariam da fractura intencionalmente feita pela mão do homem. Os
esquimaus contemporaneos partem ainda hoje os ossos compridos com os
calhaus rolados. Por muitas vezes os percutem nas extremidades para
fazer saltar fóra as epiphyses. Depois fendem o corpo do osso com
o mesmo calhau. Em certas cavernas têem apparecido ossos partidos
por esta fórma, nos quaes se observam os vestigios das percussões
que padeceram. Porém nos ossos humanos ainda se não apontaram taes
vestigios. É possivel que estes ossos, apparecidos em tantas cavernas
e mencionados como provas de anthropophagia, não sejam senão restos
de corpos ali enterrados. Acharem-se tão divididos em fragmentos é
um facto que se explica ou pelo peso da terra e pela acção do ar, ou
por terem entrado as féras dentro das cavernas para revolver a terra
e partir os ossos. As cavernas que o homem hoje explora o têem sido
já antecedentemente pelas raposas e texugos. A raposa, dizem, chega a
exhumar as ossadas, por mais antigas que sejam, para as roer no tempo
da neve ou em quanto nutre os filhos; isto é quando a fome a obriga a
supprir a falta de alimentos com substancias em que a materia organica
deve ter quasi inteiramente desapparecido. Esta causa sería pois
sufficiente para explicar a falta das extremidades articulares nos
ossos longos, e o desgastamento do canal medullar, observados pelo sr.
Delgado[69].

Razões ponderosas obstam a que se considere a anthropophagia costume
geral dos habitantes das cavernas. Excepto em condições excepcionaes,
como sob o imperio da fome ou de instinctos depravados ou corrompidos,
nenhum animal se alimenta com as carnes de qualquer cadaver de um
individuo da sua mesma especie. Esta repugnancia deriva provavelmente
da lei geral da conservação especifica, segundo a qual, os individuos
da mesma especie não podem destruir-se uns aos outros. Os selvagens
anthropophagos são excepções. D’alguns se sabe entre os quaes se tem
conservado este costume, somente pela razão de não terem carne de
animaes para se alimentarem. Em certas ilhas do Pacifico cessou a
anthropophagia logo que os navios europeus as forneceram de gados que
antecedentemente não tinham[70].

Dos sentimentos de horror, de medo, de nojo que entre as mais
antigas das nações civilisadas inspiravam os cadaveres, a ponto de
se julgar impuro o individuo que tivesse tocado algum, concluiremos
a incompatibilidade da anthropophagia com as condições sociaes de
qualquer povo, entrado na via do progresso e capaz de se elevar pelo
desenvolvimento das faculdades intellectuaes e moraes, a um grau
superior de civilisação e cultura.

Alguns dos craneos inteiros ou mutilados, descobertos em Hespanha
na Cueva de la Mujer da Alhama de Granada, e em Portugal no Cabeço
da Arruda e nas cavernas de Cesareda pareceu ao sr. Quatrefages
reproduzirem alguns dos mais proeminentes dos caracteres do celebre
craneo de Forbes’Quarry em Gibraltar, e poderem attribuir-se ao
cruzamento de individuos d’aquella mesma raça com os de outra raça
differente. Taes foram as razões que induziram o sr. Tubino a referir
ao mesmo periodo da epoca neolithica as estações prehistoricas de
Alhama, de Cesareda e do Cabeço da Arruda[71].


NOTAS DE RODAPÉ:

[61] Burgmeister, _Histoire de la création_. Pariz 1870, pag. 591 e 592.

[62] Vilanova, _Prehistorico español--Epoca neolithica--Museo español
de antigüedades_, tomo 1.

[63] Tubino, _Los monumentos megaliticos de Andalucia, Extremadura y
Portugal, Museo español de antigüedades_, tomo VII, 1876.

[64] Vilanova, Mem. cit. do _Museo español de antigüedades_ e dos
_Anales de la sociedade de historia natural_.

[65] G. Mac-Pherson, _La Cueva de la Mujer_. 1.ª e 2.ª parte.

[66] Vej. cap. IV, pag. 57.

[67] Delgado, _Noticia ácerca das grutas de Cesareda_. Lisboa 1867.

Animaes das cavernas de Cesareda:

  _Erinaceus_
  _Canis lupus_
  _Felis_
  _Arvicola_
  _Lepus_
  _Cervus_
  _Vespertilio_
  _Canis vulpes_
  _Myoxus_
  _Mus_
  _Equus_
  _Ovis_.


[68] Ibidem.

[69] Dupont, _L’homme pendant les âges de la pierre_. Pariz 1872.

[70] M.ᵐᵉ Clemence Royer, _Les rites funéraires aux époques
préhistoriques_. Pariz 1876.

[71] _Crania ethnica._ Tubino, _Loc. cit._ Vid. o cap. III d’este
livro a pag. 27.




                              CAPITULO VI

                             OS MEGALITHOS

 _Os megalithos.--Especies varias.--Menhires.--Fins para que
 serviriam.--Alguns symbolisavam a Divindade.--Alinhamentos
 e cromlechs.--Pedras balouçantes.--Algumas serviriam de
 altares.--Dolmens.--Differenças entre os de Portugal, Andaluzia
 e Galiza.--Distribuição geographica d’estes monumentos na
 Peninsula.--Tumulos.--Differem essencialmente dos dolmens.--Serviram
 de sepulturas.--Lei da distribuição geographica dos tumulos.--Cueva
 de Mengal.--Cueva de la Pastora.--Lei da antinomia dos monumentos
 megalithicos e cyclopeos.--Tumulos da provincia de Alava.--Castros da
 Galiza e de Traz-os-Montes.--Cava de Viriato em Vizeu._


As antas ou dolmens, bem como outros monumentos, rudemente fabricados
de grandes pedras, eram ainda ha pouco tempo attribuidos aos celtas.
Chamavam-lhes _altares ou monumentos druidicos_, por julgarem que
teriam servido para as ceremonias do culto, usadas por aquelles povos,
cujos sacerdotes n’algumas partes se denominavam _druidas_. Tal era a
opinião dos archeologos do seculo passado e da primeira metade d’este
seculo, seguida pelo nosso Martinho de Mendonça de Pina, da Academia da
Historia, na dissertação que escreveu do assumpto[72].

Porém modernamente demonstrou-se por uma parte haver taes monumentos
em paizes aonde os celtas não chegaram, e por outra parte que,
pertencendo estes já aos tempos historicos, aquelles, pelo contrario,
estavam envolvidos nas trevas da prehistoria, não se sabendo ao certo
quem, quando e para que os construira. A fim portanto de prevenir
qualquer opinião anticipada e por ventura erronea, convencionaram os
archeologos dar-lhes o nome de _Megalithos ou Monumentos megalithicos_,
o que significa apenas serem feitos de grandes pedras, verdade a todos
manifesta[73].

Dos megalithos ha varias especies, taes como o _menhir_, o _cromlech_,
o _dolmen_, o _tumulo_ a _galeria_ e a _pedra balouçante_[74].

O _menhir_ é o monolitho alongado, vertical, pousado no chão ou
enterrado em pequena ou grande profundidade. O da communa de
Plouharzel, um dos mais altos da Bretanha, tem doze metros. Mais de
vinte e dois metros de altura tinha outro que parecia presidir aos
numerosos megalithos da peninsula de Locmariaker. Jaz actualmente
por terra, partido em quatro. De todos os conhecidos, os das regiões
centraes da Asia são os unicos comparaveis aos da Bretanha na altura.

Em Hespanha, na provincia de Galiza, no municipio de Esgos, ao norte
da egreja parochial, eleva-se á altura de onze metros um menhir
formado de quatro pedras sobrepostas. Na mesma provincia ha outras
pedras alongadas, verticaes, porém de menor altura, que o sr. Sivelo
classifica tambem entre os menhires. Tal é o do municipio de Lobios, na
Serra de Gerez, o qual tem seis metros de altura[75].

O sr. D. Manoel de Assas julga serem menhires certas pedras que lhe
consta existirem na provincia de Navarra. Na Andaluzia, entre Baena e
Bujalance, provincia de Jaen, ha o celebrado _Menhir de las Virgenes_,
do qual os camponezes cantam:

    Jilica jilando
    puso aqui este tango
    y Menga Mengal
    lo volvió á quitar[76].

Em Portugal consta haver duas alas de pedra e um menhir proximo, no
caminho de Cepães a Fafe, no districto de Braga[77]. Em Castello de
Paiva ha outro muito notavel. Compõe-se de seis marcos ou pilares, de
tres pedras cada um, sobrepostas, tendo as ultimas pedras de cima a sua
_extremidade oblonga_. Os pilares eram sete, mas o setimo jaz cahido
por terra[78]. Este monumento, bem como o primeiro que mencionámos da
Galiza, parece não ter sido levantado em epocas muito remotas.

Quem, e com que fim erigiria os menhires em tantos logares da
superficie da terra habitada? A nenhuma d’estas perguntas responde a
archeologia. «Ao menhir, diz Rougemont, podiam aquelles que o erigiam
fazer significar tudo o que bem lhes approuvesse. Ora, na maior parte
dos casos, é mui difficil, para não dizer impossivel, descobrir os
motivos determinantes da erecção de taes monumentos. Quando porém
se podér rastejar a verdade será sómente pelos testimunhos da
historia, pelo exame attento da fórma dos menhires, ás vezes assaz
complicada; pelo modo por que estiverem situados nos valles, ou nas
montanhas, ou nos tumulos; pelas relações em que estiverem com outros
monumentos circumvisinhos; e finalmente pelos rudimentos de esculpturas
ou de inscripções, que por ventura contenham, traçados por mão
inexperta»[79]. Resta accrescentar o exame dos objectos que estiverem
sepultados junto ou por baixo de taes monumentos, e que pareçam
contemporaneos. Assim é que as ossadas humanas e restos de carvão,
achados ao pé de alguns menhires em França e na Grã-Bretanha, fazem
suspeitar d’essas pedras que seriam monumentos funerarios; outros, como
os de Tredion (Morbihan) e de Loudun (Vienne, Poitou), parece terem
antes servido de idolos por terminarem á maneira de cabeça, posto que
disforme.

Levantar uma pedra para commemorar um facto importante, é costume
que a historia nos prova existir em differentes povos, e que póde
até nascer espontaneamente, em qualquer estado social, em gentes
que não tenham communicado entre si. O menhir é a fórma primitiva
da columna monumental com inscripção e baixo relevo. Ora se estes
monumentos apparecem no seu estado perfeito em povos mui differentes
e incommunicaveis, que muito que na sua fórma primordial nascessem
espontaneamente n’um estado social inferior? Da mesma sorte as pedras
brutescas antecederam os cippos com ornatos e inscripções; e dos rudes
vasos d’argilla, feitos á mão e seccados ao sol, por varios povos
primitivos, derivaram por differentes modos, obras notaveis da ceramica
na China, no Egypto ou na Etruria.

Ha porém certas particularidades dos usos e costumes que parece antes
haverem sido transmittidas de um a outros povos, do que apparecidas
espontaneamente em diversos logares habitados da superficie da terra.
Tal é, por exemplo, commemorar o numero de inimigos mortos por um
guerreiro, collocando outras tantas pedras de roda do seu tumulo,
como faziam iberos e tartaros orientaes. É possivel que o principio
d’este costume esteja na origem commum da civilisação dos dois povos,
posto que de raças differentes, ou então n’um povo asiatico que por
suas emigrações influisse egualmente nos turcos orientaes e nos iberos
transmittindo tanto a uns como a outros as suas ceremonias funerarias.

Muitos dos menhires, erguidos com um fim diverso e mais elevado, qual
era o de symbolisarem a Divindade, tornaram-se objectos de adoração.
Prova-nos a historia que os phenicios, os arabes, os egypcios, os
assyrios, os gregos primitivos e outros povos representavam por meio
dos obeliscos ou pilares de pedra os principaes dos seus deuses; entre
alguns, como foram os scandinavos, a mesma palavra significava _idolo_
e _pedra_[80]. Ainda, depois de convertidos á religião christã, certos
povos continuaram a adorar os seus antigos menhires, vendo-se obrigados
os ministros do culto a mandar esculpir cruzes n’esses monumentos para
fazer cessar, transformando-a em adoração religiosa, uma idolatria que
o habito perpetuava de geração em geração. Presentemente continuam
os camponezes a ungir com azeite e a ornar de flores os pilares dos
famosos alinhamentos de Carnac, bem como as pedras balouçantes. Os
recem-casados vão ainda hoje no districto de Brest esfregar o estomago
pelo menhir de Kerloaz, que tem onze metros de alto, para impetrar de
algum deus obsoleto o dom da fecundidade[81].

Têem alguns confundido os menhires com as _petras fictas_. Estas,
como se prova com documentos antigos, serviam apenas para demarcar as
terras. A palavra _Fito_, só por si, significava _Marco levantado_[82].

Os menhires dispostos n’uma linha unica ou em muitas linhas parallelas
fórmam os alinhamentos. É dos mais notaveis e conhecidos o de Carnac
na Bretanha, feito de onze series de pedras não afeiçoadas, mui
differentes em tamanho e altura, a maior das quaes se eleva vinte e
dois pés acima do terreno circumjacente. As outras em proporção d’esta
são muito menores. As avenidas, hoje mutiladas, parece terem tido
outr’ora muitas milhas de comprido.

Quando os menhires fórmam um circulo ou uma oval ou outra curva, a
esse grupo megalithico chama-se _cromlech_. Entre os alinhamentos e os
cromlechs não ha differença essencial. A alguns, como ao de Carnac,
se dará um ou outro d’aquelles nomes, conforme o sentido em que se
considerarem as pedras. Do centro para a circumferencia cada serie é
uma linha recta. Em roda do centro, formando curvas concentricas, as
series são circulares. Assim no primeiro caso chamar-se-ha ao grupo
um alinhamento, e no segundo caso um cromlech. Com effeito ao grupo
megalithico de Carnac dão uns o primeiro, outros o segundo d’estes dois
nomes.

O _loghan_ ou _pedra balouçante_ é o menos commum e o mais enigmatico
dos megalithos. Como o seu nome o está dizendo, consiste n’uma pedra
enorme, posta em taes condições de equilibrio, que, por effeito de
qualquer impulso, se move e oscilla. Ou tem por base outra ou outras
pedras, ou o proprio solo onde se appoia. É muito notavel a _Piedra
grande_ de Boariza na provincia de Santander em Hespanha (fig. 48).

A uns cem passos ao noroeste da _Piedra grande_ está a _Piedra chica_,
outra pedra balouçante, mas de menores dimensões. O sr. D. Manuel de
Assas dá noticia de outra a oeste da villa de Luque, provincia de
Cordova, e de mais duas nas ilhas de Bayona de Galiza[83].

                        [Illustração: Fig. 48

       PEDRA BALOUÇANTE DE BOARIZA, NA PROVINCIA DE SANTANDER.]

Na provincia de Santander ha outra pedra balouçante que inexactamente
tem passado por dolmen.

                        [Illustração: Fig. 49

         PEDRA BALOUÇANTE DE ABRA NA PROVINCIA DE SANTANDER.]

Eis aqui a descripção que de tão notavel megalitho nos dá o sr. Amador
de los Rios:

«Sobre este campo se ergue uma grande rocha granitica
perpendicularmente cortada na altura de cinco a vinte pés, em toda
a circumferencia, e rodeada de outras menores, desordenadamente
amontoadas em estranhas situações, bem como as muitas que cobrem o
terreno. Não assim a grande, que é quasi plana na face superior,
formando já de per si um dolmen natural de uns trinta pés de diametro.
Na extremidade meridional d’esta especie de mesa e dirigindo-se á parte
de nordeste, se ergueu a segunda pedra com a fórma de um grande cubo
ou silhar posto de esquina sobre quatro ou cinco pedras applicadas a
um e outro lado, porém de modo que a superior, n’ellas suspensa, não
toca immediatamente nenhum dos pontos da grande mesa inferior. Isto
demonstra ali palpavelmente a mão do homem; e tanto que, estando uma
das pedras que sustêem a superior na posição diagonal, para adaptar-se
ao lado da mesma, acha-se pela sua parte appoiada por outra pedrinha
que não tem mais de oito pollegadas de comprido e tres de grossura;
isto não obstante não se póde arrancar do seu logar, por mais que por
ella se puxe, e ninguem até o ousaria tentar com medo de se desaprumar
o todo. A pedra superior tem vinte e dois pés de largura, dez de altura
e vinte e cinco de circumferencia, cingida perpendicularmente pelo
meio. Basta indicar taes dimensões para se conhecer que o seu peso
deverá ser de milhares de arrobas.

«Pela mesa inferior póde-se andar commodamente, rodeando a de cima,
excepto pela extremidade meridional em que estão ambas na mesma linha
perpendicular. Junto a esta extremidade e da parte de sueste, as pedras
pequenas que sustêem a superior, encaixadas á maneira de cunhas,
servem de degraus para subir á mesma pedra, que, segundo já indicámos,
fórma um espinhaço bastante agudo, posto não haver impossibilidade de
qualquer se suster nos dois lados. Desde o meio do espinhaço corre por
elle da parte de nordeste com alguma inclinação para o lado de sueste,
uma fenda ou rego, chegando quasi até á ponta do pedregulho: e como por
esta parte está bastante adelgaçado pela extremidade inferior, segue-se
que uma ou mais pessoas poderiam collocar-se por debaixo d’elle, para
receber o baptismo de sangue, se com effeito era esse e não outro o fim
do sulco»[84].

Similhante á de Abra ha em França uma pedra balouçante, de fórma
oblonga e equilibrada pelas suas duas extremidades ao mesmo tempo sobre
dois pilares que servem de eixos. A pedra balouçante do cemiterio de
Perros Guyrech, que pesa um milhão de libras, e mede quarenta pés de
comprimento e vinte de largura, tem na sua superficie uma bacia com
desaguadoiro, e parece ser o altar, onde se faziam os sacrificios pelos
mortos, cujos tumulos a cercavam[85].

Estes factos bastarão para auctorisar a analogia entre a pedra
balouçante de Abra e a de Perros Guyrech, e tambem para mostrar que as
pedras que, por suas estranhas posições, prenderam a attenção do sr.
Amador de los Rios, serão da mesma sorte os cippos funerarios de um
cemiterio prehistorico.

Segundo uma informação do sr. Pereira Caldas, proximamente de certo
sitio do monte da Polvoreira, sobranceiro á estrada de Guimarães a
Vizella, onde se encontram duas galerias formadas de pedras verticaes,
que o povo chama _Furnas_, está uma pedra oscillante a que se liga uma
tradição popular de mouras encantadas[86].

                        [Illustração: Fig. 50]

                        [Illustração: Fig. 51

                   DOLMEN DA LAIRINHA, NO ALEMTEJO.]

Não passa de mera hypothese quanto se tem dito para definir as
applicações das pedras balouçantes. Symbolos da divindade, emblemas do
mundo suspenso no espaço, emblemas do livre arbitrio, meios de conhecer
a culpabilidade dos accusados, tudo isto se julgou poderem ter sido
estes singulares megalithos. Se é licito suppôr dos de Perros Guyrech e
de Abra que seriam altares, onde se fizessem sacrificios pelos mortos
enterrados á roda, nos outros faltam inteiramente os indicios que
n’aquelles dois se têem encontrado.

O dolmen, formado por uma grande pedra achatada, posta horisontal ou
obliquamente sobre outras pedras verticaes ou quasi verticaes, é o mais
commum dos megalithos em Portugal. O sr. Pereira da Costa, depois de
ter descripto trinta e nove na sua Memoria, impressa em 1868, chegou a
colligir desenhos talvez de mais de cem que mandou lithographar para
uma segunda Memoria, a qual infelizmente não chegou a entrar no prelo.
Onde se encontram em maior numero é na provincia do Alemtejo, tambem a
mais abundante de machados e outros instrumentos de pedra polida e de
                                bronze.

                        [Illustração: Fig. 52]

                        [Illustração: Fig. 53

                      DOLMEN DE VALLE DE MOURA.]

O typo da anta da Lairinha é o da maior parte das de Portugal, com
quanto se não reconheça facilmente n’algumas já meio derruidas. Entre
aquellas que estão mais bem conservadas citaremos a do Outeiro das
Vinhas, perto do Dejebe, sete kilometros a oriente de Evora, no
Alemtejo; a do Crato na mesma provincia; e finalmente a de Ancora
na provincia do Minho[87]. As modificações deste typo fundamental
são pequenas. Tal é por exemplo na anta de Valle de Moura a grande
espessura da mesa que lhe dá a apparencia de um cogumello.

Quem tiver a curiosidade de comparar os mais communs dos dolmens de
Portugal com os da Andaluzia, achará que estes ultimos constam de
pedras menos irregulares, maiores e mais aprumadas. Além d’isto os
primeiros são, pela maior parte, circulares ou ovaes, os segundos
quadrangulares e lageados com grandes pedras. É por tanto provavel que
os dolmens da Andaluzia, menos imperfeitos que os de Portugal, sejam
tambem menos antigos. Isto mesmo se prova pelos objectos de cobre que
se encontram n’uns e faltam nos outros.

Na Galiza ha dolmens com as pedras inclinadas de fóra para dentro,
como o da Lairinha, e trilithos, cujos esteios verticaes constam
de duas pedras sotopostas, á maneira do menhir de Rocas[88]. Esta
particularidade denota uma epoca menos antiga, em que se empregariam
já cinzeis de metal. Os trilithos da Galiza têem sua similhança com os
dolmens de Constantina em Argelia, nos quaes se encontram sepultados
objectos de bronze e de ferro[89].

Nos dolmens da Andaluzia entrava-se por estreitas passagens, feitas de
grandes pedras. Em alguns de Portugal subsistem ainda pedras, restos de
similhantes passagens ou galerias de entrada. Eram á parte do oriente
nos dolmens da Tisnada e do Pinheiro, a treze e dezeseis kilometros,
pouco mais ou menos da cidade de Evora. Ambos foram erigidos sobre
monticulos artificiaes. Não resta porém um só indicio de que fossem
primitivamente cobertos de terra[90].

A Hespanha, proporcionalmente, não é tão rica de dolmens, como
Portugal. Todavia sabe-se de muitos, sobre tudo na Andaluzia e na
Extremadura, onde lhes chamam _garitas_. Já mencionámos os da Galiza;
e é provavel que egualmente se encontrem nas terras litoraes do
norte, onde existem outros megalithos. Nas provincias orientaes não
são conhecidos. Lamentamos que se não tenham descripto e estampado os
dolmens das provincias hespanholas, das quaes sómente se conhecem pelo
livro de Gongora, uma parte dos da Andaluzia. Em Portugal, graças aos
trabalhos de Mendonça de Pina e de Pereira da Costa, podemos fazer
alguma idêa do numero, estructura e distribuição geographica d’estes
monumentos.

O sr. Gongora mencionou treze dolmens, entre os quaes se contam os de
Hoyon e de Ascensias, n’uma região comprehendida entre Illora e Alcalá
la Real, na distancia de mais de tres kilometros[91]. É muito notavel
pelo grande comprimento, inclinação e fórma brutesca, a mesa do dolmen
de Ascensias. O dolmen que chamam _Piedra de los sacrificios_, no
termo municipal da Ronda, na provincia da Andaluzia, tem tambem a mesa
inclinada, porém não tanto, como o de Ascensias[92].

N’alguns dos dolmens, cujas mesas são obliquas, é possivel que a
obliquidade resultasse de se terem desviado ou abatido as pedras de um
dos lados. N’outros porém parece que de proposito se teria inclinado a
mesa; e não falta quem interprete esta particularidade de construcção,
dizendo que ou sería em signal de reverencia á Divindade, ou para
indicar a direcção da alma para o ceu, que assim apontariam ao alto a
pedra superior. Mas será licito applicar á construcção dos monumentos
prehistoricos uma regra observada na edificação das cathedraes da edade
media?

                        [Illustração: Fig. 54

                          DOLMEN DEL HOYON.]

A lei geral da distribuição dos dolmens pela Europa, convem a saber
o abundarem nas regiões litoraes e faltarem nas terras interiores,
applica-se tambem aos da Peninsula. Com effeito encontram-se numerosos
na Galiza e em Portugal, e aqui no Alemtejo mais que em qualquer outra
parte; continuam depois pelo Algarve e pela Andaluzia; e com quanto não
tenham sido mencionados nas provincias litoraes do golfo de Biscaia,
é provavel que lá existam por se conhecerem por esses sitios outros
monumentos megalithicos. Na região menos distante dos Pyreneus ha nas
provincias vascongadas os tumulos com dolmens interiores de Alava e de
Eguilaz, e suppõe-se existirem outros nas proximidades de Salvaterra,
em Arizala e Ocáriz. De Santander já conhecemos as pedras balouçantes
de Abra e de Boariza.

Os dolmens cingem, como extensa faxa, a Peninsula pelo norte, occidente
e meio-dia. Faltam, porém, nas provincias orientaes, apesar de banhadas
pelas aguas do Mediterraneo. Pelo menos até hoje não se têem mencionado
nas provincias de Murcia, Valencia e Catalunha. Pelo contrario n’estas
regiões encontram-se vestigios da architectura denominada cyclopea,
que escassêam muito, se não faltam inteiramente, onde os dolmens
predominam. Adiante, por mais de uma vez nos occuparemos d’este ponto
interessante da antinomia dos dolmens e das construcções cyclopeas, e
portanto da incompatibilidade das civilisações correspondentes.

                        [Illustração: Fig. 55

                         DOLMEN DE ASCENSIAS.]

Todos os monumentos de que temos tractado erguem-se livres e
descobertos na superficie da terra. Ha dolmens cobertos de terra
formando collinas ou monticulos artificiaes. Os archeologos chamam-lhes
tumulos (_tumuli_). Em Portugal têem o nome vulgar de _mamunhas_; de
_mamôas_, _madorras_ ou _modorras_ na Galiza[93].

De Caumont e outros suppozeram que todos os dolmens seriam em principio
cobertos de terra, ou verdadeiros tumulos, e que, pelo decurso do
tempo, cahiria a terra a uma e outra parte, deixando descarnado o
esqueleto megalithico. Esta hypothese teria a vantagem de reduzir a uma
só especie tanto os dolmens como os tumulos, cuja similhança está não
somente na construcção, mas tambem nos objectos que dentro de todos se
têem encontrado. Foi, porém, abandonada, por estar em discordancia com
os factos observados. Com effeito em muitos dos dolmens descobertos
têem apparecido numerosos objectos de mais ou menos valor. Ora, quem
lhes tivesse tirado a terra que os cobria de certo não deixaria dentro
d’elles taes objectos. Em muitos logares acham-se promiscuamente os
dolmens e os tumulos: tambem não é crivel que desenterrassem uns e
deixassem outros debaixo da terra. Finalmente alguns dolmens, como
os da Tisnada e do Pinheiro, perto de Evora, foram construidos sobre
monticulos artificiaes, o que ninguem de certo faria, se houvesse de
cobril-os de terra.

                        [Illustração: Fig. 56

                VISTA INTERIOR DO TUMULO DE ANTEQUERA.]

Já vimos que a maior parte dos archeologos acreditam que os dolmens
serviriam de sepulturas. Com relação aos tumulos, é mais geral ainda
esta crença, fundada no descobrimento que se tem feito de ossos humanos
em grande numero d’estes megalithos. Os auctores hespanhoes que em
varias epocas têem escripto das mamôas concordam em consideral-as como
sepulturas[94]. O nome de _modorra_, somno, por que são conhecidas,
derivaria provavelmente d’essa mesma opinião.

Nem todas as mamunhas são verdadeiros tumulos na accepção archeologica
d’esta palavra. Falta em muitas o dolmen interior. Não são mais que
montões de terra ou de pedras. Estas mesmas têem sido geralmente
consideradas como sepulturas; e escriptores ha que affirmam terem-se
encontrado urnas cinerarias dentro n’ellas[95].

Na Galiza são frequentissimas as mamunhas e raros os dolmens. Da
Andaluzia, pelo contrario, conhecem-se muitos dolmens e não se
mencionam mamunhas. Similhantemente em Portugal são innumeros os
dolmens no Alemtejo, onde não apparecem as mamunhas, que se encontram
nas provincias do norte. Tambem da mesma sorte nas regiões meridionaes
da Europa abundam os dolmens, e nas septemtrionaes os tumulos. É
possivel que as condições do clima tenham influido na distribuição de
uns e de outros monumentos; que o frio obrigasse a revestir os dolmens
com uma espessa camada de terra nos paizes septemtrionaes; e o calor
favorecesse a sua conservação ao ar livre nas regiões meridionaes.

                        [Illustração: Fig. 57

                VISTA EXTERIOR DO TUMULO DE ANTEQUERA.]

Na Europa os paizes mais abundantes de tumulos são a Suecia, a
Dinamarca, Bretanha, Suissa, Inglaterra, Escocia e Irlanda. Na
Peninsula ha tambem alguns, dos quaes o mais notavel é o de Antequera
na provincia de Malaga (fig. 56).

Chamam-lhe _Cueva de Mengal_. Ha grande analogia entre esta palavra
_mengal_ e a palavra _gal-gal_ com que os bretões designam os
monumentos congeneres da Bretanha. Em linguagem celtica, dizem, a
palavra _men_ significa pedra, e _gal_ significa tambem pedra. Outros
suppoem que _mengal_ se ha de antes derivar de _men-lac’h_, equivalente
a pedras sagradas[96].

Do tumulo de Antequera dá o sr. D. Manuel de Assas a seguinte
descripção, seguindo a Memoria de D. Rafael Mitjana y Ardison, á qual
se reporta:

                        [Illustração: Fig. 58

                VISTA LATERAL DO TUMULO DE ANTEQUERA.]

                        [Illustração: Fig. 59

                    PLANTA DO TUMULO DE ANTEQUERA.]

«O monumento de Antequera é um monticulo artificial de terra carreada,
da qual já as aguas levaram grande parte, e contém um dolmen
complicado, com uma só entrada, que a fig. 57 representa, e corresponde
á parte do oriente. Tem interiormente o comprimento de oitenta e seis
e meio pés hespanhoes, e vinte e dois de largura na parte onde é mais
largo. A sua elevação actual é de dez a dez e meio pés. Consta de
trinta e uma pedras, lavradas (_labradas_) pela face interior e em
bruto pela parte opposta, as quaes fórmam as paredes de tres pés de
espessura. O fundo ou topo do dolmen é uma só pedra da mesma grossura.
Estão enterradas tres ou quatro pés, servindo-lhes a terra de cimento.
Cobrem todo o espaço cinco pedras colossaes, apoiadas sobre aquellas
que fórmam as paredes lateraes, e tambem em tres grandes pilares, de
uma só peça cada um, e lavrados nas quatro faces, erguidos na linha
media do vão interior, e dando cada um assento a duas das pedras do
tecto. Estes pilares estão enterrados mais de tres pés, e a sua altura
total até ao tecto será de quatorze ou quinze pés, com tres de grossura
e quatro de largura. Ha mais duas grandes pedras que formam a entrada,
e estão descobertas, ignorando-se se sempre assim terão estado. Vêem-se
por fim separados a um lado da entrada tres grandes pedaços de pedra
que seriam talvez parte d’aquella que falta no dolmen. Os pedregulhos
que fazem de paredes estão lavrados a picão grosseiramente pela face,
em bruto por detraz, recortados pelos cantos e mettidos na terra de
tres a quatro pés.

«As cinco pedras de mesa têem as seguintes dimensões, contando da
entrada:

  Pedras       Largura        Comprimento        Grossura
  -------------------------------------------------------
  1.ª            16                18                4
  2.ª            14¹⁄₂             21                4
  3.ª            12¹⁄₂             26                4
  4.ª            16                27                4¹⁄₂
  5.ª            23                27                4¹⁄₂

«Todos estes numeros se referem ao pé hespanhol. A 3.ª pedra está
fendida, como se vê na planta. As tres primeiras pedras do tecto estão
actualmente descobertas. A qualidade da pedra é de calcareo terciario,
porém de grãos mui pequenos, como areia grossa. É mui tenaz e avaliando
o pé cubico em quatro arrobas castelhanas, imaginem os leitores como
poderiam os homens, sem os apparelhos hoje conhecidos, mover, manejar
e collocar tamanhas moles. A pedreira d’onde extrahiram as pedras é o
sitio e cerro do Calvario, distante do tumulo mais de mil varas.

«Na collocação das pedras lateraes observa-se que, por detraz das
junturas, entre pedra a pedra, está posta com arte uma porção de pedras
pequenas formando parede, a fim de que não entre por essas junturas
terra ou agua. Os tres pilares, postos para ajudar a suster as pedras
do tecto, estão relaxados, por terem cahido parte dos seus calços, e
poderiam tirar-se sem perigo nenhum de ruina para o monumento, porque
não se apoia nada sobre elles. Fez-se uma excavação no centro da cova
por baixo da grande pedra, onde se esperava encontrar ossadas, urnas ou
outros objectos, na profundidade de vinte a vinte seis pés, porém nada
se descobriu. O mesmo aconteceu n’uma galeria que se fez no fundo e que
dá para outro montão de terra existente detraz da cova»[97].

Ha outro monumento congenere na mesma provincia da Andaluzia, a algumas
leguas de Antequera, para a parte de oeste, além de Sevilha, a alguma
distancia da margem direita do Guadalquivir. Chamam-lhe _Cueva de la
Pastora_. Visitou-a, poucos annos depois de ser por acaso descoberta,
D. F. M. Tubino que a descreveu pela fórma seguinte:

«A cova da Pastora é uma galeria artificial com vinte e sete metros de
comprimento na parte que até hoje se tem descoberto. A sua largura é de
um metro, mal medido, e a maxima altura não passa de dois. Não se desce
ao interior sem algum trabalho, pois a entrada está na profundidade
de um metro, ao qual se ha de accrescentar a altura da galeria. Esta
dirige-se de oriente a occidente, e n’esta ultima direcção deverá ter
a entrada. Caminhando pelo subterraneo para oriente, pois da parte
opposta se conserva obstruido, chega-se a uma primeira porta ou marco
situado a onze metros da abertura. Consta a galeria de dois muros de
sustentamento, feitos de pedregulhos sobrepostos, sem especie nenhuma
de cimento ou argamassa que os una. O pavimento está coberto de terra,
porém cavando até tres ou quatro pollegadas de fundo apparece a pedra,
de que realmente é formado. Sobre os muros assentam pedras enormes
de natureza granitica ou arenosa, sem vestigios de lavor artificial,
com angulos irregulares nas junturas, por onde a habilidade suppriu a
arte, pois se fez com que as depressões de uma pedra correspondessem ás
saliencias de outra.

«Passada a primeira porta, formada por tres lages de trinta a trinta e
dois centimetros de espessura, duas collocadas vertical e a terceira
horisontalmente, sobresahindo tanto aos planos normaes da galeria que
simulam bastidores ou umbraes, segue-se um espaço de dezeseis metros,
que termina n’uma segunda porta, similhante á primeira. Transposta esta
passagem, entra-se n’uma camara semi-circular, cujo pavimento fica
inferior ao da galeria, e cujas dimensões verticaes tambem são maiores.
O diametro d’esta especie de rotunda é de dois metros e sessenta
centimetros; a altura não andará longe de tres metros. Observam-se
nos muros duas zonas; a inferior de fabrica similhante á da galeria;
a superior tem grandes pedras collocadas no sentido ou do seu eixo
horisontal, ou do seu eixo vertical, as quaes vão avançando para o
centro do circulo até formar um rebordo ou moldura (repisa) contínua,
sobre a qual descança outra grande pedra que por si só cobre toda a
circumferencia. O pavimento está da mesma sorte coberto por outra pedra
assaz espessa»[98].

Perto da entrada artificial da galeria acharam-se, debaixo de uma
pedra grande, trinta frechas de bronze. Este facto e as condições
architectonicas do monumento que o afastam por extremo dos rudes e
grosseiros dolmens, faz crer que teria sido construido já na epoca do
bronze. Á mesma epoca deverá pertencer o tumulo de Antequera, no qual
o lavrado das faces interiores das pedras que o fórma está egualmente
indicando uma epoca menos antiga que a dos dolmens.

O sr. Tubino acha grande similhança entre as plantas, as fórmas e
outras particularidades da cova da Pastora e do monumento sepulchral
de Mane Nelud de Locmariaker. E por isso julgou que tanto a galeria de
Castilleja de Guzman como o megalitho de Antequera seriam monumentos
sepulchraes. N’aquelle não se tem até hoje encontrado objectos nenhuns
além das mencionadas frechas de bronze[99].

Serão galerias da mesma especie que a de Castilleja as Furnas do Monte
da Polvoreira? A pedra balouçante proxima indicará talvez que estes
monumentos pertencerão aos menos antigos dos megalithos da Peninsula.
O mesmo diremos das alas de pedra (galerias?) com o menhir proximo no
caminho de Cepães a Fafe. Todos estes monumentos jazem no districto de
Braga, e distarão alguns cinco kilometros uns dos outros[100]. Porém
não foram ainda estudados.

Na galeria de Castileja observam-se alguns caracteres notaveis que
parece denotarem a fusão da architectura cyclopea com a dolmenica n’uma
região da Peninsula, onde viriam a encontrar-se as duas civilisações
que ellas representavam. A galeria não é feita unicamente de pedras
disformes, umas postas verticalmente, outras horisontalmente sobre as
primeiras, como em todos os monumentos congeneres da Europa. Antes de
chegar á camara semi-circular passa-se por duas portas, cujos umbraes
sobresahem ás paredes interiores da galeria. Nas paredes da camara
vêem-se os dois apparelhos dolmenico e cyclopeo, e, o que até hoje
não nos consta que tenha sido observado em monumentos d’esta especie,
começaram a formar uma abobada sobre os muros, a qual acabaram de
fechar com uma grande lage. Aqui sobre tudo se nos patentêa a fusão dos
dois estylos, n’esta abobada cyclopea fechada á maneira dos dolmens.

Os vestigios da architectura cyclopea até hoje notados em Hespanha vem
a ser a parte inferior das antigas muralhas de Tarragona, o _Castillo
de Ibros_ no districto judicial de Baeza, os Corralejos na Andaluzia.
Os talayots e mapalias ou magalias das ilhas Baleares acabam de mostrar
o desenvolvimento da architectura cyclopea nas regiões orientaes da
Hespanha, isto é, onde não apparecem dolmens. Finalmente na Andaluzia,
onde as duas architecturas chegam a encontrar-se, misturam-se, como
em tempos posteriores, por algumas partes das mesmas regiões se
fundem, apesar de antinomicos, os estylos arabe e christão, formando o
denominado estylo mudejar.

O tumulo de Eguilaz na provincia vascongada de Alava tem muito menores
dimensões que o de Antequera (fig. 60, 61 e 62). Contam-se dentro treze
pés em comprido e dez em largura. A pedra que cobre o tumulo é uma só
peça com dezenove pés de comprido e quinze de largo. A entrada para o
tumulo da parte do oriente principia a vinte pés, pouco mais ou menos,
por um caminho coberto, de quatro pés de largura e quatro de altura.

Quando se descobriu este recinto estava cheio de ossadas por entre as
quaes se encontraram algumas armas, taes como lanças, umas de pedra
outras de cobre. Havia tambem corações pequenos com orificios na
parte mais larga, todos de pedra durissima, e alguns dentados á roda
á maneira de serra. Os esqueletos jaziam deitados com a cabeça para o
oriente e os pés ao poente. Tal era tambem a orientação do tumulo[101].

O tumulo de Eguilaz foi descoberto em 1832. Na mesma provincia
appareceu outro sobre o rio Zadorra, a uma legua de Victoria, quando
reconstruiam o moinho de Escalmendi. Dizem haver outros similhantes
monumentos em pequena distancia de Salvatierra, em Arizala e Ocáriz.
Ha tambem na provincia de Alava, debaixo da ermida de S. Miguel de
Arrechinaga, tres pedras grandes encostadas umas ás outras, formando
uma como pyramide. D. José Amador de los Rios e outros consideram estas
tres pedras como um megalitho, talvez a parte de um dolmen, outros
porém julgam que taes pedras appareceram assim naturalmente, e seriam
aproveitadas para servir de base á ermida[102].

Ha uns monumentos que, posto que em rigor não mereçam o nome de
megalithos, estão comtudo tão naturalmente com elles relacionados, que
ficaria incompleto este capitulo, se não dissessemos a seu respeito
algumas palavras. São os _castros_ que na Galiza tambem chamam croas,
contracção de _corôas_, pela sua fórma circular. O sr. D. José
Villa-Amil y Castro descreveu sessenta e tres castros d’aquellas
provincias. Em Portugal, particularmente nas provincias septemtrionaes,
tambem se encontram alguns, mas até hoje não têem sido estudados.

                        [Illustração: Fig. 60

                                Fig. 61

                                Fig. 62

             TUMULO DE EGUILAZ NA CHAPADA DE ALAVA[103].]

Aquelle escriptor define os castros nos termos seguintes: «O elemento
caracteristico de um castro é a fortificação de um terreno, de fórma
elliptica, e na extensão, termo medio, de uma fanga ou vinte e cinco
areas. Essa fortificação consiste n’um fosso e n’um parapeito, ou em
varias d’estas obras defensivas, aproveitando-se em certos casos as
condições vantajosas do terreno (procuradas talvez de proposito), taes
como a elevação e o escarpamento das vertentes; a maior separação
possivel dos montes convisinhos, sem ter com elles outra ligação
mais que um pequeno isthmo ou lingueta; e a proximidade de riachos
para o abastecerem de agua e para difficultarem o accesso ao logar
fortificado».

O auctor suppõe que os castros não eram unicamente fortificações,
mas tambem povoações, o que prova pelos vestigios de casas n’alguns
encontrados, e por varias referencias de documentos antigos. Finalmente
das armas e instrumentos de pedra, de bronze e de ferro, dos fragmentos
de lança deduziu que os castros da Galiza teriam a sua origem em
tempos prehistoricos, mas que continuariam a servir de habitações e de
fortificações durante a dominação romana, pelo espaço de mais ou menos
seculos na idade media, e alguns em fim ainda no alvorecer da idade
moderna. Prova tambem com documentos a conservação e habitação dos
castros em tempos tão pouco remotos[104].

Viterbo não reporta além dos romanos a origem dos castros. Na opinião
do auctor do Elucidario, _castrum_ sería um pequeno arraial para
uma legião ou brigada. Alguns, accrescenta, se povoaram, e ficaram
conservando a povoação, para ser defensavel, e servir mesmo de
_atalaya_, _cidadella_ e _guarda_ ás campinas e logares chãos e abertos
ás correrias dos inimigos.

J. da C. Neves e Carvalho observou pessoalmente os castros de
Traz-os-Montes e definiu-os dizendo serem elevações circulares formadas
de terra, e pela maior parte circumdadas de grossas lages, se o terreno
as fornece, e n’outros de um pequeno vallado ou parapeito de terra,
em toda a circumferencia. Estimou-os eguaes em tudo aos da Galiza,
e adoptou a opinião expendida pelo auctor de uma historia d’esta
provincia, que entendeu teriam servido de templos aos celtas[105].
Esta hypothese vogou por algum tempo em Hespanha. Mas as observações
citadas de Villa-Amil y Castro deram em terra com este e outros velhos
preconceitos.

Será talvez um monumento do mesmo genero a denominada _Cava de Viriato_
em Vizeu, com quanto não conserve já hoje a fórma caracteristica
dos castros. Em 1461 tinha portas que se abriam e fechavam e dentro
havia uma capella com a dedicação de S. Jorge. Em 1728 foi medida por
ordem regia a _Cava de Viriato_ e achou-se que os muros ou aterros
tinham tres _Lanças_ de altura e quarenta palmos de largura no cimo.
O circuito dos muros era de tres mil e sessenta e cinco passos, e
conservavam ainda quatro grandes vãos, d’onde tinham tirado a cantaria.
Já ha muito que a parte oriental do circuito está arrazada, e aforado
o terreno respectivo[106]. A parte restante, depois d’esta destruição
e das cerceaduras dos possuidores das glebas contiguas, é ainda
muito extensa, e está hoje coberta de arvores que asseguram a sua
conservação. Na face que olha á cidade vê-se, em parte d’ella, um muro
de pedra ensossa, que parece ter sido feito para sustentar d’esse lado
o aterro.


NOTAS DE RODAPÉ:

[72] _Collecção dos documentos e memorias da Academia Real de Historia
Portugueza, tomo_ XIV, conferencia de 30 de julho de 1733.

[73] _Megalitho_, do prefixo _mega_, grande, e de _lithos_, pedra. Esta
palavra tem o inconveniente de ser tambem applicavel aos monumentos
cyclopeos ou a quaesquer outros, feitos de pedras grandes.

[74] _Menhir_ de _men_, pedra, e de _hir_, longo. _Cromlech_,
_kroumlech_ de _kroumm_, curva, e de _lech_, pedra sagrada. _Dolmen_ de
_tolmen_, mesa de pedra.

[75] D. Ramon Barros Sivelo, _Antigüedades de Galicia_. Coruña 1875,
pag. 73 e 74.

[76] _Semanario Pinturesco Español 1857. Nociones
fisionómico-historicas de la arquitectura en España_, pag. 130.

[77] Pereira da Costa, _Dolmins ou antas de Portugal_. Lisboa 1868,
pag. 91.

[78] _Os dolmens._ Lisboa 1876, pag. 10.

[79] _L’âge de bronze._ Pariz 1866.

[80] Idem, pag. 53 e 54.

[81] _L’âge de bronze._ Pariz 1866.

[82] Esta significação acha-se em Viterbo verb. _Fito._--Alguns
documentos da collecção _Portugaliæ monumenta historica_ dão o
verdadeiro sentido da expressão _Petra ficta_. Nos _Dipl. et Chart._
pag. 11, doc. 17... et inde per petras fictas que _ab antico pro
termino fuerunt constitutas_.

«Estes marcos são designados de mui differentes modos nos documentos.
Eis alguns:... per monte usque ad memorales in terminos de figaretum...
petras fictas ubi dicet terminum... et de illa petra balestaria...
petras fictiles... duas contesta qui dividet inter villa cova et
laureda per areas antiquas et per petras sicilatas... petra fitada...
petra ederata...

«Alguns marcos tinham signaes ou characteres... petra scripta ubi dicet
terminum... Invenimus ibidem in petra caracterem Sancti Vicentii, et
exinde in alia petra invenimus cruce... quousque ad barca qui sedet
sculta in petra... quousque in terra tumeda qui fuit manum facta. Nota
do sr. Gabriel Pereira no _Instituto_, tomo XXI, pag. 286.

[83] _Semanario Pinturesco Español_, tom. cit.

[84] _Semanario Pinturesco Español_, tom. cit.

[85] Rougemont, _L’âge de bronze_, pag. 56.

[86] Pereira da Costa, _Dolmins ou antas de Portugal_, pag. 91. Resta
provar se as galerias e pedra citadas serão obras da arte ou da
natureza.

[87] Os desenhos das antas do Crato e de Ancora vem na _Memoria_ de
Pereira da Costa e no _Boletim da Real Associação dos Archeologos
portuguezes_, num. 11.

[88] Sivelo, _Antigüedades de Galicia_.

[89] _Magasin Pittoresque_ 1864, pag. 80.

[90] Gabriel Pereira, _Antas dos arredores de Evora_.

[91] _Antigüedades prehistoricas de Andalucia._

[92] Do dolmen da Ronda, deu ha poucos dias uma bella gravura o
periodico de Madrid _La Academia_.

[93] Em documentos antigos de Hespanha e de Portugal encontram-se os
termos _mamóla_, _mamonela_, _mamula_, _colles_, _manufacti_, etc.
Os primeiros nomes derivaram naturalmente da fórma dos _tumulos_,
comparavel á do peito mulheril. É expressivo o nome de _Mamaltar_ que
dão a certa mamunha, situada alguns kilometros ao norte das minas do
Braçal, na Beira. Vej. Pereira da Costa, _Antas de Portugal_, pag. 89.
N’alguns documentos, segundo diz Viterbo, tambem chamavam _arcas_ ás
_mamunhas_ ou _mamôas_.

[94] Villa-Amil y Castro, _Los castros y mamôas de Galicia, Museo
español de antigüedades_, tomo VII.

[95] Villa-Amil y Castro, _Los castros y mamôas de Galicia, Museo
español de antigüedades_, tomo VII.

[96] F. M. Tubino, _Los monumentos megaliticos de Andalucia,
Extremadura y Portugal, Museo español de antigüedades_, tomo VII.

[97] _Semanario Pinturesco español_, 1857. _Antigüedades prehistoricas
de Andalucia_, pag. 90.

[98] F. M. Tubino, op. cit.

[99] Idem.

[100] Pereira da Costa, _Os dolmins ou antas de Portugal_, pag. 91.

[101] _Semanario pinturesco español_, 1857.

[102] _Ilustracion española y americana._

[103] 60 Alçado pela parte B do dolmen.--61 Secção do dolmen e parte do
tumulo dado pelos pontos A a B da planta.--62 Planta do dolmen.

[104] Villa-Amil y Castro, _Los castros y mamoas de Galicia, Museu
español de antigüedades_, tomo VII.

[105] _Archivo Pittoresco_, tomo V, pag. 84.

[106] Antonio de Oliveira Berardo, _Noticias historicas de Vizeu_. No
_Liberal_. Vizeu 1857.




                             CAPITULO VII

                               PROBLEMAS

 _Difficuldade de interpretar os vestigios das construcções
 prehistoricas.--Hypotheses de Bonstetten e de Bertrand ácerca dos
 dolmens.--Factos em contrario.--Leis da distribuição geographica
 dos dolmens.--Os dolmens e as construcções pelasgicas.--Têem a
 mesma antiguidade.--Objectos achados nos dolmens de Hespanha e
 de Portugal.--Insignias de schisto.--Sua ornamentação similhante
 á de objectos prehistoricos da Scandinavia.--Para que seriam os
 dolmens.--Porque não ha vestigios de cinzel na maior parte dos
 da epoca do bronze.--Antiguidade da epoca do bronze e do periodo
 da pedra polida em que principiaram a erigir os dolmens.--Foram
 introduzidos por um povo navegador.--A navegação já era praticada
 no Atlantico durante a epoca da pedra polida.--A civilisação dos
 dolmens e a civilisação pelasgica.--Signaes esculpidos em dolmens e em
 rochas.--Duas epocas da civilisação dos dolmens._


É complexo o problema dos dolmens. Em que tempo e por quem e para
que fim seriam erigidos? Taes são as tres perguntas ou questões
fundamentaes, a que não responde por ora a archeologia senão com
simples conjecturas. Para melhor se comprehenderem as difficuldades
com que luctam os archeologos n’este ponto, imagine-se um futuro
remotissimo, um tempo em que chegassem a desapparecer todos os
vestigios da civilisação europêa, excepto os templos pagãos da Grecia
e da Italia e os templos christãos de todas as partes do mundo, tambem
já em grande parte mutilados. A hypothese, com ser inverosimil, não
deixará por isso de servir ao nosso intento. Algum futuro sabio, depois
de meditar profundamente em tantos e tão admiraveis vestigios, diria:

«Houve um povo notavel pelo costume de construir grandes edificios
de pedra. Parece ter vindo do norte e progredido depois pela Europa
central e meridional, erigindo por toda a parte edificios magestosos,
provas evidentes da sua alta civilisação. Este povo, solicitado por
grandes forças expansivas, não podia caber no continente europeu. As
mesmas construcções grandiosas provam ter povoado extensas regiões da
America septemtrional e da America meridional. Encontram-se tambem
similhantes vestigios nas costas orientaes e occidentaes da Africa,
no Meio-dia da Asia, etc. N’alguns dos grandes edificios da Europa
têem desenterrado ossadas humanas; serviam portanto de cemiterios,
e não de templos, como alguns pretendem. Em muitos acham-se as
paredes exterior e interiormente ornadas com estatuas, que de certo
representariam os mortos, cujas ossadas continham. N’outros, porém,
ainda não foi possivel descobrir nem ossos nem estatuas. Todos os
esforços têem sahido baldados. Provavelmente viajantes curiosos ou
collectores de antigualhas os exploraram nos tempos passados para, em
beneficio dos museus, os despojar d’essas reliquias de uma civilisação
remota. Sabe-se, pelos craneos encontrados nas sepulturas, que o povo
constructor pertencia á raça caucasica. Parecerá talvez inadmissivel
que um povo n’uma epoca de pequena duração, como sería a dos grandes
edificios de pedra, se dilataria assim por todo o mundo; mas por mais
extraordinario que o facto seja, deveremos curvar-nos á evidencia dos
descobrimentos archeologicos. Na epoca dos grandes edificios de pedra,
a Europa, Asia, Africa, America e Oceania eram povoadas pelo mesmo povo
de raça caucasica!»

Comtudo, entre os sabios do futuro algum haveria que, por se jactar de
mais severo na critica, impugnasse uma d’estas conclusões, aceitando
as outras. Esse tal argumentaria contra a direcção do caminho seguido
pelo povo constructor, observando que, se os vestigios mais imperfeitos
appareciam na Asia, era porque os architectos teriam por ahi começado,
aperfeiçoando-se depois ao passo que se iriam dilatando pela Europa.
Segundo esta ultima opinião, as obras mais antigas da architectura
seriam portanto os templos das possessões asiaticas e africanas; depois
seguir-se-hiam os templos de estylo romão e byzantino da Europa; depois
os grandes templos ogivaes; depois os do renascimento; e por fim o
Parthenon, o templo da Concordia e os outros restos grandiosos da
architectura grega ou romana.

Hoje, á falta de noticias positivas para a historia dos dolmens,
não faltarão archeologos que raciocinem da mesma sorte, e cheguem a
conclusões similhantes. Taes opiniões não convirá recebel-as senão com
as duvidas que inspiram as hypotheses infundadas. Infelizmente poucas
deixarão de o ser em assumpto de tamanha obscuridade.

Vista á primeira face a distribuição geographica dos dolmens, occorreu
naturalmente a idêa de que um povo emigrante, constructor d’esses
monumentos, percorreria do sul para o norte ou _vice versa_ as regiões
onde se encontram. Na opinião do sr. Bonstetten, a Criméa sería o
centro d’onde teria partido o povo dos dolmens, seguindo duas vias
differentes; uma para a Italia e Corsega, outra para o norte, pela
Silesia, até ás margens do Baltico. D’aqui uma causa desconhecida
obrigaria os constructores dos dolmens a emigrarem para o poente
dirigindo-se para a Normandia occidental e para a Bretanha, d’onde
passariam á Inglaterra, pelas ilhas Jersey e Guernesey, e á Irlanda,
pela ilha de Anglesey.

A parte restante do povo, que teria ficado no continente, só mais
tarde se atreveria a invadir a Gallia, marchando para o sul. Chegado
ao Gironda, abandonaria rapidamente as costas do mar, fugiria das
areias incultas da Gascunha, e, tomando uma direcção contraria ao
curso do Dordonha, atravessaria a França obliquamente e chegaria
ao golpho de Lyão. Não lhe serviriam de barreira os Pyreneus;
atravessal-os-hia, e, seguindo a vertente meridional d’estas montanhas,
occuparia Portugal, desceria mais ao sul e atravessaria obliquamente
a Hespanha pelas provincias de Cordova, Granada e Malaga; passaria o
mar, espalhar-se-hia pelo litoral da Africa septemtrional, e pararia
finalmente na antiga Cyrenaica, nas fronteiras do Egypto.

O sr. Bonstetten, fazendo partir o povo dos dolmens da Criméa, não
julga ser esta a sua patria, porém alguma região da Asia, d’onde, pelos
desfiladeiros do Caucaso, passaria á Europa, preludiando assim as
posteriores emigrações de celtas, godos, hunos e vandalos[107].

O sr. Bertrand suppõe tambem ter vindo da Asia o povo dos dolmens, que
sería de uma raça rebelde a toda a transformação e a toda a absorpção
pelas raças superiores. Repellida das regiões centraes d’aquelle
continente para o norte, seguiria as margens do Baltico demorar-se-hia
na Dinamarca; d’aqui de novo repellida, subiria até ás Orcadas; depois,
descendo pelo canal que separa a Irlanda da Inglaterra, chegaria, de
estação em estação, primeiro á Gallia, depois a Portugal e finalmente
á Africa, onde os restos de tal gente se extinguiriam, destruidos pela
força de outra raça mais civilisada[108].

Contra a opinião de Bertrand protestam os objectos de pedra, barro
ou metal, encontrados nos dolmens, por onde se prova que as gentes
constructoras d’estes monumentos não eram refractarias á civilisação.
E, admittido este facto, a sua consequencia necessaria, será que
taes gentes, obedecendo á lei do progresso, deixariam provas de mais
avançada civilisação nos paizes que ultimamente occupassem. Ora os
archeologos concordam em que não sómente a architectura megalithica é
mais perfeita no norte do que no sul, mas, tambem mais bem acabados e
de mais preço os objectos achados nos dolmens septemtrionaes; e que
portanto, se houvesse de se attribuirem os dolmens a um povo emigrante,
este povo deveria ter seguido do sul para o norte e não do norte para
o sul, como Bonstetten e Bertrand suppozeram[109]. Por outra parte,
quem se der ao trabalho de marcar n’um mappa as regiões dos dolmens,
reconhecerá que algumas de taes regiões ficam inteiramente separadas
por grandes distancias, como as da Criméa e as da Palestina.

Em regiões tambem muito afastadas, como a Bretanha e o Jutland
apparecem n’uns dolmens sómente objectos de pedra polida, n’outros
encontram-se instrumentos de pedra e de bronze. Parece portanto que
os povos constructores dos dolmens passariam synchronicamente, e
em logares muito distantes, de uma a outra phase industrial pelas
influencias civilisadoras de povos mais avançados. Têem notado tambem
nos dolmens das diversas localidades certas differenças especificas que
se oppõem a que se reputem construidos por um só povo. Em fim, a mais
concludente de todas as provas da diversidade dos povos que erigiram os
dolmens está na variedade de restos humanos achados em taes monumentos.
Na opinião do sr. Quatrefages não póde haver duvidas a este respeito.
Nos dolmens da Dinamarca, por exemplo, apparecem dois typos humanos
misturados, nos de Lozère outros dois, e d’estes quatros typos não ha
dois que se assimilhem[110].

Alguns dos mais auctorisados archeologos modernos, taes como Desor,
Worsaœ, Vogt, Quatrefages, Broca e Mortillet, rejeitam absolutamente
a idêa da existencia de um só povo constructor dos dolmens. Preferem
antes acreditar que varios povos e varias raças, que se não sabem
especificar ou denominar, erigiriam os megalithos pelas regiões onde se
encontram, estribando esta asserção n’alguns dos factos anteriormente
citados contra as hypotheses de Bonstetten e de Bertrand. Julgam
mais que o costume de construir os dolmens se propagaria do sul para
o norte, em direcção contraria áquella que faziam seguir ao povo
emigrante.

Não tem sido notada na distribuição geographica dos dolmens uma
circumstancia que se nos afigura importantissima; e vem a ser o
encontrarem-se quasi sempre nas regiões proximas do mar. Começando
pelo sul deparam-se-nos primeiramente os da costa septemtrional da
Africa, na Argelia e na Cyrenaica, juncto das fronteiras do Egypto,
todos no litoral do Mediterraneo. Depois os de Sinai e da Arabia nas
costas do Mar Vermelho, os da Palestina, proximos do Mediterraneo. Em
frente da costa septemtrional da Africa, para áquem do Estreito, os de
Hespanha e Portugal, occupando por uma parte a Andaluzia, no litoral
do Mediterraneo; por outra parte o litoral portuguez e a Galiza,
banhados pelo Atlantico; e finalmente as costas meridionaes do golpho
de Biscaia. Na França a região dos dolmens está tambem em similhantes
condições maritimas. Defrontam com o Mediterraneo, como os da
Andaluzia, apparecem do outro lado do golpho da Biscaia nas margens do
Gironda; vêem-se em fim e em maior numero na Bretanha e na Normandia,
nas costas da Mancha. Observa-se a mesma lei nos da Inglaterra e da
Irlanda. Os da Europa septemtrional occupam regiões banhadas pelo
mar do Norte ou pelo mar Baltico, ou pouco distantes das suas aguas.
Com razão pois advertiu Bertrand abundarem os dolmens pelas regiões
occidentaes e faltarem nas regiões orientaes da Europa. Mas este facto
não é senão a consequencia da posição relativa d’aquellas regiões,
das quaes as do occidente ficam á parte do mar e as do oriente mais ou
menos distantes[111].

Outra lei da distribuição geographica dos dolmens vem a ser a
incompatibilidade d’estes monumentos com os cyclopeos. «As construcções
cyclopeas e os dolmens, diz Rougemont, excluem-se reciprocamente ao
sul de Caucaso, dos Alpes e dos Pyreneus. A Perêa e o Caucaso, as
duas patrias dos dolmens não têem muros feitos de pedras irregulares.
A Aramêa, aonde referimos o berço da architectura cyclopea, não tem
dolmens»[112].

Na peninsula Iberica já vimos como esta lei se verifica, pois que nas
regiões orientaes, nas provincias de Murcia, Valencia e Catalunha não
consta haver dolmens. Vimos tambem como n’uma região, onde os dois
systemas se encontraram parece ter-se operado entre elles uma singular
fusão, se não é pura casualidade o que se observa na _Cueva de la
Pastora_ em Castilleja de Guzman, a oeste de Sevilha, na Andaluzia[113].

Da lei da correspondencia dos dolmens ás terras litoraes ou pouco
distantes dos mares, deduz-se que a origem do costume de erigil-os se
ha de buscar n’algum ou n’alguns povos já em certo grau de civilisação,
os quaes percorrendo os mares da Europa, transmittiriam esse mesmo
e outros costumes aos povos com quem estivessem em contacto, e que
passariam assim da phase, caracterisada pela habitação das cavernas,
áquella que se distingue pela construcção dos dolmens. Similhantemente,
nos seculos XV e XVI, os portuguezes e os hespanhoes alçaram cruzes
e erigiram templos pelos vastos litoraes e pelas ilhas da Africa,
Asia, America e Oceania, convertendo os indigenas ao christianismo,
e transmittindo-lhes aquelle mesmo costume, caracteristico da
civilisação que representavam. Devemos porém acreditar que este ou
outro movimento civilisador dos tempos prehistoricos acharia de certo
menos resistencia, por ser menor a differença entre o estado dos povos
civilisados e o dos povos civilisadores.

Da lei da incompatibilidade dos dolmens com as construcções cyclopeas
deduz-se que estes dois generos de monumentos representam duas
civilisações prehistoricas tambem incompativeis; e que, portanto,
seriam contemporaneos os povos constructores dos primeiros e aquelles
que erigiram as segundas. Ora, como abundam os monumentos cyclopeos
nas Baleares[114] na Sardenha e na peninsula Italica, e como as
costas orientaes da peninsula Iberica defrontam com aquellas ilhas e
peninsula, concluiremos que até a essa parte da Hespanha se extenderia
a influencia da civilisação pelasgica, e que esta mesma civilisação
repugnaria o costume de construir os dolmens e os demais que a este
andariam associados.

Na Peninsula a cintura megalithica extende-se desde o golpho da
Biscaia, no logar onde as vagas do Atlantico se debatem contra as
vertentes escarpadas dos Pyreneus, até ao golpho de Almeria, onde
as ultimas ramificações da Serra Nevada se escondem nas aguas menos
agitadas do Mediterraneo. Toda a costa oriental desde o cabo de Gata
até ao cabo de Créus, comprehendendo quasi seis graus de latitude,
não tem dolmens, ou pelo menos não se tem até hoje dito que os haja
nas provincias de Murcia, Valencia e Catalunha. Por onde se vê que as
construcções pelasgicas sómente correspondem ás regiões banhadas pelo
Mediterraneo, e os dolmens ao litoral do Atlantico e ao do Mediterraneo
mais proximo do Estreito de Gibraltar, que serve para communicar os
dois mares.

Com a civilisação portanto com que se hão de relacionar os dolmens
da Scandinavia, das ilhas Britannicas, das costas septemtrionaes e
occidentaes da França, com essa mesma civilisação se devem relacionar
tambem os dolmens das regiões septemtrionaes, occidentaes e meridionaes
da peninsula Iberica. Ignorando-se o povo que introduziu o costume de
construir os dolmens, e a epoca de tal introducção, posta a lei da
antinomia dos monumentos megalithicos e dos pelasgicos, seguir-se-ha,
como consequencia necessaria, o terem sido todos contemporaneos.
Vejamos até aonde poderemos chegar, tentando resolver com estes dados o
problema da antiguidade dos dolmens. Os objectos encontrados dentro nos
dolmens, armas, instrumentos, ornatos, em muitos são sómente de pedra
polida, n’outros de pedra polida e de cobre ou de bronze, n’outros
sómente de cobre ou de bronze, n’outros em fim, de alguma das especies
mencionadas e de ferro[115]. N’alguns, têem apparecido objectos de
ouro, posto que o fabrico d’este metal devesse preceder o do ferro e
até o do cobre, como se provou na caverna de Albuñol da Andaluzia.
Encontram-se tambem commumente vasos de barro inteiros ou partidos,
toscos e sem ornatos, ou adornados com riscos ou impressões digitaes
ou unciaes. A disposição dos riscos é irregular nos mais imperfeitos,
regular ou symetrica nos menos imperfeitos. Estes achados provam, em
geral, que os dolmens foram construidos na epoca da pedra polida e na
epoca do bronze; e alguns mais raros na epoca do ferro.

Na Peninsula não têem explorado methodicamente os dolmens e os tumulos.
Apenas consta de certos objectos n’alguns encontrados. O sr. D. Manuel
de Gongora, por exemplo, achou em varios dolmens da provincia de Jaen
ossos dispersos, armas de cobre, anneis do mesmo metal, fragmentos de
louça e armas de silex. Este observador, entre outras leis, applicaveis
aos dolmens que observou, estabeleceu as seguintes:

1.ª Entra-se n’estes monumentos por estreitas passagens feitas de
grandes pedras, excepto nos de Dilar e nos de Gitanos.

2.ª Excepto os das _Majadas del conejo_, todos são quadrangulares.

3.ª Interiormente os dolmens estão lageados com grandes pedras.

4.ª Excepto um sómente, em que apparece uma peça de bronze, em nenhum
se encontram armas ou objectos que não sejam de pedra ou de cobre.

5.ª Os cadaveres apparecem collocados em leitos horisontaes e com
pequenas pedras em redor dos craneos[116].

Aos dolmens de Portugal não são applicaveis as leis 2.ª e 3.ª. As
outras sómente depois de novos estudos se poderão verificar. O sr.
Pereira da Costa encontrou machados de pedra nas antas de Alcogulo
e n’outras[117]. N’uma de Niza appareceu a grande cabeça da lança
de silex fig. 14. Na anta de Bellas encontraram-se facas e pontas
de frechas de silex, contas de collares de schisto e de calcareo,
o fragmento de osso esculpido com ornatos triangulares fig. 30, e
uma machadinha de schisto similhantemente ornada, e do mesmo genero
d’aquella que appareceu em Monte-Real, e a fig. 31 representa. N’uma
anta de Pavia appareceram quatro machadinhas similhantes de schisto com
os mesmos ornatos triangulares.

Na sepultura de Martim Affonso, perto de Muge, encontraram-se objectos
do mesmo genero, e a notavel insignia de schisto que suppomos ser
um baculo, fig. 33. D’este logar, importantissimo para o estudo da
prehistoria em Portugal, nos deu o sr. Pereira da Costa as seguintes
informações: «A sepultura de Martim Affonso não é, como á primeira
vista parece, de sujeito assim chamado, mas um sitio que é conhecido
por este nome, na propriedade do duque de Cadaval (residente em Paris).
Esta sepultura era de tres lages compridas e duas estreitas nas
extremidades, e tinha um capeamento de lages pequenas. Dentro continha
ossos de um esqueleto, dos quaes só se aproveitaram alguns fragmentos
de ossos longos, e o mais que V. viu no Museu. Esta propriedade do
duque é nas margens da ribeira de Muge, e perto do Cabeço da Arruda,
que tambem pertence ao mesmo duque».

Depois de fallar do baculo, em que não considera a fórma d’esta
insignia, porém a do phallus, accrescenta: «Com esta peça, além dos
ossos, havia nove facas de silex, uma cabeça de lança de silex, e
varios vasos pequenos de barro».

Nos dolmens de Portugal não têem até hoje apparecido objectos de cobre
ou de bronze; mas as explorações feitas são mui poucas ainda para se
deduzir d’ellas uma lei geral. É possivel que os dolmens, onde se
encontraram as insignias de schisto pertençam já á época do bronze,
apesar de se não ter achado n’elles esta liga metallica. A sepultura
de Martim Affonso, onde appareceu o baculo, prova-nos que o povo que
usava taes insignias sabia construir sarcophagos para os cadaveres, o
que denota certo grau de civilisação. Em quanto porém se não explorarem
mais antas e mais methodicamente do que até hoje, não será possivel
passar além d’esta conclusão, cuja importancia, ainda assim, não é
pequena. As insignias de schisto são caracteristicas, e, só de per si,
denunciarão o povo ou um dos povos constructores dos dolmens, logo que
se encontrem n’outras partes. Infelizmente não consta que até hoje se
tenham descoberto fóra de Portugal. Na Scandinavia têem apparecido umas
enxadas de pau de veado com esboços mais rudes que os do Périgord, e
que representam quadrupedes, corsas talvez. Ao lado d’estes esboços
vêem-se traços rectilineos formando os desenhos triangulares das nossas
placas de schisto. Se a esta circumstancia accrescentarmos que os
dolmens mais similhantes ao maior numero e tambem aos mais imperfeitos
de Portugal são os da Dinamarca, persuadir-nos-hemos de que ha toda a
probabilidade de que gentes da mesma raça povoariam ou civilisariam nos
tempos prehistoricos certas regiões da peninsula Iberica e da peninsula
Scandinava.[118]

Se os dolmens são contemporaneos das nuraghas, as excavações feitas
n’estes monumentos devem dar resultados comparaveis áquelles que temos
mencionado. Apesar das poucas explorações até hoje emprehendidas,
sabe-se que nos talayots das Baleares[119] e nas nuraghas da Sardenha
se tem encontrado objectos de cobre e de bronze. N’algumas d’esta
ultima ilha têem apparecido facas de silex. Portanto a maior parte de
taes construcções remontam á epoca do cobre ou do bronze; e algumas á
epoca da pedra polida. Isto mesmo se confirma pelo apparelho. Umas,
de pedras brutas, são anteriores provavelmente á invenção do cinzel;
outras, de pedras afeiçoadas, manifestam já a acção de instrumentos de
metal. Affirma o abbade Spano que algumas nuraghas são feitas na parte
inferior de pedras brutas, e na parte superior de pedras apparelhadas,
parecendo aquella da epoca da pedra polida, e esta da idade dos metaes.
O apparelho irregular corresponde a uma camara inferior; o regular a
uma camara superior que posteriormente sería accrescentada á primeira.
Demais são frequentes estes casos de accrescentamentos e reparações
das nuraghas primitivas em varias epocas[120]. Dos poucos estudos até
hoje emprehendidos nos dolmens de Hespanha e de Portugal deduziremos os
seguintes corollarios:

1.º Os dolmens da Peninsula, como outros da Europa, como as nuraghas
da Sardenha, foram construidos na epoca da pedra polida e na epoca do
bronze ou do cobre.

2.º Geralmente fallando, os dolmens de Portugal são mais imperfeitos
que os da Andaluzia.

3.º É provavel que a antiga raça que na Scandinavia construia os
dolmens e fabricava enchadas de ponta de veado fosse a mesma que na
Iberia occidental construisse ou introduzisse o costume de construir os
dolmens, e se servisse de insignias de schisto com ornatos triangulares.

Para que serviriam os dolmens ou com que fim os erigiriam? A opinião
mais commum é que os dolmens serviriam para guardar as cinzas dos
mortos. Assim se explica até mui naturalmente a origem de taes
monumentos, considerando-os ou como um meio de supprir a falta das
cavernas sepulchraes, ou como um aperfeiçoamento ou desenvolvimento do
montão de pedras que primitivamente lançariam sobre o cadaver. Tambem
não ha impossibilidade em crêr que o dolmen, erigido primeiro sobre
o cadaver, no proprio logar da morte, fosse depois construido onde
parecesse mais conveniente, e o cadaver transportado do sitio, em que
jazera, para a sua nova morada.

Consideraram os dolmens, como sepulturas, por conterem muitos
d’elles esqueletos inteiros ou ossos humanos dispersos. Na opinião
de Rougemont, além d’esta especie que chama _dolmen-tumulo_, haveria
o _dolmen-pia_ ou _tumulo-altar_ cuja mesa com regos e concavidades
serviria para receber o sangue das victimas; o _dolmen-altar_ e o
_dolmen-templo_[121]. Será difficil senão de todo impossivel reduzir
sempre qualquer dolmen a alguma d’estas especies. O auctor da
classificação entende que, para que um dolmen não seja considerado
como sepultura, bastará que dentro n’elle não appareçam ossos humanos,
ou, se apparecerem, que estejam desligados e dispersos. Mas a falta de
ossos humanos debaixo do dolmen, ou acharem-se estes dispersos, como se
fossem de victimas, não é motivo sufficiente para o reduzir a qualquer
das duas ultimas especies, porque em todos os tempos a terra interior
dos dolmens tem sido revolvida por animaes, e por homens a quem incita
o desejo de encontrar thesouros escondidos. Nas antas de Portugal não
consta que se tenham descoberto ossos. É provavel que, exploradas em
maior numero e mais methodicamente, n’algumas se encontrem, como tem
acontecido em Hespanha.

Lubbock, depois de examinar attentamente estatisticas de centenares
de explorações de dolmens e tumulos, conclue não positiva, mas
provavelmente que, na Europa occidental, a posição do cadaver assentado
corresponde á epoca da pedra polida, a cremação á de bronze, e
finalmente a posição horisontal, á de ferro[122]. Já vimos que na
Andaluzia os cadaveres encontrados dentro nos dolmens estavam na
posição horisontal, devendo ter sido submettidos á cremação, se fosse
verdadeira a regra que se pretendeu estabelecer em Inglaterra.

Porque seriam a maior parte dos dolmens da epoca do bronze, feitos de
pedras por afeiçoar e sem vestigios do emprego do cinzel? Não parecerá
improvavel que o homem, possuidor já dos instrumentos de metal,
prescindisse d’elles nas mais importantes das construcções, destinadas
a proteger, a recommendar talvez á veneração da posteridade os restos
mortaes dos seus maiores? Nota-se geralmente nas cousas de culto, ou
relacionadas com o culto, uma decidida propensão da parte do homem para
perpetuar os costumes antigos, ainda quando o progresso da civilisação,
a mudança completa das condições sociaes os torne desnecessarios ou
obsoletos. É commum encontrar nas sepulturas da epoca do bronze armas
de pedra, e objectos de bronze nas da epoca do ferro. Os hebreus e os
romanos, já em tempos historicos, serviam-se ainda das facas de silex
em certas ceremonias. Mas ainda no genero das construcções megalithicas
se demonstra esta mesma lei. Moisés descendo do monte Sinai, e
transmittindo aos hebreus os preceitos attribuidos á Divindade,
recommenda-lhes que, se levantarem algum altar, não seja de pedras
lavradas, porque ficaria polluido aquelle que o cinzel tocasse[123].
Ora, assim como os hebreus, na idade dos metaes, não os empregavam
n’aquelle tempo para edificar os seus altares, assim tambem quaesquer
povos prehistoricos poderiam conservar por certo espaço de tempo o
costume de não tocar as pedras dos dolmens com instrumentos de metal,
continuando a construil-os, como as gerações da idade da pedra,--_more
majorum_.

O altar de Moisés, sem degraus, feito de pedras por afeiçoar, não
tocadas pelo cinzel, faz lembrar naturalmente o dolmen da epoca do
bronze, sem vestigios de instrumentos metallicos. Mas a epoca da
pedra polida e a epoca do bronze exprimem-nos apenas, como as epocas
geologicas, phases successivas da evolução industrial. De modo
nenhum nos dizem, por exemplo, ha quantos seculos se passaram esses
factos prehistoricos. Depois, não tendo sido synchronicas as epocas
prehistoricas entre os varios povos, pouco importa que n’uma ou n’outra
região se tenha conseguido reduzil-as ás epocas historicas, ou antes
tornal-as a todas comparaveis. Vejamos porém se, relativamente á
Peninsula, haverá algum meio de chegar a determinar a antiguidade dos
dolmens, ou ha que tempo terão passado a epoca da pedra polida e a
do bronze. O problema não se póde resolver inteiramente; e, na parte
em que admitte solução, é só por meio das construcções cyclopeas, de
que já nos soccorremos com vantagem para a determinação das epocas
prehistoricas, em que os dolmens foram erigidos.

Os povos pelasgicos, habitantes da Sardenha, e da Etruria associados
aos libycos, invadiram, treze ou quatorze seculos antes de Christo,
o Egypto, e não duvidaram acceitar batalha ao exercito do pharaó.
Patentêa-se claramente que, sem terem chegado a certo grau de
civilisação, não se abalançariam a tal empreza. Mas, tendo sido
derrotados, deixaram entre os despojos, armas e outros objectos que
melhor nos deixam avaliar esse grau de civilisação. Serviam-se de
utensilios de bronze, prata e ouro[124]; e como por outra parte a
destruição de Troia foi mil e duzentos annos antes de Christo, e entre
os objectos encontrados por Schliemann não apparece tambem o ferro,
concluiremos que os povos mediterraneos estavam por aquelle tempo na
epoca do cobre ou do bronze. Ora, se as nuhragas foram construidas na
epoca da pedra polida e na do cobre ou do bronze, os mais antigos dos
dolmens, seriam erigidos na Peninsula antes d’aquella batalha, isto é
anteriormente ao seculo XIII ou XIV. Convém notar que o facto referido
de Moisés succedeu no seculo XVI antes de Christo. Eis aqui pois até
que ponto actualmente se póde resolver o problema da antiguidade dos
dolmens peninsulares; seriam anteriores os mais antigos á batalha dos
povos mediterraneos com os egypcios no tempo de Ramsés II.

Estaría porém a navegação tão adiantada na epoca da pedra polida que
um povo, precursor dos phenicios, podesse dilatar-se do sul ao norte
pelas costas occidentaes da Europa? Dois factos responderão a essa
pergunta. Ha alguns annos desenterrou-se da vasa de um paúl irlandez
um barco prehistorico, feito de um tronco de carvalho, excavado a fogo
e pedra. No fundo tinha uma lamina de cortiça, indicio certo de que
o barco teria ido da Iberia ou do meio-dia da França para a Irlanda,
se não fosse de mais longe[125]. Entre as conchas fosseis achadas na
Laugerie Basse ha algumas que sómente da ilha de Wight poderiam ter
vindo. Ora, na epoca do rangifer já não havia communicação por terra
entre a França e a Inglaterra[126]. Consequentemente n’esses tempos
remotos, anteriores á epoca dos dolmens, já se praticava a navegação no
Atlantico.

Demais, para explicar a colonisação ou civilisação das regiões litoraes
da Europa por um certo povo mais civilisado, não ha necessidade nenhuma
de admittir que este ultimo effeituasse longas derrotas. Custa a
crêr que um povo, sabendo apenas fazer barcos de troncos de arvores,
abertos a fogo e pedra, chegasse, por exemplo, desde o estreito de
Gibraltar até á Irlanda ou á Scandinavia. Porém se lhe suppozermos nas
costas occidentaes da Europa ou nas ilhas mais proximas as estações
intermedias necessarias, a difficuldade ficará consideravelmente
attenuada.

Mais de espaço veremos adiante como, em tempos anteriores á historia,
duas civilisações penetraram na Peninsula, uma pelo Mediterraneo,
caracterisada pelas construcções pelasgicas, outra pelo Atlantico,
representada pelos dolmens. É provavel que os homens, que na epoca da
pedra polida construiram os mais antigos d’estes ultimos monumentos,
fossem da mesma raça d’aquelles que, na mesma epoca, na Scandinavia,
construiram dolmens similhantes. Que milhares de annos terão deccorrido
depois d’estes acontecimentos, ninguem o saberá dizer. O mais que se
póde affirmar é que, doze ou treze seculos antes de Christo, já os
povos mediterraneos estariam na epoca do bronze, e portanto muito para
áquem da epoca da pedra polida, em que seriam construidos os mais
antigos dos dolmens.

Ha poucos annos que os archeologos tem dirigido a attenção para os
signaes esculpidos em certos dolmens. Por isso não se deduziram ainda
da interpretação d’esses signaes as consequencias importantissimas que
promettem. Tractaremos de todos em geral, porque até hoje tambem não
foram ainda comparados de modo que se possam classificar. Aos signaes
dos dolmens ajuntam-se naturalmente os das rochas e os de certas armas
de bronze. Todos analogos, parecem vestigios que da mesma epoca, ou de
epocas prehistoricas pouco distantes, ficariam por varias regiões tanto
do Velho como do Novo Mundo.

«Na Inglaterra septemtrional e na Escocia, diz Lubbock, estes signaes
consistem ordinariamente em depressões concavas ou espiraes, ou em
circulos completos ou incompletos, concentricos, de cujo centro commum
parte um traço que corta a todas as circumferencias e se prolonga
ainda para fóra d’ellas. Estes signaes acham-se perto das _oppidas_ e
fortificações antigas, da mesma sorte que nos menhires e nas pedras dos
dolmens e dos cromlechs...»

«Acharam-se esculpturas similhantes na Irlanda. Além d’isso n’este
paiz, nos grandes tumulos, proximos de Boyne, vêem-se os vestigios de
uma ornamentação mais completa. Por exemplo, a grande pedra á entrada
de New-Grange está coberta de espiraes duplas, e as pedras da camara
central estão tambem ornadas de circulos, espiraes e outros desenhos.
Um dos mais notaveis é aquelle que parece representar uma folha de
feto, á similhança de outros da Bretanha e do supposto templo de Hagar
Kem, na ilha de Malta...»

«Todas estas esculpturas antigas da Gran-Bretanha, menos a folha de
feto, são apenas simples figuras geometricas. Acham-se as mesmas
figuras em Bretanha; aqui porém são muitas vezes acompanhadas da
representação de machados de pedra com ou sem cabo»[127].

Na provincia das Asturias, em Cangas de Onis, subjacente a uma ermida,
ha um dolmen, cuja primeira pedra lateral direita, na face interior,
contém gravados signaes que fazem lembrar as pinturas da pelle de
certos selvagens[128]. Esta mesma analogia se notara já com relação
ás esculpturas de outros dolmens, taes como aquelle do districto de
Finisterre na França, descripto recentemente pelo sr. Chatellier[129].

Os mais notaveis e os menos antigos d’estes monumentos são as
esculpturas das rochas de Kivik. Representam, na opinião de Nilsson,
um combate, depois do qual os vencedores offerecem sacrificios a Baal,
cuja pyramide se ergue entre dois grandes machados de bronze[130]. Por
esta circumstancia se determina com exactidão a epoca em que foram
abertas as esculpturas de Kivik.

N’outras esculpturas de rochas da Norwega predominam as representações
de barcos, similhantes áquelles que adornam os cabos de navalhas de
bronze achadas na Dinamarca[131]. Nos mesmos monumentos da Norwega
vêem-se grupos de pontos á maneira de constellações; o que torna
estas esculpturas comparaveis ás da rocha de Carnés de Vimianzo na
Galiza[132]. A analogia d’estes ultimos signaes com as constellações
é ainda maior, porque os pequenos circulos que representam as
estrellas estão involvidos em figuras lineares, formadas por circulos
concentricos ou por outras curvas. Alguns d’aquelles circulos
concentricos fazem lembrar rodas de carros. Na mesma provincia se
conhecem outros signaes similhantes na rocha de Ginzo em Limia[133]. E
n’um tumulo, descoberto em 1874 a dois kilometros da aldêa de Melon,
termo judicial de Rivadabia, encontraram-se pedras interiores cobertas
de signaes gravados e coloridos com tinta roxa e negra[134].

Poderia duvidar-se do facto, e suppõr-se que os observadores teriam
sido illudidos por algum oxydo de ferro que tingisse de roxo e negro
as pedras do tumulo. Mas o sr. Gongora, sem saber d’este, cita outros
casos similhantes. Na Andaluzia observou muitos signaes pintados com
tinta rubra bituminosa em certos nichos abertos artificialmente na
rocha, na serra de Quintana, a uma legua da villa de Fuencaliente.
Na distancia de um quarto de legua d’este sitio, n’um logar chamado
Batanera, encontrou o mesmo observador outros signaes similhantes
pintados com tinta vermelha na face de um penhasco artificialmente
cortado. Apesar da rudeza dos traços, reconhece-se n’alguns d’esses
signaes a representação do sol, da lua, da figura humana, de arvores,
de béstas, do coração e finalmente de barcos[135]. Por estes ultimos
e pela fórma linear dos traços, os hieroglyphos da Andaluzia
relacionam-se naturalmente com os das rochas da Norwega, já citados,
e portanto com as esculpturas de alguns instrumentos de bronze da
Dinamarca, tambem já mencionados.

Mas, cousa notavel! explorações recentes têem patenteado no Novo
Mexico outros vestigios analogos, que fazem presuppôr a existencia de
uma antiga civilisação, procedente da Asia Menor, e que nas epocas
prehistoricas se dilataria por muitas das regiões litoraes da Europa
e da America: «De taes inscripções, ornamentações e mais esculpturas
apparecem tambem muitos specimens por varias partes da America. E é
muito para notar o que a este respeito se lê no _Boletim official dos
Estados-Unidos_:--_of geological and geographic survey of territories_
(março 1876), onde, se encontram curiosas noticias das explorações
feitas no Novo-Mexico, especialmente pelas proximidades do Colorado; e
os desenhos de antigas ruinas de _cliff-houses_, que fazem lembrar as
habitações kushitas das montanhas da Georgia. Tambem ali se podem vêr
os debuxos de hieroglyphos, ou inscripções gravadas em varias pedras
e em nichos (como se encontram pela Asia-menor), d’essas habitações
das rochas; que se assimilham a outras inscripções achadas n’algumas
cavernas da Andaluzia»[136].

Estes factos, sendo como dizem, estabelecem relações de similhança,
talvez de communidade de origem, entre os povos da Asia Menor e
aquelles que, na epoca do cobre ou do bronze, povoaram algumas partes
da America septemtrional, e das peninsulas Iberica e Scandinava.
Concernentemente aos iberos, tinha-se já notado certas analogias da
linguagem entre os vasconços, os alghonquinos e os georgiamos que
faziam presuppôr a mesma origem commum. As menos antigas de taes
esculpturas, que vem a ser as de Kivik, poderão attribuir-se aos
phenicios. Mas estes monumentos são muito superiores a todos os
outros pela perfeição do desenho. Pertencem incontestavelmente a uma
civilisação tambem muito superior. Os outros parece corresponderem
antes a uma civilisação mais rude, de uma epoca anterior, talvez da
epoca do cobre e dos dolmens menos imperfeitos da peninsula Iberica.

Os factos ultimamente referidos levam-nos a conjecturar que, nas epocas
prehistoricas, duas civilisações differentes se succederam nas mesmas
regiões da Peninsula, ambas antinomicas com a civilisação pelasgica,
ambas trazidas por navegadores do Atlantico: a da pedra polida que se
dilatou pelas costas occidentaes da Europa, deixando até na Scandinavia
vestigios similhantes áquelles que se observam na peninsula Iberica.
A segunda sería a dos menhires e das pedras balouçantes e talvez do
bronze.

Á primeira d’estas civilisações attribuiremos os dolmens mais rudes de
Portugal, as insignias de schisto os fragmentos de osso similhantemente
lavrados; á segunda os dolmens mais perfeitos como são os da Andaluzia
e de Cangas de Onis; as pedras esculpidas da Galiza e da Andaluzia;
os menhires e os trilithos da Galiza; o tumulo de Antequera; a
galeria de Castilleja de Gusman, e por ventura outras que dizem
existir em pequenas distancias de Guimarães; os menhires e as pedras
balouçantes d’estas mesmas ou de outras regiões; e finalmente objectos
prehistoricos de bronze, achados nas regiões occidentaes da peninsula
Iberica.

Os monumentos menos rudes e menos antigos da segunda civilisação, os
menhires e os trilithos, feitos de pedras faceadas e sotopostas, como
os da Galiza, pela fórma, pela disposição e afeiçoado dos materiaes,
devem ser contemporaneos do celebre monumento de Stone-Henge na
planicie de Salisbury na Inglaterra. Este monumento attribue-o Lubbock
ao ultimo periodo da epoca do bronze, por se terem encontrado nos
tumulos circumstantes restos de cadaveres submettidos á cremação.
Ora, como esta pratica era commum na epoca do bronze, a ella reporta
o auctor o monumento, e ao ultimo periodo da mesma epoca, por ser
feito de pedras grosseiramente afeiçoadas[137]. Este ou outro lavor da
pedra não importa de modo necessario o emprego do cinzel de ferro. Os
mexicanos ignoravam o fabrico e usos d’este metal; todavia das mais
duras das pedras faziam instrumentos de toda a casta, esculpiam até
bustos de basalto[138]. Os egypcios exploraram tambem algumas pedreiras
de granito com instrumentos de bronze.


NOTAS DE RODAPÉ:

[107] Bonstetten, _Sur les dolmens_.

[108] Bertrand, _Les monuments primitifs de la Gaule_.

[109] Este argumento da maior perfeição dos megalithos e das armas e
instrumentos prehistoricos das regiões septemtrionaes não tem força
probativa. Porquanto, prolongando-se por mais tempo n’estas regiões que
nas meridionaes as epocas prehistoricas, não é para estranhar que os
processos industriaes chegassem a mais alto grau de perfeição.

[110] Mortillet, Na sessão de 22 de agosto de 1874 da Secção de
Anthropologia, _Revue des cours scientifiques_ 2.ᵉ série, 4.ᵉ année,
pag. 99 et 200.

[111] Á expressão _Lei dos litoraes_ deve dar-se a mais lata das
accepções. O _litoral_ d’um continente abrange um espaço de terra
muito mais largo que o litoral de um paiz ou de uma provincia. O
_litoral de Portugal_, por exemplo, não passa para além das provincias
do Minho, Douro, Extremadura e Algarve. Mas o _litoral da Europa_
abrangerá tambem as provincias de Traz-os-Montes, Beira Alta, Beira
Baixa e Alemtejo; isto é, todo o reino de Portugal vem a ser uma parte
do litoral da Europa. N’este ultimo sentido se ha de tomar a palavra
_litoral_ relativamente á distribuição geographica dos dolmens.

[112] _L’âge du bronze, pag_. 73.

[113] Cap. VI.

[114] Nas Baleares encontram-se tambem megalithos, porém de epocas
menos antigas. Alguns menhires fazem parte de tumulos com abobadas, por
onde parece provar-se a fusão dos dois systemas. Estas indicações, que
se nos deparam no _Semanario Pintoresco Español_ de 1857, pag. 173, são
deficientes, e muito aproveitaria a historia da Peninsula com o estudo
dos monumentos das ilhas mediterraneas.

[115] Lubbock, _L’homme prehistorique._ Pariz 1876 cap. V.

[116] _Antigüedades prehistoricas de Andalucia,_ pag. 106.

[117] _Dolmins ou antas de Portugal._ Lisboa 1868.

[118] Vid. os desenhos das enxadas e os dolmens da Scandinavia em
Nilsson, _Les habitants primitifs de la Scandinave_. Pariz 1868.

[119] _La Academia_ 1877, n.º 12, pag. 184. Em o n.º 14. pag. 209 vem
reproduzido em gravura um talayot de Trepucó da ilha de Minorca.

[120] G. Spano, _Scoperte archeologiche fattesi in Sardegna in tutto
l’anno 1874_. Cagliaria, 1874.

[121] Op. cit. pag. 66.

[122] Op. cit. cap. V.

[123] Exodo, XX, 25.

[124] Inscripção de Karnak interpretada pelo visconde de Rougè e citada
por Tubino, _Los monumentos megalithicos de Andalucia, Extremadura y
Portugal, Museo español de antigüedades_, tomo VII.

[125] Lyell, _L’ancienneté de l’homme_.

[126] Quatrefages, _L’espéce humaine_, pag. 242.

[127] Op. cit. cap. V.

[128] Tubino, _Los monumentos megalithicos_.

[129] _Os dolmens_, Lisboa 1876, pag. 31.

[130] J. Vilanova y F. M. Tubino, _Viaje cientifico á Dinamarca y
Suecia_. Madrid 1871, pag. 65.

[131] Lubbock, Op. cit.

[132] Sivelo, _Antigüedades de Galicia_, Fig. 18.

[133] Idem, pag. 9.

[134] Idem, pag. 74.

[135] _Antigüedades prehistoricas de Andalucia._

[136] _Os dolmens_, Lisboa 1876, pag. 36. Convém accrescentar outra
analogia importante. As inscripções de certos logares do Novo Mexico
são coloridas como as da Andaluzia.

[137] Op. cit. cap. V.

[138] Rougemont, _L’âge du bronze_, pag. 26.




                             CAPITULO VIII

                           IDADE DOS METAES

 _Porque não admittem a maior parte dos archeologos uma epoca
 de cobre?--Hypotheses para explicar a raridade dos objectos de
 cobre.--Abundancia d’estes objectos na Peninsula.--Haveria na
 peninsula Iberica uma epoca de cobre?--Coincidiriam essa epoca e a
 da pedra polida?--Substituiria a do bronze?--Objectos de cobre e de
 bronze, achados em Portugal.--Machados, ponta de frecha, faca, e
 serrote, espadas.--Punhaes de bronze e de ferro da Galiza.--Brevidade
 dos punhos.--Lendas dos pygmeus--Idolos e cabras de bronze.--Os
 primeiros dos exploradores do cobre na Peninsula foram anteriores aos
 phenicios.--Provas da fundição do bronze na Hespanha, ilhas Baleares
 e da Sardenha.--Classificação dos jazigos de bronze.--Fundições
 e thesouros.--Casta asiatica de fundidores nos tempos antigos e
 modernos.--Os ciganos._


Está commumente adoptada, já o dissemos, a divisão dos tempos
prehistoricos em duas idades: a da pedra e a dos metaes; e a subdivisão
d’esta ultima em duas epocas: a do bronze e a do ferro. Quem souber
porém que o bronze é uma liga de cobre e estanho, que o segundo d’estes
metaes é menos commum que o primeiro e de mais difficil extracção,
e finalmente que, sem se conhecerem ambos, não se inventaria a sua
liga, de certo perguntará porque se não faz preceder a epoca do bronze
pela epoca do cobre? A razão é simples. Em quasi todas as nações da
Europa apparecem tão numerosos os objectos de bronze e tão raros os
de cobre, que se têem refusado os archeologos a admittir uma epoca só
caracterisada por este metal. Das construcções lacustres de Neuchatel
na Suissa têem extrahido numerosos objectos de bronze e nenhum de
cobre[139]. Julgava-se que a Hungria e a Irlanda constituiriam
excepções á regra geral. Mas a estatistica dos objectos prehistoricos
de bronze e de cobre do museu de Dublin não auctorisou a admittir para
o ultimo d’aquelles paizes uma epoca do cobre. Entre mil duzentas
oitenta e tres armas apenas se contaram trinta machados de cobre
e uma folha de espada que diziam ser tambem do mesmo metal[140].
Relativamente á Hungria logo veremos qual é a verdade.

Para explicar a falta de um periodo naturalmente necessario na evolução
de industria metallurgica, ha quem supponha que a arte de fazer o
bronze não sería inventada na Europa, mas aqui introduzida por algum
dos povos emigrados do Oriente. D’este modo os europeus não teriam
fabricado o cobre, porque, iniciados na arte de fundir o bronze,
tornar-se-lhes-hia inopportuno o fabrico do cobre por ser muito
menos duro no estado simples que unido ao estanho. A fim de provar a
possibilidade d’este facto não faltam outros analogos. Affirma-se, por
exemplo, que certos povos septemtrionaes da raça dos finnicos, em suas
origens, não conheciam nem o cobre nem o bronze, porém sómente o ouro
e o ferro. Nos tempos historicos não faltarão exemplos de selvagens, a
quem os europeus fizeram passar de repente da epoca da pedra polida á
do ferro, sem terem percorrido a phase intermedia da epoca do bronze.

Outra hypothese para explicar a raridade dos objectos de cobre, em
relação aos de bronze, na maior parte dos povos da Europa, é que nos
tempos prehistoricos se não prepararia o bronze pela reunião immediata
de cobre e do estanho; mas pela extracção de um minerio que contivesse
ambos os metaes, ou pela mistura do minerio de estanho com o de
cobre. A uniformidade da composição do bronze, e até as proporções
determinadas em que se encontram o cobre e o estanho em cada genero
de instrumentos, conforme deveriam ser mais ou menos duros para bem
satisfazer ao fim a que se destinavam, demonstram o nenhum fundamento
de tal hypothese.

Outros dizem que a industria do fabrico do bronze sería uma sequencia
natural e necessaria de factos anteriores, e que povos differentes e
incommunicaveis se elevariam, progressivamente e sem extranho auxilio,
do fabrico da pedra lascada ao da pedra polida, d’este ao do cobre, e
finalmente ao do bronze, bem como do fabrico do bronze passariam da
mesma sorte por uma evolução necessaria ao fabrico do ferro. Causas
intrinsecas ou extrinsecas reduziriam em certos povos a pequeno
espaço de tempo a duração da epoca do cobre, que por tanto deixaria
de si poucos ou nenhuns vestigios. Esta hypothese com quanto seduza a
imaginação pela simplicidade, e por se basear na lei do progressivo
aperfeiçoamento da industria humana, parece todavia não ser conforme
aos factos. Ninguem duvida da similhança e até da identidade dos
objectos de bronze, encontrados nas mais distantes e nas mais varias
das regiões da Europa[141]. Ora tal similhança ou identidade seriam
impossiveis, se cada povo tivesse inventado por si mesmo o cobre, o
estanho e a liga d’estes dois metaes.

Além d’isto, será certo, ou ao menos provavel, que os povos da Europa
chegassem por si sós e sem extranho auxilio á invenção dos metaes? Se
n’alguns paizes se admitte a invenção indigena do cobre ou do ferro, na
maior parte não se tem verificado este facto. Affirma Lenormant que os
pretos da Africa central e meridional não conheceram nunca o bronze,
e até, pela maior parte, não fabricam o cobre. Em compensação, têem
dado ao fabrico do ferro certo desenvolvimento, e por meio de processos
proprios que não receberam de extranhos. Chegaram pois espontaneamente
a descobrir o ferro, e passaram do uso exclusivo da pedra ao d’este
metal, sem a phase intermedia do cobre ou do bronze. Os esquimaus, não
sahidos ainda da idade da pedra, ignoram os processos de fundir os
metaes, mas fabricam certos utensilios de ferro, percutindo com pedras
o meteorico, e sem o fazer passar pela fusão[142]. Se aquelles mesmos
processos de fundir o ferro não foram ensinados aos africanos por algum
povo asiatico, o que parece mais provavel, o facto é excepcional. Na
maior parte dos casos verifica-se a iniciação. Citaremos apenas o
exemplo dos mexicanos, que os hespanhoes foram encontrar n’um subido
grau de civilisação, porém dentro dos limites da epoca do bronze.
Durante milhares de annos não souberam inventar meios de buscar,
extrahir e fabricar o ferro.

A primeira hypothese, ou a da iniciação dos europeus pelos orientaes,
particularisou Nilsson, attribuindo aos phenicios a introducção do
bronze na Europa. Antes de examinar esta hypothese, applicada á Europa
em geral, e mais em particular á Peninsula, importa-nos saber que
objectos aqui se têem encontrado, para assentar sobre fundamentos menos
duvidosos essa discussão importante.

Primeiro que tudo convém saber que os srs. Vilanova e Tubino insistem
n’uma circumstancia que têem por indubitavel--na escassez dos objectos
de bronze em Hespanha, compensada pela grande abundancia dos de cobre.
Por isso propõe o sr. Tubino a subdivisão da epoca neolithica em dois
periodos: o mesolithico e o do cobre[143]. Para bem esclarecer este
ponto importante, importa examinar se: 1.º Haveria na peninsula Iberica
uma epoca do cobre? 2.º Coincidiriam essa epoca e a da pedra polida?
3.º Substituiria a epoca do bronze? a existencia da epoca do cobre.
Quando se descobriu a America, os povos

Prova-se por analogia a possibilidade de qualquer d’estes factos. Ainda
hoje selvagens d’Africa fabricam cobre e ferro e ignoram o processo de
fazer bronze. Outros da America septemtrional apenas sabem fabricar
armas de pedra e de cobre. Na opinião de Rougemont, os proprios
egypcios tiveram a sua epoca do cobre, correspondente ás dynastias
IV, V e VI, quatro mil e quinhentos annos antes de Christo, á qual
epoca se seguiu a do bronze nas dynastias immediatas[144]. Mas pode-se
ainda restringir a analogia e dar-lhe maior força. Em certas regiões
abundantes de minas cupricas verifica-se das regiões septemtrionaes
estavam n’essa phase da civilisação. Nas circumvisinhanças do lago
Superior se conservam hoje os vestigios da exploração de enormes
quantidades de minerio de cobre. O sr. Whittesley calcula que esses
vestigios occuparão na parte meridional do lago uma extensão de cem
a cento e cincoenta milhas; e que as arvores que cobrem alguns terão
mais de tres seculos de existencia[145]. Na Asia, da região media do
Jenessei até ao Amur para a parte de leste, e para a parte de oeste
até ao Oural, ha grande numero de tumulos, de minas abandonadas e de
fornos em ruinas. Pelas madeiras petrificadas se conhece a sua grande
antiguidade. Está tambem provado que os tchoudes exploraram estas
minas de cobre antes de conhecerem o estanho, e que antes da epoca do
bronze tiveram portanto a sua epoca do cobre. As mesmas duas epocas se
conhecem facilmente na Hungria e na Transylvania, onde existem ruinas
antigas inteiramente eguaes ás dos tchoudes do Oural e da Siberia[146].
Ora, a peninsula Iberica, pela abundancia do cobre, pela antiguidade
das minas d’este metal, está em condições analogas ou ás da Hungria
e da Transylvania, ou ás da vasta região habitada pelos tchoudes.
Não custa portanto admittir que o grande numero de objectos de cobre
achados na Peninsula provam a existencia de uma epoca do cobre, da
qual os povos ibericos mais tarde se elevariam á do bronze, quando o
commercio lhes fornecesse o estanho necessario para ligar com o cobre.

Dando como demonstrada a epoca do cobre, passaremos agora a examinar
a segunda questão: se coincidiria com a epoca da pedra polida? Em
primeiro logar notaremos a incompatibilidade da coincidencia. Se um
povo qualquer fabríca e usa instrumentos de metal, como se ha de
considerar esse povo na idade da pedra? Não comprehendemos pois que se
possa admittir na epoca da pedra polida um periodo do cobre, se não
fôr para significar que os peninsulares estariam já n’esse periodo, em
quanto os outros povos da Europa estariam no anterior. Mas quem ignora
a impossibilidade do synchronismo das varias phases industriaes em
toda a Europa? As expressões _epoca da pedra lascada_, _epoca da pedra
polida_, _epoca do bronze_, _epoca do ferro_ não significam de modo
nenhum condições communs a todos os povos, porém tão sómente a um povo
ou a alguns povos. Quando portanto fallarmos da epoca da pedra polida
ou da epoca do cobre da Peninsula, não podemos referir-nos senão a esta
parte da Europa.

Talvez para a mencionada tentativa da penetração da idade da pedra
pela idade dos metaes influisse a circumstancia de se terem encontrado
martellos de pedra em minas prehistoricas de cobre, como são as do
Milagro nas Asturias, de Cerro Muriano em Cordova e de Ruy Gomes
no Alemtejo. Mas o uso dos instrumentos de cada epoca não termina
com ella, prolonga-se de ordinario pelas immediatas. Apparecem com
frequencia em tumulos da epoca do bronze armas de pedra, e nos da
epoca do ferro armas de pedra e de bronze. N’este caso particular das
minas de cobre o facto observado na Peninsula não é unico. N’aquelles
que já mencionámos do lago Superior apparecem tambem martellos de
pedra[147]. No Egypto usavam de certos utensilios de pedra, alguns por
extremo grosseiros, juntamente com os de metal, nos mais florescentes
dos periodos da civilisação, e até em tempos que não vão ainda longe.
Com instrumentos de pedra exploravam os egypcios as minas de cobre
da peninsula de Sinai; com os mesmos instrumentos trabalhavam nas
pedreiros de granito de Syène, etc.[148]. Certos povos da raça negra
fabricam enxadas superiores áquellas que a Inglaterra quer enviar-lhes
de Sheffield, servindo-se de uma forja rudimental, constando apenas de
uma bigorna de grés, um martello de silex e um folle, feito com um vaso
de barro tapado com uma pelle movel[149].

Resta-nos agora examinar o ultimo ponto: se a epoca do cobre
substituiria na Peninsula a epoca do bronze? O proprio sr. Tubino, que
é quem mais propende para esta idêa, enumerando os objectos metallicos,
encontrados em Andaluzia, Extremadura e Portugal, falla dos de cobre e
dos de bronze de tal modo que ninguem saberá dizer ao certo quaes serão
em maior numero[150]. Nem outra cousa se conclue da enumeração que pela
sua parte faz o sr. Vilanova[151]. O sr. D. José Villa-amil y Castro
menciona espadas, punhaes e pontas de frechas descobertos na Galiza,
todos de bronze e nenhum de cobre[152].

De Portugal ninguem tambem dirá que os objectos de cobre até hoje
encontrados sejam muitos mais que os de bronze. No Alemtejo apparecem,
é verdade, em maior numero os instrumentos de cobre; mas acham-se
tambem n’esta provincia muitos de bronze com as fórmas dos typos
correspondentes de outras partes. Dos de cobre asseveram os fundidores
de Evora haverem observado no tempo em que os fundiam, (porque não
eram ainda procurados pelos collectores) que lançavam um cheiro forte
e suffocante, quando os sujeitavam no cadinho á acção do fogo. Este
facto prova a impureza do cobre de que taes objectos eram fabricados,
e explica-se talvez pela imperfeição dos processos empregados para a
extracção, que deixariam uma porção de enxofre combinada com o metal.
Repetimos porém, que os objectos de bronze não são tão raros que
acreditem a hypothese da existencia de uma epoca de cobre tão notavel
e tão prolongada que deixasse no escuro a do bronze, como pretendem
alguns dos auctores hespanhoes. As collecções de objectos prehistoricos
do Museu da Escola Polytechnica de Lisboa e da Bibliotheca de Evora
contêem objectos de bronze em maior numero que os de cobre. A collecção
do sr. Gabriel Pereira, pelo contrario, tem mais objectos de cobre; mas
esta collecção consta principalmente de machados muito singelos, que
são os mais communs e, pela maior parte de cobre. Para se avaliar a
superabundancia d’estes instrumentos, relativamente aos outros da mesma
epoca, bastará dizer que a mencionada collecção consta de dezesete
objectos, dos quaes quinze são dos machados ou cunhas de cobre mais
communs, e dois de bronze: convém a saber um machado com azelhas (fig.
64) e a espada (fig. 71). Note-se tambem que sómente no Alemtejo, e nas
regiões meridionaes d’esta provincia consta apparecer tamanho numero
de machados de cobre. Haverá alguma relação entre este facto e a mina
prehistorica de Ruy Gomes na mesma provincia?

                        [Illustração: Fig. 63

                               Fig. 64.

              MACHADOS DE COBRE E DE BRONZE DO ALEMTEJO.]

Para se servirem d’estes instrumentos, rachavam na parte superior os
cabos de pau, e mettiam os machados nas fendas, ligando-os fortemente
com cordas ou corrêas. Dos machados mais singelos com fórma de cunhas
têem-se encontrado tambem na Hespanha, bem como dos outros com
cavidades para os cabos e com azas ou sem ellas. Porém, segundo affirma
o sr. Villa-amil, em contrario do que no Alemtejo acontece, os machados
lisos, á maneira de cunhas, seriam em Hespanha menos communs que os
outros. O escriptor citado achou em castros da Galiza pontas de lança
(_cuspis_) tanto de bronze como de ferro[153].

A fig. 64 representa um machado de bronze, encontrado no Alemtejo. Mas,
como já dissemos, este typo, parecido ao _scalprum fabrile_, é raro em
comparação do typo que a fig. 63 representa o mais commum de todos.

                        [Illustração: Fig. 65

              PONTA DE FRECHA DE COBRE DA CASA DA MOURA.]

Entre os numerosos objectos, encontrados nas cavernas de Cesareda, não
appareceu nenhum de metal, excepto uma ponta de frecha de cobre[154].
Este achado bastará para referir aquella estação prehistorica á idade
dos metaes? As explorações até hoje feitas em Hespanha e Portugal
auctorisam-nos a reportar á epoca da pedra polida os habitantes das
cavernas. Todavia o achar-se a frecha de cobre a quatro metros de
profundidade, quasi sobre o manto stalagmitico, parece excluir a
possibilidade de ter ali ficado em epoca posterior á habitação da
caverna. Por outra parte, os objectos, achados no mesmo logar, e
particularmente a massa de calcareo claviforme lavrada n’uma das faces,
e a placa de schisto com ornatos triangulares estão indicando com a
possivel certeza a epoca d’aquella estação prehistorica. Deve ter sido
frequentada no tempo dos dolmens de Bellas e de Pavia e da Sepultura de
Martim Affonso, de Muge. Ora, esta epoca marca a transição da idade de
pedra para a dos metaes.

                        [Illustração: Fig. 66

                                Fig. 67

                 FACA E SERROTE DA FONTE DA RUPTURA.]

Seria porventura contemporanea a estação prehistorica da Fonte da
Ruptura de Setubal, onde appareceram uma faca e um serrote que se
conservam no Museu da Escola Polytechnica. Porém estão de tal sorte
incrustados que é impossivel dizer se serão de cobre ou de bronze.
Advirta-se porém que em certas estações ficaram sotopostos os
vestigios de varias epocas, por terem sido habitadas successivamente
por muitas gerações e talvez até por differentes raças. E quando
no acto da exploração se não registram cuidadosamente todos os
indicios, todas as relações de posição dos objectos entre si e com
os materiaes integrantes do deposito, torna-se depois impossivel
descobrir a verdade. A Memoria do sr. Delgado offerece-nos todos esses
esclarecimentos ácerca das cavernas de Cesareda, mas relativamente
á Fonte da Ruptura ignoram-se as circumstancias da exploração e da
localidade.

Na Bibliotheca de Evora guardam-se seis ou sete espadas de cobre,
achadas em varios sitios da diocese de Beja por D. fr. Manuel
do Cenaculo. Fundidores de Evora affirmam terem fundido outras
similhantes, o que prova não serem raras nas terras transtaganas.
Julgou-as o descobridor feitas de bronze, porém com os objectos de
cobre é que ellas têem mais analogia nas suas propriedades physicas
(fig. 68, 69 e 70).

Estas espadas não têem gumes; serviam portanto para ferir de ponta.
Outra circumstancia notavel é serem inteiriças, isto é, cada uma
d’ellas formada de uma só peça, e sem articulação dos punhos e copos
com a folha, quando as armas d’este genero, já durante a epoca de
bronze, eram geralmente articuladas. Esta mesma circumstancia se
observa n’outras espadas ou punhaes de cobre ou de bronze, achados no
Alemtejo, os quaes são tambem inteiriços ou formados de uma só folha
metallica, afeiçoada á força de trabalho com instrumentos cortantes
e contundentes (fig. 71). Porém outros objectos da mesma epoca foram
fundidos. Têem-se encontrado na Irlanda e na Sardenha alguns dos moldes
que serviram para este fim.

O sr. D. José Villa-amil y Castro descreve um punhal de bronze, achado
na Galiza, de mui differente feitio, e muito mais complicado[155].
A folha não é lisa, mas coberta de riscas muito finas, unidas e
parallelas entre si e aos bordos, cuja direcção recta ou curva
approximadamente seguem. O punho tem a fórma d’aquelles que chamam de
antennas. Mas o que ha mais notavel n’esta arma de bronze é ter o punho
furado para entrar n’elle a espiga da folha. Não ha vestigios de ter
sido repregada ou fixada por virola ou por outro meio. Pelo contrario
a espiga entra no punho e sahe muito á larga, e conserva signaes do
attrito que soffreria n’estes movimentos. O sr. Villa-amil suppõe que
esta arma curiosa serviria aos sacerdotes nos sacrificios, e que o
mesmo individuo poderia ferir differentes victimas com o mesmo punho,
substituindo a folha para cada victima. Mas o mais que se póde concluir
é que n’este e n’outros similhantes punhaes se substituiria uma folha
por outra, quando a primeira estivesse gasta, o que em pouco tempo
aconteceria, em razão da pouca dureza do bronze (fig. 72).

                        [Illustração: Fig. 69

                                Fig. 70

                                Fig. 68

                                Fig. 71

              ESPADAS DE COBRE E DE BRONZE DO ALENTEJO.]

                        [Illustração: Fig. 72

                     PUNHAL DE BRONZE DA GALIZA.]

Algumas armas de bronze com os caracteres das armas prehistoricas
têem apparecido em sepulturas juntamente com objectos romanos. Houve
pois uma penetração de certos costumes da epoca do bronze pelas
epocas subsequentes. O fragmento de um punhal de ferro (Fig. 73),
achado na Galiza, e muito similhante á parte correspondente do punhal
de bronze, encontrado na mesma provincia e representado na fig. 72,
prova a coincidencia do uso de armas e instrumentos de ambos os metaes
n’aquella provincia. Prova ainda que os mais perfeitos dos objectos de
bronze não terão grande antiguidade.

                        [Illustração: Fig. 73

          FRAGMENTO DE UM PUNHAL DE FERRO, ACHADO NA GALIZA.]

As armas de cobre e bronze, espadas e punhaes, achadas na Peninsula,
bem como aquellas que têem apparecido n’outras partes da Europa,
parece haverem sido usadas por uma raça de estatura baixa e de mãos
extremamente pequenas. Em quanto os punhos das actuaes têem sete ou
oito centimetros, os das armas de cobre ou de bronze medem apenas
quatro ou cinco centimetros. Na Asia ainda hoje ha povos que se
distinguem por terem mãos tão pequenas que os punhos das suas armas
são como os das nossas armas prehistoricas. As lendas dos anões e dos
gnomos, vulgares em tantos paizes, recordam ainda hoje os homens de
pequena estatura da epoca do cobre ou do bronze. Segundo essas lendas,
os anões habitavam as cavernas, d’onde sahiam sómente pela calada da
noite. Os camponezes das circumvisinhanças vinham depositar pães junto
das bocas das cavernas em troca dos instrumentos de metal que os anões
fabricavam. Outros povos attribuem á propria Divindade os caracteres
dos anões fundidores de metaes; e representam o Demiurgos, o auctor
dos mundos, como um homunculo disforme e grotesco. Outros finalmente
conservam as tradições de pygmeus que gigantes teriam vencido. Em tudo
isto consideram os archeologos outras tantas provas da existencia de
uma raça de estatura pequena, que outra mais forte haveria vencido e
substituido em varias regiões da Europa.

Conservam-se tambem na bibliotheca de Evora um idolo grosseiro e tres
outros idolos similhantes, porém menores, todos de bronze. Ignora-se a
procedencia d’estas curiosas antigualhas.

                        [Illustração: Fig. 74

                                Fig. 75

               IDOLO DE BRONZE DA BIBLIOTHECA DE EVORA.]

No Museu da Escola Polytechnica ha um similhante idolo masculino de
bronze, pertencente ao sr. Judice do Algarve, e talvez n’esta provincia
descoberto.

Apparecem tambem no Alemtejo bodes ou cabras de bronze tão imperfeitos
como os idolos e provavelmente da mesma epoca. Os fragmentos adherentes
aos pés indicam que estas grosseiras imagens estariam fixas a outros
objectos. Conservam-se dois bodes de bronze na bibliotheca de Evora.
Outro similhante, foi achado ha alguns annos no Redondo, districto
de Evora[156]. Os idolos de dois sexos e as cabras de bronze serão
talvez os vestigios de alguma antiga religião introduzida na Peninsula
em epoca desconhecida. Os egypcios, os phenicios e outros povos
da antiguidade rendiam culto aos elementos masculino e feminino,
symbolisados em Isis e Osiris, em Baal e Astarté. A cabra era tambem
objecto de adoração no Egypto. Aqui o sol e a lua representavam o
principio masculino e o feminino. Já vimos que em certas inscripções da
Andaluzia se vêem figurados estes dois astros[157]. O costume, antigo
e commum na Peninsula e em tantas partes da Europa, de celebrar com
fogueiras e dansas a noite de S. João ou o solsticio do verão, parece
tambem a alguns um vestigio da religião phenicia. Mas é provavel que
d’uma civilisação mais remota herdassem os phenicios e outros povos
este e outros costumes religiosos.

                        [Illustração: Fig. 76

                                Fig. 77

                                Fig. 78

              IDOLOS DE BRONZE DA BIBLIOTHECA DE EVORA.]

                        [Illustração: Fig. 79

                                Fig. 80

              CABRAS DE BRONZE DA BIBLIOTHECA DE EVORA.]

Os primeiros dos exploradores das minas de cobre na Peninsula, os
primeiros dos que fabricaram os velhos machados de cobre devem ser
anteriores aos phenicios e ao tempo em que estes colonisaram alguns
dos logares septemtrionaes da Africa e meridionaes da Hespanha no
seculo XII. As condições de um povo que explorava o cobre com martellos
de pedra, e se servia de machados grosseiros d’aquelle metal não
concordam de modo nenhum com o que sabemos ácerca da civilisação
adiantada dos phenicios e dos povos mediterraneos no tempo da fundação
das primeiras das colonias tyrias. A nossa epoca do cobre foi portanto
anterior aos phenicios e aos etruscos, conclusão a que chegára Desor
na Suissa, relativamente á epoca do bronze, pela falta de objectos de
ferro nas palafittas d’aquella epoca. Mas se na Suissa não é possivel
determinar, presumir ao menos que, povo ali introduziria o commercio do
bronze, na Iberia a exploração e fabríco do cobre parece naturalmente
relacionarem-se com algum dos povos da Asia, e de uma região onde as
minas de cobre eram tambem exploradas.

Se os bronzes das palafittas da Suissa e das terramaras da Italia se
hão de julgar anteriores á epoca do ferro e portanto mais antigos que
os etruscos e phenicios, a que remotissimas eras se não reportarão os
machados de cobre da Peninsula? Mais adiante examinaremos as razões
que fazem provavel a opinião de que as primeiras explorações das minas
de cobre na America, na Hungria na Transylvania e na Iberia fossem
contemporaneas e talvez resultantes de uma antiga civilisação turania
irradiante da Asia para as outras partes do mundo[158].

Á epoca do cobre succedeu a do bronze, quando um povo navegador e
commerciante introduziu na Peninsula ou os instrumentos de bronze ou o
estanho para se fabricarem. É possivel que esta introducção fosse por
algum povo anterior aos phenicios e etruscos. Se a hypothese de Nilsson
acha contradictores na sua applicação á Scandinavia, com mais força de
razão se poderá impugnar relativamente á peninsula Iberica. É porém
certo que o uso do bronze se prolongou durante a colonisação phenicia,
dilatando-se até pela epoca romana. Ninguem ignora a importancia
que teve Cadix no commercio do estanho que os phenicios iam buscar
a Cornwals. Ora, sendo a Peninsula abundante de cobre, não deixaria
portanto de haver fabricas de bronze n’aquellas e n’outras colonias
phenicias. Strabão falla de espadas de bronze, feitas em Cadix[159].
Na Sardenha têem apparecido até hoje oito matrizes de fundir armas de
bronze[160]. O punhal de bronze e o punho de outro de ferro do mesmo
typo, achados na Galiza, provam que um mesmo povo, na mesma epoca, ou
em epocas proximas, fabricaria armas de bronze e de ferro. Em taes
condições estavam os phenicios, pelo menos durante os ultimos tempos da
sua existencia nacional.

As Baleares, como a Sardenha, como a Etruria, foram de certo focos,
d’onde irradiaram para longes terras, pelo commercio, os objectos
de bronze. Strabão diz serem os habitantes das Baleares optimos
fundidores, e exercitarem esta arte desde o tempo da occupação
d’aquellas ilhas pelos phenicios[161].

O sr. Chantre, n’uma obra recentemente publicada, colligiu innumeros
factos que o levaram a classificar em dois grupos principaes os jazigos
do bronze: 1.º As _fundições_; 2.º Os _thesouros_. A estas duas classes
já bem determinadas convem accrescentar certas estações ou centros
habitados, ainda mal definidos, e muitas sepulturas em raso campo,
cuja presença nenhum signal apparente indica. «Uma fundição consiste
ordinariamente n’uma simples cavidade aberta na terra, encerrando o
material mais ou menos completo de um fundidor de bronze: barras de
metal, escorralhas, restos, escorias, objectos usados inteiros ou
partidos, moldes, pinças, ás vezes objectos novos sahidos do molde e
por acabar. Taes fundições têem apparecido em muitos logares da Europa,
mas particularmente em França, Saboia e Allemanha»[162].

Os thesouros constam unicamente de objectos novos sem terem servido,
ás vezes ligados uns aos outros, e tão eguaes que de certo sahiriam do
mesmo molde. Encontram-se em pequenas cavidades, feitas de proposito
para os esconder. Os mais importantes appareceram nos Alpes.

Da uniformidade das fundições, encontradas na Europa, e de occuparem
sempre logares solitarios, distantes das povoações, conclue o sr.
Chantre que os fundidores pertenceriam a uma mesma casta nomada, que
percorreria a Europa, e talvez outros continentes, exercendo a sua
arte. Esta idêa parece-lhe confirmada pelas circumstancias respectivas
aos thesouros, que seriam depositados em escondrijos por aquelles que
os traziam, até a um regresso que muitas vezes circumstancias fortuitas
e imprevistas impediriam.

Além d’estes factos, ha outros que parece egualmente provarem a
existencia de origens unicas do bronze. A composição d’esta liga é
a mesma por toda a parte. Os objectos encontrados, seja qual fôr o
logar onde o tenham sido, denotam tres periodos differentes da epoca
do bronze; 1.º aquelle em que apparece como raridade no meio de
gentes occupadas a polir a pedra: 2.º aquelle em que o metal chega
a substituir definitivamente a pedra para certos usos, em que lhe é
manifestamente superior: 3.º aquelle em fim em que o ferro vem fazer
concorrencia ao bronze e chega a supplantal-o. Allega-se tambem a
falta da exploração do cobre na Europa. E de tudo isto conclue o sr.
Burnouf, reproduzindo segundo cremos, a opinião do sr. Chantre, que a
origem do bronze sería estranha á Europa, e n’uma região indeterminada
da Asia. Admitte porém que, pelas differenças locaes, se ha de
distribuir a Europa em tres grupos: o do Oural; o do Danubio e o do
Mediterraneo[163]. Não reflectiu o auctor que ao primeiro d’aquelles
grupos correspondem antigas minas de cobre exploradas pelos tchoudes;
ao segundo as minas da Hungria e Transylvania; ao terceiro finalmente
as da peninsula Iberica. Cornwalls, e porventura alguma outra região
ignorada forneceriam o estanho aos fundidores do bronze.

Não será hoje facil, unicamente pelos vestigios encontrados, resolver
os problemas que nos offerece a metallurgia da epoca do bronze.
Entretanto ha certos factos conhecidos que, approximados e comparados
uns aos outros, deixam entrever a possibilidade de uma solução.
Herodoto falla de uma casta ou corporação de fundidores ambulantes,
provenientes da Asia[164]. Durante a idade media ainda a mesma raça
frequentava as villas e aldeias da Europa, odiada e perseguida por
todos. Com o desenvolvimento da industria cada vez se tornaram menos
frequentes as apparições d’estas tribus errantes. Comtudo ainda ha
poucos annos uma percorreu a Hespanha e Portugal, acampando fóra das
povoações e demorando-se em cada estação emquanto lhe davam trabalho.
Esta gente é da casta dos ciganos, e pelo mesmo nome ou pelos
correspondentes designada nos differentes paizes.

Segundo Herodoto, os _sigynnos_ seriam os mais antigos dos habitantes
da Peninsula e, na oppinião de alguns auctores, seriam tambem os
_ciganos_ da antiguidade. Com effeito _syginnos_, _tzigeuners_,
_ziguener_, em Allemanha, _tchingenés_, na Turquia, parecem variantes
do mesmo nome. Mas, se já entre os antigos iberos havia ciganos,
sel-o-hiam tambem os sicanos ou sequanos, iberos que na Sicilia
precederam os siculos? No ultimo capitulo d’este livro diremos algumas
palavras mais ácerca d’esta questão obscurissima da ethnologia
peninsular.


NOTAS DE RODAPÉ:

[139] Pelo menos Desor não os menciona, estampando e descrevendo
minuciosamente os instrumentos de bronze. Vej. _Les palaffittes ou
constructions lacustres du lac de Neuchatel_.--Pariz 1865.

[140] Lubbock, _L’homme préhistorique_, pag. 53.

[141] Idem, pag. 54.

[142] Lenormant, _Les premières civilisations_, tom. I, pag. 87 e 88.

[143] Vej. a pag. 27 d’este livro a classificação proposta.

[144] _L’âge du bronze_, pag. 179.

[145] Lubbock, op. cit. pag. 233.

[146] Rougemont, op. cit. pag. 32 e 33.

[147] Lubbock, op. cit. pag. 233.

[148] Lenormant, op. cit. pag. 106.

[149] Idem, pag. 86.

[150] _Los monumentos megaliticos de Andalucia, Extremadura y Portugal
y los aborigenes ibericos, Museu español de antigüedades_, tomo VII.

[151] _Lo preshistorico en España, Anales de la sociedad española de
historia natural_, tomo I, cuaderno 2.º pag. 210.

[152] _Armas, utensilios y adornos de bronce recogidos eu Galicia.
Museu español de antigüedades_, tomo IV, pag. 64.

[153] _Armas, utensilios y adornos de bronce recogidos en Galicia.
Museo español de antigüedades_, tomo IV, pag. 64.

[154] J. F. N. Delgado, _Noticia das grutas de Cesareda_.

[155] Op. cit.

[156] A cabra, encontrada no Redondo e pertencente hoje ao sr. Dr.
Sanches da Gama, appareceu juntamente com moedas romanas e vasos de
barro debaixo de uma pedra, perto da villa de Redondo, districto de
Evora. O possuidor da cabrinha conserva tambem algumas das moedas que
diz serem do imperador Filippe. O individuo que fez o achado insiste
em que todos estes objectos estavam juntos debaixo da mesma pedra.
Difficil parecerá attribuir á epoca romana a cabrinha do Redondo,
cujo lavor todavia é menos imperfeito que o das que se conservam na
Bibliotheca de Evora e as fig. 79 e 80 representam. O sitio do achado
foi junto de certo ribeiro, distante um kilometro de Montoito.

[157] _Antigüedades prehistoricas de Andalucia._

[158] Diz Lenormant que, no tempo em que os aryos e os semitas
eram ainda pastores, florescia na Asia anterior uma civilisação
exclusivamente turania e kuschita. A de Susiana sería anterior á de
Babylonia, pois que os chaldeus a denominavam por excellencia o _paiz
antigo_. As gentes turanias que a povoavam, já vinte e tres seculos
antes de Christo, emprehendiam remotas conquistas. _Les premiéres
civilisations_, tom. I, pag. 108.

[159] Rougemont, _L’âge de bronze_, pag. 121.

[160] _Revue d’anthropologie_, 1875, pag. 508.

[161] Strabão Geograph. lib. III. «... _funditores tamen sunt optimi,
aiuntque eam artem eos magnopere exercuisse, ex quo tempore Phœnices
eas insulas occuparunt. Hi primi hominum feruntur gestasse tunicas laté
pretextas._»

[162] Emile Burnouf, _L’âge du bronze, Revue des deux mondes_, 15 juin
1877, pag. 752 a 782.

[163] Ibidem.

[164] E. Burnouf, loc. cit.




                              CAPITULO IX

                           ORIGENS ETHNICAS

 _Os finnicos e os vasconços.--Os seus idiomas agglutinativos.--Origem
 turania dos finnicos.--Será commum aos vasconços?--Provas deduzidas
 da philologia e da anthropologia.--Hypothese de Retzius e sua
 classificação das raças humanas.--Refuta-se esta hypothese.--Opiniões
 dos philologos ácerca da linguagem vasconça.--Os mais antigos dos
 craneos da Peninsula e da Europa.--Craneos fosseis de Néanderthal
 e de Gibraltar.--Outros do Cabeço da Arruda, Cesareda e Cueva
 de la Mujer.--Maxillas.--Raça de Cro-Magnon.--Sua dístribuição
 geographica.--Povoaria a peninsula Iberica?--Será representada
 ainda hoje pelos beréberes?--Factos comprobativos.--Necessidade
 de novas observações.--Os beréberes e os antigos egypcios.--Povos
 mediterraneos.--Sua civilisação ha tres mil annos.--Extender-se-hia á
 Peninsula?--Conclusões._


Nos extremos da Europa, entre os pantanos da Finlandia, no meio das
brenhas e fraguras dos Pyreneus, remanecem, com os nomes de _finnicos_
e _vasconços_, os ultimos representantes de duas raças estranhas.
Parece que outros povos mais civilisados, a quem teriam de ceder o
passo e de abandonar os logares amenos e apraziveis, onde em principio
habitariam, os foram de tempos a tempos repellindo e internando para
as suas vivendas actuaes. O insolito da linguagem, dos costumes, das
propensões, em summa do typo ethnico, em todas as epochas tem feito com
que lhes attribuam maior antiguidade que aos outros povos da Europa. A
linguagem, sobre tudo, torna-se por extremo notavel, pelo seu caracter
agglutinativo, entre idiomas, que, por serem flexivos, correspondem a
um grau superior de cultura e desenvolvimento intellectual.

Convém saber que os philologos modernos admittem tres phases distinctas
na evolução da linguagem: o monosyllabismo, a agglutinação e a flexão.
Ainda hoje alguns povos se conservam na primeira d’estas phases;
outros persistem na segunda; outros, em fim, mais perfectiveis, mais
dispostos a modificar-se, obedecendo á lei do progresso, elevaram-se
á terceira. Ora, assim como o chinez de Cantão ou de Fo-Kien (porque
n’outras provincias da China a linguagem offerece o curioso phenomeno
da transição da primeira para a segunda phase) assim como o chinez
de Cantão ou de Fo-Kien parece incapaz de passar do monosyllabismo
á agglutinação, e muito mais á flexão, assim tambem o finnico e o
vasconço têem conservado até hoje, no meio e em contacto de povos que
fallam idiomas flexivos, a sua antiga linguagem agglutinativa.

Com razão pois se tem considerado estes dois povos como subsidios
importantes para a solução do problema das origens ethnicas da
Europa. Porquanto, determinada a raça ou determinadas as raças d’onde
procederam os finnicos e os vasconços, conhecer-se-hiam desde logo
os predecessores dos mais antigos dos povos que a historia menciona.
Aos vasconços, isolados como estão, e distantes de outros povos com
idiomas agglutinativos, não se lhes póde rastejar a stirpe, mas quem
seguir attentamente os passos e vestigios dos povos finnicos para as
partes orientaes, lá irá encontrar a mesma raça na Asia; pela Siberia
occidental, dilatando-se até ao rio Jenessei e até aos montes Altai. E
pois se vê confinar ahi, da parte do nascente, com mongoes propriamente
ditos, e, da parte do sul, com turcos e tartaros, não é muito que
se tenham os finnicos como um ramo do grande tronco mongolico, e se
designem tanto a estes, como aos outros povos com que se emparentam,
pelo nome generico de _turanios_, da região que parece ter-lhes sido
berço, para os distinguir dos aryos ou _iranios_, povos oriundos não do
Turan, mas do Iran.

Procederiam, porém, os vasconços egualmente do Turan, e pertencerão por
conseguinte á raça mongolica? O caracter agglutinativo da linguagem,
só por si, não basta para demonstrar identidade de origem ou de raça.
Homens brancos, amarellos e negros fallam idiomas agglutinativos em
varias partes do mundo. Mas Luciano Bonaparte e Charancey julgaram
achar outras analogias particulares entre o finnico e o vasconço, e
entenderam que seriam ambos da grande familia das linguas turanias do
norte da Asia[165]. No campo da anthropologia cuidou Retzius ser commum
a finnicos e vasconços a mesma fórma do craneo. Assim a identidade
ethnica d’estes povos parecia provada por duas das sciencias que mais
competentemente o poderiam fazer.

Deixaremos aos philologos a analyse e discussão da prova philologica,
por exigir conhecimentos geraes de linguistica e especiaes dos idiomas
agglutinativos. Mas, para bem se avaliar a prova anthropologica,
importa-nos dizer algumas palavras ácerca da hypothese de Retzius.

A côr da pelle, da iris e do cabello, por uma parte, e por outra parte
a distribuição geographica, têem servido de elementos fundamentaes á
maior parte d’aquelles que tractaram de classificar as raças humanas.
Todavia nem Blumenbach, nem Cuvier, nem Morton, nem Agassiz, nem
qualquer dos auctores de classificações principalmente fundadas nos
caracteres referidos, deixaram de prestar a devida attenção aos da
fórma e capacidade do craneo. Tal é com effeito a importancia d’estes
caracteres, que, relativamente aos de outros orgãos, muito bem
poderemos consideral-os como subordinadores.

Retzius foi quem primeiro classificou as raças humanas sómente pelas
mais apparentes das differenças anatomicas observadas nos craneos.
A classificação do celebre medico sueco, ha poucos annos fallecido,
é tão simples como engenhosa. Todos os craneos humanos são ou
_dolichocephalos_ (alongados), ou _brachycephalos_ (arredondados).
Admittida esta divisão geral, as raças humanas, segundo o auctor,
dividir-se-hiam tambem em raças dolichocephalas e raças brachycephalas.
Cada uma d’estas classes se subdividiria em raças _orthognathas_ (com
maxillas verticaes) e em raças _prognathas_ (com maxillas inclinadas de
trás para diante e de cima para baixo)[166].

No tempo de Retzius os mais antigos dos craneos que na Scandinavia se
conheciam eram brachycephalos; e, como os dos finnicos o fossem tambem,
e se julgasse o mesmo dos vasconços, suppoz aquelle anthropologo que
a Europa, antes de ser habitada pelos povos actuaes da raça iranía, o
teria sido por outros da raça turania, dos quaes o maior numero sería
destruido pelos primeiros, e o resto afugentado para as vertentes dos
Pyreneus e para as regiões pantanosas da Finlandia.

Outro povo, não menos antigo, na opinião de alguns procedente da
Peninsula, e, portanto, aparentado com os vasconços, seriam os liguros.
No tempo de Herodoto e de Hecateu de Mileto habitavam uma parte da
Italia. Antecedentemente haviam fundado Genova, e em epoca ainda mais
remota, mil e trezentos ou mil e quatrocentos annos antes de Jesus
Christo, passavam á Sicilia com o nome de siculos; e expulsavam d’ahi
os sicanos, bem como, alguns seculos antes, os haviam já expulsado
das margens do rio Sicano da Iberia[167]. Os liguros tinham mediana
estatura, olhos e cabellos negros e a cabeça redonda. Como por estes
caracteres parecesse não pertencerem ás raças iranias, associaram-os
tambem aos vasconços e finnicos, reportando-os á raça mongolica e
constituindo com todos a população primitiva da Europa. Os liguros
seriam dos povos autochtonos totalmente destruidos, chegando a
perder-se a sua linguagem, que ninguem hoje sabe qual fosse, mas que,
segundo a hypothese, deveria pertencer ao grupo das agglutinativas, e
assimilhar-se, portanto, ás dos finnicos e dos vasconços[168].

Todas as apparencias pareciam pois em favor da hypothese. Povos de raça
mongolica, taes como os finnicos, liguros e vasconços, habitariam em
epocas remotissimas a Europa. Viriam depois os aryos que destruiriam
os liguros e porventura outros povos, cuja memoria se perdesse, e
deslocariam os finnicos e os vasconços para a Finlandia e para as
vertentes meridional e septemtrional dos Pyreneus.

A hypothese de Retzius importava necessariamente: 1.º A brachycephalia
dos mais antigos dos craneos humanos fosseis da Europa; 2.º A
brachycephalia das raças mongolicas ou turanias; 3.º A brachycephalia
dos finnicos, liguros e vasconços; 4.º finalmente, a dolichocephalia
das raças aryas, e portanto da maior parte dos actuaes europeos. Contra
a opinião de Retzius está hoje demonstrado: 1.º Que os mais antigos
dos craneos humanos fosseis encontrados na Europa são dolichocephalos;
2.º Que a brachycephalia não é caracter exclusivo da raça mongolica ou
de qualquer outra, mas que em cada raça ha uns craneos brachycephalos
e outros dolichocephalos, predominando porém uns mais outros menos
conforme os grupos ethnicos; 3.º Que os finnicos são brachycephalos,
mas os vasconços hespanhoes dolichocephalos; 4.º Que entre os aryos ha
tambem craneos redondos ou brachycephalos. Além d’isto a diversidade
dos typos ethnicos dos finnicos e dos vasconços não consiste unicamente
na fórma do craneo. Os primeiros têm grande estatura, cabello muito
louro e olhos azues: os segundos são morenos com olhos e cabellos de
côres escuras.

Destruida a prova anthropologica, resta-nos a prova philologica.
Já dissemos que reservariamos aos philologos a analyse e discussão
d’este ponto. Entretanto, limitando-nos aos argumentos de auctoridade,
poderemos ainda mostrar que a prova não tem o valor que alguns lhe
attribuiram. Com effeito, sendo extremamente communs na Asia, Africa e
America os idiomas agglutinativos, tanto se póde relacionar o euskara
(lingua dos vasconços) com o finnico da Europa, como com qualquer das
innumeras linguas da mesma classe d’aquelles tres continentes. E na
verdade todas essas hypotheses têm seus propugnadores. O atraso da
philologia comparada e a imperfeição dos methodos de demonstração fazem
possivel a defesa de todas as opiniões.

Modernamente porém vae prevalecendo a tendencia para reunir no mesmo
grupo o euskara e certas linguas da America. A analogia, segundo
Pruner-Bey, está na indole geral da linguagem euskara, na construcção
da grammatica, e finalmente no systema de numeração. Whitney,
sem affirmar decisivamente a analogia do vasconço com os idiomas
americanos, entende que no Velho-Mundo não ha nenhum que lhe seja
tão similhante[169]. Hovelacque, posto que censure aquelles que não
hesitam em suppôr intimo parentesco entre o chippeway e o lénâpé ou
outras linguas da America e o euskara, confessa comtudo haver certas
analogias de conjugação entre os verbos das primeiras e os da segunda.
Nota mais uma particularidade commum aos idiomas dos vascongados e
de alguns povos americanos e vem a ser a composição por syncope. O
vasconço faz, por exemplo, de _ortz_, nuvem, e de _azantz_, ruido,
_ortzanz_, trovão ou, litteralmente, ruido da nuvem[170]. Em fim
Max-Müller reune o vasconço, o georgiano e as linguas agglutinativas da
America no mesmo grupo que chama das linguas _holophrasticas_, terceiro
das agglutinativas, e colloca a lingua dos finnicos separadamente no
segundo grupo das linguas turanias[171].

Mais adiante veremos que não sómente a philologia, mas tambem a
archeologia propende a estabelecer interessantes relações entre os
habitantes prehistoricos da Iberia e os de certas regiões da America.
Por agora, inutilisado o fio que Retzius propozera, para servir de
guia no labyrintho das origens ethnicas da Europa em geral e mais em
particular da Peninsula, buscaremos outro que nos offerecem os ultimos
descobrimentos da paleontologia humana.

Dentro dos limites d’esta sciencia, que não passa ainda para além da
idade quaternaria, os vestigios dos primeiros habitantes da Peninsula
correspondem ás estações prehistoricas de San Isidro, perto de Madrid,
e da pedreira de Forbes em Gibraltar. Consistem os primeiros em
instrumentos de silex, os quaes, pelas fórmas e lascado, se assimilham
de tal sorte áquelles que se tem descoberto em Saint-Acheul, que mui
naturalmente se reportam á mesma epocha, isto é, aos primeiros tempos
da idade quaternaria, o que tambem se prova com a grande espessura do
deposito que é de vinte e um metros bem medidos. O craneo achado em
Gibraltar tem os caracteres anatomicos da mais antiga das raças até
hoje conhecidas. Importa-nos pois saber qual foi esse typo humano, e
quaes os elementos por onde os naturalistas fixaram os seus caracteres
fundamentaes.

No anno de 1857 o dr. Fuhlrott impressionou vivamente o mundo com uma
descoberta inesperada. Foi nem mais nem menos que o celebre craneo
de Néanderthal, na caverna d’este nome, perto de Hochdal, entre
Düsseldorf e Elberfeld, na Prussia. A extraordinaria proeminencia das
arcadas supraciliares que formam grosso rebordo na parte anterior, o
grande desenvolvimento dos seios frontaes, o angulo facial, calculado
aproximadamente no fragmento restante, entre 56° e 66°, o occiput
alongado, as suturas escamosas, a espessura dos ossos, a estreiteza
e pouca altura da fronte e outras estranhas particularidades tão
differente o fazem do typo normal, que, visto por qualquer das faces,
não parece o que em verdade é--um craneo de homem.

Alguns naturalistas que o estudaram, como Schaaffausen, Huxley, Vogt,
Lyell disseram francamente assimilhar-se ao do macaco o craneo humano
de Néanderthal muito mais que qualquer outro das raças contemporaneas.
Outros, porém, Busk e Barnard Davis, por exemplo, negaram tal
similhança, declarando aquelle craneo mui pouco differente do typo
actual. Á Sociedade anthropologica de Pariz apresentou Gratiolet o
craneo de um idiota contemporaneo para mostrar que era com este e não
com o do gorilla a similhança do craneo de Néanderthal. Em opposição
aos naturalistas primeiramente citados, e tambem a Gratiolet, appareceu
Pruner-Bey a sustentar que o volume do cerebro, outr’ora contido no
craneo descoberto por Fuhlrott, ultrapassaria o volume medio do
cerebro do homem moderno, e a attribuir, em conclusão, o mesmo craneo a
algum dos celtas, frequentadores das cavernas do valle do Rheno[172].

Os adversarios de Darwin e da hypothese transformista empenhavam-se
pois em attenuar o valor de uma prova, que se lhes afigurava
concludente para mostrar como a especie humana poderia proceder
de alguma outra especie inferior. Todavia Quatrefages, apezar de
adversario tambem d’esta idêa, não pretendeu aperfeiçoar a fórma nem
reduzir a antiguidade do craneo de Néanderthal. Incapaz de contradizer
ou alterar a verdade manifesta para acreditar as opiniões proprias e
mascabar as alheias, escreveu:

«Os achados muito recentes de Faudel no _lœhm_ de Eguisheim
(Baixo-Rheno), de Cocchi nas argilas post-pliocenas do Olmo, perto de
Arezzo (Italia), de Eugenio Bertrand nas alluviões quaternarias das
baixuras de Clichy (Sena), de Fitz, em fim, nas areias diluvianas de
Brux (Bohemia), ao mesmo tempo que demonstraram serem os caracteres
anatomicos do homem de Néanderthal characteres ethnicos, posto que
exaggerados, confirmaram tambem as primeiras idêas apresentadas ácerca
da sua antiguidade relativa. Com effeito quasi todas estas peças
osseas, ajuntando-lhes as maxillas de la Naulette, de Arcy, de Clichy,
de Goyet, parece agora poderem referir-se á mais antiga das idades
quaternarias, áquella em que abundantemente predominavam os grandes
mammaes desapparecidos da face da terra. O estudo anatomico d’estes
fragmentos parece attestar haverem pertencido a uma só e mesma raça
dolichoplatycephala e prognatha...»[173].

Os mais antigos dos restos fosseis da especie humana, até hoje
descobertos, remontam pois aos primeiros tempos da idade quaternaria,
quando o mammouth, as especies priscas do rhinoceronte, o megaceronte
hibernico e outras alimarias desapparecidas habitavam ainda a Europa,
e disputavam aos nossos infelizes antepassados a posse das cavernas, a
presa dos animaes ou a colheita dos fructos da terra. Na maior parte
d’esses restos humanos se observam, se bem que menos proeminentes, os
caracteres do craneo de Néanderthal. Á raça a que todos se attribuem
deu-se o nome generico de raça de Canstadt, por ter apparecido no campo
dos mammouths, perto d’essa cidade, no Wurtemberg, o primeiro dos
craneos em que se verificaram taes caracteres.

Pondo de parte a estação de San Isidro, onde até hoje não tem
apparecido nenhum craneo, resta-nos a pedreira de Forbes em Gibraltar,
cujo craneo Quatrefages comprehendeu entre os da velha e primitiva raça
de Canstadt. Com quanto faltassem no jazigo fosseis caracteristicos
para se determinar a epoca do homem a quem pertenceu este craneo,
é todavia certo que, pelas suas fórmas, se assimilha por extremo
áquelles entre os quaes foi classificado. Eis aqui os mais notaveis
dos seus caracteres: paredes grossas, capacidade pequena, occipital
alongado para traz, escama temporal com a fórma de curva abatida,
arcadas supraciliares muito proeminentes, apophyse orbitaria externa
extremamente desenvolvida, fronte muito obliquada para traz e separada,
por uma depressão, das enormes arcadas. As orbitas são tambem muito
grandes e muito distantes uma da outra. A sua largura, e ainda mais a
sua altura, são as maiores que Broca até hoje tem encontrado em craneos
de homem. Visto de face, os rebordos externos das orbitas sobresahem
tanto, que, bem como no de Néanderthal, encobrem inteiramente a região
temporal. Os ossos malares, deprimidos no angulo superior, descem quasi
verticalmente, de modo que, apezar da extensão do diametro bimalar,
mal se conhecem as maçãs do rosto. São muito largos os buracos das
fossas nasaes. Os ramos ascendentes dos maxillares superiores têem a
fórma quasi convexa por cima e aos lados d’estes buracos. A arcada
dentaria, robusta, alonga-se muito no sentido antero-posterior,
formando uma volta de ferradura, que se aperta notavelmente na parte de
traz. Huxley, Broca, Alix insistiram n’este caracter que lhes pareceu
particular da raça de Forbes’-Quarry. Em fim, a face é prognatha; e o
angulo facial de Camper, difficil de medir por causa do desenvolvimento
dos seios frontaes, parece de 75 graus, e de 70 graus o angulo facial
alveolar. A tamanho prognathismo da maxilla superior corresponderia
provavelmente certo gráu de projecção da parte media da arcada dentaria
inferior, d’onde resultaria a inserção obliqua dos incisivos, notada
por Spring[174].

Os auctores da _Crania ethnica_ vêem o mesmo typo de Canstadt, posto
que extremamente modificado, n’outros craneos fosseis descobertos em
Hespanha e Portugal. Na raça que habitava o Cabeço da Arruda, e que
deixou n’este logar tão abundantes vestigios que se calcula teriam
pertencido a uns quarenta e cinco individuos, observa-se o contraste
dos caracteres do typo de Canstadt com os de outro typo menos antigo.
Assim, á proeminencia das arcadas supraciliares, á larga depressão que
as separa, ao desenvolvimento dos seios e á pequena elevação das bossas
frontaes correspondem nos mesmos craneos a altura da região frontal, a
brachycephalia e a maior capacidade interior, de certo proporcionada a
cerebros mais volumosos que os da antiga raça de Forbes e Néanderthal.
Os caracteres da face, porém, relacionam outra vez a raça do Cabeço
da Arruda com outras mais imperfeitas. Os caracteres dos maxillares
demonstram notavel prognathismo e grande largura dos buracos nasaes.
Nos maxillares inferiores observam-se tambem signaes de prognathismo;
além d’isto alguns dos caracteres da celebre maxilla de Moulin-Quignon,
e por fim a saliencia triangular do mento[175].

Dissemos n’um dos capitulos anteriores as razões por que se ha de
attribuir a raça do Cabeço da Arruda á epoca da pedra polida e
provavelmente ao tempo dos kiokkenmoddings. Á mesma epoca da pedra
polida se reportam os vestigios encontrados nas cavernas de Cesareda.
Aqui, posto que os caracteres ethnicos de alguns individuos diffiram
muito d’aquelles que ultimamente analysámos, outros ha todavia que
se lhes assimilham. Parece ter havido n’esta estação prehistorica a
sotoposição de varios depositos correspondentes a varias epocas. Não
é muito pois, que juntamente com os vestigios da epoca do Cabeço da
Arruda appareçam outros differentes, mais ou menos antigos e até de
raças diversas.

Nos dentes das maxillas da Casa da Moura, uma das cavernas de Cesareda,
nota-se tamanho desgaste, que a face de trituração de todos elles
deveria formar uma superficie concava. O prognathismo é maior n’estes
maxillares que nos do Cabeço da Arruda. Tanto nas maxillas superiores
como nas inferiores se notam, se bem que pouco distinctas, as suturas
inter-maxillares, o que, junctamente com o excessivo alongamento
de traz para diante, demonstra o grau inferior d’aquella raça na
escala dos seres humanos. Os auctores da _Crania ethnica_, depois de
descreverem os principaes caracteres dos ossos maxillares de Cesareda,
convem em que, pela sua fórma, são muito analogos aos do homem fossil
de la Naulette ou d’Arcy, pertencente á primeira raça que denominaram
de Canstadt.

N’um dos craneos de Cesareda a fronte é pequena, achatada de ambos
os lados e muito inclinada de diante para traz. As dimensões d’este
coronal coincidem com as do osso correspondente do craneo de Forbes
ou de Néanderthal. Os caracteres dos parietaes são tambem os mesmos
n’estes e n’aquelle; mas, apezar da depressão da sutura sagital,
commum a todos, no craneo de Cesareda ha mais alguma elevação na
parte media. Este e outros craneos de Cesareda são dolichocephalos ou
sub-dolichocephalos, caracter que só por si importa differença grande
entre os seus habitantes e os do Cabeço da Arruda[176].

O frontal da _Cueva de la Mujer_, caverna proxima da Alhama de Granada,
offerece, posto que menos salientes, os caracteres da parte analoga do
craneo da pedreira de Forbes. O craneo a que pertencia aquelle frontal
deveria ser extremamente dolichocephalo, e conter um cerebro pouco
desenvolvido na parte correspondente ás faculdades intellectuaes. Com
este osso encontraram-se outros do esqueleto, e entre elles um femur,
a cujas altas proeminencias se apegariam musculos de grande força.
Tambem, pela sua grande curvatura, differe da fórma que tem actualmente
nas raças europeas, e até d’aquella que outr’ora teve nas raças antigas
da mesma região[177].

Todos os observadores tem sido conformes em considerar analogas as
maxillas fosseis da Peninsula e a de Moulin-Quignon. Áquellas que já
mencionámos convirá accrescentar outra que appareceu em Gibraltar
juntamente com instrumentos de pedra polida e de bronze, e que Falconer
e Pruner-Bey acharam tambem similhante á celebre maxilla descoberta em
Abbeville em 1863[178].

Auctorisará este facto a suppôr que os habitantes primitivos
da Peninsula, excepto os de Forbes’-Quarry e porventura outros
contemporaneos de que se não descobrissem ainda vestigios, pertenceriam
á mesma raça ou antes á mesma familia de Moulin-Quignon? Não. Porque
esta era brachycephala; ora a brachycephalia não se tem verificado
senão nos craneos do Cabeço da Arruda. Os outros, entre elles o
da Genista de Gibraltar, são dolichocephalos. Além d’aquelles que
já mencionámos, ha os da Andaluzia, que Gongora affirma serem
dolichocephalos, por ter examinado muitos, achados em varios sitios
d’esta provincia[179]. Logo, se os craneos fosseis da Peninsula são
pela maior parte dolichocephalos e não se podem classificar entre os do
typo de Canstadt, ao que obstam não sómente os caracteres anatomicos,
mas tambem o terem apparecido juntos com ossos de animaes domesticos,
haveremos de referil-os á segunda raça dolichocephala de Quatrefages e
Hamy, isto é ao typo de Cro-Magnon.

É cedo ainda para bem definir e classificar as raças prehistoricas,
e muito mais para delinear com exacto rigor a sua distribuição
geographica. Não resta duvida nenhuma de que o homem foi contemporaneo
dos grandes mammaes desapparecidos; parece incontestavel que tambem o
seriam alguns d’aquelles restos fosseis, dos quaes se fez resaltar o
typo da primeira raça; mas do craneo de Canstadt que lhes deu o nome,
ha quem affirme não ter essa antiguidade. Virchow cita um escripto de
Hælder que torna o caso duvidoso[180]. Por outra parte, os diversos
typos humanos, até hoje determinados, não se succederam uns aos outros
em epocas egualmente successivas. Os typos mais antigos continuaram a
apparecer por entre os menos antigos, e, por virtude da lei atavismo,
ainda hoje se reproduzem alguns dos seus caracteres em certos
individuos contemporaneos.

Da raça de Cro-Magnon conhecem-se melhor os caracteres anatomicos,
por terem apparecido restos mais completos e mais numerosos; mas a
sua distribuição geographica, fóra da França, não está perfeitamente
demarcada. Quatrefages e Hamy affirmam haver-se encontrado o typo
de Cro-Magnon em Hamoir, na Belgica; em Léry, no Eure; em Grenelle;
em Lozére; nas landes de Bordeaux; em Sordes, na Gascunha; nas
Vascongadas, nos craneos dos vasconços primitivos; em Zaraus; nos
tumulos megalithicos da Africa, explorados pelo general Faidherbe;
no paiz dos Kabylas de Djurjura, na Roknia; e finalmente nos craneos
dos guanchos das Canarias[181]. Accrescentemos a estas regiões, pelos
motivos ponderados, Portugal e Andaluzia, e as Asturias por se ter
descoberto um craneo do mesmo typo na mina de cobre del Milagro.
É obvia a importancia fundamental d’este roteiro para a ethnologia
da Peninsula. Faça-se corresponder o centro da raça de Cro-Magnon
ao sudoéste da França, e mais em particular ao valle de Vezére, a
um territorio aproximadamente circumscripto pelos limites da antiga
Aquitania, e admitta-se a existencia de vestigios d’esta raça nas
regiões habitadas pelos vasconços, nas terras litoraes de Hespanha e
Portugal, e finalmente, além do Estreito, na Africa do norte. Ficará
assim resolvido, em parte, o problema das origens autochtonicas da
peninsula Iberica. Quem ignora que os povos da Aquitania passavam
por iberos, que estes occuparam uma grande parte da Peninsula, a que
deram o proprio nome, se não o receberam d’ella ou de um dos seus
rios; que os vasconços são considerados ainda hoje commumente como os
ultimos restos d’essa gente notavel, que, mais pela prehistoria do
que pela propria historia, se conhece; e finalmente que a proximidade
geographica, as analogias ethnicas, as da fauna e da flora estão
indicando a antiga existencia de povos irmãos nas costas meridionaes
da Peninsula e nas septemtrionaes da Africa? A raça de Cro-Magnon, já
de per si resultante do cruzamento de uma raça mais com outras menos
imperfeitas, sería pois o fundo geral, onde, pelo decurso dos tempos,
viriam misturar-se e dissolver-se os elementos ethnicos de outros
povos, emigrantes de varios logares da superficie da terra, e mui
differentes entre si pelos caracteres physicos e moraes.

Será porém a presupposta distribuição geographica da raça de
Cro-Magnon, na parte respectiva á Peninsula, um facto real e positivo
ou apenas uma hypothese que algumas circumstancias fortuitas fazem
parecer provavel? Em que argumentos se estriba tal opinião?

Já vimos que os logares, onde os auctores da _Crania ethnica_
suppõem ter existido a raça de Cro-Magnon, concordam exactamente com
a hypothese, quando se applica fóra da Peninsula, e ainda aqui na
parte correspondente ás Vascongadas. E, se não referiram ao typo de
Cro-Magnon outros craneos fosseis achados em Hespanha e Portugal, os da
Alhama e de Cesareda, disseram todavia bastante para se conhecer que
tambem não os poderiam classificar entre os de Néanderthal, d’Engis ou
de Forbes. Pela nossa parte entendemos que, á falta de mais minuciosa
investigação, aquelles craneos pelas suas fórmas menos imperfeitas,
por serem dolichocephalos e finalmente por terem apparecido juntos
com ossos de animaes domesticos, só á raça de Cro-Magnon se hão de
reportar. Os caracteres notaveis do femur de Alhama parece confirmarem
esta mesma conjunctura; e tambem a analogia dos vestigios da industria
humana achados n’esta caverna com aquelles que se encontraram em
França, n’outra caverna de Dijon[182]. Assim pois admittiremos, como
extremamente provavel, que a raça de Cro-Magnon habitaria nos tempos
prehistoricos uma parte da França, a peninsula Iberica e a Africa
septemtrional. E para que a nossa opinião não corra desacompanhada de
toda a auctoridade que lhe faça boa sombra, lembraremos em fim que
anthropologos taes como Busk, Broca e Falconer, referiram ao typo de
Cro-Magnon o craneo da Genista em Gibraltar, e o da mina de cobre del
Milagro nas Asturias.

Mas, por outra parte, sabe-se que nos mais antigos dos tempos de que
ha memoria, a raça berébere povoava já uma zona extensissima da Africa
septemtrional desde as praias do Mediterraneo até ao oceano Atlantico,
a Libya, a Numidia, a Mauritania e outros paizes, que os egypcios,
os gregos e romanos variamente denominaram. Ora, se os kabylas
representam ainda hoje e os guanchos representavam ha poucos seculos
a raça de Cro-Magnon, se os primeiros são beréberes e os segundos o
foram tambem, natural parecerá perguntar se os beréberes actuaes não
representarão hoje em dia aquella velha raça de Cro-Magnon? Se, nos
tempos prehistoricos não occupariam, portanto, uma parte da França, a
peninsula Iberica e a Africa septemtrional, onde, por fim, mais livres
de cruzamentos ou da acção expulsora de outros povos, se perpetuariam
até hoje?

Broca e Hamy em França inclinam-se para esta hypothese que ultimamente
foi tratada em Hespanha com grande desenvolvimento por D. Francisco
Tubino[183]. Topinard não a demonstra, para o que será ainda cedo, mas
affirma que fortes presumpções a tornam muito provavel[184].

Broca examinou innumeros craneos vasconços e julgou-os analogos aos
dos beréberes[185]. Pruner-Bey tambem reconheceu nos maxillares,
encontrados nas cavernas da Cesareda e no Cabeço da Arruda os
caracteres do typo do berébere do continente africano[186]. Cita-se,
além d’isto, em favor da hypothese a grande similhança da fauna e da
flora, em geral, e mais em particular dos typos humanos, nos visinhos
litoraes europeu e africano, das serras da Ronda e da cordilheira do
Riff, por exemplo. Cita-se mais a união possivel em epocas remotas
entre a Africa e a Europa em sitios correspondentes ao Estreito.
Finalmente, admittindo este facto geologico, suppõe Quatrefages a raça
de Cro-Magnon oriunda da Africa d’onde emigraria para a Europa com a
hyena, o leão, o hippopotamo e outros animaes africanos[187].

Em França, onde, se têem descoberto e estudado muitos craneos e outros
ossos humanos fosseis, conhecem-se já os caracteres anatomicos da raça
de Cro-Magnon e a sua distribuição geographica. Sabe-se, por exemplo,
com certeza que era ao sudoeste a parte por ella mais povoada. Na
Peninsula faltam-nos os estudos necessarios para affirmar com certeza
qualquer opinião. Em vista das razões ponderadas, é provavel que á
raça de Canstadt, representada pelo craneo de Forbes, e talvez pelos
instrumentos de silex de San Isidro, se seguisse a de Cro-Magnon,
á qual se reportam os outros craneos da Genista de Gibraltar, e
os de Alhama, da mina del Milagro e de Cesareda. Mas, depois do
muito que n’estes ultimos annos tem progredido a paleontologia
humana, e particularmente depois da publicação da _Crania ethnica_,
obra abundante de subsidios para os estudos comparativos, importa
rever todos esses vestigios peninsulares, medil-os com exactidão,
classifical-os e comparal-os entre si e com os typos conhecidos.
Importa mais buscar outros vestigios, porque os de quatro ou cinco
estações em toda a extensão da Peninsula não bastam para sanccionar
qualquer conclusão positiva. Convirá finalmente passar além do
Estreito, e determinar as relações de similhança ou de differença, que
por ventura existam entre a paleontologia humana da Europa meridional e
a das regiões septemtrionaes do continente africano.

A archeologia e a historia revelam-nos outros factos, que, posto que
não cheguem a demonstrar cabalmente o predominio da raça berébere
na Peninsula, dão todavia a esta hypothese mais alguns graus de
probabilidade. Ha mais de tres mil annos os egypcios estavam em
relações com os libycos, a quem chamavam _lebu_, d’onde se derivaria
talvez a fórma grega _libues_. Os tumulos reaes das dynastias XVIII,
XIX e XX, em Biban-el-Moluk, estão adornados de notaveis pinturas,
entre as quaes se vêem representadas quatro raças que deveriam ser
partes constituintes do vasto imperio dos pharaós. Em primeiro logar
os rot ou egypcios, pintados de vermelho e parecidos com os paizanos
actuaes das margens do Nilo; em segundo logar os _namu_ de côr amarella
e de nariz aquilino, correspondentes aos povos asiaticos que viviam ao
oriente do Egypto; depois os _nashu_ ou negros prognatas de cabello
crespo; e finalmente os _tamahou_ brancos, de olhos azues e cabellos
louros[188].

Não falta quem supponha significar _tamahou_ em egypcio _homem do
norte_; e serem, portanto, os homens brancos e louros, em quem
imperavam os pharaós, procedentes da Europa septemtrional. Mas o
general Faidherbe impugna tal etymologia, e assevera que a lingua
berébere ainda hoje se chama _tamahoug_ no Sahara, onde mais pura se
tem conservado[189].

Por outra parte, consta de uma grande inscripção de setenta e sete
columnas, conservada em Karnak e interpretada pelo visconde de Rougé,
que os _tamahu_ capitaneados por Mormuiu, foram derrotados pelos
pharaós Ramsés e Merenptah. Em fim, na Argelia appareceram monumentos
de Tutmés III, em cujo tempo, consequentemente, se dilataria o imperio
egypcio até áquella região extrema da Africa septemtrional[190].

Para combinar, harmonisar e explicar todos esses factos é mister
referir os _tamahu_ á Africa do norte, e por tanto suppôr que seriam
beréberes, os quaes ora fariam parte do vasto imperio egypcio, ora
tentariam libertar-se do jugo pouco toleravel de um povo distante e de
raça differente. É verdade que o typo do berébere de hoje não parece
muito conforme ao do _tamahu_ de ha tres mil e tantos annos. A maior
parte dos beréberes tem olhos, pelle e cabello escuros. Mas este typo
contemporaneo póde não ser já o mesmo do tempo dos pharaós, por se ter
alterado, por effeito de influencias estranhas, que não deixariam de
transformal-o no espaço de tantos seculos. Muitos dos habitantes das
montanhas de Marrocos e da Argelia, e os touaregs do Sahara, logares
aonde era mais difficil chegar a influencia dos cruzamentos, são de
alta estatura, claros, de olhos azues e cabello louro. Assim o attesta
o general Faidherbe, que estudou as regiões da Africa septemtrional,
e o confirma F. M. Tubino, accrescentando haver tambem observado com
frequencia o mesmo typo nas serranias da Ronda áquem do Estreito.
Encontrar-se-hão, porém, por todos os logares, aonde menos poderiam
chegar influencias estranhas, beréberes brancos e de olhos azues,
com quem se pareçam ainda hoje os retratos pintados ha trinta e mais
seculos nos tumulos reaes de Biban-el-Moluk?

Mas a influencia da civilisação egypcia dilatava-se ainda para
áquem dos limites do continente africano, e chegava muito perto
da Peninsula, senão a algumas das proprias gentes que a povoavam.
Quinze seculos antes da era christã já os sardos possuiam marinha
militar, e duzentos annos antes, no seculo XVII, já o Egypto nomeava
funccionarios especiaes para tractarem, em nome dos pharaós, as
questões internacionaes com os povos pelasgicos do Mediterraneo,
taes como os tuscos, dardanios e gregos[191]. A inscripção de Karnak
menciona entre os homens do mar, alliados com os libycos, os _sárdainá_
ou sardos, os _turs’a_ ou etruscos e os _mas’uas_ ou amazirghas[192]. É
provavel que a todos tivesse applicação o nome generico de _tamahou_.
Os _rebu_ ou _lebu_ (libycos) e os _ma’suas_ que habitavam tambem a
Africa septemtrional, apparecem adornados com o mesmo singular toucado;
e vem a ser uma larga trança enroscada que passa por deante da orelha
e cahe sobre a espadua, recurvando-se á maneira do chifre inferior de
alguns carneiros. O mais notavel é que um dos pharaós, Ramsés II, se
adorna com toucado similhante. Por este facto, e porque se vê gravado
nos braços e pernas dos tamahou o symbolo conhecido da deusa Neith, se
provam as relações intimas que em epocas remotas ligavam estes povos
aos habitantes do Egypto.

Os povos confederados, segundo a citada inscripção, invadiram o
Egypto e chegaram até Memphis. Foram porém derrotados pelo pharaó ou
pelos seus generaes. O principe Mormuiu perdeu o arco, a aljava e as
sandalias juntamente com as suas joias de ouro e prata e utensilios
de bronze. Os povos do mar deixaram tambem objectos de ouro e prata,
espadas, facas, couraças e cnemides. Pela importancia e qualidade
dos despojos se avaliará o subido grau de civilisação a que tinham
chegado, ha mais de tres mil annos, todas estas gentes convisinhas do
Mediterraneo[193].

Os povos da Peninsula, pelo menos os das regiões meridionaes e
orientaes, acompanharam de certo os seus visinhos das ilhas do
Mediterraneo e do norte da Africa nos estadios da civilisação que
successivamente percorreram. Por aquellas mesmas regiões se encontram
vestigios das construcções cyclopeas dos povos pelasgicos. Nas ilhas
Baleares abundam os _talayots_ analogos ás _nuraghas_ da Sardenha. A
par com estas construcções de fórma pyramidal vêem-se outras á maneira
de barcos com as quilhas voltadas para cima, e que não são senão as
_mapalia_ ou _magalia_, que os getulos ou numidas do tempo de Sallustio
construiam no seu paiz: «_ædificia oblonga incurvis lateribus tecta
quasi navium carinœ sunt_»[194]. Os sardos e os iberos usavam a longa
tunica negra e roçagante á moda dos médas, que, por este costume, se
differençavam dos outros povos nomadas, celtas, scythas e germanos,
cujos vestidos se lhes cingiam aos corpos e apenas lhes cobriam as
pernas. Finalmente o _cetra_ ou escudo pequeno redondo era usado pelos
libycos, iberos e bretões[195].

De quanto deixamos ponderado parece-nos concluir-se com grande
probabilidade: 1.º Que na epoca da pedra polida a Peninsula sería
habitada pela raça de Cro-Magnon, pelo mesmo tempo existente na parte
meridional da França e na septemtrional da Africa; 2.º Que esta raça
é ainda hoje representada pelos beréberes; 3.º Que ha tres mil e
mais annos os povos libycos e pelasgicos estavam já tão civilisados
que podiam invadir o Egypto e medir-se com os exercitos dos pharaós;
4.º Que os habitantes da peninsula Iberica, pelo menos os de certas
regiões, deveriam estar tambem similhantemente civilisados, e ter
portanto ultrapassado a idade da pedra.


NOTAS DE RODAPÉ:

[165] _Dictionaire universel du_ XIX _siècle_ par P. Larousse, verb.
BASQUE.

[166] _Ethnologische Schriften._

_Dolichocephalo_, de _dolichos_, longo, e _kephalê_, cabeça.
_Brachycephalo_, de _brachus_, curto, e _kephalê_, cabeça.
_Orthognata_, de _ortho_, direito, e _gnathos_, maxilla. _Prognatha_,
de _pro_, para diante, e de _gnathos_, maxilla.

[167] Thucydides, VI, 2.

[168] Virchow. _Les peuples primitifs de l’Europe. La revue
scientifique de la France et de l’étranger_, 2.ᵉ série, 4.ᵉ année, n.º
1, juillet 1874, pag. 12. Vej. tambem Steur, _Ethnographie des peuples
de l’Europe_, verb. LIGURES.

[169] _La vie du langage._ Pariz, 1875, pag. 213.

[170] _La linguistique._ Pariz, 1876, pag. 87 a 106.

[171] _Dictionnaire universel du_ XIX _siècle_, verb. LANGAGE.

[172] _Bulletins de la Société d’Anthropologie de Paris_, tom. IV, pag.
314 a 323.

[173] _Crania ethnica_, pag. 7.

[174] _Crania ethnica_, pag. 21 e 22.

[175] Pereira da Costa, _Noticia sobre os esqueletos descobertos no
Cabeço da Arruda_, Lisboa, 1865.

[176] Delgado, _Noticia ácerca das grutas de Cesareda_. Lisboa 1869.

[177] Mac-Pherson, _La Cueva de la Mujer_, 1.ª e 2.ª parte, Cadiz,
1870-1871.

[178] _Bulletins de la Société d’Anthropologie de Paris_, tom. V, pag.
62.

[179] _Antigüedades prehistoricas de Andalucia._

[180] _Les peuples primitifs de l’Europe. La revue scientifique de la
France et de l’étranger_, 2.ᵉ série, 4.ᵉ année, n.º 1, juillet, 1874,
pag. 12.

[181] _Crania ethnica. L’espèce humaine._ Pariz, 1877, pag. 248.

[182] Vej. cap. IV, pag. 61. O femur de Alhama parece ser um _femur
de pilastra_ como os dos esqueletos dos guanchos e dos outros da raça
de Cro-Magnon. As _tibias achatadas_ ou _platycnemicas_, os _peroneos
clausteados_ e os _cubitos arqueados_ caracterisam tambem a raça do
Cro-Magnon.

[183] F. M. Tubino, _Los monumentos megaliticos de Andalucia,
Extremadura y Portugal, Museo español de antigüedades_, tom. VII, pag.
353. Esta Memoria sahiu depois na _Revista de Anthropologia_ de Madrid
com o titulo; _Los aborigenes ibericos ó los beréberes en la Peninsula._

[184] _L’anthropologie._ Pariz, 1876, pag. 486.

[185] _Bulletins de la Société d’Anthropologie de Paris_, tom. IV, pag.
38 a 62.

[186] _Congrès internacional d’Anthropologie et d’Archeologie
prehistoriques_, 2.ᵉ session, 1867.

[187] _L’espèce humaine._ Pariz, 1877, pag. 240. Depois dos tempos
geologicos, mas ainda nos prehistoricos, a passagem dos beréberes da
Africa para a Europa não era impossivel pelas aguas do Estreito, pelo
Mediterraneo ou pelo Atlantico. Entre as conchas fosseis, achadas em
França na estação de Laugerie-Basse, algumas ha que não poderiam ter
sido trazidas senão da ilha Wight. Ora durante a epoca do rangifer não
havia communicação por terra entre a França e a Inglaterra. Idem, pag.
242.

[188] Topinard, _L’anthropol._, 451.

[189] Anatole Roujou, _Recherches sur les races humaines de la France_.
Pariz, 1874, pag. 86.

[190] Tubino, Mem. cit.

[191] Steur, _Ethnographie des peuples de l’Europe avant Jesus-Christ_.
Bruxelles, 1873, tom. III, pag. 193.

[192] Tubino, Mem. cit.

[193] Tubino, Mem. cit.

[194] Sallust. Bell. Jugurth. in princip. Ácerca dos talayots e das
navêtas ou casas com a fórma de barcos ás avessas, da ilha de Menorca,
veja-se o artigo do sr. Fernandez Duro, no jornal _La Academia_, n.º
12, que deu motivo a uma carta do auctor, publicada no mesmo jornal,
tom. II, n.º 10.

[195] Steur, op. cit., tom. II, pag. 118. Rougemont, _L’âge de
bronze_, pag. 286.




                              CAPITULO X

                           ORIGENS ETHNICAS

                             (CONTINUAÇÃO)

 _Se os vasconços descenderão dos beréberes.--Insufficencia das provas
 allegadas.--Hypotheses da unidade e da pluralidade iberica.--Razões
 favoraveis a esta ultima.--A philologia e a historia.--A Iberia do
 Caucaso comparada com a peninsula Iberica.--Os iberos e os povos com
 quem estavam relacionados.--Difficuldade de determinar os antigos
 povos peninsulares.--Asserções vagas dos auctores.--Necessidade
 de resolver o problema por methodos novos.--Até que ponto as
 invasões historicas esclarecem as prehistoricas.--O Mediterraneo
 e o Atlantico, vias principaes por onde vieram as civilisações á
 Peninsula.--Relacionam-se estas vias com as duas correntes das
 emigrações asiaticas.--A distribuição geographica dos dolmens
 peninsulares caracterisa uma das civilisações, vindas pelo
 Atlantico.--Os monumentos pelasgicos caracterisam outra, vinda pelo
 Mediterraneo.--Antinomia d’estas duas civilisações.--Outras antinomias
 entre o occidente e o oriente já nos tempos historicos.--As mais
 antigas das minas de cobre.--Analogias entre os povos antigos da
 Iberia e os da America.--A civilisação da epoca do cobre.--Os ciganos
 e os antigos fundidores do cobre e do bronze._


Broca e outros dos modernos propendem, já o dissemos, para classificar
os vasconços entre os representantes actuaes da raça de Cro-Magnon,
que, nos tempos prehistoricos povoara o sudoeste da França, a peninsula
Iberica e o norte da Africa. N’esta hypothese os vasconços seriam
pois os ultimos restos dos antigos beréberes, que em epocas remotas
passariam da Africa á Europa. A dolichocephalia dos craneos dos antigos
e modernos habitantes das provincias vascongadas é o unico facto até
hoje conhecido e allegado em favor de tal idêa. Ora a insufficiencia
d’esta prova demonstra-se claramente, porque, se os vasconços, por
serem dolichocephalos, descendessem dos antigos beréberes ou da raça de
Cro-Magnon, seguir-se-hia que todos e quaesquer craneos dolichocephalos
pertenceriam á mesma raça: o que seria absurdo. Por outra parte sabe-se
hoje que os vasconços francezes são brachycephalos. Por consequencia
tão licito parecerá suppôr que os vasconços, primitivamente
dolichocephalos, se tornariam, em parte, brachycephalos por effeito
dos cruzamentos, como affirmar a inversa, isto é, que os vasconços
primitivos teriam sido brachycephalos, e que, por influencia de
raças estranhas, se tornariam depois, na região mais sujeita a essas
influencias, dolichocephalos[196]. A esta consideração accresce outra
não menos ponderosa, e vem a ser que a similhança da lingua vasconça é
com idiomas asiaticos e americanos e não com os da Africa septemtrional.

A opinião mais geralmente seguida é ser o euskara a lingua ou antes um
dos idiomas dos antigos iberos, que se conservaria entre os vasconços
pela resistencia maior que estes povos offereceram á dominação romana,
e por serem aquelles em quem menos sensivel se tornou a sua influencia
modificadora[197].

Tomando por fundamento as provaveis analogias entre os modernos
vasconços e os antigos iberos, pretendeu Guilherme de Humboldt reduzir
ao euskara de hoje as designações locativas das regiões da Peninsula
que suppunha haverem sido habitadas por estes povos. Este systema,
segundo o qual os antigos iberos constituiriam um povo unico e com uma
só lingua, teve numerosos sectarios durante muitos annos. O _iberismo_
oppunha-se ao _celticismo_, pois affirmava que na Peninsula, depois da
invasão dos celtas, prevalecera a lingua e o caracter iberico.

Mas recentemente Charnock, Van-Eys e outros têem provado o muito que
Humboldt se afastara da verdade nas suas interpretações[198]. Em
vista dos interessantes resultados da critica moderna, a hypothese da
unidade cede o passo á hypothese da pluralidade dos povos ibericos. Os
resultados obtidos pelos philologos estão concordes com as indicações
da historia. Com effeito, escriptores de todas as epocas descrevem-nos
os iberos, os habitantes das varias regiões da Iberia, com costumes,
nomes, idiomas e alphabetos differentes[199]. As tradições restantes
representam-os divididos em tribus, sem grandes relações entre si, ao
que obstava a diversidade de sangue e de linguagem. Quando os celtas
invadiram a Peninsula, a maior parte d’essas tribus não chegaram a
confederar-se contra o inimigo commum. Algumas até se alliaram com elle
contra os povos visinhos; outras permaneceram solitarias e impassiveis
no meio da conflagração geral.

Apezar do influxo de sangue estranho, já de celtas, já de phenicios,
já de carthaginezes nos povos peninsulares, os romanos encontram
tamanhas difficuldades para subjugar a Iberia, como para unifical-a sob
o imperio das mesmas leis. Ora vencedores, ora vencidos, luctam por
espaço de dois seculos, e, sómente Julio Cesar consegue em fim fazer
aceitar as leis romanas e o mesmo governo aos povos subjugados.

Durante quatro seculos mantem-se a união da Peninsula pela força das
armas, e mais ainda pelo commum interesse dos seus habitantes em
conservar a civilisação que Roma lhes impozera e ao mundo antigo.
Mas, depois da destruição do imperio, rotos os laços que estreitavam
os povos, renovam-se as sub-divisões da Hespanha em pequenos estados,
differentes uns dos outros pelas religiões, leis e costumes. Mais
tarde, estabelecida a unidade religiosa, o elemento monarchico chega
a ligar por vezes n’um só todo as varias partes desaggregadas. Mas a
esta força oppõem-se sempre mais ou menos, por uma ou por outra fórma,
as resistencias derivadas das differenças originaes. Ainda hoje a
Hespanha se esforça para conservar unidas as suas provincias, e para
obrigal-as a se regularem pelos mesmos codigos, e a se organisarem
pelos mesmos principios administrativos. Difficil empreza! Hoje, como
em epocas passadas, resistem poderosamente a esse grande esforço os
sangues diversos que gyram nas veias dos peninsulares. A pluralidade
das origens dos velhos iberos ainda agora se patentêa nos ultimos dos
seus descendentes!

Demonstrada, em opposição á unidade, a pluralidade iberica, segue-se
naturalmente investigar que povos seriam esses collectivamente
designados pelo nome de iberos. E primeiro que tudo vejamos até onde
se póde determinar a origem da palavra Iberia.

Junto do Caucaso, na lingua de terra que separa o mar Negro do mar
Caspio, no logar actualmente occupado pela Georgia, houve um paiz
homonymo com a Peninsula. Chamavam-lhe os latinos _Iberia_ e _iberes_
ou _iberi_ aos seus habitantes. Muitos rios a regavam, em cujos areaes,
bem como nos dos rios de Hespanha, diziam antigos auctores abundarem
palhetas de ouro. A um d’elles, o rio Arak, chamavam _Arago_, nome
commum ao affluente do Ebro na Hespanha. Em correspondencia a este
ultimo, citava Strabão o rio Ibero. Finalmente ambas as Iberias, ricas
de metaes, foram exploradas em eras remotas.

Acham interpretadores da Biblia que a Iberia do Caucaso, e não a
nossa, como erradamente escreveram auctores portuguezes e hespanhoes,
teria sido povoada por Tubal e Mesec, filhos de Japhet e netos de
Noé. Nos dois irmãos personificava Ezechiel os scythas que em tempo
de Cyaxara reinavam na Asia Anterior, e tinham por berço a Scythia
iberica, e concorriam com vasos de bronze aos mercados de Tyro.
Alguns dos antigos, desde Homero, qualificam de grandes exploradores
e fabricantes de metaes os povos da Iberia Caucasica ou das regiões
proximas, abundantes de minas de prata, cobre, ferro, etc. Os chalybes,
habitantes do paiz de Thermodoon, inventaram o processo de temperar o
aço, designado entre os gregos usualmente pelo nome dos inventores[200].

Taes analogias suscitam naturalmente a idêa de que um povo, emigrado
da Iberia do Caucaso, estabelecendo-se nas regiões do nordeste da
Hespanha, ahi continuaria a explorar os metaes, applicando a certos
rios, e porventura a outros logares, os nomes dos rios e logares que
tinha deixado, e designando todo o paiz que viera occupar, ou antes
explorar, com o de Iberia, por se chamar assim o seu proprio paiz
natal. A preponderancia d’este povo faria depois com que se extendesse
a toda a Peninsula e ainda mais além o nome da parte onde elle dominava.

Na antiguidade havia já quem seguisse esta opinião. Outros eram porém
pela contraria, sustentando que os iberos da Europa teriam colonisado
e denominado a Iberia da Asia. Outros, finalmente, julgavam que entre
os iberos da Asia e os da Europa não havia similhança nenhuma nem
na linguagem nem nos costumes, e só o nome seria commum. Appiano,
contemporaneo de Trajano e de Marco Aurelio, menciona todas estas
tres opiniões[201]. A primeira é a mais geralmente seguida; porém não
falta quem prefira a ultima, estribando-se nos caracteres iranios
dos iberos asiaticos, e na falta de taes caracteres entre os iberos
occidentaes, que pertenceriam a uma raça estranha ao grande tronco
indo-europeu[202]. A verdade é que, na actualidade, a anthropologia
não sabe ainda com certeza classificar estes povos. Ha razões para crer
que seriam formados pela mistura da raça turania e da irania. Em fim
os argumentos philologicos até hoje apresentados não têem mais força
que todas as analogias que mencionámos, como provas da procedencia
caucasica dos iberos europeus, e particularmente quando se pretende
substituir aquella origem pela incertissima Atlantida de Platão[203].

A Iberia e os iberos apparecem-nos na transição da prehistoria para a
historia sem que se lhes possa rastrear as origens. Os mais antigos dos
geographos gregos chamavam Iberia ás regiões para áquem do Rhodano.
Assim o declara Strabão[204]. Com effeito, Eschylo, escriptor do seculo
V antes de Jesus Christo, e Avieno, que escreveu a _Ora maritima_
no seculo IV da nossa era, porém com documentos pouco posteriores
á fundação de Marselha pelos annos de seiscentos antes de Christo,
indicam o Rhodano como limite da Iberia.

Mas, por outra parte, não faltam egualmente razões para crer que
os antigos chamavam em particular iberos aos habitantes do litoral
mediterraneo desde o Segura até aos Pyreneus[205]. Parece portanto
que o nome de iberos, pertencendo primitivamente a estes povos, se
extenderia depois a outros que no resto da Peninsula, e ainda para além
dos Pyreneus, se alliariam com elles, e mais por interesses commerciaes
ou outros, do que por similhanças ethnicas.

No tempo da guerra de Troia, onze ou doze seculos antes de Christo,
os siculos invadiam a Sicilia e expulsavam os sicanos. Ora a origem
iberica dos sicanos é attestada por Thucydides, Philisto de Syracusa,
Ephoro, Dyonisio de Halicarnaso e outros[206]. Os primeiros d’estes
auctores concordam em que os sicanos habitavam nas margens de um rio
chamado Sicano, que, segundo a opinião geral, sería o Jucar, que
desemboca no Mediterraneo ao sul de Valencia. Avieno e Hecateu fallam
de certa cidade chamada Sicana, que no seculo VI antes de Jesus Christo
existiria nas margens de um rio[207].

Alguns dos nomes dos povos antigos parece derivarem dos rios, cujas
margens elles habitavam. Assim é que os _tartessos_ tomariam o nome
do rio _Tartesso_, hoje Guadalquivir; os _sordos_, _sordones_ ou
_sardones_ do rio Sordo da Gallia Meridional, perto dos Pyreneus: os
_sicanos_ do rio _Sicano_, e finalmente os _iberos_ do rio _Ibero_,
hoje _Ebro_, que percorre as provincias hespanholas de Aragão e da
Catalunha.

Induzidos pelas similhanças onomasticas, pretendem alguns que os
sardos seriam tambem iberos. Dos sordones ou sordos das costas do
Mediterraneo, ao norte dos Pyreneus, procederiam os sardos. Estes,
com o nome de _Shardana_ apparecem já mencionados nos monumentos
egypcios do seculo XIV antes de Jesus Christo, ao que nos referimos no
capitulo antecedente. Na Corsega menciona Seneca os iberos que fallavam
e trajavam á moda dos cantabros da Hespanha[208]. Como hespanhol que
era por nascimento, Seneca não deveria enganar-se em tal observação.
Comtudo, na opinião de outros, os sardos antes pertenceriam á familia
dos liguros.

Aqui temos outros povos, antigos como os iberos, com elles relacionados
e cujas origens são egualmente obscuras. Muito antes da guerra de
Troia, alguns dois mil annos talvez antes do nascimento de Christo,
os liguros, segundo Thucydides, expulsavam os sicanos das margens do
rio Sicano da Iberia e os obrigavam a refugiar-se na Sicilia[209].
Avieno refere as fontes do Tartesso ou Betis ou Guadalquivir á lagôa
ligustica[210]. Ora, as fontes d’este rio correspondem ás abas das
serras que pelo oriente limitam a provincia de Jaen, ao norte das
quaes, na provincia antiga de Murcia, passa o rio Jucar, em direcção
ao Mediterraneo, onde desagúa ao sul de Valencia. Concordam portanto
os dois textos, seis seculos anteriores a Jesus Christo, na região da
Peninsula que os liguros habitavam. Accrescente-se ainda que Estevam
de Byzancio, compilador do seculo VI da era christã, soccorrendo-se
provavelmente de documentos muito anteriores, põe não longe do mesmo
rio Tartesso a cidade de _Ligustina_, cujos habitantes diz serem
_liguros_[211], e ter-se-ha a convicção de que estes povos occuparam
uma parte determinada da Peninsula.

O imperio dos liguros dilatou-se pela Gallia e pela Italia,
particularmente pelas regiões litoraes mediterraneas até ao rio Arno.
No periplo que chamam de Scylax, anterior a Aristoteles, distinguem-se
os liguros propriamente ditos, que habitavam a leste do Rhodano, dos
liguros e iberos misturados, que habitavam para a parte do occidente,
entre o Rhodano e Ampurias, cidade da provincia hespanhola da
Catalunha[212].

Tacito no primeiro seculo da era christã classificava os siluros da
Grã-Bretanha entre os povos ibericos, por terem a côr morena e os
cabellos crespos dos iberos. Suppunha-os oriundos da Hespanha. A _Ora
maritima_ confirma até certo ponto o parecer de Tacito, mencionando na
Hespanha o monte Siluro[213]. A côr morena, o cabello farto e crespo
eram geralmente considerados como caracteres ethnicos dos iberos. N’um
epigramma que o ciume inspirara a Catullo, apostropha este poeta a um
celtibero nos termos seguintes: «... Ó filho cabelludo da Celtiberia,
Ignacio, que não tens outro merito senão o de possuires uma barba
espessa e uns dentes que fazes alvos á força de fricções de urina.
...»[214].

Se attendermos a que os liguros são geralmente havidos como iranios,
e á presupposta origem caucasica dos iberos, acharemos grande
difficuldade em separar completamente do tronco iranio ou indo-europeu
os iberos. Por outra parte não se póde tambem negar a existencia dos
caracteres ethnicos referidos e de outros, que differençam os iberos
dos povos decididamente iranios, em meio dos quaes viviam. Mais adiante
se verá que taes factos se explicarão plausivelmente, admittindo que os
iberos resultariam da fusão das raças mongolica e caucasica, para o que
estavam adequadamente situadas as regiões que separam o mar Caspio do
Mar Negro, berço provavel dos iberos occidentaes.

Mas estes povos ninguem hoje poderá sustentar que fossem os primitivos
da peninsula Iberica, habitada já na idade da pedra, como se prova pela
paleontologia humana e pela archeologia prehistorica. Os homens de San
Isidro e da Cesareda não seriam por certo iberos, e já na idade dos
metaes é possivel que tambem o não fossem os primeiros dos exploradores
do cobre, como adiante veremos. Quaes seriam pois os predecessores
dos iberos? É muito para notar-se que, na epoca da pedra polida, no
tempo em que as cavernas serviam de habitações ou de sepulturas, a
analogia dos objectos encontrados n’uma caverna da Alhama de Granada,
na Andaluzia, e n’outra caverna de Dijon, em França, auctorise a
suppôr que povos da mesma raça ou representantes da mesma civilisação
habitariam estas duas partes remotas, mas comprehendidas na região
que mais tarde foi conhecida pelo nome de Iberia, tomada esta palavra
na mais lata das accepções. Catão o antigo, pretende que os medas,
persas e armenios fossem os primitivos dos habitantes da Peninsula.
Na opinião de Herodoto seriam os syginnos. Mas a verdade é que todo o
exame e discussão dos textos dos auctores não chegarão a dar-nos outras
indicações mais que as que deixámos expostas com relação aos iberos.

As memorias escriptas, só por si, não bastam pois para a determinação
dos povos que em epocas remotas, anteriormente aos iberos, habitaram a
Peninsula. A solução do problema ficará reservada á critica moderna,
que, pela interpretação racional dos factos, achará a luz que nos falta
em tantas trevas. Á philologia sobre tudo compete subministrar-nos os
principaes dos elementos para a historia verdadeira e positiva das
origens ethnicas. Mas o atrazo d’esta sciencia, na parte respectiva
á Peninsula, priva-nos por ora dos seus poderosos recursos. Egual
importancia tem n’este ponto a archeologia. São poucos tambem os
subsidios que ella nos presta, mas ainda assim os unicos de que podemos
lançar mão n’este estudo interessante.

Primeira e previamente, para fazer idêa do numero, importancia e
procedencia das invasões prehistoricas, importa-nos considerar aquellas
que se effeituaram já nos tempos historicos[215]. Ora, estas ultimas
foram de povos que se distribuem naturalmente por tres classes: 1.ª
Africanos (phenicios, carthaginezes e mouros); 2.ª Asiaticos (iberos,
celtas, arabes e alguns dos barbaros da idade media); 3.ª Europeus
(gregos, romanos, outros dos barbaros da idade media e normandos).
Effeituaram-se tantas invasões no espaço de trinta seculos, pouco mais
o menos. Por tres vias differentes entravam os invasores na Peninsula.
Pelo Mediterraneo, a mais frequentada de todas, viriam os iberos, os
phenicios, os carthaginezes, os gregos, e algumas vezes os romanos e
os normandos. Pelo Atlantico, celtas, normandos e outros dos povos
septemtrionaes. Pelo Atlantico e pelo Mediterraneo, por uma e por outra
parte do Estreito de Gibraltar, arabes e mouros. Em fim pelos Pyreneus
entrariam por algumas vezes os celtas, romanos e barbaros.

Pelas invasões historicas impossivel será especificar as prehistoricas.
Mas o que das primeiras se conclue relativamente ás segundas é que
deverão ter sido frequentes e effeituadas, pela maior parte, pelas duas
vias maritimas: pelo Mediterraneo e pelo Atlantico. Ora estas duas
vias relacionam-se naturalmente com as duas correntes principaes das
emigrações dos povos, que directa ou indirectamente vieram da Asia para
a Europa. As regiões da Asia, d’onde em geral se suppõem terem partido
as antigas emigrações, formam um vasto espaço circumscripto por duas
grandes cordilheiras, a do Altal ao norte e a do Himalaya ao sul. Pondo
de parte, por divergentes em relação á Europa, as irradiações para o
nordeste e para o sueste da Asia, restam aquellas que se effeituaram
para as partes de oeste ou para a Asia Menor, Egypto e Africa
septemtrional; e para as partes de noroeste ou litoraes do Baltico e
do mar do Norte. Ora d’estas duas vias a primeira foi por certo a das
mais antigas das emigrações. Tudo as favorecia por este lado. Eram
muito menos os obstaculos naturaes, as distancias tambem menores, e
finalmente muito mais doce o clima e a terra mais fertil, além de
outras condições, todas conformes ao desenvolvimento da civilisação.
Por isso os paizes, onde primeiramente se manifestou, e até com grande
antecipação relativamente á Europa, foi na Assyria, Babylonia e Egypto.

As emigrações dos africanos ou beréberes e dos asiaticos, vindos
pelo Mediterraneo, devem pois ter precedido quaesquer outras. A dos
beréberes póde até reportar-se a epocas anteriores á descoberta da
navegação, ao tempo em que a Europa estaria ainda unida á Africa, pela
Sicilia ou pelo estreito de Gibraltar. D’esta sorte se explicaria a
distribuição geographica da antiga raça de Cro-Magnon e de especies de
animaes africanos desde o meio da França até ao deserto do Sahara[216].

Os povos emigrados da Asia pela parte de noroeste occupariam
primeiramente as costas do Baltico ou do mar do Norte. Depois
dilatar-se-hiam pelas costas occidentaes da Europa, pelas ilhas
Britannicas, pela França, e afinal pela peninsula Iberica. A via
dos Pyreneus sería menos frequentada, porque ás difficuldades,
resultantes dos obstaculos naturaes, accresceriam as resistencias
offerecidas por povos da mesma raça, que habitassem áquem e álem da
cordilheira. A arte, auxiliada pela natureza, deveria formar por
aquella parte uma barreira fortissima a quaesquer invasores, que,
vindos de longe, intentassem penetrar na Peninsula. Mas da parte do mar
não havia taes difficuldades. Na epoca da pedra polida praticava-se
já a navegação entre o norte da Africa ou o meio-dia da Europa e
as regiões septemtrionaes d’este continente[217]. A distribuição
geographica dos dolmens, que pela maior parte occupam os litoraes e as
margens dos rios, prova-nos que a civilisação que elles representam
se propagaria essencialmente pela navegação. Na Peninsula formam uma
longa faxa semi-circular, uma cintura megalithica, estendida desde a
parte mais interna do golfo de Biscaia até ao cabo de Gata, occupando
as provincias de Alava, Santander, Galiza, o reino de Portugal e a
Andaluzia. A largura d’esta faxa extensa, n’umas partes será pouco
maior, n’outras, pouco menor que a largura maxima do reino de Portugal,
tomada, como é costume, entre Campo-Maior e o cabo da Roca.

Bastará, portanto, a consideração da cintura megalithica da Peninsula
para provar que a civilisação dolmenica deve ter vindo pelo mar. Mas
a cintura não é completa. Interrompe-se desde o cabo de Gata ate ao
cabo de Creus, isto é nas regiões orientaes, nas provincias de Murcia,
Valencia e Catalunha. Qual sería pois o obstaculo á propagação dos
dolmens por tamanha extensão de terra, que, por ser banhada pelo mar,
estava em condições tão favoraveis como o restante litoral para receber
a nova civilisação? Foi uma civilisação anterior, que trouxeram pelo
Mediterraneo povos emigrados pelo oeste da Asia, em quanto a outra,
a dos dolmens, deve ter correspondido áquelles que emigraram pelo
noroeste e vieram á Peninsula pelo Atlantico.

D’esta sorte a civilisação dos dolmens caminharia do norte para o sul,
hypothese, contra a qual tem objectado a maior perfeição e variedade
dos objectos encontrados nos dolmens do norte em relação aos extrahidos
dos dolmens do sul. Mas este facto, apesar de verdadeiro, não constitue
prova evidente. Por quanto, havendo a idade da pedra, e em geral os
tempos prehistoricos, durado por mais tempo nos paizes septemtrionaes
que nos meridionaes, é claro que o costume de construir os dolmens
deveria tambem conservar-se até mais tarde. Por isso, tendo mais tempo
de progredir, a industria humana deixaria vestigios mais perfeitos,
correspondentes a uma epoca posterior da sua evolução.

Não faltam para contrapor aos dolmens outros vestigios materiaes das
antigas civilisações, vindas pelo Mediterraneo. São os monumentos
cyclopeos, cuja origem se encontra na Asia Menor, na Bithynia, segundo
a opinião de Mimaut[218]. Depois continuam pela Arcadia, Epiro,
Grecia, Italia, Sicilia, Sardenha e ilhas Baleares. Na Peninsula, diz
Rougemont, seguem-se por Tarragona, Sagunto e mais para o interior
até Toledo[219]. Mas o que melhor nos convence da incompatibilidade
das duas civilisações vem a ser a lei da antinomia dos seus vestigios
respectivos. Na Asia, da mesma sorte que na Europa, onde ha dolmens
faltam as construcções cyclopeas, onde restam vestigios das segundas
faltam os primeiros.

A esta, como a toda e qualquer regra geral, se descobrirão de certo
algumas excepções. Nas ilhas Baleares, por exemplo, vêem-se as
_mapalias_ ou _navetas_ e os _talayots_, monumentos cyclopeos, e a
par com elles os dolmens e os menhires. Na Andaluzia acham-se tambem
dolmens e muralhas cyclopeas, como as do Castello de Ibros em Jaen.
Mas estes dolmens, bem como os das Baleares, parecem menos antigos que
os de Portugal. Na _Cueva de la pastora_ ha uma galeria subterranea,
cuja camara circular é coberta á roda com pedras, dispostas á maneira
d’aquellas que formam a abobada de escalão (encorbellée), e por cima
e no centro acaba de cobril-a uma lage dolmenica[220]. Ora, se esta
singular construcção é, com effeito, uma abobada incompleta, mostraria
a fusão dos dois estylos, porque a abobada, inteiramente estranha á
architectura dolmenica, encontra-se muitas vezes pelos monumentos
cyclopeos. Na mesma região se operou em tempos muito posteriores uma
similhante fusão entre o estylo christão ogival e o estylo mahometano
egualmente incompativeis.

Da lei da antinomia dos dolmens com as construcções cyclopeas
claramente se deprehende o terem sido contemporaneos, porque duas
civilisações sómente poderiam repellir-se na mesma epoca e não em
epocas differentes. Prova-se porém, até certo ponto, mais directamente
esse facto, porque em excavações, feitas em nuraghas da Sardenha e em
talayots das Baleares têem apparecido armas de silex e de bronze[221].
Assim, ao tempo em que os introductores do estylo dolmenico abicavam
ás praias occidentaes da Peninsula, povos de outra raça, e ligados a
outro centro de civilisação, incompativel com o costume ou com o rito
dos dolmens, habitavam as regiões orientaes, banhadas pelo Mediterraneo.

A antinomia do occidente com o oriente, ou das civilisações vindas pelo
Atlantico á Peninsula, com aquellas que entraram pelo Mediterraneo, ou
finalmente dos povos das regiões septemtrionaes da Europa com os do
oeste da Asia e do norte da Africa, manifesta-se-nos, pela primeira
vez, na epoca da pedra polida, entre os constructores dos dolmens
e os constructores dos talayots ou dos muros cyclopeos. Depois, na
aurora dos tempos historicos, entre os celtas e os iberos. Mais tarde,
outra vez, entre os barbaros, procedentes das regiões septemtrionaes
da Europa e os arabes e mouros, vindos da Asia e da Africa. Hoje,
finalmente, como ha oito seculos, a resistencia invencivel á união
de Portugal e Castella é ainda um effeito d’esta grande e prolongada
antinomia do occidente com o oriente. A Galiza é uma excepção, porque,
ficando ao occidente, se uniu á Hespanha e não a Portugal. Mas todos
sabem que outr’ora o portuguez e o gallego fallaram a mesma lingua,
e que ainda hoje, pelo caracter, pelos costumes, pelas propensões
populares, Portugal e a Galiza se assimilham mais entre si do que com
quaesquer outros povos da peninsula Iberica.

Outros vestigios de uma civilisação primitiva, talvez mais ou menos
relacionada com os monumentos cyclopeos, estão nas antigas minas de
cobre del Milagro, nas Asturias; de Cerro-Muriano, em Cordova; de Odiel
e Riotinto, na Huelva; e finalmente de Ruy Gomes, no Alemtejo[222]. Os
machados de pedra com que trabalhavam n’estas explorações denotam uma
industria prehistorica, anterior ao uso de ferro e até provavelmente
ao do bronze. Ha certa variedade nas fórmas dos taes martellos. Uns
assimilham-se áquelles que se tem encontrado em varias estações
prehistoricas da Europa; em cavernas da França e lagos da Suissa:
outros, como os de Cerro-Muriano, parece terem antes mais analogia com
instrumentos congeneres, achados em minas de cobre do Lago Superior,
na America do Norte[223]. Aqui apparecem tambem vestigios notaveis de
construcções cyclopeas nas margens dos rios Colorado, Mancos, San Juan
e La Plata do Novo-Mexico. Tornam-se sobre tudo notaveis as grandes e
altas torres redondas, feitas de duas ou tres muralhas concentricas, as
habitações excavadas nas rochas, as quaes dizem similhantes a outras
da Asia Menor, e finalmente as inscripções entre cujos hieroglyphos
se distingue a figura do homem e de varios animaes. Algumas d’estas
inscripções foram gravadas na pedra, outras pintadas com argillas
vermelha e branca[224]. Ora todas ellas, pelo genero do desenho, e
algumas por serem coloridas e pelas substancias colorantes empregadas,
se assimilham extremamente a outras da Andaluzia, encontradas tambem em
nichos ou casas abertas nas rochas[225]. Por outra parte os philologos
aproximam os idiomas dos vasconços aos dos georgianos e aos de certos
povos da America, a ponto de os reunirem todos no mesmo grupo[226].

Estes factos estão indicando a existencia de uma antiga civilisação,
irradiante da Asia para a Europa e para a America, e caracterisada
pela exploração e fabríco do cobre. Os seus vestigios acham-se em
regiões extensas da Asia, na Russia scythica, no Caucaso, na Hungria
e Transylvania, na Iberia e na America. Tão mal se conhece ainda a
archeologia prehistorica d’estes povos, representantes da epoca do
cobre, que a maior parte dos archeologos tem chegado a negar a sua
existencia, admittindo sómente a da epoca do bronze. Entretanto os
estudos, apenas começados, das antiguidades tchoudes na Asia e na
Europa, os poucos conhecimentos adquiridos ácerca das minas de cobre
prehistoricas fazem já evidente a irradiação de uma antiga civilisação
do mesmo centro commum para varias partes do mundo.

A qual das raças humanas se ha de referir este grande movimento
prehistorico da exploração e fabríco do cobre? Os tchoudes, a quem
se attribuem as minas do noroeste da Asia, da Russia scythica e da
Hungria e Transylvania, são de raça turania. Os mais antigos dos povos
da America assimilham-se tambem mais aos turanios que aos iranios. Em
fim os proprios vasconços parece não serem inteiramente extranhos á
raça mongolica. Aristoteles refere que os iberos (de Hespanha), povo
bellicoso, erguiam á roda de cada tumulo tantos obeliscos, quantos
inimigos o defuncto matára em vida[227]. Os annaes chinezes de Tchéon
(567 a 579 depois de Jesus Christo) repetem _verbum ad verbum_ as
palavras de Aristoteles, mas a proposito de um povo tartaro. Dizem dos
_thoukiones_ ou turcos orientaes, restos dos hiongnon (hunos), que por
aquelle mesmo tempo figuraram entre os invasores da Europa meridional,
vindos do norte, «que elles põem uma pedra sobre a sepultura, e
levantam á roda tantas pedras, quantos homens o defuncto matára em
vida».

Á classificação dos vasconços ou dos antigos iberos entre os povos
da raça mongolica oppõem-se, bem o sabemos, razões ponderosas, taes
como a presupposta origem dos segundos e os caracteres ethnicos dos
primeiros. Porém nenhuma d’estas razões constitue uma difficuldade
insoluvel. O caracter ethnico dos vasconços não póde ter-se conservado
puro durante milhares de annos no meio de povos de raças differentes.
É por tanto admissivel que os mais antigos dos exploradores do cobre
fallassem algum idioma agglutinativo, hoje perdido, no tempo em
que foram construidas as nuraghas e os talayots, e anteriormente á
entrada dos iberos na Peninsula. Ainda assim não ha impossibilidade
em attribuir a estes ultimos as mais antigas das minas, suppondo
que n’elles predominariam os caracteres ethnicos da raça caucasica,
posto que, pela linguagem e pela civilisação que representavam, se
relacionassem antes com a raça mongolica. As regiões que separam o mar
Caspio do mar Negro eram exactamente aquellas, onde vinham encontrar-se
as raças caucasica e mongolica, para da Asia emigrar para outras partes
do mundo. Tudo são trevas em tão remota antiguidade. Ainda hoje uns
sustentam que o euskara fôra a linguagem dos iberos; outros affirmam
que as inscripções ibericas, achadas em varias regiões da Peninsula,
são inconciliaveis com a lingua dos vasconços. A philologia está
portanto tão atrazada, que não resolveu ainda este ponto fundamental.
A anthropologia diz-nos apenas haverem-se encontrado dois craneos,
um dolichocephalo e outro brachycephalo, cada um em sua mina. A
archeologia não sabe classificar os vestigios dos povos primitivos
da Peninsula, e nem ao menos, até hoje, demonstrára cabalmente a
differença capital entre os dolmens e os monumentos cyclopeos, e
as conclusões importantissimas que resaltam da sua antinomia e
distribuição geographica.

Quanto ao centro e extensão de uma antiga civilisação mongolica,
anterior á historia, recentes descobrimentos confirmam a asserção de
Justino, o historiador. Segundo esta asserção, que exprime antigas
tradições asiaticas, a Asia Anterior sería inteiramente senhoreada
durante quinze seculos pelos scythas, povo mais antigo que os proprios
egypcios. Ora os estudos assyriologicos demonstram este mesmo
desenvolvimento dos povos turanios na Asia Anterior ainda antes dos
aryos e dos semitas[228].

A incerteza do caracter ethnico, verificada nos iberos e n’outros dos
povos antigos da Peninsula e da Europa, é tambem commum ainda hoje a
uma raça muito notavel, cujas tribus, essencialmente nomadas, vaguêam
pela face da terra praticando a arte de fundir ou forjar os metaes.
Chamam-lhes _tzigeuners_ ou _ziguener_ na Allemanha, _tzigani_ na
Hungria, _zingaros_ na Italia, _bohemios_ na França, _gitanos_ em
Hespanha, e finalmente _ciganos_ em Portugal. No Alemtejo encontram-se
muitos individuos d’esta raça. Habitam em Evora as ruas de certo
bairro, e conservam os seus costumes proprios, entre os quaes se
notam sobre tudo as ceremonias e festejos dos casamentos. Vaguêam,
como nomadas, pelos campos e de povoação em povoação. Vivem da rapina
e de comprar, vender ou trocar cavalgaduras, distinguindo-se nas
feiras pela astucia com que enganam os compradores. Ha poucos annos
vagueava em Portugal uma tribu de ciganos, que tinha por industria o
concerto ou estanhadura de vasos e utensilios de cobre ou de bronze.
Estacionavam pelos arrabaldes das cidades, onde abarracavam, como
tropas em campanha, demorando-se com as suas forjas, em quanto os
moradores da povoação lhes davam trabalho. Durante a idade media estas
visitas dos ciganos fundidores ou caldeireiros eram mais frequentes,
e então, como hoje, praticavam sempre da mesma fórma que Herodoto já
notara. Mas é ainda mais extraordinario que as fundições até hoje
descobertas e pertencentes á epoca do bronze auctorisem a suppôr que já
n’esses tempos remotos a arte de fundir o bronze sería praticada por
estrangeiros que estabeleciam as suas officinas em raso campo, fóra das
povoações. Isto mesmo parece deduzir-se dos thesouros achados pelas
montanhas, onde teriam sido escondidos pelos fundidores vagabundos,
que por qualquer causa não teriam podido voltar em busca d’esses ricos
depositos.

Na opinião de alguns os ciganos constituem um povo moderno das margens
do Indus ou Sind, cujas primeiras emigrações datariam do tempo de
Tamerlan, que pol-os perseguir os obrigaria a expatriarem-se. Outros
porém attribuem-lhes muito maior antiguidade, e suppõem que os
actuaes ciganos descendem dos syginnos, que Herodoto diz terem sido
os primeiros habitantes da Hespanha, e que teriam vindo do Danubio:
Strabão é de parecer que os syginnos procederiam antes do Caucaso.
Tambem não falta quem tenha achado relações de parentesco entre os
syginnos e os sicanos, primeiros habitantes da Sicilia. Haverá apenas
uma similhança casual entre os nomes de syginnos, tzigeuners, tziganos,
sicanos e ciganos, ou serão com effeito fórmas differentes do nome
de uma antiga raça, que, vinda da Asia, diffundiria pela Europa a
industria do fabríco do bronze nos tempos prehistoricos?

Ainda outra circumstancia notavel. Diz Herodoto que os syginnos
trajavam largas vestes á maneira dos medas, d’onde conclue que os
primeiros seriam effectivamente d’estes ultimos povos, que em epocas
remotas viriam á Hespanha[229]. Strabão affirma que os habitantes das
Baleares eram optimos fundidores e os primeiros dos homens que, segundo
se dizia, usaram largas tunicas _tunicas late pretextas_[230].


NOTAS DE RODAPÉ:

[196] A dolichocephalia dos vasconços hespanhoes e a brachycephalia dos
vasconços francezes constam das tabellas publicadas por Topinard e por
Quatrefages nos livros _L’anthropologie_ e _L’espèce humaine_.

[197] Esta opinião tem sido em todos os tempos e pela maior parte
dos auctores geralmente seguida. Entretanto o atrazo da philologia
e da archeologia peninsulares não permitte ainda formular qualquer
demonstração rigorosa. O que por ora se sabe dos costumes e linguagens
dos povos que habitavam a Peninsula é tão incerto, que não ha que
estranhar vermos na actualidade uns, como Luchaire, sustentarem que
o euskara sería a lingua dos antigos iberos que povoavam a Peninsula
e a Aquitania, e outros, como Sayce, affirmarem que as inscripções
celtibericas não se parecem nada com aquelle mesmo idioma dos
vasconços. Vej. _La Academia_, tom. I, pag. 370 e 238.

[198] Tubino, _Los Aborigenes ibericos_.

[199] Strabão affirma que os iberos usavam não sómente de muitos
dialectos, mas tambem de alphabetos diversos.

Anteriormente aos povos da Peninsula dominados pelos romanos, seis
ou cinco seculos antes de Jesus Christo, os _tartessos_ habitavam ao
meio-dia, desde o Guadalquivir até ao Segura, ao norte de Carthagena.
Os _cunétos_, visinhos dos tartessos, habitavam ao occidente as margens
do Guadiana, e dilatavam-se pelo litoral até ao cabo de S. Vicente.

Ao norte dos cunétos habitavam os _kempsos_, dilatando-se até aos
Pyreneus, pelos arredores da provincia de Guipuscoa.

A leste os _gletos_ entre os Pyreneus e o Ebro. Perto dos gletos, no
interior das terras, os _vascões_ sobre o Ebro, e os _ceretos_ ao pé
dos Pyreneus.

No litoral do Mediterraneo, ao sul dos Pyreneus, os _indiketòs_.

No interior das terras, entre os tartessos ao meio-dia, os gletos ao
norte, e os kempsos a oeste, habitavam os _etmanei_ da _Ora maritima_,
talvez os mesmos que os _edetarios_ de Strabão, os quaes mais tarde
viriam ás praias do Mediterraneo.

No VI seculo antes de Christo os liguros occupavam os dois extremos
da cordilheira dos Pyreneus, a leste perto de Ampurias, a oeste
as cercanias de Bayona. Dilatar-se-hiam até ás fontes do Betis ou
Guadalquivir, onde era a lagôa ligustica. D’Arbois de Jubainville, _Les
premiers habitants de l’Europe_. Pariz, 1877.

Mais tarde, entre outros, acham-se mencionados pelos auctores os
povos seguintes, dos quaes alguns nomes manifestamente correspondem
aos anteriores: _arevacos_, _astures_, _ausetanos_, _autrigones_,
_bargusios_, _bastitanios_, _berones_, _caristios_, _carpetanos_,
_celtiberos_, _cerratanos_, _coniscos_, _contestanos_, _cosetanos_,
_cimeos_, _ilergetes_, _icarcitanos_, _indigetes_, _lacetanos_,
_laletanos_, _lusones_, _murgobos_, _obcades_, _pelendones_, _pesicos_,
_tartesios_, _turdetanos_, _turdulos_, _vacceos_, _vardulos_ e
_vettones_. Lafuente, _Hist. gen. de España_, tom. I, Apend.

[200] Rougemont, _L’âge du bronze_, pag. 168 e seg.

[201] Mithridates, 101, cit. por D’Arbois de Jubainville.

[202] D’Arbois de Jubainville, _Les premiers habitants de l’Europe_.
Pariz, 1877, pag. 304 a 307.

[203] Tal é o systema recentemente proposto e defendido por D’Arbois de
Jubainville no livro citado.

[204] Strabão, lib. III, cap. 4.º, § 19.º

[205] N’este systema os iberos differençar-se-hiam dos tartessos,
cunetos e kempsos, e comprehenderiam os glétos, os ceretos, os vascões
e os indiketos.

[206] Citados por Masdeu, _Historia critic. de España_, tom. II, pag.
303 e 304.

[207] D’Arbois de Jubainville op. cit.

[208] Seneca, _Consolatio ad Helviam_.

[209] Thucydides, I, VI, cap. 2.º

[210] Avieno, _Ora maritima_.

[211] Edição Westermann, pag. 184, cit. por D’Arbois de Jubainville,
pag. 242.

[212] D’Arbois de Jubainville, op. cit., pag. 241.

[213] Tacito, _Agricola_, cap. II. Avieno, _Ora maritima_, vers. 433.

[214] Ad Contubernales. Carm. XXXVII.

[215] Seguimos o mesmo methodo, que tão vantajosamente Lyell applicou
á geologia. Apesar da diversidade de condições em que operam as forças
physicas e o homem, ainda n’este caso se prova a analogia das invasões
historicas. Identidade não ha, como entre as causas geologicas actuaes
e as antigas. Mas essa mesma analogia nos basta para as conclusões a
que pretendemos chegar.

[216] Quatrefages, _L’espèce humaine_.

[217] Com factos, citados por Lyell e Quatrefages, se demonstra a
existencia da navegação atlantica na epoca da pedra polida. Já os
mencionámos a pag. 105 d’este livro.

[218] Mimaut, _Histoire de Sardaigne_, citado no _Bulletin de la
Société d’anthropologie de Paris_, tom. 5.º, pag. 22.

[219] Rougemont, _L’âge du bronze_, pag. 73.

[220] Tubino, _Los aborigenes ibericos_.

[221] _Revue d’anthropologie_, 1875, pag. 507. _La Academia_, 1877,
pag. 184 e 185. As explorações feitas nas nuraghas e talayots não
têem sido taes que próvem evidentemente a coincidencia da construcção
d’estes monumentos, ou dos mais antigos, dentro dos limites da idade
da pedra. As armas de silex até hoje encontradas não bastam, porque
muitas vezes acontece apparecerem taes vestigios misturados com os
do cobre ou do bronze, como ainda ha pouco tempo, nas explorações de
Schliemann no sitio de Troia. É possivel tambem que, ao tempo em que os
povos orientaes da Peninsula, mais avançados na estrada da civilisação
estivessem já na epoca do cobre ou do bronze, os occidentaes vivessem
ainda na idade da pedra. E assim se explicaria o achado de uma frecha
de cobre nas grutas da Cesareda, unico documento de uma civilisação,
posterior á de todos os outros vestigios encontrados.

Mas, para se dar como provada esta discordancia, isto é, que os povos
do oriente estariam já na epoca do cobre ou do bronze, quando os do
occidente não teriam ainda ultrapassado os limites da epoca neolithica,
sería mister emprehender mais numerosas e methodicas explorações, tanto
das construcções dolmenicas ao occidente como das cyclopeas ao oriente.

[222] Tubino, _Estudios prehistoricos_. Madrid, 1868, pag. 98 a 106.
Pereira da Costa. _Noticia de alguns martellos de pedra e outros
objectos que foram descobertos em trabalhos antigos da mina de cobre de
Ruy Gomes no Alemtejo._ No _Jornal de sciencias mathematicas, physicas
e naturaes_. Lisboa, 1868, n.º V.

[223] Tubino, op. cit.

[224] W. H. Holmes, _A notice of the ancient ruins of southwestern
Colorado, examined during the summer of 1875. United states geological
and geographical survey of territories_. Washington, March, 21, 1876.

[225] Gongora, _Antigüedades prehistoricas da Andalucia_.

[226] Vej. a classificação das linguas por Max-Müller no _Diction.
univers. du_ XIX _siècle_, verb. LANGAGE.

[227] _Fragm. histor. graecor._, tom. 2.º, pag. 180.

[228] Lenormant, _Les premières civilisations_, tom. 1.º, pag. 107.

[229] Herodot. _Histor._ lib. V.

[230] Strab. _Geograph._ lib. III.




                                 NOTAS


                                  1.ª

                           MACHADOS DE PEDRA

«A arma verdadeiramente significativa, que jámais se empregou depois do
fim da edade da pedra, ou quando muito depois do periodo de transição
da pedra para os metaes, é o machado polido. Marca um periodo, pelo
menos no occidente, porque na Chaldêa tem-se encontrado muitas
vezes nos tumulos do antigo Imperio e nos entulhos dos edificios
d’Abou-Schahrein. Por isso ao machado de pedra mais tarde se ligaram
tantas superstições; a sua origem humana estava inteiramente esquecida.

«A alta antiguidade, á qual se reportavam os instrumentos de pedra, foi
causa de que entre muitos povos lhes dessem caracter religioso, e se
conservasse o uso d’elles por muitas vezes no culto. Entre os egypcios
era com um instrumento de pedra que o paraschisto abria o ventre da
mumia, antes de submettel-a ás operações do embalsamento. Entre os
judeus a circumcisão praticava-se com uma faca de silex. Na Asia-Menor
os gallos ou sacerdotes de Cybêle retalhavam as proprias carnes com
uma pedra cortante ou com um caco de louça. Na Chaldêa a intenção
religiosa e ritual que fazia depositar facas e pontas de pedra nos
tumulos do antigo Imperio prova-se pelos modelos d’estes instrumentos
de pedra ou de barro cozido, moldados pelos originaes, que algumas
vezes os substituem. Entre os romanos um machado de pedra (_scena
pontificalis_) servia para o culto de Jupiter Latialis, e tambem para
os ritos dos Feciaes. Na China, onde se conhecem os metaes ha tantos
seculos, as armas de pedra, e sobre tudo as facas de silex, têem sido
religiosamente conservadas. Ainda hoje em dia entre os pallikares da
Albania, eu proprio o observei, com um calhau cortante e não com faca
de metal destacam as carnes da omoplata do carneiro, em cujas fibras
acreditam ler os segredos do futuro.

«A par com a conservação ritual do uso de certos instrumentos de
pedra nas ceremonias religiosas importa mencionar, terminando, as
superstições que se associaram ás pontas de frechas de pedra e
aos machados polidos que se encontravam no solo, depois de se ter
perdido a sua origem. Na maior parte dos povos do mundo antigo, nos
seculos pouco anteriores á era christã, recolhiam-os como objectos
preciosos, e attribuiam-lhes mil propriedades maravilhosas e magicas,
por accreditarem que do ceu cahiam com o raio. Conforme o testimunho
de Plinio, distinguiam-se as _ceraunias_, que, segundo a sua propria
descripção vem a ser as pontas de frechas, e os _betuli_, que são os
machados. Ha collares de ouro etruscos dos quaes pendem, á maneira
de amuletos, pontas de frechas de silex. Ao caracter talismanico que
suppozeram n’esta classe de objectos se hão de attribuir as inscripções
gnosticas e cabalisticas do seculo III ou IV da nossa era, gravadas
n’um pequeno machado polido descoberto no Peloponeso, e actualmente
no Museu Britannico. Seríam feitas de certo na epoca em que o machado
serviria de amuleto protectivo a quem o trouxesse comsigo. As crenças
supersticiosas ácerca das suppostas pedras de raio permaneceram
vigorosas ainda entre os sabios, até ao seculo XVI; e sómente no seculo
XVIII chegaram a desarraigar-se inteiramente na Europa illustrada. Em
muitos paizes, como na Italia, Alsacia e Grecia, subsistem ainda entre
os habitantes dos campos.»

Lenormant, _Les premières civilisations_, tom. I, pag. 169 a 172.


                                  2.ª

                        A CITANIA DE BRITEIROS

No monte de S. Romão de Briteiros, entre Braga e Guimarães, em pequena
distancia das Taipas, jazem umas ruinas, mencionadas desde o seculo XVI
pelos nossos antiquarios, e recentemente exploradas pelo sr. Francisco
Martins Sarmento. Discutiram largamente, sem chegar a conclusões
decisivas, Brito, Estaço e Argote que povoação teria sido esta em tempo
dos romanos. Mas o atrazo da archeologia não lhes deixou entrevêr
que tal questão não sería de certo a mais importante d’aquellas que
o exame das ruinas poderia suscitar. Os problemas de maior interesse
apparecem agora á vista dos restos que o sr. Martins Sarmento, com
zelo e dedicação de que até hoje não houvera ainda exemplo em toda a
Peninsula, desentranhou da espessa camada de terra que os occultava.

A existencia da povoação na epoca romana demonstra-se com certeza pelas
moedas e inscripções ali encontradas. Mas, a par com esses vestigios,
têem apparecido outros, representantes de uma civilisação anterior que
na Peninsula, á falta de estudos e de explorações, não se destaca ainda
claramente das trevas prehistoricas. A promiscuidade dos caracteres
romanos com os de outros alphabetos ou com lavores esculpidos de outro
estylo, tudo conjuntamente nas mesmas pedras, provando mais com egual
evidencia que todos esses vestigios são contemporaneos, não se pode
explicar senão pela insufficiencia da civilisação romana para destruir
e substituir por outros os velhos costumes transmittidos de geração a
geração entre os habitantes d’esta parte da Peninsula.

Depois das grandes explorações ultimamente emprehendidas, vêem-se os
restos das quatro muralhas que defendiam a povoação pela parte do sul
e poente; percorrem-se as ruas e praças, algumas d’ellas lageadas com
losangos de granito perfeitamente apparelhados; entra-se nas casas,
em cujas paredes, conservadas de pé até certa altura, muito bem se
observam todas as particularidades da construcção.

A mais forte das primeiras impressões é a que produz no espirito a
vista das muralhas e das casas. Quem estiver habituado a observar
a regularidade do apparelho romano, a superficie liza dos grandes
silhares, a nitidez das linhas de união, a firmeza resultante
do endurecimento da argamassa pelos soes de muitos seculos,
necessariamente estranhará a falta de todo o apparelho nas muralhas e
o limitar-se unicamente á face externa nas paredes das casas mais bem
construidas, e da mesma sorte o não terem sido ligadas as pedras com
argamassa. Esta circumstancia e tambem o revestimento interior das
paredes das casas com pedras pequenas, faz lembrar as construcções
denominadas cyclopeas, que se encontram na Italia, Malta, Grecia, etc.

Porém o não se descobrirem vestigios correlativos da epoca remota de
taes construcções induz a crêr que a falta da cal sería a causa de
se conservar no monte de S. Romão o costume de construir com pedra
insossa, como ainda hoje acontece nas povoações ruraes circumvisinhas.
Não se explica da mesma sorte por circumstancias locaes uma singular
particularidade observada n’algumas casas, e vem a ser o formarem as
pedras maiores das paredes, series espiraes, que principiam junto do
solo e se prolongam com regularidade geometrica até á parte superior.

Esta disposição das pedras de certas paredes e as espiraes que se
vêem gravadas n’algumas das rochas do monte e n’algumas das pedras
desenterradas relacionam estes vestigios com outros prehistoricos
da epoca do bronze, e mais em particular os signaes das rochas com
outros similhantes que se conhecem na Irlanda. A gruta artificial, que
denominam _Penedo da Moura_, e alguns consideravam como um dolmen,
com sulcos artificialmente gravados na face inferior da pedra que lhe
serve de tecto, liga-se ainda naturalmente com esses vestigios. Alguns
dos fragmentos de louça parece terem uma ornamentação prehistorica.
Finalmente a esculptura das pedras assimilha-se mais aos desenhos
prehistoricos do que aos dos estylos conhecidos, e menos ainda ao
romano que aos outros. Mas, como estes ultimos ornatos existem em
pedras com inscripções romanas, em vez de reportal-os á epoca da pedra
polida ou do bronze, deveremos antes suppôr que todos esses costumes
se conservaram ainda n’aquella parte da Peninsula durante a dominação
romana, pela repugnancia que os dominados offereceriam a acceitar a
civilisação dos dominadores.

Já no tempo de João de Barros chamavam ruinas da _Citania_ ás do monte
de S. Romão de Briteiros. Esforçaram-se alguns, porém inutilmente, para
fazer esta palavra equivalente da _Cinnania_ ou _Cinninia_, mencionada
por Valerio Maximo. Parece que _Citania_ sería antes um appellativo,
pois dizem haver na provincia de Entre Douro e Minho, outras ruinas de
povoações antigas assim tambem denominadas. Da mesma sorte a palavra
_Cythiau_, tendo talvez a mesma etymologia, se applica no paiz de
Galles ás velhas ruinas gaelicas, segundo escreve Amadeu Thierry na sua
_Historia dos Gaulezes_.

Esta analogia, só por si, poderia e deveria passar desapercebida, se
outras não fizessem maior força. Os signaes com a fórma de espiral,
gravados nas rochas e em pedras apparelhadas, encontram-se na Citania,
bem como na Irlanda e n’outras partes da Grã Bretanha. Em fim os povos
que habitavam o territorio bracarense no tempo das invasões dos romanos
(_gallaici bracari_) eram de origem celtica e por tanto ethnicamente
relacionados com os povos d’aquelle paiz procedentes do mesmo tronco.
No capitulo X d’este livro demonstrámos que as regiões occidentaes da
Peninsula, assim como as partes da Europa, banhadas pelo Atlantico,
estariam naturalmente sujeitas ás emigrações dos povos que viessem
da Asia pelo noroeste, em quanto as regiões orientaes da Hespanha,
litoraes do mediterraneo, receberiam pelo contrario gentes diversas,
vindas do oeste da Asia ou da Africa septemtrional.

Os caracteres dos vestigios encontrados na Citania, que evidentemente
não são romanos, serão portanto celticos. A fórma das casas e o deverem
ter sido cobertas de colmo, por se não encontrarem vestigios de
telhados, concorda com os termos em que os auctores antigos descrevem
as casas dos gaulezes. Além das moedas romanas achou-se outra celtica,
infelizmente perdida. O estylo da ornamentação da _Pedra formosa_ e de
outro fragmento é caracteristico. No desenho dos ornatos predominam
os circulos concentricos, as espiraes e as cordas torcidas. Na
Galiza achou-se um vaso de bronze cuja ornamentação essencialmente
differente do estylo dos romanos ou de quaesquer outros dos povos que
depois dominaram a Peninsula, tem os mesmos elementos mencionados, e,
por isso, toda a similhança com o da Citania. As casas descobertas
nos castros da mesma provincia são tambem analogas ás da Citania.
Finalmente nas ruinas de algumas d’aquellas que se têem desenterrado
nos castros verificou-se o serem formadas por paredes duplas, separadas
por um pequeno intervallo. Em Sabrôso, proximo da Citania, achou o sr.
Martins Sarmento ha poucos dias vestigios similhantes de casas com
paredes duplas.

Começa hoje a ser estudada a civilisação gallaica. Os castros da
Galiza, explorados pelo sr. Villa-amil, deram já alguns subsidios.
Mas os mais importantes, pela qualidade, numero e variedade, são
incontestavelmente as ruinas da Citania de Briteiros.


                                  3.ª

                       ÁCERCA DA PALAVRA _ANTA_

Em Portugal chamam _antas_ aos dolmens. Para a etymologia da palavra
_anta_ convirá notar que, segundo affirma Mendonça e Pina, os godos
chamaram _antas_ aos seus heroes. Os povos de Saxe attribuem a
construcção dos dolmens, aos gigantes; ora entre esses povos, bem
como no antigo anglo-saxonio, _enta_ significa gigante. É tambem para
notar-se a similhança da palavra _anta_ com o nome de Anteu. Na
lingua portugueza e n’outras linguas _anta_ significa o contraforte do
edificio, a parte saliente que se eleva desde o alicerce até ao cimo,
ou até parte da altura. A este elemento architectonico chamamos nós
egualmente gigante, de sorte que n’este sentido anta e gigante são
synonimos. Finalmente, não falta quem derive a palavra anta do celtico
_hana_ e _hanouth_ que significam, assentar-se acampar, armar a tenda;
e tenda, acampamento, morada. Na Argelia dão o nome de _hanouth_ ou
_hanouïta_ a cavernas que a mão do homem abriu em epocas tão remotas
que não constam das tradições. Vej. L. de Maule--Pl. _Nouveaux
documents archéologigues_. Pariz, 1874.


                                  4.ª

            DISTRIBUIÇÃO GEOGRAPHICA DOS DOLMENS NA EUROPA

«Ao oeste de São Petersburgo, na parte septemtrional da Russia
occidental, na Curlandia, começam a apparecer os dolmens, mencionados
pelos viajantes e pelos antiquarios com os nomes de _tumulos de pagãos_
ou de _camas de gigantes_. Todavia são ali raros. Mas o numero d’elles
augmenta cada vez mais para a parte do poente, ao longo do Baltico.
Ao oeste do Vistula são já muito frequentes. Contam-se aos centos nas
provincias de Dantzig e de Stettin, na Pomerania, ao longo do Oder,
desde a foz até Francfort sobre o Oder, e mais em particular em roda da
pequena cidade de Dressen. Keferstein, auctor de um livro respectivo
ao assumpto, encontra-os depois no Elba, na foz primeiramente ao longo
do mar, depois até Magdeburg, rio acima. Não descem além d’aqui para
o sul. Abundam no Mecklenburg, em Schwerin e Strelitz. No Hanover
subsistem ainda de pé uns duzentos, apesar de terem sido muitos
destruidos em tempos de que se não perdeu ainda a memoria. Contém
tambem muitos o ducado de Oldenburg e principalmente a parte contigua
ao Weser.

«Diminuem para a parte de oeste. Ha, é verdade, cincoenta e quatro na
provincia de Over-Yssel na Hollanda, mas a Belgica, onde a pedra é tão
rara, contém apenas um. Para se não perderem os vestigios dos dolmens
ha de voltar-se ao norte, pela Dinamarca. N’esta direcção encontram-se
em tal numero que não tem conto.

«Os dolmens, diz M. Worsaæ, competentissimo no assumpto, abundam no
Schleswig e no Holstein, nas costas occidentaes e septemtrionaes
de Seeland, em todo o Jutland maritimo, porém particularmente no
Limfjord, no dominio de Thisted. São raros nas costas occidentaes da
Dinamarca inferior, e ainda mais no interior das terras. Estes dolmens,
accrescenta M. Worsaæ, são absolutamente similhantes aos da Pomerania,
Brandeburg, Mecklenburg e Hanover.

«Na Scandinavia estes monumentos sómente se encontram no velho paiz
dinamarquez da Scania, no Halland, no Gothland occidental e no paiz de
Bahus, isto é, exactamente ao longo das costas occidentaes da Suecia
até Gotheburg. Não apparecem nem ao leste, nem ao norte. Tambem não os
ha na Norwega.

«Para seguil-os, será mister que nos embarquemos agora, inclinando ao
noroeste. Nas Orcadas e nas Hébridas já se nos deparam alguns, mas para
chegar ao meio de grupos importantes convirá aportar ás ilhas d’Iona,
d’Arran e de Bute, na costa occidental da Escocia, e sobre tudo avançar
algum tanto mais pelo canal de S. Jorge e desembarcar em Anglesey.
Aqui, bem como na peninsula visinha denominada de Caernarvon, parece
haverem-se assenhoreado do terreno.

«Eis-nos porém chegados ao paiz de Galles. Aqui poderei sem duvida
appellar para as recordações de muitos de entre vós. Sabeis que
thesouros d’este genero se encontram nos arredores de Pembroke e de
Caermarthen; conheceis tambem a riqueza do Cornwall, onde os dolmens,
diz M. Akerman, são mais numerosos que em qualquer outra parte da
Europa.

Nas dunas do Dorsetshire, nas margens do Avon e na parte septemtrional
do Berkshire deparam-se-nos ainda alguns.

Faltam pelo contrario nas costas orientaes da Grã-Bretanha, porque os
monumentos do Yorkshire não nos parecem senão menhires.

Sabeis, tão bem como eu, dos bellos dolmens das ilhas da Mancha, Jersey
e Guernesey. D’elles deu a _Archæologia Britannica_ magnificas estampas.

Em Jersey estamos quasi a tocar a França. Eis aqui a estatistica dos
dolmens francezes nos districtos em que se encontram:

Lot, 500.--Finistère, 500.--Morbihan, 250.--Ardèche,
155.--Dordogne, 100.--Vienne, 70.--Côtes-du-Nord,
56.--Maine-et-Loire, 53.--Eure-et-Loire, 28.--Carente,
26.--Creuse, 26.--Charente-Inférieure, 24.--Lozère, 19.--Vendée,
17.--Loire-Inférieure, 16.--Sarthe, 15.--Deux-Sèvres,
15.--Orne, 14.--Indre, 13.--Manche, 13.--Pyrénées Orientales,
12.--Haute-Vienne, 12.--Puy-de-Dôme, 10.--Oise, 9.--Nièvre,
8.--Tarn-et-Garonne, 7.--Ariège, 6.--Cher, 6.--Loir-et-Cher, 6.--Aisne,
5.--Ille-et-Villaine, 5.--Gironde, 5.--Hérault, 4.--Pas-de-Calais,
4.--Tarn, 4.--Loiret, 3.--Basses-Pyrénées, 3.--Calvados, 2.--Eure,
2.--Isére, 2.--Loire, 2.--Marne, 2.--Seine-et-Oise, 2.--Seine-et-Marne,
2.--Somme, 2.--Var, 2.--Aude, 1.--Côte-d’Or, 1.--Corrèze, 1.--Landes,
1.--Mayenne, 1.--Nord, 1.--Rhin (Bas), 1.--Yonne, 1.

Bertrand, _Sur les origines Indo-européennes--Bulletins de la Société
d’Anthropologie de Paris_. Tom. 5.º


                                  5.ª

                        MEGALITHOS EM PORTUGAL

Fallando da distribuição geographica dos dolmens em Portugal e
Hespanha, e fazendo applicação, á Peninsula, da lei dos litoraes,
verificada n’outras partes da Europa, na Asia e Africa, dissemos que
se encontram numerosos na Galiza, no Alemtejo e outras provincias e
continuam depois pelo Algarve e pela Andaluzia. Com relação ao Algarve
advertiremos que actualmente se não conhecem megalithos nenhuns n’esta
provincia. Teve-os porém na antiguidade, como se deprehende de Strabão,
que no livro III, menciona no _Sacrum Promontorium_ (hoje Cabo de S.
Vicente) _lapides multis in locis ternos aut quaternos impositos_. Na
opinião de Rougemont (_L’âge du bronze_, pag. 287, nota), estes grupos
de tres ou quatro pedras cada um não seriam dolmens, porém cromlechs ou
pilares-idolos.

Na serra de Cintra ha um megalitho notavel, commumente denominado
_Dolmen de André Nunes_. Foi estampado no _Archivo Pittoresco_, tomo
XI, a paginas 377. Todavia esta gravura representa o monumento de
modo que por ella sómente o não podemos classificar. Por informações
minuciosas que nos deu o sr. Fuschini, digno engenheiro districtal
de Lisboa, que o observou pessoalmente, não se ha de considerar como
dolmen, mas sim como um tumulo ou galeria. O sr. Fuschini affirma ter
visto as paredes lateraes, parallelas, formadas de grandes lages postas
a prumo e cobertas com outras grandes lages horisontaes.

No Alemtejo não se conhecem tumulos, mas em compensação, esta é de
todas as provincias de Portugal a mais abundante de dolmens. Em 1733
o academico Fr. Affonso da Madre de Deus Guerreiro, communicava
á Academia Real de Historia haver em Evora e n’outros logares
circumvisinhos sessenta e sete antas, quatro das quaes davam o nome de
_Antas_ ás herdades onde se conservavam.

O sr. Gabriel Pereira, em carta de 8 de novembro d’este anno de 1877,
informa-nos de que fôra encontrar na herdade da Candieira, a meio
caminho do Redondo para o convento de S. Paulo da Serra d’Ossa, um
dolmen furado, de qual promette dar a estampa e descripção no _Universo
Illustrado_. Se é com effeito o que o observador suppõe, torna-se
muito notavel, porque não consta de outro nenhum dolmen furado em toda
a Peninsula. Diz mais o sr. Gabriel Pereira na carta citada: «Indo
do mosteiro para Machede, pela estrada que passa pela herdade das
Vidigueiras, e em terras que julgo pertencerem á herdade das Thesouras,
encontrei outra (anta) que se desvia tambem da maneira geral; não é um
dolmen só, são tres agrupados, juntos, sem galerias; e entre os muitos
pedregulhos derrubados jaz uma grande pedra quasi prismatica, de secção
pentagonal, de faces rudemente talhadas, que erguida parece deveria
occupar um ponto medio entre os tres dolmens. D’estes só um conserva
a mesa. Por ultimo na herdade das Vidigueiras visitei um dolmen, cuja
existencia me constava ha muito. É notavel por ter galeria ainda bem
determinada.»


                                  6.ª

                     ESPADAS DE COBRE DO ALEMTEJO

«Outras antiguidades tenho descoberto n’este territorio que mostram
viverem aqui gentes da mais remota idade, quando as ideias das artes
eram mui apoucadas. São estoques, ou espadas de quatro palmos de
comprido e um dedo de largo, sem gume, e achadas em varios sitios
d’esta diocese. Foram do tempo em que os nossos feriam sómente de ponta
e não de córte. Os virotes são curtos, e são com orelhas, que separam
da folha o maçote ou punho onde a mão segura a arma, e vai cópia na
lamina (fig. 8). Sobre isto póde lêr-se D. Joachim Marin, _Historia
de la Milicia Española_, tom. I, pag. 33. A materia é bronze ou de
ferro. Não obstante haverem jazido debaixo da terra pelo espaço de
seculos estão muito limpos, e bem conservados. Noto que os punhos em
algumas são curtos para poder jogar com a espada mão pueril, outras
são affeiçoadas para maiores pessoas: seriam as dos punhaes com que
escreve Grapaldo, _De partibus Aedium_, pag. 248, dizer Vitruvio _non
cœsim sed punctim ferire docendos esse Tyrones_. Dos Celtiberos escreve
Diodoro Siculo que enterravam o ferro para se consumir pela humidade a
parte d’elle fraca, e ficasse no vivo a de constante duração. _Laminas
autem ferri sub terra obsconditas tandiu jacere sinunt dum ferri parte
debiliore ferrugine ambusta validior supersit._ L. V, pag. 356. Ed. de
Wesslingio; porém as de bronze não careciam de tanta cautella.»

D. Fr. Manuel do Cenaculo, _Vida de S. Sizenando e historia de Beja,
sua patria_. Cod. CXXIX/I-9 da Bibliotheca de Evora.


                                  7.ª

      ADAPTAÇÃO MODERNA DOS MACHADOS DE PEDRA A VARIAS INDUSTRIAS

Ha machados de pedra disformados n’uma das extremidades, que, em vez
da fórma primitiva, apresenta a de uma excavação ou angulo reintrante,
e as superficies muito polidas, como por effeito do desgaste. O padre
Theodoro d’Almeida, no tomo 1, da _Recreação philosophica_, a pag. 16,
explica-nos o facto, dizendo que os Tiradores do fio de ouro, usavam
das pedras de raio para fazer, á força do attrito, adherir as folhas de
ouro á superficie de uma barra de prata, que depois estiravam á fieira,
conservando sempre a côr do ouro. Isto produz o auctor para mostrar a
grande divisibilidade da materia.

Na collecção do Instituto ha um ou mais machados de pedra muito
desgastados n’uma das superficies, e parece terem servido de
amoladores.


                                  8.ª

                  O TOUCADO DE RAMSES II NA SARDENHA

A paginas 141 e 142 d’este livro, dissemos como em monumentos antigos
do Egypto se vêem os libycos e amazirghas, habitantes da Africa
septemtrional, adornados com uma trança enroscada que passa por diante
da orelha e cahe sobre a espadua, recurvando-se á maneira do chifre
inferior de alguns carneiros. Dissemos tambem que um dos pharaós,
Ramses II, se adorna com toucado similhante. No _Universo Pittoresco_,
na parte respectiva á Sardenha, vem a estampa de um idolo de bronze
com uma trança da mesma sorte recurvada. O auctor do livro, que foi o
presidente Gregory, diz que o cavalleiro Ferrero la Marmora apresentara
aquelle idolo.




                         TABELLA DAS GRAVURAS


1, 2 e 3--Silex das collecções da Commissão geologica de Portugal, que o
sr. Carlos Ribeiro suppõe terem sido lascados pelo homem terciario.
Tamanho natural                                                       29

4--Machado de silex lascado da estação de San Isidro. (_Anales de la
sociedad española de Historia Natural_. Tom. I, cuaderno 3.º)         33

5, 6 e 7--Faca de silex da estação de Argecilla (Op. cit.)            39

8 e 9--Machadinha de pedra de Argecilla (Op. cit.)                    40

10--Ponta de frecha de silex de Argecilla (Op. cit.)                  41

11, 12 e 13--Pontas de frecha de silex da Fonte da Ruptura em Setubal.
Tamanho natural. (Mus. da Escol. Polyt.)                              41

14--Cabeça de lança de silex, achada n’um dolmen pouco distante de Niza.
Metade do tamanho natural. (Commissão geologica)                      42

15--Cabeça de lança da Sepultura de Martim Affonso, perto de Muge.
Metade do tamanho natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                      42

16 e 17--Faca de silex da Cova da Estria. Tamanho natural. (Mus. da Esc.
Polyt.)                                                               43

18 e 19--Percutor de silex, descoberto no Alemtejo. Tamanho natural.
(Collecção do sr. Gabriel Pereira, de Evora)                          45

20--Machado de feldspath branco, polido, encontrado no Alemtejo. Metade
do tamanho natural. (Collecção de archeologia do Instituto de
Coimbra)                                                              46

21 e 22--Instrumentos de pedra da caverna de Albuñol. Metade do tamanho
natural. (Gongora. _Antig. prehist. de Andalucia_. Fig. 8 e 9)        47

23--Instrumento (picareta?) de calcareo branco, molle, achado em Mafra.
Um terço do tamanho natural. (Commissão geologica)                    47

24--Cabo de osso da Casa da Moura. Tamanho natural. (Mus. da Esc.
Polyt.)                                                               49

25--Puncção de osso de Almeria. Tamanho natural. (Gongora. _Antig.
prehist. de Andalucia_. Fig. 61)                                      50

26--Puncção de osso da Fonte da Ruptura em Setubal. Tamanho natural.
(Mus. da Esc. Polyt.)                                                 50

27 e 28--Furador de pelles (?) objectos de osso achados na Fonte da
Ruptura em Setubal. (Mus. da Esc. Polyt.)                             51

29--Faca de osso de Albuñol. Tamanho natural. (Gongora, _Antig. prehist.
de Andalucia_. Fig. 14)                                               51

30--Fragmento semicylindrico de osso, achado na anta de Bellas. Tamanho
natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                                        51

31--Machadinha (?) de schisto de Monte-Real, proximo de Leiria. Metade
do tamanho natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                             52

32--Fragmento de uma machadinha (?) de schisto, achado na Cova da
Estria. Tamanho natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                        52

33--Baculo (?) de schisto da Sepultura de Martin Affonso, perto de Muge.
Um terço do tamanho natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                    53

34--Machadinha de calcareo branco, achada na Cova da Estria. Tamanho
natural. (Commissão geologica)                                        54

35--Fragmento cylindroide de calcareo branco da Cova da Estria. Metade
do tamanho natural. (Commissão geologica)                             55

36--Conta de calcareo da anta de Bellas. Tamanho natural. (Mus. da Esc.
Polyt.)                                                               56

37--Contas de schisto da anta de Bellas. Tamanho natural. (Mus. da Esc.
Polyt)                                                                56

38--Fragmento de louça de Mont’Abrão, propriedade do sr. marquez de
Bellas. Tamanho natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                        57

39--Fragmento de louça da Pena em Setubal. (Mus. da Esc. Polyt)       57

40--Fragmento de louça da Fonte da Ruptura em Setubal. Metade do tamanho
natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                                        57

41--Fragmento de louça de Albuñol. Metade do tamanho natural. (Gongora,
_Antig. prehist. de Andalucia_, Fig. 51)                              57

42--Diadema de ouro da caverna de Albuñol. Um quinto do tamanho natural.
(Gongora, _Antig. prehist. de Andalucia_, Fig. 1)                     58

43--Fragmento de tecido de esparto de Albuñol. Um dezeseis avos do
tamanho natural. (Gongora, _Antig. prehist. de Andalucia_, Fig 2)     59

44--Fragmento de tecido de esparto de Albuñol. Um vinte avos do tamanho
natural. (Gongora, _Antig. prehist. de Andalucia_. Fig. 7)            59

45--Fragmento de tecido de esparto de Albuñol. Um nono do tamanho
natural. (Gongora, _Antig. prehist. de Andalucia_. Fig. 1)            59

46--Bolsa de esparto de Albuñol. Metade do tamanho natural. (Gongora,
_Antig. prehist. de Andalucia_. Fig. 20)                              60

47--Concha vasada para servir de bracelete da Cueva de la Mujer. Metade
do tamanho natural. (Mac-Pherson, 2.ª parte. Est. VIII, fig. 3)       61

48--Pedra balouçante de Boariza, na provincia de Santander. (_Sem. Pint.
Esp. de 1857_, pag. 133)                                              79

49--Pedra balouçante de Abra, na provincia de Santander. (_Sem. Pint.
Esp. de 1857_, pag. 249)                                              79

50 e 51--Dolmen da Lairinha a 3:500 metros ao norte de Arrayollos,
districto de Evora, provincia do Alemtejo. (Estampa lithographica do sr.
Pereira da Costa)                                                     81

52 e 53--Dolmen de Valle de Moura. (Estampa lithographica do sr. Pereira
da Costa)                                                             82

54--Dolmen del Hoyon. (_Antig. prehist. de Andalucia_, pag. 83)       84

55--Dolmen de Ascensias. (_Antig. prehist. de Andalucia_, pag. 101)   85

56, 57, 58 e 59--Vista interior, vista exterior, vista lateral e planta
do tumulo de Antequera. (_Sem. Pint. Esp. de 1857_)                86 88

60, 61 e 62--Alçado, secção e planta do dolmen interior do tumulo de
Eguilaz na provincia de Alava. (_Sem. Pint. Esp. de 1857_, pag. 157)  92

63--Machado de cobre do Alemtejo. Metade do tamanho natural. (Collecção
de archeologia do Instituto de Coimbra)                              116

64--Machado de bronze do Alemtejo. Um terço do tamanho natural.
(Collecção do sr. Gabriel Pereira)                                   116

65--Ponta de frecha de cobre da Casa da Moura, uma das cavernas de
Cesareda. Tamanho natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                     117

66--Facas de cobre ou de bronze da Fonte da Ruptura de Setubal. Tamanho
natural. (Mus. da Esc. Polyt.)                                       118

67--Serrote de cobre ou de bronze da Fonte da Ruptura. (Mus. da Esc.
Polyt.)                                                              118

68--Espada de cobre do Alemtejo. Um quarto do tamanho natural.
(Bibliotheca de Evora)                                               120

69 e 70--Punhos de espadas de cobre do Alemtejo. Tamanho natural.
(Bibliotheca de Evora)                                               120

71--Espada de bronze do Alemtejo. Dois nonos do tamanho natural.
(Collecção do sr. Gabriel Pereira)                                   120

72--Punhal de bronze da Galiza. Tamanho natural. (_Mus. Esp. de antig._
tom. IV)                                                             121

73--Punho de um punhal de ferro da Galiza. Tamanho natural. (_Mus. Esp.
de antig._ tom. IV)                                                  122

74 e 75--Idolo de bronze. Tamanho natural. (Bibliotheca de Evora)    123

76, 77 e 78--Idolos de bronze. Tamanho natural. (Bibliotheca de
Evora)                                                               124

79 e 80--Cabras de bronze. Tamanho natural. (Bibliotheca de Evora)   125




                                INDICE


                                                                    PAG.

PROLOGO                                                                1


CAPITULO I

ESTUDOS PREHISTORICOS

Os erros geocentrico e anthropocentrico e o progresso das
sciencias.--Machados de pedra.--Opiniões dos antigos e do vulgo ácerca
da sua origem.--Mercati entrevê a verdade.--Demonstrações de Jussieu e
de Mahudel.--Opiniões de auctores hespanhoes e portuguezes.--Primeira
definição das idades prehistoricas.--O homem
fossil.--Schmerling.--Boucher de Perthes.--Os sabios francezes e
inglezes.--Inversão das opiniões em França e Inglaterra.--Conferencia
internacional.--Resultados definitivos.--Estudos prehistoricos em
Hespanha e Portugal.                                                   1


CAPITULO II

ANTIGUIDADE DO HOMEM

Constituição da crusta da terra.--Rochas sedimentares.--Serie
geologica.--Rochas plutonicas.--Rochas metamorphicas.--Classificação dos
terrenos estratificados.--Duração relativa d’estas formações.--Computo e
provas da antiguidade do homem, deduzidas: 1.º da vegetação florestal da
Dinamarca; 2.º dos sedimentos fluviaes; 3.º do desgaste das terras pelas
aguas affluentes aos rios.--Antiguidade do homem na Peninsula.--Clima
glaciario.--Fauna correlativa.--Effeitos da fusão dos gelos.--Hypothese
de Adhémar ácerca da epoca glaciaria.--Epocas glaciaria e
preglaciaria.--Diluvios periodicos.--Comparação de ambos os
hemispherios.--Proporção das aguas e das terras.--Factos
comprobativos.--Outras causas astronomicas.--Causas geographicas.--Gulf
Stream.--Sahara.                                                      11


CAPITULO III

ANTIQUIORA MONUMENTA

Classificação dos tempos prehistoricos.--Subdivisões da idade da
pedra.--Silex e quartzites lascadas da Beira e da Extremadura,
attribuidas ao homem terciario.--Julgamento d’estas provas no congresso
de Bruxellas.--Provas indirectas do homem terciario, colligidas n’outros
paizes.--Sua incerteza.--É maior ainda a das provas directas.--Primeiros
vestigios do homem quaternario na Peninsula.--Estação de San
Isidro.--Falta de vestigios da epoca mesolithica.--Bruteza do homem
paleolithico.--Progresso na epoca neolithica.--Condições favoraveis
d’esse periodo ao desenvolvimento da humanidade.--Primeiras exigencias
do sentimento esthetico.--Origem das artes.                           25


CAPITULO IV

PRIMICIAS DA ARTE

A estação de Argecilla e outras da Peninsula comparadas aos
kiokkenmoddings.--Antiguidade d’estas estações prehistoricas.--Pontas de
frecha e de lança, encontradas em Hespanha e Portugal.--Estações
notaveis de Castella a Velha.--Facas de silex e seu fabríco.--Officinas
em Portugal.--Machados.--Picaretas.--Instrumentos de
osso.--Puncções.--Fragmentos lavrados.--Placas de schisto.--Outras
insignias ou emblemas.--Contas de collares.--Ceramica.--Objectos achados
na caverna de Albuñol.--Diadema de ouro.--Vestidos, gorros e bolsas de
esparto.--Ornatos feitos de conchas e de dentes.--Bracelete de concha da
CUEVA DE LA MUJER.                                                    37


CAPITULO V

AS CAVERNAS

Os troglodytas.--As cavernas imitadas nas mais antigas das
construcções.--Seu estudo recente.--Bocas das cavernas.--Vãos
interiores.--Como se formariam?--Analogias das cavernas com os veios
metallicos.--Causas capazes de formar as cavernas.--Depositos.--Cavernas
ossiferas.--Procedencia das ossadas.--Ossos humanos e vestigios da
industria primitiva.--Caverna de Cavillon.--Cavernas da Sierra
Cebollera, Gibraltar, Parpalló, Alhama de Granada e Albuñol.--Cavernas
da Cesareda.--Se a anthropophagia sería um costume geral dos homens
prehistoricos?--Razões em contrario.                                  63


CAPITULO VI

OS MEGALITHOS

Os megalithos.--Menhires.--Fins para que serviriam.--Alguns symbolisavam
a Divindade.--Alinhamentos e cromlechs.--Pedras balouçantes.--Algumas
serviriam de altares.--Dolmens.--Differenças entre os de Portugal,
Andaluzia e Galiza.--Distribuição geographica d’estes monumentos na
Peninsula.--Tumulos.--Differem essencialmente dos dolmens.--Serviram
de sepulturas.--Lei da distribuição geographica dos tumulos.--Cueva de
Mengal.--Cueva de la Pastora.--Lei da antinomia dos monumentos
megalithicos e cyclopeos.--Tumulos da província de Alava.--Castros da
Galiza e de Traz-os-Montes.--Cava de Viriato em Vizeu.                75


CAPITULO VII

PROBLEMAS

Dificuldade de interpretar os vestigios das construcções
prehistoricas.--Hypotheses de Bonstetten e de Bertrand ácerca dos
dolmens.--Factos em contrario.--Leis da distribuição geographica dos
dolmens.--Os dolmens e as construcções pelasgicas.--Têem a mesma
antiguidade.--Objectos achados nos dolmens de Hespanha e de
Portugal.--Insignias de schisto.--Sua ornamentação similhante á de
objectos prehistoricos da Scandinavia.--Para que seriam os
dolmens?--Porque não ha vestigios de cinzel na maior parte dos da epoca
do bronze?--Antiguidade da epoca do bronze e do periodo da pedra polida
em que principiaram a erigir os dolmens.--Foram introduzidos por um povo
navegador.--A navegação já era praticada no Atlantico durante a epoca da
pedra polida.--A civilisação dos dolmens e a civilisação
pelasgica.--Signaes esculpidos em dolmens e em rochas.--Duas epocas da
civilisação dos dolmens.                                              95


CAPITULO VIII

IDADE DOS METAES

Porque não admittem a maior parte dos archeologos uma epoca do
cobre?--Hypotheses para explicar a raridade dos objectos de
cobre.--Abundancia d’estes objectos na Peninsula.--Haveria na peninsula
Iberica uma epoca do cobre?--Coincidiriam essa epoca e a da pedra
polida?--Substituiria a do bronze? Objectos de cobre e de bronze,
achados em Portugal.--Machados, ponta de frecha, faca e serrote,
espadas.--Punhaes de bronze e de ferro da Galiza.--Brevidade dos
punhos.--Lendas dos pygmeus.--Idolos e cabras de bronze.--Os primeiros
dos exploradores do cobre na Peninsula foram anteriores aos
phenicios.--Provas da fundição do bronze na Hespanha, ilhas Baleares e
da Sardenha.--Classificação dos jazigos de bronze.--Fundições e
thesouros.--Casta asiatica de fundidores nos tempos antigos e
modernos.--Os ciganos.                                               111


CAPITULO IX

ORIGENS ETHNICAS

Os finnicos e os vasconços.--Os seus idiomas agglutinativos.--Origem
turania dos finnicos.--Será commum aos vasconços?--Provas deduzidas da
philologia e da anthropologia.--Hypothese de Retzius e sua classificação
das raças humanas.--Refuta-se esta hypothese.--Opiniões dos philologos
ácerca da linguagem vasconça.--Os mais antigos dos craneos da Peninsula
e da Europa.--Craneos fosseis de Néanderthal e de Gibraltar.--Outros do
Cabeço da Arruda, Cesareda e Cueva de la Mujer.--Maxillas.--Raça de
Cro-Magnon.--Sua distribuição geographica.--Povoaria a peninsula
Iberica?--Será representada ainda hoje pelos beréberes?--Factos
comprobativos.--Necessidade de novas observações.--Os beréberes e os
antigos egypcios.--Povos mediterraneos.--Sua civilisação ha tres mil
annos.--Extender-se-hia á Peninsula?--Conclusões.                    129


CAPITULO X

ORIGENS ETHNICAS (Continuação)

Se os vasconços descenderão dos beréberes.--Insufficiencia das provas
allegadas.--Hypotheses da unidade e da pluralidade iberica.--Razões
favoraveis a esta ultima.--A philologia e a historia.--A Iberia do
Caucaso comparada com a peninsula Iberica.--Os iberos e os povos com
quem estavam relacionados.--Difficuldade de determinar os antigos povos
peninsulares.--Asserções vagas dos auctores.--Necessidade de resolver o
problema por methodos novos.--Até que ponto as invasões historicas
esclarecem as prehistoricas.--O Mediterraneo e o Atlantico, vias
principaes por onde vieram as civilisações á Peninsula.--Relacionam-se
estas vias com as duas correntes das emigrações asiaticas.--A
distribuição geographica dos dolmens peninsulares caracterisa uma das
civilisações, vindas pelo Atlantico.--Os monumentos pelasgicos
caracterisam outra, vinda pelo Mediterraneo.--Antinomia d’estas duas
civilisações.--Outras antinomias entre o occidente e o oriente já nos
tempos historicos.--As mais antigas das minas de cobre.--Analogias entre
os povos antigos da Iberia e os da America.--A civilisação da epoca do
cobre.--Os ciganos e os antigos fundidores do cobre e do bronze.     143

NOTAS.                                                               157




                          INDICE DOS AUCTORES


  Abbot, 17

  Adhémar, 19, 22

  Æliano, 63

  Agassiz, 130

  Aldrovando, 3

  Alix, 135

  Almeida (P. Theodoro d’), 4, 162

  Amador de los Rios, 10, 79, 92

  Anatole Roujou, 140

  Appiano, 146

  Arbois de Jubainville (d’), 144

  Ardison (Rafael Mitjana y), 87

  Argote (Jeronymo Contador d’), 158

  Assas (D. Manuel d’), 76, 87

  Austen, 7

  Avieno, 147, 148


  Baillarger, 8

  Barnard-Davis, 133

  Benavides, 10

  Bennet-Dowler, 17

  Berardo (Antonio d’Oliveira), 93

  Bertillon, 8

  Bertrand, 90, 134, 160

  Beuter, 3

  Blumenbach, 130

  Bluteau (D. Raphael), 4

  Bonaparte (Luciano), 130

  Bonstetten, 96

  Boucher de Perthes, 7

  Boué, 6

  Bourgeois, 8, 14, 28, 31

  Breuner (conde), 6

  Brito (Bernardo de), 158

  Broca, 8, 98, 135, 139, 143

  Brome, 69

  Buckland, 6, 67

  Burmeister, 67

  Burnouf, 127

  Busk, 69, 133, 139

  Buteux, 8


  Caldas (J. J. da Silva Pereira), 81

  Capellini, 31

  Carpenter, 17

  Carrick Moore, 23

  Castelnau, 8

  Castro (João Baptista de), 4

  Catullo, 148

  Cenaculo (D. Manuel do), 5, 119, 162

  Chantre, 127

  Charancey, 130

  Charnok, 144

  Christol, 6

  Cocchi, 134

  Copernico, 1

  Costa (F. A. Pereira da), 9, 38, 76, 81, 82, 83, 85, 91, 101, 135

  Crahay, 6

  Cristy et Lartet, 53

  Croll, 22

  Cuvier, 2, 5, 8, 130


  Darwin, 135

  Daubrée, 8

  Delafosse, 8

  Delannay, 14, 31

  Delgado (J. F. Nery), 9, 28, 60, 70, 71, 72, 117

  Desnoyers, 15, 29

  Desor, 31, 98, 125

  Dickeson, 17

  Diodoro Siculo, 162

  Dupont, 25, 72

  Dyonisio de Halicarnaso, 147


  Eccard, 5

  Edwards (Alphonse), 8

  Edwards (Milne), 9, 19

  Ephoro, 147

  Escher, 31

  Eschylo, 147

  Esper, 6

  Estaço (Gaspar), 158

  Estevam de Byzancio, 148

  Evans, 7


  Faidherbe, 140

  Falconer, 7, 8, 69, 136, 139

  Faudel, 134

  Fernandez Duro, 142

  Fernandez Guerra, 10

  Fitz, 134

  Flower, 7

  Forel, 17

  Forskey, 17

  Fraas, 31

  Franks, 28

  Frére, 6

  Fuhlrott, 133

  Fuschini, 161


  Galileu, 1

  Garay, 10

  Gaudry, 8

  Geikie, 18

  Gesner, 3

  Gilliéron, 16

  Godwin, 7

  Goguet, 5

  Gongora (D. Manuel de), 10, 51, 58, 83, 101, 107, 137

  Grapaldo, 162

  Gratiolet, 133

  Guerreiro (Fr. Affonso da Madre de Deus), 161


  Hækel, 14

  Hælder, 137

  Hamy, 14, 28, 30, 137

  Hébert, 8

  Hecateu de Mileto, 131, 147

  Herodoto, 128, 131, 149, 150

  Herschel, 23

  Hopkins, 23

  Horner, 16

  Hovelacque, 132

  Humboldt (Guilherme de), 144

  Humphreys, 17

  Huxley, 133


  Issel, 31


  Jagor, 10

  Joly, 7

  Judice, 10

  Jussieu, 4


  La Bêche, 17

  Lafuente, 145

  Lagneau, 8

  Lancisi, 3

  Lartet, 10, 69

  Lenormant, 113, 157

  Livingstone, 31

  Lubbock, 16, 18, 23, 23, 27, 30, 40, 44, 56, 60, 103, 106, 109, 112

  Luchaire, 144

  Lucrecio, 3

  Lyell, 6, 8, 18, 22, 23, 30, 133, 150, 151


  Macedo (D. Antonio de Souza), 4

  Mac-Pherson, 60, 70

  Mahudel, 4

  Marbodeo, 3

  Marinho d’Azevedo (Luiz), 4

  Marin y Mendoza, 5, 162

  Mario Nigro, 4

  Masdeu, 147

  Maule, 160

  Max-Muller, 132

  Mercati, 3

  Mimaut, 152

  Mithridates, 146

  Moisés, 104

  Morlot, 16

  Mortillet, 25, 28, 98

  Morton, 130

  Mylne, 7


  Neves e Carvalho (J. da C.), 93

  Nilsson, 54, 107, 113, 126


  Pereira (Gabriel), 10, 83, 116, 161

  Philisto de Syracusa, 147

  Pina (Martinho de Mendonça de), 5, 75, 83

  Plinio, 2

  Pouchet, 8

  Prado (D. Cassiano de), 9

  Prestwich, 7

  Pruner-Bey, 132, 133, 136


  Quatrefages, 8, 17, 31, 73, 98, 134, 137, 139, 144, 151


  Rada y Delgado, 10

  Retzius, 130

  Ribeiro (Carlos), 9, 10, 14, 27, 28, 31, 32

  Riddle, 17

  Rivière, 68

  Rougé (vicomte de), 141

  Rougemont, 76, 80, 99, 103, 109, 113, 146, 152, 161

  Royer, (M.ᵐᵉ Clemence), 72


  Saint-Aymour, 56

  Saint-Hilaire, 8

  Sallustio, 142

  Sarmento (Francisco Martins), 10, 158

  Schaaffausen, 133

  Schliemann, 105, 152

  Schmerling, 6

  Scylax, 148

  Seneca, 148

  Sivelo, 76, 83

  Solino, 4

  Spring, 135

  Steenstrup, 16, 39

  Steur, 131, 141

  Stone, 23

  Strabão, 4, 147, 156, 161


  Tacito, 148

  Thucydides, 131, 147

  Topinard, 139, 144

  Torrubia, 4

  Tournar, 6

  Tubino (D. Francisco Maria), 4, 10, 27, 73, 87, 89, 90, 113, 139, 144,
   152


  Van-Eys, 144

  Verneuil, 8, 10

  Vilanova (D. Juan), 10, 25, 37, 42, 44, 48, 69, 70, 92, 113

  Villa-amil y Castro, 10, 86, 117, 119

  Virchow, 131, 137

  Viterbo (Fr. Joaquim de Santa Roza), 93

  Vogt, 98, 133


  Wetzstein, 31

  Whitney, 31, 132

  Worsaæ, 39


  Zaborowski, 18




                          INDICE DAS MATERIAS


  Abbeville (Exploração de Boucher de Perthes em), 7

  ---- Conferencia em, 9

  ---- Maxilla de, 137

  Abra (Pedra balouçante de), 79, 81, 85

  Alava (Tumulo de), 85

  Albuñol (Caverna de), 51, 57, 60, 70, 100

  Alemtejo (Dolmens do), 83, 85, 161

  ---- (Percutor do), 45

  ---- (Machado de feldspath do), 46

  ---- (Machados de cobre e de bronze do), 116

  ---- (Espadas de cobre e de bronze do), 120

  ---- (Idolos de bronze do), 123 a 125

  Alizadores, 34

  Alluvio (Terreno), 13

  Ancora (Dolmen de), 83

  Andaluzia (Dolmens da), 83, 87

  André Nunes (Dolmens de), 161

  Animaes antediluvianos, 6

  Anneis de conchas, 61

  Anta (Ácerca da palavra), 159

  Antas, vej. Dolmens.

  Antequera (Tumulo de), 87

  Anthropophagia, 71

  Arabes, 150, 153

  Archeolithica (Epoca), 25

  Arevacos, 145

  Argecilla (Estação prehistorica de), 37, 42, 61

  Argelia (Monumentos de Tutmes III na), 141

  Argon (caverna de), 67

  Arizala (Tumulo de), 85

  Arno (Valle de), 29, 30

  Arrechinaga (S. Miguel de), 92

  Aryos, vej. Iranios.

  Ascensias (Dolmen de), 84, 85

  Astures, 145

  Atlantida de Platão, 145

  Ausetanos, 145

  Autrigones, 145


  Baculo de schisto, 53

  Baleares (Habitantes das), 156

  ---- (Monumentos das), vej. Magalia, Naveta, Talayot.

  Banwel (Caverna de), 66

  Barbaros, 150, 153

  Barcarena (Pontas de frecha de), 44

  Bargusios, 145

  Bastitanios, 145

  Bastões de commando, 54

  Beja (Espadas de cobre ou de bronze de), 5

  Bellas (Anta de), 41, 51, 52

  Beréberes, 139, 150

  Berones, 145

  Betylas, 2, 157

  Biban-el-Moluk (Tumulos reaes de), 140, 141

  Boariza (Pedra balouçante de), 79, 85

  Bocas das cavernas, 64

  Boi primitivo, 69

  Bolsa de esparto, 60

  Braceletes de conchas, 61

  Brachycephalas (Raças), 131, 137, 143

  Brux (Craneo de), 69

  Bulimus, 60


  Cabeço da Arruda (Estação prehistorica do), 38, 42, 135

  Caberg (Estação prehistorica de), 6

  Cabo de osso, 48

  Cabras de bronze, 123

  Cambrico (Terreno), 14

  Canstadt (Raça de), 134

  Cantanhede (Machados de pedra de), 47

  Carbonifero (Terreno), 13

  Cardium, 60

  Cariñena de Aragão, 4

  Caristios, 145

  Carnac (Alinhamento de), 78

  Carpetanos, 145

  Casa da Moura (uma das cavernas de Cesareda), 41, 48, 71, 136

  Castella a Velha (Estação prehistorica de), 42

  Castello de Paiva (Menhir de), 76

  Castilleja de Guzman, vej. Cueva de la Pastora.

  Castillo de Ibros em Jaen, 91

  Castros ou croas, 92

  Cava de Viriato, 93

  Caverna de Albuñol, 51

  ---- de Argon, 67

  ---- de Banwel, 66

  ---- de Cavillon, 68

  ---- de Condeixa, 66

  ---- de Dijon, 149

  ---- da Dordonha, 68

  ---- de Gailenreuth, 67

  ---- de Kirkdale, 6

  ---- de Liége, 6

  ---- de Lozère, 7

  ---- de Muggendorf, 67

  ---- de Parpalló, 60, 70

  ---- de Pont-à-Lesse, 40

  ---- de Roca, 60

  ---- de Sierra Cebollera, 69

  ---- de Sundwig, 67

  Caverna de Valencia, 70

  Cavernas, 15, 63

  ---- comparadas aos veios metallicos, 65

  ---- exploradas por Schmerling, 6

  ---- de Hespanha, 66

  ---- Ossiferas, 66

  ---- (Depositos das), 66

  Cavillon (Caverna de), 68

  Cegonheira (Machado de pedra da), 47

  Celtas, 153

  Celtiberos, 145

  Celticismo, 144

  Ceramica, 57, 69, 70, 158

  Ceraunias, 2, 157

  Cervus elephas, 32

  Cerretanos, 145

  Cesareda (Cavernas de), 70, 117, 136, 149

  Cetra, usado pelos libycos, iberos e bretões, 142

  Ciganos, 128, 155

  Cimeos, 145

  Circumcisão, 2

  Citania de Briteiros, 158

  Classificação da idade de pedra, 26

  ---- das epocas prehistoricas das regiões occidentaes da Peninsula,
   segundo Tubino, 27

  ---- das pontas de frecha, 41

  ---- dos megalithos, 16

  ---- dos dolmens, 103

  ---- das invasões historicas da Peninsula, 150

  Clima da epoca neolithica, 34

  Cobre (civilisação do), 154

  Collares de conchas, 61

  Condeixa (Cavernas de), 66

  Coniscos, 145

  Constantina (Dolmens de), 83

  Construcções cyclopeos, 99, 104, 142

  Constructores dos dolmens, 153

  ---- dos monumentos cyclopeos, 153

  Contador (?) de calcareo, 55

  Contas de collar, 56

  Contestanos, 145

  Conus, 60

  Conwal, 40

  Corralejos, 91

  Corujas, 67

  Cosetanos, 145

  Cova da Estria, 52, 53, 70

  Craneos da Andaluzia, 137

  ---- de Brux, 69

  ---- de Cariñena de Aragão, 4

  ---- de Eguisheim, 69

  ---- de Engis, 6

  ---- de Forbes’Quarry em Gibraltar, 69, 73, 133, 136

  ---- de Néanderthal, 69, 133

  ---- de Zaraus, 137

  Crato (Dolmen do), 83

  Cretaceo (Terreno), 13

  Cro-Magnon (Raça de), 137

  ---- (distribuição geographica da), 137

  ---- na Peninsula, 138, 143, 150

  Cromlech, 76

  Crusta da Terra, 11

  Cueva de la mujer (Caverna da), 61, 70, 136, 149

  Cueva de la pastora (Galeria da), 89, 99, 152

  Cueva de los murcielagos, vej. Albuñol.

  Cueva de Mengal, vej. Antequera.

  Cunetos, 144

  Cyclopeos (Monumentos), 152

  Cyclostoma, 60


  Danubio, vej. Rio.

  Dentes por ornatos, 68

  Depositos exteriores e interiores das cavernas, 66

  Devonico (Terreno), 13

  Devonshire, 40

  Diadema de ouro, 58

  Dijon (Estrada de ... a Auxonne), 61

  ---- (Caverna de), 149

  Diluvio (Terreno), 13, 19

  Dinamarca (Vegetação florestal da), 16

  Diorite (Objectos de), 34, 48

  Distribuição relativa das aguas e das terras, 21

  Dolicocephalas (Raças), 131, 143

  Dolmens (Distribuição geographica dos), 98, 160

  ---- na Peninsula, 151

  ---- do Alemtejo, 83, 161

  ---- não são monumentos celticos, 75

  ---- de Constantina, 83

  ---- da Lairinha, 81

  ---- de Valle de Moura, 82

  ---- do Crato, 83

  ---- da Andaluzia, 83

  ---- da Galiza, 83

  ---- da Estremadura hespanhola, 83

  ---- de Vauréal, 56

  ---- de Hoyon, 84

  ---- da Tisnada, 83

  ---- de Cangas de Onis, 106

  ---- do Pinheiro, 83

  ---- de Pavia, 82

  ---- do Outeiro das Vinhas, 82

  ---- da Ronda, 84

  ---- de Ascensias, 85

  ---- de Valle de Moura, 82

  ---- (Hypothese de Bonstetten ácerca dos), 96

  ---- (Hypothese de Bertrand ácerca dos), 97

  ---- (Povo constructor dos), 98

  ---- Lei dos litoraes, 98

  ---- Lei da incompatibilidade dos .... com os monumentos cyclopeos, 99

  ---- Consequencias d’estas leis, 100

  ---- (Objectos encontrados dentro dos), 100

  ---- Serviam de sepulturas, 103

  ---- Porque faltam em quasi todos vestigios do cinzel?, 104

  ---- Signaes esculpidos em alguns, 106

  Dordonha (Cavernas da), 68


  Edetarios, 145

  Eguilaz (Tumulo de), 85

  Eguisheim (Craneo de), 69

  Egypcios, 155

  Egypto (Elevação secular do terreno do), 16

  Elephas meridionalis, 29, 32

  Euderby (Terra), 22

  Eugis (Craneo de), 6

  Eoceno (Terreno), 13

  Epoca glaciaria, 20

  Epoca preglaciaria, 20

  Equus fossilis, 32

  Erebus (Vulcão), 22

  Erro anthropocentrico, 1

  Erro geocentrico, 1

  Espadas de cobre e de bronze, 119, 120, 162

  Esquimaus, 72

  Etmanei, 145

  Euskara (Linguagem), 132, 143, 144, 155

  Excentricidade da orbita terrestre, 23

  Exploradores do cobre, 154


  Facas de cobre ou de bronze, 118

  Facas de pedra, 3, 38, 39, 43, 44, 53, 55, 58, 69, 70

  ---- de osso, 51

  Finlandia, 129

  Finnicos, 129

  Fonte da Ruptura (Estação prehistorica da), 41, 48, 49, 50, 56, 57,
   61, 70, 118

  Fontes, 65

  Forbes’Quarry (Craneo de), 69, 73, 133, 136

  Fosseis, 12, 14, 15, 19, 22, 29, 32

  ---- de Argecilla e do Cabeço d’Arruda, 38

  Frechas, vej. Pontas de, 127

  Fundições de bronze, 127

  Fundidores ambulantes, 128

  Furador (?) de osso, 49

  Furnas do Monte da Polvoreira, 90

  Furninha do Cão, 51


  Gailenreuth (Cavernas de), 6, 67

  Galerias, 76, 81, 89

  Galiza (analogias entre a ... e Portugal) 153

  ---- (Castros da), 92

  ---- (Dolmens da), 83, 84

  ---- (Mamunhas da), 85

  Geleiras, 18, 22

  Genova (Fundação de), 131

  ---- (Lago de), 16

  Gibraltar (Caverna de), 69

  ---- (Craneo de), 133

  ---- (Maxilla de), 136

  Gletos, 144

  Guanchos (Craneos dos), 137

  Gulf-Stream, 23


  Habitações lacustres, 16

  Haliterium, 31

  Helix, 60

  Holophrasticas (Linguas), 132

  Homem fossil, 15

  ---- da America, 17, 31

  ---- Terciario, 28 a 33

  _Homo diluvii testis_, 6

  Hoxne (Machados e ossadas de), 6

  Hoyon (Dolmen de), 84

  Hyena das cavernas, 6, 67


  Iberia do Caucaso, 146

  Iberismo, 144

  Iberos, 142, 146, 147, 153, 154

  Icarcitanos, 145

  Idades da Terra, 14

  Idades prehistoricas, 5, 18, 20, 25, 34, 111

  Idiomas da America, 132

  Idolos de bronze, 123

  Ilergetos, 145

  Indigetos, 145

  Indiketos, 145

  Industria primitiva, 34

  Inscripções gravadas em rochas, 154

  Instrumentos de osso, 43, 49, 68, 69, 71

  ---- de pedra, 47, 68, 71

  Invasões historicas da Peninsula, 150

  ---- prehistoricas da Peninsula, 150

  Invenção do bronze, 112

  Iranios, 130, 155


  Jade (Machados de), 34, 48

  Jurassico (Terreno), 13


  Karnak (Inscripção de), 141

  Kempsos, 144

  Kerloaz (Menhir de), 78

  Kiokkenmoddings, 9, 16, 37

  Kirkdale (Caverna de), 67


  Lacetanos, 145

  Lahr (estação prehistorica de), 6

  Lairinha (Anta de), 81

  Laletanos, 165

  La Naulette (Maxillas de), 69

  Lanças, 58

  Laurentiaco (Terreno), 14

  Leão (Ossadas de), 67

  Lebu (Povos antigos), 140

  Lehm (Terreno sedimentar), 17

  Lendas dos pygmeus e gnomos, 122

  Libycos, 140

  Liége (Cavernas de), 6

  Liguros, 131, 148, 149

  Linguagem (Phases da), 129

  Lobo (Ossadas de), 67

  Loghan (Pedra balouçante), 78

  Loudun (Menhires de), 77

  Lozére (Cavernas de), 7

  Lusones, 145


  Machadinha de pedra, 40, 55

  Machados de bronze, 116

  ---- de cobre, 116

  ---- de pedra, 2, 58, 69, 157

  ---- de pedra lascada, 33

  ---- de feldspath polido, 46

  ---- Adaptação moderna dos machados de pedra a varias industrias, 162

  Magalias ou Mapalias, 91, 142, 152

  Mamaltar (Tumulo), 85

  Mamouth, 26, 68, 134

  Mamunhas, mamôas, madorras ou modorras, 85

  Manzanares (Rio), 18

  Mapalias ou magalias, 152

  Martellos de pedra, 114, 153

  Mas’uas ou amazirghas, 141

  Matrizes de fundir armas de bronze, 126

  Maxillas humanas fosseis, 134, 136

  ---- de Abbeville, 137

  ---- de Gibraltar, 136

  ---- de Moulin-Quignon, 136

  ---- de La Naulette, 69

  Megaceronte, 134

  Megaceros Carnutorum, 29

  Megalithos, 75

  ---- em Portugal, 161

  Melanopsis, 60

  Menhires, 76

  Menhires de Castello de Paiva, 76

  ---- de Plouharzel, 76

  ---- de Tredion, 77

  Mesolithica (Epoca), 25

  Milagro (Mina de cobre del), 138, 139

  Minas de cobre, 114, 126, 153

  Mioceno (Terreno), 13

  Mississipi (Valle e depositos alluviaes do), 17, 18, 23

  Mongoes, vej. Turanios.

  Mont’Abrão, 56, 57

  Monte Aperto (Ossos entalhados de), 31

  Monte da Pyramide, 11

  Monte Real, 52

  Montes da Chymera, 2

  Morcegos, 67

  Mormuiu (Principe), 141

  Moulin-Quignon (Maxilla de), 8, 135

  Mouros, 150, 153

  Muge (Sepultura de), 42

  Muggendorf (Cavernas de), 67

  Murgobos, 145


  Namu (Povos antigos), 140

  Nashu (Povos antigos), 140

  Navegação na epoca da pedra polida, 105

  Neanderthal (Craneo de), 69, 133

  Neolithica (Epoca), 25

  Niza (Anta de), 42

  Nuraghas (Monumentos cyclopeos da Sardenha), 102, 105, 142, 152


  Obcades, 145

  Obsidiana (Rocha), 30

  Ocáriz (Tumulo de), 85, 92

  Ohio (Mastodonte de), 19

  Origem das artes, 34

  Orthognathas (Raças), 131

  Ossadas humanas, 6

  ---- de animaes, 67

  Outeiro das Vinhas (Anta do), 82


  Palafittas (cidades lacustres), 9, 43

  Paleolithica (Epoca), 25

  Panamá (Depressão do isthmo de), 23

  Parpalló (Cavernas de), 60, 70

  Pavia (Anta de), 52

  Pecten, 60

  Pectunculus, 60

  Pedra balouçante, 76, 81

  Pedra formosa, 159

  Pedras de raio, 2, 162

  Pelendones, 145

  Pena de Setubal, 56, 61, 70

  Penedo da Moura, 158

  Percutores, 34, 45

  Permico (Terreno), 13

  Perros Guyrech (Pedra balouçante do cemiterio de), 80, 81

  Pesicos, 145

  Petras fictas, 78

  Picaretas de pedra, 48, 55

  Pinheiro (Dolmen do), 83

  Placas de schisto, 52

  Plioceno (Terreno), 13

  Plouharzel (Menhir de), 76

  Pluralidade iberica, 145

  Ponta de frecha de cobre, 117

  Pont’-á-Lesse (Caverna de), 40

  Pontas de frecha de silex, 3, 41, 58

  Pontas de lança de silex, 41, 58

  População primitiva da Europa, 131

  Porphydo, 34

  Posição dos cadaveres, 103

  Pouancé (Ossos entalhados de), 31

  Povos mediterraneos ha mais de tres mil annos, 142

  Precessão dos equinocios, 19

  Prognathas (Raças), 131

  Punções de osso, 49

  Punhal de bronze, 119

  ---- de ferro, 122

  Pyreneus, 129


  Quartzite, 34


  Raças humanas (Classificação das), 130

  Rangifer, 26, 68

  Raspadores, 28, 34, 69

  Rhinoceronte, 69, 134

  Rhinoceros leptorhinus, 29

  ---- tichorinus, 6

  Rhodano (Agua e lodo do), 17, 18

  Rio Danubio, 18

  ---- Ganzes, 18

  ---- Manzanares, 18

  ---- Mississipi, 17, 18, 23

  ---- Rhodano, 17, 18

  ---- Sicano, 131

  Robenhausen (Estação prehistorica de), 60

  Roca (Cavernas de), 60

  Rocas (Menhir de), 83

  Rochas estratificadas, 11

  ---- igneas ou plutonicas, 12

  ---- metamorphicas, 12

  Romanos, 145, 150, 153

  Ronda (Dolmen da), 84

  Rot (Povos antigos), 140


  Sabroso, 159

  Sahara, 24

  Saint-Acheul (Estação prehistorica de), 133

  Saint-Prest (Ossadas de), 30

  San Isidro (Estação prehistorica de) 10, 18, 26, 32, 33, 133, 149

  Santa Eulalia (Estação prehistorica de), 56

  S. Miguel de Machede, 48

  S. Romão (Monte de), 158

  Sardaina, shardaina ou sardos, 141

  Savone (Ossos humanos de), 31

  Scythas, 155

  Sedimentos (camadas da crusta da terra), 13

  Semitas, 155

  Sepultura de Martim Affonso, 42, 52, 101, 118

  Serpentina (Rocha), 34

  Serrote de cobre ou de bronze, 118

  Sicano (Rio), 131

  Sicanos, 128, 131, 147, 148

  Siculos, 131, 147

  Sierra Cebollera (Cavernas de), 69

  Signaes esculpidos, 106

  Sigynnos, 128, 156

  Silex (Armas de), 37, 41, 42

  Silex e quartzites lascadas, 28, 34

  Silurico (Terreno), 14

  Siluros, 148

  Sordos, sordones ou sardones, 147

  Somme (Valle do), 18, 23, 40

  Stalactites, 66

  Stalagmites, 66

  Sundwig (Caverna de), 67


  Talayots (Monumentos cyclopeos das Baleares), 140

  Tarragona (Muralhas de), 91

  Tartesios ou tartessos, 144, 147

  Tchoudes, 154

  Tecidos de esparto, 59

  Texugo, 67

  Terrenos inferiores ou primarios ou paleozoicos, 13

  ---- medios, ou secundarios ou mesozoicos, 13

  ---- superiores ou terciarios ou neozoicos, 13

  ---- classificados segundo as respectivas idades, 13

  Theoria da formação das cavernas, 64

  Thesouros de objectos de bronze, 127, 156

  Thièle (Ponte de), 16

  Thoukiones ou hunos, 154

  Tinière (Torrente da), 16

  Tisnada (Dolmen da), 83

  Tredion (Menhires de), 77

  Triasico (Terreno), 13

  Trogloditas, 63

  Trogontherium, 30

  Tufo das cavernas, 66

  Tumulos, 85

  ---- de Antequera, 86

  ---- de Arizala, 85

  ---- de Castilleja de Guzman, 89

  ---- de Eguilaz, 91

  ---- de Zadorra, 91

  ---- de West-Kennet, 56

  Tumulos reaes de Biban-el-Moluk, 140

  Tunica negra dos sardos e dos iberos, 142

  Turanios, 130, 155

  Turdetanos, 145

  Turdulos, 145

  Tursa ou etruscos, 141


  Unidade iberica, 145

  Urso das cavernas, 6, 7, 67, 68


  Vacceos, 145

  Valencia (Cavernas de), 70

  Valle de Moura (Dolmen de), 82

  Vãos interiores das cavernas, 64

  Vardulos, 145

  Vascões, 145

  Vasconços, 129, 143, 154

  Vauréal (Dolmen de), 56

  Veios metallicos, 65

  Vettones, 145

  Victoria (Terra de), 22

  Vinha (Cultura da), 22

  Vizeu, vej. Cava de Viriato.

  Volvaria monilis, 61


  Wangen, 60

  West-Kennet (Tumulo de), 56


  Zadorra (Tumulo do rio), 91

  Zaraus (Craneos de), 137




                        OUTRAS OBRAS DO AUCTOR


  =Cartas da Beira-mar.=--Descripções interessantes e pittorescas dos
  phenomenos e dos seres marinhos. Coimbra, 1867                     700

  =A invenção dos aerostatos reivindicada.=--Exame critico das noticias
  e documentos concernentes ás tentativas aeronauticas de Bartholomeu
  Lourenço de Gusmão. Evora, 1868                                    400

  =Relatorio ácerca da renovação do museu Cenaculo.= Evora 1869.

  =Reforma da instrucção secundaria.= Lisboa, 1869.

  =Reliquias da architetura romano-byzantina em Portugal e
  particularmente na cidade de Coimbra= (com 4 estampas). Lisboa,
  1870                                                             1$000

  =Relatorio da administração da misericordia de Evora pela commissão
  dissolvida em 19 de janeiro de 1872.= Evora, 1872.

  =A contractilidade e a excitabilidade motriz.= Coimbra, 1872.

  =Breve exposição dos principaes subsidios com que tem contribuido
  para a theoria do calor animal a chimica, a physica
  e a physiologia.= Coimbra, 1873                                    500

  =Educação physica=--Segunda edição muito augmentada. Coimbra,
  1874.                                                              800

  =Da architectura religiosa em Coimbra durante a edade
  media=--Conferencia feita em 21 de fevereiro de 1874 no Instituto de
  Coimbra. Coimbra, 1875                                             150




                ALGUMAS OBRAS Á VENDA NA MESMA LIVRARIA


  =P. LACROIX--Mœurs, usages et costumes au moyen âge et Renaissance=--1
  vol.--=Les arts au moyen âge et Renaissanse=--1
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  grande vol. de 2:156 paginas encadernado                         4$800

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  empruntées aux changements modernes de la terre et de ses
  habitants=--2 vol. avec cartes et figures                        5$000

  =C. LYELL--Abrégé des Élements de Géologie=--illustrée de 644
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  =VISCONDE DE SANTAREM--Recherches historiques, critiques et
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  com os progressos da sciencia--3 vol. com numerosas figuras
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  de portuguezes residentes em Paris, 16 vol. encadernados em 8.º
  Paris, 1818-1822                                                 6$000
  Esta obra foi collaborada por muitos nomes illustres da emigração.

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  dos Lyceus--2ª edição                                            1$500

  =HISTOIRE DE LA GUERRE D’ORIENT=, (1877)--illustré de cartes, de
  plans, de portraits, vues, épisodes de batailles, etc. par Amédée
  Le Faure (vol. 1.º) Paris, 1878, brux.                           2$000

  =N0VA DIVISÃO JUDICIAL=--coordenada alphabeticamente com relação aos
  Districtos Judiciaes. Districtos administrativos. Comarcas, Julgados e
  Freguezias. Seguida d’uma secção, contendo as comarcas pela ordem
  alphabetica, sua ultima classificação, numero de julgados, numero de
  freguezias, numero de fogos, epocas das audiencias geraes, e datas dos
  decretos da sua organisação, por M. F. da Portella. Um vol. em
  folio                                                             $600

  =LEIS DE MANU’, PRIMEIRO LEGISLADOR DA INDIA=, comprehendendo o
  officio dos juizes, deveres da classe commercial e servil; leis civis
  e criminaes, traduzido pelo dr. G. de Carvalho--Nova Goa--8.º grande
  bruxado                                                           $300


*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK INTRODUÇÃO Á ARCHEOLOGIA DA
PENINSULA IBERICA ***