A politica intercolonial e internacional e o tratado de Lourenço Marques

By Testa

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o tratado de Lourenço Marques, by Carlos Testa

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Title: A politica intercolonial e internacional e o tratado de Lourenço Marques
       Additamento á influencia europea na Africa

Author: Carlos Testa

Release Date: June 25, 2008 [EBook #25898]

Language: Portuguese


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    *Notas do transcritor*: Foram detectados e corrigidos diversos erros
    de impressão. Foram adicionadas aspas a fechar algumas citações,
    e que não apareciam no original.



A POLITICA INTERCOLONIAL E INTERNACIONAL

e o tratado de

LOURENÇO MARQUES


Additamento á

Influencia Europea na Africa

por

Carlos Testa

Capitão de Mar e Guerra--Lente da escola Naval

                Ce qu'un homme doit aux autres hommes,
                une Nation le doit, à sa manière, aux autres
                Nations.

                                                        VATTEL.


LISBOA

Typographia Universal

De Thomaz Quintino Antunes, Impressor da Casa Real

Rua dos Calafates, 110

1881





ADVERTENCIA


Quem ainda não tiver o espirito dominado por um completo scepticismo, e
d'ahi lhe resulte a convicção de que tem deveres moraes a cumprir,
encontra na vida occasiões em que, máo grado seu, é preciso desagradar
áquelles pelos quaes se tem dedicação, desde que assim se lhes presta
melhor serviço e favor, do que faltando á verdade, ou deixando-a
occulta.

Indicar a existencia de erros commettidos e de males d'ahi resultantes,
não é crear esses males; assim como o negal-os não seria o meio de
corrigir uns e de evitar outros. Mau é seguir aquella escola de
apologistas, que imaginam defender qualquer entidade fazendo mentir a
historia; e tanto mais quando só a verdade é que póde ser util á
politica, á moral, e á sociedade.

Ora a politica é o governo; a moral, é o homem; e a harmonia entre os
direitos e deveres d'estes elementos, é que constitue a sociedade. Mas
desde que uns e outros ou se tem enganado, ou tem sido enganados, é um
dever dizer a verdade, sem receio, sem rebuço, sem hypocrisia, não em
verso altaneiro e insolente, mas em prosa chã e franca. A uns como
aviso, a outros por lastima, e aos poderes que regem a sociedade, como
homenagem de patriotica dedicação.

Quem assim procede de boa fé, e movido por sentimentos que só lhe são
ditados por amor não de qualquer partido, mas sim do seu paiz, tem jus a
que justiça seja feita ás suas intenções, desde que por esta fórma cuida
ter cumprido com os deveres de cidadão, e com a lealdade de subdito.

Tal é o motivo e o fim que n'esta publicação teve

                                                  O Auctor.

Lisboa, 31 de maio de 1881.




I


Todo o systema harmonico, tanto na ordem physica como moral, está
subordinado a regras e preceitos a que deve obedecer, afim de que n'elle
se não deem perturbações embora accidentaes, que tendam a affectal-o ou
destruil-o.

É muitas vezes problema de difficil solução, o explicar as causas que
pódem dar logar a taes perturbações na ordem physica. Na ordem moral
porém, encontra-se as mais das vezes a sua origem, já na lesão de
interesses, e no antagonismo entre direitos e deveres reciprocos, já na
errada maneira de apreciar uns e outros.

Essas desharmonias que accidentalmente occorrem nas relações reciprocas
dos diversos elementos componentes de um Estado, acham nos codigos de
direito publico interno um recurso para onde appellar, afim de sanar os
conflictos que d'ellas se originam. Vae porém mais longe o alcance
malefico, o grande perigo que de taes perturbações resultam, sempre que
o pretexto ou o objectivo que se invoca e que lhes dá causa, tem uma
relação não circumscripta aos membros de um unico Estado, mas sim
extensiva a assumptos de um caracter internacional. Em tal caso a
apreciação tanto dos aggravos que possam affectar os interesses do
Estado, como dos conflictos que d'ahi pódem sobrevir, e bem assim a
maneira de os sanar, não é cousa que possa ficar á mercê e ao mero
arbitrio de quaesquer individuos indistinctamente, por isso que não só
os codigos de direito publico interno, mas tambem as praxes do direito
publico externo, é que estabelecem a conducta a seguir, e definem a
maneira de resolver esses conflictos bem como designam as entidades a
quem compete a sua decisão.

É obedecendo a estes preceitos, que se regulam os procedimentos
internacionaes. Seguir outro caminho, deixar-se levar sómente pela
opinião individual ou collectiva, quando incompetente, mal fundada e
sujeita a errar, é fugir a taes preceitos, é estabelecer uma desharmonia
tendente a confundir todas as regras de conducta, é offender direitos e
faltar a deveres.

Em todos os Estados constituidos e civilisados e onde as leis se
incumbem de regular as relações dos individuos entre si, e dos
individuos para com o principio da autoridade, a divisão do trabalho,
das profissões e das diversas occupações sociaes, constitue uma das
condições indispensaveis para a boa ordem economica e para a publica
prosperidade.

A vida humana é tão limitada em sua duração, e as exigencias do estado
social são tão variadas em seus concebimentos, que seria difficil ou
alias impossivel que cada individuo se achasse habilitado para provêr
por si só, a todas as necessidades ou gôzos a que uma tal condição
social lhe póde fazer aspirar.

É da divisão do trabalho que nascem, o engrandecimento das industrias, a
dilatação do commercio, o adiantamento das sciencias de applicação, a
especialidade technica nos officios, a perfectibilidade nos differentes
misteres e occupações profissionaes, elementos estes aos quaes a
sociedade tem que recorrer em vantagem commum.

Ora essas relativas perfectibilidades, essas habilitações especiaes, só
se obteem, desde que cada qual se limita ao exercicio d'aquella
profissão, arte ou ramo de conhecimentos, que mais lhe fôr apropriado, e
que lhe dê uma certa competencia, a qual portanto se torna exclusiva de
uns e não extensiva a outros individuos. Assim se o medico é o
competente para conhecer das doenças e sua cura, se o jurisconsulto é o
adequado para pugnar pelos direitos civis, se o maritimo é o que entende
das cousas navaes, se o engenheiro é o competente para avaliar das obras
d'arte, se o chimico é o que distingue a composição dos corpos, se o
operario finalmente é o que melhor decide dos seus artefactos, e cada um
designadamente na sua profissão ou sciencia, tambem é certo que cada um
d'elles melhor juiz será de sua especialidade, do que todos os outros
reunidos quando pretenderem discutir sobre esta. A opinião sobre um
assumpto qualquer, para que seja digna de attenção, é mister que parta
de quem tiver habilitações para opinar. É isto o que diz o proloquio
popular _cada qual no seu officio_.

Ha porém uma sciencia, profissão, ou funcção, ou como melhor possa
designar-se, que é a mais difficil de ser acertadamente exercida, por
isso que tem que se relacionar com todas as variadas tendencias e
aspirações de todos os individuos que compõe a sociedade, e attender aos
multiplos interesses que os affectam. Tal é á sciencia da politica
administrativa, ou a pratica da governação do Estado; sciencia que tem
por objecto e por fim, manter integras as relações entre os differentes
poderes do Estado, e de conciliar a vantagem e bem estar do maior
numero, com o respeito pelas praxes estabelecidas pelo direito publico
interno e externo. Pois é ahi, n'essa difficil tarefa, n'esse mais
complicado mecanismo de procedimentos, n'esse melindroso exercicio de
attribuições, é ahi que todos pretendem ter ingerencia directa, todos se
suppõem com conhecimento de causa para julgar e decidir, todos se
arrogam o direito de intervir, de discutir e impôr a opinião, sem
attender a que, a mesma difficuldade e transcendencia d'aquelle
exercicio, deveria ser causa de que com maior rasão do que em qualquer
outro, n'elle não houvesse de ser feita uma excepção ás conveniencias
dictadas pelo principio da divisão do trabalho.

Desde que cada individuo é susceptivel de errar no seu officio, como não
errarão todos, quando pretenderem dar sentença peremptoria sobre o que
não fôr da sua competencia, e que até para os competentes se torna ás
vezes difficil de resolver!

É d'ahi que provém as erradas idéas, as infundadas opiniões, os
desvarios e o desaccordo que ás vezes se nota na apreciação e julgamento
dos assumptos, que dizendo respeito a interesses vitaes do Estado, se
tornam de uma importancia e especialidade tal, que a sua decisão não
póde rasoavelmente ser commettida aos que para tanto não estão
habilitados.

D'ahi provém egualmente os perigos a que a causa publica fica exposta,
quando a opinião popular, menos conscienciosa e menos competente,
ampliada e excitada pela ignorancia de uns e malevolencia de outros,
segue uma senda errada e vae do animo obcecado, a ponto que o transigir
com ella equivaleria em tal caso a transigir com o erro, e soffrer as
funestas consequencias d'este.

O nosso paiz tem ultimamente passado por uma d'estas phases da politica
especulativa, em que a cegueira da opinião explorada pelos intuitos dos
que com esta especulam, o tem conduzido a um estado social em que se
manifesta a presença dos perigos apontados, desde que a obcecação
apaixonada das massas, as hesitações menos desculpaveis dos poderes
publicos, e as manifestações as mais contradictorias nos procedimentos
dos partidos, têem sido de natureza a comprometter aquelle bom conceito
de que uma nação carece, e que é uma condição indispensavel para que
ella seja digna do convivio das outras nações civilisadas.

Custa a dizel-o, mas é uma triste verdade, que entre os assumptos que
tem dado origem a este estado de cousas sobresahe a questão do tratado
celebrado em 30 de maio de 1879 entre Portugal e Inglaterra, cujo titulo
e objecto sendo _Tratado para regular as relações das suas respectivas
possessões na Africa Sul e Africa Oriental_, comtudo já não tem outra
designação para ser conhecido, senão a de--Tratado de Lourenço Marques.

Sem renovar considerações tendentes a comprovar a sua legalidade quanto
á sua essencia e fórmulas, occorrem todavia algumas com relação ás
phases pelas quaes tem passado, e ao modo como tem sido julgado.




II


Aquelle objectivo tão ciosamente invocado agora, até pelos que nunca
d'antes ouviram mencionar tal nome, e ignoravam a existencia d'aquelle
ponto do globo, Lourenço Marques, é um districto dependente do governo
geral de Moçambique, possuindo uma extensa bahia, que constitue o melhor
porto da Africa Oriental, e que foi descoberta desde os principios do
seculo XVI pelos portuguezes que a denominaram bahia de Lagoa, até que
em 1544 explorada por um navegador e explorador tambem portuguez passou
a ser designada pelo nome d'este.

D'aquelle dominio, encontra-se grande parte sujeito a differentes
regulos cafres, de modo que a colonisação europea quasi se limita á área
occupada pela villa ou presidio d'aquelle nome; e apezar da sua posse
datar de tão longe, o estado de atrazo em que se acha é um contraste com
o que elle n'outras condições poderia ser. Privado de recursos e sem
vida propria, assim jazeu quasi de todo esquecido, sem aproveitamento e
sem que nenhum enthusiasmo popular da metropole se manifestasse em pró
da sua importancia, nem se exaltasse perante as variadas e alternativas
invasões de europeus ou correrias de cafres, a que andou sujeito desde o
seculo passado até quasi á primeira metade do actual. Tanto assim é, que
o escriptor Bordallo, na sua publicação official dos ensaios
estatisticos das possessões portuguezas, consignava em 1859 que Lourenço
Marques pouco se differençava de uma aldeia de cafres, e computava a
população de todo aquelle districto em 1857, como constando de um total
de 880 individuos de todas as edades, e religiões, sendo só 73
portuguezes, soldados ou degredados, e incluindo n'aquelle total 384
escravos. N'aquella data, a sua importancia commercial era designada
pelo rendimento da alfandega que de 1856 a 1857 fôra de 1:993$959 réis.

Vinte annos mais tarde, depois que algumas disposições legislativas,
bazeadas n'um systema commercial e aduaneiro menos restrictivo, e outras
provisões locaes foram adoptadas, algum incremento adveio áquelle
districto, e por isso vemos que em 1877 para 1878, o rendimento
aduaneiro de importação e exportação se elevou a um conjuncto de
39:481$240 réis.

Ainda assim, a sua população constava ainda n'esse anno, apenas de 458
individuos brancos, incluindo sob esta designação europeus e seus
descendentes, aziaticos, baneanes, gentios, mouros, parses e africanos
mulatos. Extremando d'este total os portuguezes propriamente ditos, eram
estes sómente 77 homens e 9 mulheres! Isto passados tres seculos e meio
depois da nossa occupação! Não é titulo de recommendação que abone o
estado d'aquella possessão, e muito menos a consideração que se lhe deu
durante tão longo periodo.

A par d'este progresso negativo, vê-se que a colonia ingleza do Natal,
confinante a oeste de Lourenço Marques, e cuja existencia como tal data
de uns quarenta annos, contém em si uma população branca de 25:000
individuos, e o commercio é alli de tal vulto que no anno de 1880, a
receita cobrada em suas alfandegas, attingiu em 9 mezes a £ 183:215, o
que corresponde a cerca de 1:000 contos de réis de rendimento annual,
devido em grande parte ao commercio de transito para as regiões do
Transvaal, feito com grandes dificuldades, e despezas, como se não
dariam se elle se derivasse para Lourenço Marques.

Quanto a este ponto, este já agora historico pomo de discordia, a
nomeada que nos ultimos tempos obteve, proveio não da sua riqueza
propria, nem de ser apto para uma colonisação improvisada ou cerebrina,
que lhe desse vida propria e robusta; mas sim foi devida á sua relativa
situação geographica, visto que sua extensa e segura bahia se presta
para vir a ser o grande porto que se torne o interposto para aquelle
importante commercio com o interior d'Africa, facilitando-o, uma vez que
se construa o caminho de ferro n'aquella direcção, e por se prestar a
isso muito mais idoneamente do que o porto de Durban, no Natal.

Aquelle crescido commercio do Natal teve o seu maior desenvolvimento,
desde que os boers ou familias rusticas descendentes dos hollandezes da
colonia do Cabo, internando-se n'Africa vieram estabelecer-se no
Transvaal, de cujas fronteiras apenas a bahia distará umas 40 milhas. A
não ser esta circumstancia, esta perspectiva de um aproveitamento, filho
de condições locaes, a sorte de Lourenço Marques em nosso poder, não
seria outra senão ficar condemnado a permanecer qual tem estado até
hoje, isto é, um presidio sem importancia, um territorio inculto, sem
industria, sem commercio, com uma população estacionaria e de todas as
castas, e luctando com a escassez de recursos, e a insalubridade do
clima. É pois aquella vantagem da situação geographica, junta á
pretensão da Inglaterra de ter direito á posse de uma parte da bahia,
que para esta resultou o ser desde ha cerca de 30 annos um objecto de
discussão, e de ser em parte contestada entre Portugal e Inglaterra a
sua soberania territorial. Essas discussões, e as correspondencias a tal
respeito trocadas entre os dois governos, acham-se publicadas desde
varios annos nos _livros brancos_ apresentados ás côrtes; todavia parece
que ninguem as lê, ou pelo menos parece que não as tem lido, muitos dos
que mais se tem esfalfado nas apreciações aggressivas a que o assumpto
tem dado causa.

O estabelecimento dos boers no Transvaal, tendo alli dado logar a
constituirem um Estado independente, deu causa a que elles pretendessem
estreitar relações com a auctoridade portugueza afim de obterem
facilidades para o seu commercio exterior, mediante a faculdade de
estabelecerem o transito entre o seu territorio e a bahia de Lourenço
Marques. Já desde 1868 o _Argus_, jornal publicado no Transvaal, sugeria
que Portugal devia alienar aquelle seu dominio, e o pouco escrupulo com
que isto se aventava, dava logar a que em abril de 1869 o presidente
Pretorius publicasse uma proclamação, declarando pertencer á sua
republica o territorio confinante com a bahia, vindo porém
posteriormente a caducar esta arrojada pretenção, quando em julho de
1869 se celebrou o tratado de paz, amisade, commercio e limites, que
regulava estes, e fixava as regras de reciprocidade commercial.

A colonia ingleza do Natal, não podia sympathisar com uma versão que
viria affectar o seu commercio com o interior da Africa, por isso que o
desviava do porto Natal, fazendo-o affluir a Lourenço Marques.

A pretenção até então mantida pelos dois governos, de Portugal e
Inglaterra, ácêrca da posse da parte contestada da bahia, passou a ser
submettida a uma arbitragem de terceira potencia por accordo reciproco;
e o principio da arbitragem sendo acceite, foi confiada a sua decisão ao
marechal Mac-Mahon, presidente da republica franceza, e é sabido que deu
em resultado a sentença de 24 de julho de 1875 favoravel aos direitos de
Portugal, ao que a Inglaterra nobremente deu prompta execução.

Desde que em virtude d'esta sentença ficou definida a favor de Portugal
a posse de Lourenço Marques, poude em seguida e desaffrontadamente
effectuar-se o tratado de 11 de dezembro de 1875 entre Portugal e o
Transvaal, no qual se consignavam os principios geraes, de paz, amisade,
liberdade de commercio e livre transito e residencia, e fazendo-se
referencia só eventualmente á possibilidade de estabelecer os meios para
o transporte de mercadorias do Transvaal a Lourenço Marques, pois que em
tal caso, seriam cedidos gratuitamente por parte de Portugal, os
terrenos para a construcção de abrigos e armazens. Seguiram-se as
tentativas para a construcção de um caminho de ferro. Era este o grande
desideratum, já para o Transvaal como meio de poder dirigir seu
commercio para um porto facilmente accessivel, já para Lourenço Marques,
como sendo o unico e o mais efficaz aproveitamento das suas condições
geographicas.

Por parte de Portugal, fez-se a concessão a mr. Moodie para a
construcção da linha ferrea no territorio portuguez. Moodie, vendeu a
concessão por £ 15:000 ao governo do Transvaal cujo presidente, mr.
Burgers, vindo á Europa contractar um emprestimo de £ 300:000 que só em
parte realisou, empregou o producto em compra de material n'um valor de
£ 90:000, material que desembarcou em Lourenço Marques, mas só para alli
ficar jacente e ser arruinado pela acção do tempo, pois ou por falharem
os calculos feitos ou por escassearem os meios, ficou assim annulada a
realisação do que era o grande desideratum.

Ficava critica a situação financeira e politica do Transvaal, ameaçado
pela bancarrota e pela anarchia. A guerra da Zululandia e as
contingencias a que ella deu logar, tornaram mais precaria a sua
situação. Enfraquecido e exposto ás correrias dos negros, seguiu-se a
occupação do seu territorio pelas forças inglezas, sendo declarada a sua
annexação aos dominios britannicos em abril de 1877, acto este, devido
menos aos designios do governo inglez, que para com elle não mostrou as
maiores sympathias, mas sim promovido por sir Theophilus Shepstone,
commissario especial, e auctoridade predominante na Colonia do Natal; o
que permitte explicar a consummação do mesmo acto, como sendo devida ao
indicado antagonismo e ciume manifestado n'esta colonia contra a
realisação do caminho de ferro entre Transvaal e Lourenço Marques, em
vista dos auspiciosos resultados que d'ahi proviriam para este ponto, em
detrimento do Natal.

Esta nova phase politica e economica, vinha annullar todas as
perspectivas de realisar aquelle grande e importante meio de
prosperidade para Lourenço Marques qual era a construcção do caminho de
ferro.

Dois annos se passaram n'este estado de coisas indeciso, e que não
deixava antever senão a annulação de todas as anteriores tentativas, e
isto com grande sentimento dos governos de Portugal e do Transvaal. Não
escapou porém á perspicacia do ministro portuguez dos negocios
estrangeiros e do Ultramar, o sr. Corvo, a conveniencia de persistir nas
suas anteriores vistas. A questão vital a resolver era a de estabelecer
uma communicação facil atravez de uma nesga de terra sem cultura e sem
vida como a de Lourenço Marques, ligando o accesso ao mar, com um paiz
immenso e fertil, mas sem saida, como o Transvaal.

Effectivamente a annexação d'este aos dominios britannicos era um facto
consummado e reconhecido. Como consequencia d'este facto, o tratado
preexistente com o Transvaal havia _ipso facto_ caducado. Succedia o
mesmo, como _caeteris paribus_ poderia acontecer a quaesquer tratados
com o Hanover, Toscana, Napoles, Meklemburgo ou Hamburgo, desde que
perderam sua autonomia. «Le traité s'évanouit, diz Vattel, si l'une des
nations perd par quelque cause qui ce soit sa qualité de nation ou de
société politique indépendante.» E diz mais: «Quand un État est détruit
ou quand il est subjugué par un conquérant, toutes ses alliances, toutes
ses traités périssent avec la puissance publique qui les avait
contratés.»

O tratado com o Transvaal tinha pois caducado. Mas desde que o que fôra
pactuado com aquelle Estado quando independente, era o meio de salvar
Lourenço Marques, e de o transformar de uma _aldêa de cafres_, em um
grande emporio commercial, melhor perspectiva d'este resultado se
offerecia, desde que o mesmo objectivo fosse estatuido e garantido em um
tratado com uma potencia tal como a Grã-Bretanha, visinha nas possessões
africanas, bem como alliada de longa data na communhão europea.

Era isto conciliar o direito com a conveniencia. Negociar pois o tratado
com a Grã-Bretanha era realisar legalmente o que as circumstancias
sobrevindas tinham d'antes impedido. É isto o que se praticou.
Entaboladas as negociações, estas proseguiram, e quando em janeiro de
1879 se abriu o parlamento portuguez, no discurso da corôa se annunciava
o seguinte:

«Com o fim de melhorar e desenvolver o commercio das nossas possessões
da Asia, e para as pôr em communicação directa e rapida por meio de um
caminho de ferro com a India Ingleza, celebrou-se um tratado com o
governo de Sua Magestade Britanica. Com a mesma potencia se occupa o meu
governo de celebrar outro tratado no intuito de estreitar as nossas
relações com a região do Transvaal, pela construcção de outro caminho de
ferro na provincia de Moçambique, engrandecendo por este modo o porto de
Lourenço Marques. Espero que examinareis attentamente estes documentos
quando vos forem apresentados, e folgarei que possam ter o vosso
assentimento.»

É pois o tratado de Lourenço Marques aquelle que a tanta celeuma tem
dado causa, um acto publico não sómente já annunciado desde 1879, mas
até authorisado pela responsabilidade solidaria de um governo que o
proclamou em tão solemne documento; assim como era a realisação
d'aquella importantissima vantagem pela qual já anteriormente se havia
sempre suspirado.

Os factos que posteriormente tiveram logar, as excitações politicas que
d'ali mais modernamente se originaram, as diversas feições que assumiu
este importante assumpto internacional, as contradições nos
procedimentos officiaes a que as successivas mudanças de governo deram
causa, a falsa opinião que no publico se pretendeu propalar e se
conseguiu incutir a tal respeito, são circumstancias que obrigam a ter
que lamentar o mau fado de um paiz, que antepõe á comprehensão das suas
vantagens reaes, o aproveitamento de quaesquer incidentes que se prestem
a ser explorados como campo de batalha das questões partidarias, e com
tanto mais e maior prejuizo quando se recorre para tal fim a fazer jogo
com questões internacionaes, sem considerar o perigo que d'ahi resulta,
mas sómente por serem estas as que mais se prestam a excitar a opinião
das massas, desde que dão ensejo para se invocar, embora falsamente, o
sentimento patriotico, como sendo aquelle que mais se presta para
deprimir os adversarios politicos. Erro este, crime quasi se poderia
chamar, desde que por tal meio se sacrifica o bem do paiz, á vantagem
ephemera de qualquer politica partidaria.




III


O tratado de Lourenço Marques, cuja negociação foi annunciada na falla
do throno na sessão de 1879 juntamente com o da India já negociado em
1878, era como sequencia d'este, e como antecedencia de outro que
annuindo ás reiteradas instancias do governo portuguez, depois viria,
definir os limites, e regular as relações reciprocas nas regiões do
Zaire, e sendo assim parte de um systema completo e harmonico, tendente
a estreitar as relações, evitar conflictos, terminar controversias, e
desenvolver os interesses mutuos de ambas as nações contractantes, nos
seus dominios coloniaes, e dando logar ao mesmo tempo á consolidação de
uma alliança que quaesquer que sejam as perturbações por onde haja
passado, é indubitavelmente uma das melhores garantias da nossa
independencia.

Portugal e Inglaterra, nos seus vastos dominios coloniaes são nações
visinhas. É este um facto que se não póde recusar. E desde que assim é,
toda a vantagem está em ser bons visinhos, em vez de viver
constantemente em susceptibilidades. O ministro e o governo que concebeu
este plano procedeu com vistas bem largas, e traçou um caminho a seguir,
que revella não só a idéa de um grande alcance politico, mas tambem
altas e patrioticas vistas, com o fim de fazer face pelo futuro ao
porfiado empenho com que diversas nações da Europa e America pretendem
disputar um quinhão na sua ingerencia ou influencia nos negocios
d'Africa, em detrimento de nossos interesses.

A facilidade porém com que entre nós as paixões partidarias lançam mão
de quaesquer pretextos que se lhe afigurem aptos para seus fins, deu
logo causa a que se levantassem censuras contra um e outro tratado. O
sentimentalismo patriotico invoca-se em taes casos, não pela justa
apreciação das cousas, mas como exploração politica. Ha então recurso
para toda a especie de insinuações, forjam-se invectivas, faz-se alarde
de melindres infundados, e lança-se o stygma sobre os que conceberam e
estudaram tal plano, incitando contra elles o odio das turbas.

Assim aconteceu com os dois tratados. Tudo se disse e se allegou para os
desconceituar. Inculcaram-se como sendo alienação de territorio, venda
de dominio, indignidade e vilipendio nacional. Mas antes que ésta
propaganda detractora tomasse o corpo que depois assumiu, foi votada em
côrtes a ratificação do tratado da India; e é já hoje um facto
indisputavel, que os seus prosperos resultados excedem as perspectivas
que mais ajuizadamente se formavam a seu respeito.

Ficou em campo o tratado de Lourenço Marques, assignado pelos legaes
negociadores plenipotenciarios em 30 de maio de 1879, ao tempo em que
largava o poder o ministerio que o havia convencionado. O novo governo
passou a ser constituido d'aquelle partido politico que até áquella data
fôra opposição, e que como tal se tinha valido d'aquella arma de
invectiva para combater a administração que vinha de cair. D'ahi
resultava para o novo governo um embaraço moral em submetter o tratado á
sancção legislativa, e n'um periodo em que a sessão parlamentar estava a
findar.

Como porém nos pactos que são relação de Estado a Estado, e não
assumptos de méra politica interna, subsiste sempre a entidade governo,
independente da personalidade dos ministros, não seria curial o faltar á
fé dos contractos já estipulados segundo as praxes internacionaes; e
d'ahi resultou que, para não trahir este preceito, o novo governo não
duvidou posteriormente submetter o tratado á sancção do corpo
legislativo. Assim aconteceu, sendo apresentado na sessão de 1880, quasi
ao findar d'esta; e o resultado foi que os escrupulos d'aquelles que por
ter ouvido apregoar o tratado como uma infamia, tinham repugnancia em o
sanccionar por bom, levaram a maioria da camara electiva a votar o
addiamento da sua discussão.

Entrou pois o tratado de Lourenço Marques n'uma nova phase. Subtrair ás
devidas formulas de sancção um pacto internacional combinado entre duas
nações, e com as formalidades prescriptas pelas regras do direito
publico externo, é de si um procedimento melindroso, e tanto assim que
n'este caso mereceu ser taxado pelo _Times_ de acto de pouca cortezia.
No que diz porém respeito á questão de direito interno, ninguem póde
duvidar da competencia legal do parlamento, até mesmo para lhe rejeitar
a sancção. O addiamento porém que se fundasse na pretenção de modificar
as estipulações já estatuidas, significaria implicitamente uma rejeição,
toda a vez que se não admittisse a hypothese do assentimento da outra
parte contratante. O governo que succedera ao que negociara o tratado,
afim de conciliar as difficuldades da sua situação, solicitou do governo
inglez, o introduzir algumas modificações. Assim a delimitação do praso
da duração, e outras insignificantes alterações propostas pelo governo
portuguez, foram objecto de novas tratativas, e a annuencia do governo
britannico em acceital-as, fez com que de novo se apresentasse ás côrtes
na sessão de 1881 o tratado assim renovado, e em cujas novas
negociações, segundo se deprehende dos documentos officiaes, fôra
estatuido e promettido que elle seria um dos primeiros actos a ser
submettido á consideração do parlamento. Ainda assim a morosidade e
lentidão que em muitas occasiões significa incuria, n'este caso
significou uma inconveniencia, e pouca homenagem ao respeito pelos
compromissos internacionaes; pois deu lugar a que só em principios de
março é que fosse submettido o tratado á discussão. Ahi começaram novas
contrariedades.

A politica partidaria a esse tempo já aggredia o governo por varios de
seus actos administrativos, e a opposição tornava-se activa e
persistente. A administração publica era discutida não só no seio da
representação nacional, mas era trazida para o julgamento dos meetings,
convocados para esse fim partidario, mas aproveitando como um meio
efficaz de actuar nas massas, o invocar de novo o sentimentalismo
patriotico contra o tratado, alcunhando-o de pacto infame, traição e
venda da patria, e de tudo quanto de mais monstruoso podia occorrer á
mente d'aquelles julgadores de praça publica, muitos dos quaes e talvez
a maioria d'elles, na vespera talvez suppozessem que Lourenço Marques
era um individuo; outros só viam alli o meio de angariar proselitos nos
seus ataques ao governo, ou de preparar os elementos conducentes a
attingir outros fins politicos.

Assim foi que um partido até então abstracto, e sem importancia notoria,
o republicano, logrou, habilmente para seus fins, lançar mão d'este
pretexto, innundando as praças e ruas com seus jornaes de todos os
formatos mas de baixo preço; e especulando com aquella avidez do vulgo
em colher noticias nos periodos anormaes, d'est'arte pretendeu
imbuir-lhe a convicção de que, a monarchia era a submissão á Inglaterra;
ésta sujeição a causa do tratado; e o tratado a venda e o vilipendio do
paiz. É assim que um assumpto de alta transcendencia por seu caracter
internacional, e cuja resolução só compete ás leis de direito tacito,
expresso e consuetudinario que constituem o codigo de direito das
gentes; que pelo seu alcance economico e politico era de tanta seriedade
e gravidade que só podia ser bem apreciado por quem com indispensavel
competencia o houvesse bem estudado em suas origens e resultados, passou
a ser trazido para a discussão das ruas, sujeito ao bestunto dos menos
avisados, ao julgamento do tumulto, e á alçada da gritaria, arrastando-o
para esse campo, afim de contra elle excitar a opinião popular, assim
formada pela insciencia das massas, e pelo ardil dos especuladores, só
para dar alento ás animosidades dos partidos, embora menos escrupulosos
do que sensatos n'este modo de proceder. Para isto não ser verdade,
seria preciso admittir, que n'uma hora dada a instrucção publica, o
nivel intellectual, e a sabedoria universal, se elevara a tal ponto, que
qualquer analfabeto da véspera se havia subitamente transformado n'um
erudito estadista, habilitado para julgar de assumptos que aliás os mais
atilados nem sempre acham faceis de resolver. Dir-se-hia, ao ouvir
certos assomos contra a supposta venda de Lourenço Marques, que alli
tinham grandes interesses, ou vivos desejos de ir habitar aquella
colonia, muitos dos que nunca d'antes haviam tido noticia d'ella! Era
assim, que um acto internacional já annunciado ao parlamento desde dois
annos, se trazia para o soalheiro das praças, sujeito ás váias de quem
n'isso quizesse fazer affronta insciente ou malevola!




IV


A importancia politica do tratado dito de Lourenço Marques reconhece-se
logo de um modo generico e independentemente de suas estipulações, desde
que se considerar que um tal acto só por si, constitue para as nações
contratantes, um documento da sua _independencia_ e da _liberdade_ que
lhes assiste para celebrar taes pactos, de onde lhes resulta a
confirmação de seus respectivos direitos de _igualdade_; vindo assim as
nações pequenas, quando tal praticam, a ficar politica e moralmente
equiparadas em seus direitos e regalias, ás nações mais poderosas; e por
tanto, bem longe de offender a dignidade e a independencia de um paiz,
vem antes exaltar este no conceito das demais nações.

Esta importancia politica do tratado de Lourenço Marques ainda se
encontra no facto de vir elle _ratificar e não alienar_ a posse de um
dominio de Portugal, n'um territorio d'antes contestado entre este paiz
e a Gran-Bretanha, assim como d'antes cubiçado sem cerimonia pelos
visinhos do Transvaal. É isto o que acontece, desde que a _concessão_ de
reciprocas vantagens e usufruições, tem no proprio sentido da palavra, a
prova de que se reconhece no consentidor, o direito de negar ou facultar
tal concessão. Mas quando não bastasse esta consideração para inferir a
importancia politica que elle tem, bastaria notar que um pacto d'esta
natureza entre Portugal e Inglaterra, é mais uma garantia de perpetuar e
conservar firme e efficaz uma alliança tão inveterada, e que quaesquer
que tenham sido os conflictos occasionaes que tenham occorrido
eventualmente nas relações dos dois paizes, e devidos a causas que hoje
não tem razão de se renovarem, é certo que tal alliança é uma das
garantias da nossa independencia, e um recurso constante para onde
appellar, quando possam surgir dificuldades nas evoluções da politica
européa.

Pelo lado economico, o tratado além de ser um meio de definir e estatuir
definitivamente muitas das relações reciprocas entre as duas nações
européas que mais extensos dominios e interesses possuem na Africa, é o
meio conducente a tornar proficua, pelo unico modo possivel, a posse de
Lourenço Marques, e a dar em resultado, que um ponto do globo hoje quasi
tão abandonado como na epoca do seu descobrimento, passe a ser um centro
de grande actividade commercial, e um dos meátos mais eficientes para a
grande obra da civilisação da Africa; obra não só de transcendente
alcance para o Mundo civilisado, como tambem de merito e de renome para
as nações que para ella contribuirem. E o renome de um paiz vale a par
de outras vantagens materiaes.

É realmente incomprehensivel como apezar d'isso, haja a audacia de
mentir aos factos, desfigurando-os, antepondo a falsidade á verdade;
audacia nos que assim mentem e enganam, simplicidade nos que tão
grosseiramente se deixam enganar.

O tratado de Lourenço Marques, se as suas clausulas fossem lidas pelos
que tão fallazmente d'elle se serviram como pretexto politico, não
poderia ser alcunhado como maliciosa e levianamente o foi, de cessão de
territorio, indignidade nacional, traição e venda! Accusações que para
serem tão ridiculas como ousadas, bastaria notar a indecente
contradição, de assacarem injuria a quem mais pugnára pela reivindicação
de Lourenço Marques! Mas, quantas contradições, quantas inconveniencias,
quantos erros nos deixa vêr, a subsequente maneira como foi explorado
este delicado assumpto!

Ainda ha poucos annos, olhava-se para Lourenço Marques como uma
possessão sem importancia, mas que no futuro a poderia adquirir, se se
abrisse uma estrada carreteira para o paiz dos boers. Tão pouca attenção
merecia aquella colonia, que quasi passou desapercebido e sem ser
festejado, o resultado da arbitragem que nos adjudicou a sua posse.
Depois, o tratado de 1875 com o Transvaal foi applaudido como deixando
antever a construcção de um caminho de ferro, cuja realisação passou a
ser a idéa mais bem acceite por todos. Veiu depois a annexação do
Transvaal aos dominios britannicos, e d'ahi as lamentações, não _pelo
facto_, mas _pela consequencia_ que seria o impedir aquelle desideratum,
desde que o tratado caducára. Celebrou se em seguida, o tratado com a
Gran-Bretanha tendente a levar a effeito o que tanto se appetecia, e
todas as iras e invectivas são poucas contra o tratado e seus
negociadores! O que era bom com os boers do Transvaal, tornou-se mau com
o governo de uma grande potencia que passára a ser dominante n'aquella
região, e cuja alliança e boas relações nos garantem interesses mais
vastos. É na verdade surprehendente! Fez-se alarmante questão da
concessão de passagem de tropas e munições em transito pelo caminho de
ferro, questão que para ser deslocada e infundada, bastaria lembrar que
nem um revolver que se deposite nos armazens, deixa de ser guardado por
uma sentinella portugueza; e por outra parte esquece-se que ainda ha
poucos annos desembarcou em Lourenço Marques artilharia, metralhadoras e
munições que o governo dos boers tinha comprado na Europa; e que tentou
debalde conduzir pelo territorio portuguez á força da tracção de bois,
vindo a perder por abandonado no caminho quasi todo esse material!

De sobejo está já demonstrada a inconsistencia e futilidade d'aquelle
melindre ácerca do transito, o qual sendo referido exclusivamente ao
caminho de ferro, ficaria este considerado como uma grande arteria de
trafico e communicação, como uma via neutralisada politicamente, mas
destinada economicamente aos mais prosperos resultados para uma nossa
possessão, que ahi teria o unico expediente pratico para se transformar
de uma aldeia de cafres (como dizia Bordallo) em um centro de
actividade, o mais importante da Africa austral. Equivaleria
materialmente a estabelecer condições do trafico tão facil e tão livre,
como se em logar de um caminho de ferro devido á arte, alli houvesse a
natureza collocado um grande rio como o Danubio ou o Amazonas. Seria
egualmente como se em vez de um rio de curso natural, se houvesse
cortado um canal maritimo como o de Suez, aberto a todas as nações, e
por onde navios de guerra e mercantes de todas as bandeiras transitam
com ou sem tropas de transporte. Nem por isso o Egypto receiou pela sua
independencia ou se considerou lesado na sua dignidade, desde que por
este meio, pôde vêr convertidas as margens limitrophes, de areáes que
eram e desertos, em terrenos cheios de vida. Os lagos Amargos e de
Timsah, d'antes imagem da natureza inerte, hoje dão accesso a novas e
buliçosas cidades como Ibraila e Port-Said! E sob quantos pontos de
vista se poderiam estabelecer a confrontação entre o canal de Suez em
seus immensos resultados, e os que adviriam do caminho de ferro, via
continental cujo Port Said seria Lourenço Marques, e cujo Suez e Mar
Vermelho seriam as hoje incommunicaveis regiões da Africa central! O
canal de Suez e o caminho de ferro de Lourenço Marques, differiriam
materialmente em serem via maritima ou continental; mas as condições de
soberania e independencia territorial seriam identicas e sem nada
soffrerem em ambos os casos.

Entre nós impugnou-se o tratado, recorrendo ás diffamações e invocando
razões de melindre e de ciume, só pela circumstancia de ser celebrado
com a Inglaterra, visto ser nação poderosa prepotente e cubiçosa!
allegações tão extemporaneas, tão futeis e tão gratuitas que só podem
ser explicadas por um sentimento de antipathia, de acrimonia e de
rancor, paixões estas que podem ás vezes actuar nas questões
individuaes, mas que tem altos inconvenientes no trato internacional.

E todavia é innegavel que taes sentimentos foram os que dominaram o
espirito d'aquelles, que nas suas declamações e nos seus exforços,
procuraram excitar e arrastar a opinião do vulgo, para tomar parte
n'essa opposição ferrenha e inconsiderada contra um acto internacional,
que ainda havia pouco ou era olhado com plena indifferença, ou aliás
eram almejados os seus resultados como sendo a aurora dos melhores dias
para Lourenço Marques! É verdade que o odio ou a simpathia tomam ás
vezes a feição de moda. É moda mostrar-se cheio de rancor contra a
Inglaterra, com a mesma facilidade como d'outra vez é moda ir render
homenagem e tocar musica á esquadra franceza surta casualmente no Tejo,
e sem haver quem explique o motivo da serenáta. É questão de simpathia
ou antipathia onde, como diz o rifão, _cada qual come do que gosta_; mas
não deve ir a ponto de provocar os mais a terem indigestões perigosas.

A linguagem e as moções apresentadas e votadas entre a vozeria dos
meetings transudava esse rancor inconsiderado. Declamações de
patriotismo, embora infundadas e baseadas em tão falsas apreciações,
sempre acham echo nos que se deixam imbuir pelo que ouvem, e não pelo
que discorrem; e por isso crearam vulto, as que denunciavam o tratado,
como cessão ou venda de territorio, attentado contra a integridade e
independencia nacional, ignominia, traição, infame entrega de uma
colonia á ambiciosa Inglaterra, crimes de que aliás o tratado era
innocente. Mas a inconveniencia foi mais longe, desde que no proprio
parlamento se aventuraram opiniões e phrases menos comedidas, e que para
terem imputação, só lhes valia a respeitabilidade do logar onde eram
proferidas, o que não impediu de as tornar muito mais para estranhar.
Alli se apresentou uma moção, propondo que o tratado se não discutisse,
_em quanto estivesse fundeada no Tejo a esquadra ingleza!!_

Seria difficil de acreditar, se isto não fosse um acto tão publico, pois
a pretenção era tão disparatada, que importaria o postergamento de todas
as regras de procedimento entre nações cultas e livres; e significaria
um acto de aviltamento desde que fizesse suppor que a presença eventual
e habitual de uma esquadra n'um porto aberto a todas as nações, podesse
actuar pressivamente no procedimento de um corpo legislativo; pretenção
emfim que se podesse ser adoptada como regra, e n'este caso como
excepção, estabeleceria um meio indirecto mas desconhecido entre nações,
para obstar á acção regular dos poderes do Estado.

Tal foi o espectaculo que infelizmente se desempenhou n'esta tão
inconveniente maneira de tratar um assumpto grave. E o que mais aggravou
este singular episodio foi que uma tal moção, que por insolita e
impertinente merecia ser desde logo repellida como uma opinião exotica,
passou a ter fóros de tolerada, desde que em logar de ser _in limine_
escarmentada e regeitada, foi addiada para quando se discutisse o
assumpto do tratado!

O correctivo veio, embora tarde, quando o presidente do conselho,
ministro dos negocios estrangeiros, dias depois expressava a sua plena
regeição áquella proposta, e aos sentimentos que a dictavam. Melhor fôra
porém que ella tivesse sido estrangulada logo á nascença, como merecia;
assim não faria incorrer os que a não repelliram, na suspeita de
cumplices na inconsideração de quem a apresentara. E ainda bem que houve
um deputado, que na sessão de 21 de março, poucos dias antes de ser
elevado aos conselhos da corôa como ministro da marinha, soube com nobre
desassombro e recto juizo redarguir a analogas declamações de outro
deputado, expressando-se por este modo:

«Se o que se disse a respeito da Inglaterra, fosse pensado e dito por
toda a assembléa, haveria dentro em pouco uma reclamação da parte
d'aquella potencia. Mas não é assim, o bom senso da Inglaterra está
acima das arguições que s. ex.ª lhe dirige.

«Em parte nenhuma se falla de uma potencia estrangeira principalmente de
uma potencia alliada, com a censura e aspereza com que fallou o illustre
deputado.

«A França, a França republicana, impediu a sua imprensa de censurar a
Russia na questão do Oriente, e a imprensa não tem tanta
responsabilidade individual como qualquer membro de uma assembléa
legislativa.

«As nações devem-se reciprocamente o mesmo que se devem os homens, a
delicadeza e a cortezia.

«A alliança com a Inglaterra não póde ser bandeira de nenhum partido,
porque se o fosse, esse partido teria na sua ascensão ao poder, de
romper uma alliança consagrada pela tradição de seculos e talvez pozesse
em perigo a integridade do nosso territorio. Não vejo perigo nenhum na
nossa alliança politica e colonial com a Inglaterra. Nós necessitamos
d'essa alliança para o desenvolvimento das nossas colonias.

«Quando a Inglaterra se estender pelo interior da Africa, a nossa acção
fiscal e aduaneira em Moçambique hade fazer-se de accordo com aquella
potencia, e o commercio que tem de passar por esses portos, levando a
riqueza para o interior, será egualmente proveitoso aos nossos dominios.

«Não esqueçamos que nos prendem a esta potencia os mais estreitos
vinculos.

«Aceitemos a cooperação d'aquelle povo para que se não diga lá fóra,
como se diz nos periodicos estrangeiros, que _aonde começam as colonias
portuguezas, acaba a civilisação ao sul da Africa_.»

Para se avaliar a pouca seriedade e nenhuma consciencia, e em alguns
casos a supina inopia com que se procedia, no intento de fundamentar as
deliberações tomadas nos meetings, e nas assembléas de declamadores
contra o tratado, basta ler as representações que a titulo de expressar
a opinião publica, eram levadas ao parlamento, como sendo o acto
complementar das vozerias e declamações, que só viam venda de
territorio, ignominia nacional, e procedimento infame, onde só havia o
unico meio e fim de tirar um ponto d'esse territorio nacional da sua
vergonhosa situação de atrazo, mais vergonhosa ainda desde que ésta
significava a incuria no aproveitamento das suas condições especiaes.

N'uma d'essas representações, elaboradas n'um meeting em nome do partido
republicano, faziam-se allegações tão pueris e descabidas, que parece
incrivel que partissem de gente adulta. Ahi se atacavam os primeiros
artigos do tratado, cujo objecto é consignar a faculdade reciproca para
os subditos das duas nações contratantes, poderem residir, transitar,
commerciar, possuir bens, e outras analogas disposições que são de uso
entre nações cultas independentemente de tratados; e inculcavam-se como
sendo uma cessão da Africa á Inglaterra, como um attentado, um grande
capitulo de accusação, e isto sem perceberem que a doutrina d'esses
artigos é a que se consigna geralmente em todos e quaesquer tratados de
commercio entre nações amigas, e que eram por assim dizer stereotypadas
de todos os tratados já existentes, não só com a Inglaterra, mas ainda
nos que Portugal tem celebrado com outros Estados.

Tal se tornou a phase predominante nos acontecimentos, desde que por
esta fórma se levou a opinião publica do vulgo, a não querer acceitar
nem ouvir explicação alguma em contrario. A venda, a cedencia de
Lourenço Marques á prepotente Inglaterra, essa mentira grosseira tornada
em axioma indiscutível, era a unica resposta a qualquer observação em
contrario, o unico argumento empregado contra quem ousasse interpor sua
voz em abono da verdade e da fiel interpretação dos factos.

Dir-se hia a reproducção d'aquella tumultuaria assembléa dos Ephesios,
quando, sem quererem ouvir a palavra que S. Paulo lhes dirigia, elles a
tudo sómente replicavam exclamando sem cessar e em continua berraria
_magna Diana Ephesiorum_; e assim surdos a qualquer exhortação,
obrigaram o apostolo das gentes a reduzir-se ao silencio, _et vox facta
una est omnium, quasi per horas duas clamantium, magna Diana
Ephesiorum_. Um tal procedimento dos nossos Ephesios, justifica o rifão
que diz _não ha peior surdo que o que não quer ouvir_.




V


Apezar da turbulenta excitação promovida pelos meetings e pelos jornaes
apregoadores do systema republicano, que para formar partido recorriam a
aggredir o tratado sob pretextos do mais puro patriotismo anglo-phobo, a
camara dos deputados não cedeu a taes intimidações e o tratado foi
sanccionado por grande maioria. Nem outra versão poderia ser plausivel,
desde que o governo portuguez o havia negociado, e depois sollicitado e
obtido uma modificação de accordo com as suas exigencias. A annuencia a
estas obrigava a nação que as propozera, a sustentar o que se havia
mutuamente pactuado, sob pena de incorrer n'esse justo stygma de má fé
ou de leviandade em assumptos dos mais serios, e que se ligam ás
relações entre Estados, independentemente da politica interna do
governo.

Um facto porém extraordinario, e inesperado que então occorreu, e que a
muita gente surprehendeu, foi que a minoria da camara electiva, e
representante do partido que fizera o tratado, saiu da sala das sessões
recusando-se a votal-o. Deu isto logar a que se dissesse que os autores
e defensores de hontem foram os indifferentes ou cumplices de hoje! Em
verdade, sem querer prescrutar intenções, difficil cousa seria o
comprehender e explicar um tal procedimento, que, pelo menos
apparentemente vinha collocar os representantes d'aquelle partido que
fizera o tratado, em contradição com os seus anteriores actos e
tendencias; pois mediante esta maneira de proceder, embora mirassem ao
fim de hostilisar o governo, se collocaram praticamente como auxiliares
ao lado d'aquelle outro partido, que para fazer proselitismo não
duvidára aggredir ferozmente aquelle acto internacional, que d'esta
fórma era agora tambem repudiado pelos que mais afastados deviam estar
do partido d'esses novos aggressores.

Se o fim de tal abstenção ou recusa, era como um desforço vingativo para
deixar a plena responsabilidade da approvação aos que d'antes o haviam
impugnado, e para assim os fazer passar por contradictorios, impunham-se
a si mesmos uma pena de Talião; ou se um tal procedimento era ardil
tendente a captar as simpathias dos declamadores em nome do que diziam
ser opinião publica, em qualquer das versões o conseguimento do fim, não
poude plausivelmente justificar taes meios; pois renegar as convicções
da véspera só pelo engodo de uma popularidade ephemera, equivale a
antepôr o interesse de facção ao interesse da causa publica. Qualquer
portanto que fosse a causa de taes viravoltas, a situação dos partidos
ficou desde então anormal. E na difficuldade de explicar plausivelmente
aquella abstenção, e a causa que a motivou, poderá acceitar-se a
apreciação que d'ella fez o _Times_, quando em linguagem grave e não
atrabiliaria, discutiu o assumpto de um modo que contrastava com o que
era usado por grande parte do jornalismo portuguez, que menos discutia
do que imprecava. O _Times_ notava que o partido que d'antes havia
repellido o tratado, e que portanto menos se distanciava dos
republicanos que violentamente o aggrediam e á Inglaterra, appellando
para a federação iberica, era o que se apresentára agora firme na
sustentação da boa fé internacional e n'um assumpto que interessava ás
boas relações com a Grã-Bretanha; emquanto que o partido do qual nascera
o tratado com ésta potencia e que por suas tradições representava não só
as idéas mais conservadoras, mas toda a intransigencia com qualquer
fórma de iberismo, era o que vinha a ficar como que alliado dos
republicanos nas suas aspirações a pôr de parte o tratado! Notando mais
que quando dias depois, uma moção de censura na camara alta, dava logar
a cair o ministerio, impedindo assim de ser alli votado o tratado, subiu
ao poder um novo governo tirado do partido que até ao momento fôra
opposição e d'onde originariamente saira aquelle pacto; governo que
subindo ao poder em taes circumstancias poderia suppôr-se compromettido
com seus novos auxiliares a pôr de parte o mesmo tratado, ou a
estrangulal-o!

Tal era a linguagem do jornal politico mais importante do Mundo, que
punha assim em relevo a maneira pela qual, um acto internacional de
summa importancia por seu valor economico e alcance de politica
internacional, ficára sujeito ás contingencias d'esta emaranhada
situação, onde difficil seria descriminar quem menos erradamente tivesse
andado em tão contradictorios procedimentos!

Não ha passo inconsiderado, ou procedimento leviano, que não encontre um
subterfugio a que se recorra como sendo a mitigação para lhe cohonestar
a causa ou atenuar o alcance. Para este caso, serviu a circumstancia
contemporaneamente sobrevinda da revolta dos boers do Transvaal contra a
authoridade soberana da Inglaterra.

Este acontecimento, que em direito publico não significa senão uma
sedição interna n'um paiz sem affectar as suas relações externas,
quiz-se interpretar como sendo uma nova phase que vinha actuar sobre as
condições do tratado entre Portugal e Inglaterra! Fallou-se em respeitar
a neutralidade!

Reconhecer o direito de qualquer partida de insurgentes n'um Estado
constituido e reconhecido; dar-lhe fóros de belligerantes, e
conseguintemente reconhecer-lhe direitos de neutros, é doutrina que
importaria uma innovação na sciencia da diplomacia e na pratica do
direito das gentes.

Porventura constituem os boers uma potencia reconhecida ou um Estado
independente?

Qual é no Transvaal a soberania reconhecida internacionalmente?

Existe alli guerra publica e publicamente notificada?

Teem elles os direitos dos partidos belligerantes?

Quem lh'os reconheceu e por qual acto publico?

Quem authorisa uma nação qualquer a reconhecer n'aquella sublevação uma
guerra de Estado a Estado?

Quem contestasse a estas perguntas, dizendo que o que se proclama é a
manutenção da neutralidade, avançaria uma doutrina audaciosa,
commetteria um erro que em certas contingencias diplomaticas e de
politica internacional, poderia até dar logar a conflictos resultantes
de tal apreciação, e ao agastamento da potencia soberana que visse assim
seus direitos intimos serem invadidos pelo arbitrio alheio, o que
equivale a intervir nos assumptos internos de um paiz cujos direitos de
soberania o põe a salvo d'essa interferencia.

Pois durante a grande luta entre os Estados do Norte e do Sul da União
Americana, pelos annos de 1864 e 1865, não se viu, que emquanto os vasos
de guerra em que fluctuava a bandeira listrada da grande republica,
fundeavam e permaneciam surtos nos nossos portos como navios de nação
amiga e reconhecida, ao mesmo tempo os vasos dos insurgentes do Sul,
cuja bandeira não era reconhecida, apenas tinham o direito de refugio
temporario e limitado, e eram intimados para deixar as nossas aguas?

Pois não é conhecida a maneira como foi mal aceite e como deu logar a
notas cheias de ressentimento, o facto de serem pelo governo inglez e
francez, restringidos egualmente aos navios do Norte e do Sul os prazos
de demora nos portos, equiparando-os n'esta parte nas condições de
admissão e de permanencia, embora não chegassem aquellas duas potencias
a reconhecer officialmente a neutralidade dos confederados do Sul?

Indo mais longe, não vimos no seculo passado por occasião da luta da
independencia da America, que a Inglaterra declarou a guerra á França
porque esta reconhecera como belligerantes e concedêra os direitos de
neutros aos americanos revoltados?

Como poderá pois razoavelmente e sem offensa de direito das gentes
consuetudinario, ir mais longe, fazer politica aventuroza ou de
simpathia a pró de uma população insurgida, quando n'isto se offende a
potencia que é reconhecida internacionalmente como unica soberana no
territorio onde a insurreição tem logar?

Não estamos no caso de fazer politica platonica nem romantica; nem
estamos no direito de intervir só por simpathias mais ou menos
merecidas, nos assumptos domesticos de qualquer paiz.

A sublevação dos boers está n'este caso.

Póde ser que sejam muito dignas de simpathia as pretenções que allegam e
que defendem, mas muitos exemplos se poderiam produzir analogos, que
nunca deram logar a taes manifestações. Um bem recente. Póde ser que
fosse simpathica a causa dos Cubanos pugnando pela sua emancipação; mas
nem por isso, e quando assim fosse, restava a qualquer nação em paz com
a Espanha, a faculdade de pôr de parte sob tal pretexto quaesquer
tratativas, nem o direito de se interpôr na resolução das pendencias
entre entidades, para as quaes só reconhecemos uma bandeira, um titulo
de nacionalidade, e de soberania. Cubanos e castelhanos, para nós, em
direito, todos são espanhoes. Boers ou bretões, para nós em direito só
ahi vemos subditos inglezes.

Se em direito internacional, mesmo quando se proclama a neutralidade,
são reconhecidos eguaes os direitos dos belligerantes no que diz
respeito aos effeitos da guerra, é certo todavia que ainda assim a
justiça da guerra sempre em direito se considera duvidosa de parte a
parte. Não é pois pelos variados sentimentos a que a simpathia ou
antipathia póde dar logar, que se regulam os procedimentos das nações
estranhas ás pendencias entre Estados ou partidos em luta.

Deixámos de tratar com a Espanha porque sustentava a guerra civil em
Cuba, ou mesmo nas Vascongadas?

Houve alguma abstenção no trato, fundada em simpathias?

Impéde que discutamos um tratado com a França o estar ésta em operações
contra os Krumirs de Tunis?

Mas, a eventualidade da luta!

A este argumento de previsão capciosa, respondem uma assersão, e um
dilemma.

A assersão é, que em politica internacional, o direito funda-se no
existente e não no problematico.

O dilemma é; se o Transvaal ficar independente da Inglaterra, caducará
_ipso facto_ o tratado preesistente onde se torne irrealisavel, e n'esse
caso competeria á Inglaterra o denunciar essa impossibilidade
sobrevinda, para se livrar do compromisso resultante; e decerto, não
vale a pena antes de tempo, affrontar quem comnosco pactuou quando fruía
o direito do _uti possidetis_.

Se o Transvaal é submettido, nenhuma razão obsta a sanccionar o que foi
legitimamente pactuado, por quem tinha direito de o fazer; e não ha
razões especulativas que moralmente possam justificar a recusa em o
submetter ás formulas de sancção. Faltar sob pretextos cerebrinos, á
palavra de um contracto, é acção reprovada entre individuos. É desdouro,
é pouco nobre, quando entre nações.

Nem se diga que a approvação do tratado em questão, implicitamente
influiria na lucta pendente, attenta a concessão n'elle inserida de
transito de tropas; pois um tal transito sómente se refere ao uso do
caminho de ferro, e não indistinctamente ao territorio; e além d'isso
foi officialmente participado em côrtes pelo presidente do conselho e
ministro dos negocios estrangeiros, que o governo britannico de seu motu
proprio e independentemente de solicitação, havia declarado que
quaesquer disposições do tratado não seriam aproveitadas no que podesse
influir na lucta travada com os Boers. Deviam pois cahir por terra todos
os escrupulos os mais comesinhos.




VI


Commetem-se ás vezes indiscrições, quando se deixa ao sentimentalismo o
que se não soube ou não quiz subordinar á rectidão e á justa apreciação
das cousas. Talvez a este motivo se possa attribuir uma feição
incidente, que embora revestida de toda a suavidade na sua forma
pathetica, veio como que deitar novo combustivel no fogacho que já
escandecia as iras dos impugnadores do tratado.

A sociedade de geographia de Lisboa, uma associação respeitavel por sua
missão scientifica, cujo fim é contribuir para o estudo, diffusão e
adiantamento dos conhecimentos geographicos, e dar toda a amplitude e
auxilio aos meios que para tão importante conseguimento podem depender
da direcção, conselho, e pratica dos homens de sciencia e de acção,
tomou a seu cargo manifestar-se a respeito do tratado de Lourenço
Marques, não tanto pelo que das disposições e resultados d'este podiam
provir de vantagem e de lustre para a sciencia geographica, ou para a
civilisação colonial, porém mais sob um aspecto que daria razão aos que,
illudindo se ácerca da missão propria d'aquelle gremio scientifico, o
denominassem Sociedade de _Geographia Politica_.

Manifestando n'uma sua representação aos poderes publicos o desejo de
que o tratado fosse addiado em vista da lucta empenhada no Transvaal,
apoz varios considerandos formulava as suas conclusões por esta forma:

«A sociedade espera que os poderes publicos portuguezes, mantendo _como
é de uso e de direito_ a mais escrupulosa neutralidade, _meditará_ na
conveniencia de addiar qualquer resolução definitiva ácerca do tratado
de Lourenço Marques.»

A consideração que merece uma associação tão distinta pelos seus
propositos e pela illustração de seus membros, não impede todavia, que
em vista da sã e verdadeira doutrina internacional ácerca da
neutralidade, haja quem avaliar possa aquellas suas aspirações como
menos bem cabidas, e de conveniencia _menos meditada_; já porque no caso
em questão não é _de uso_ nem _de direito_ nem sería _escrupulosa_ a
neutralidade, já porque dá lugar á supposição, de que um méro sentimento
de simpathia se antepoz á recta e imparcial apreciação das
circumstancias e á consideração das vantagens economicas e politicas,
cujas o tratado é o incentivo e o instrumento.

E ainda mais é para notar o escorregadio terreno em que se collocou,
desde que, passados dias e em homenagem a um delegado do comité dos
boers em Londres, recebido em sessão plena, foi feita solemne profissão
de voto em favor d'aquelles insurgentes, augurando-lhes victoria na sua
lucta, isto é, quiz-se moralmente dar alento a uma insurreição no
territorio de uma nação amiga, fazendo implicitamente votos contra a
authoridade soberana d'essa nação, unica reconhecida n'aquelle
territorio insurrecto.

Não é este um exemplo que sirva de lição ou norma, para quem desejar
manter a fiel observancia, não já da extemporaneamente recommendada
neutralidade _escrupulosa_, mas nem mesmo de uma opportuna
imparcialidade ou politica de abstenção.

Visto ser a simpathia pelos Boers a feição predominante nos
procedimentos indicados, justo é considerar até que ponto poderia ser
justificado um tal affecto, tão excepcional e como não fôra d'antes
professado a pró de outros povos quando trataram de reagir contra um
dominio mais oppressor e menos transigente do que aquelle contra o qual
elles agora se insurgiram e tomaram a offensiva.

O que são os Boers? São os descendentes d'aquelles Hollandezes que se
apoderaram do Cabo de Boa Esperança no seculo XVII, e que depois de
haver esta possessão passado ao dominio Inglez, já n'este seculo
emigraram para o Nordeste, desgostosos de um regimen que lhes restringia
a plena liberdade de pastagens, que igualava os direitos civis da
população, e que estabelecia leis repressivas do trafico de escravos.
Augmentou o seu odio contra aquelle dominio, a questão da emancipação
dos hottentotes em 1837 e a dos negros dois annos mais tarde. D'ahi
resultou a emigração dos Boers, uns para as margens do rio Orange,
outros para o territorio do Natal, d'onde depois passaram para além do
Vaal, e ahi se constituiram independentes desde 1852 proclamando um
governo sob a fórma republicana.

O estimulo á simpathia que elles nos merecem póde attribuir-se, ou ao
seu amor pela independencia, sentimento que se não condemna, ou aliás
pelos seus antecedentes para comnosco, ou pelas suas aspirações actuaes,
e pelas que tem em vista quanto ao seu futuro.

Pelo passado são elles descendentes, como se notou, dos que foram os
nossos maiores inimigos no Oriente, os hollandezes; pelo presente, são
os que teem declarado que Lourenço Marques hade ser d'elles, e que a
Africa desde o Zambeze até Simon's bay é sua e só d'elles, doutrina
sustentada nos seus jornaes, e proclamada pelos seus chefes,
analogamente á de Monroe na America, por isso que sustentam que a Africa
austral só póde pertencer aos _Africanders_, isto é, os indigenas
brancos, descendentes dos Europeus que primeiro a colonizaram. Lá está
Lourenço Marques arrolado no seu pretendido patrimonio, como um dominio
do qual não prescindirão.

E se essa mira de conquista não basta como um titulo de simpathia para
os actuaes zeladores de Lourenço Marques, ainda outros se podem
apresentar respectivos á primitiva origem d'aquelles pretendentes, e que
a historia nos fornece para lhes não dar grande direito á nossa
gratidão.

Pois para estimular este sentimento, annuncia de Paris o telegrapho, em
março ultimo o seguinte: «Foi publicada a mensagem das notabilidades
politicas e litterarias francezas em favor dos Boers. Diz que os Boers
são não sómente filhos da Hollanda, antiga alliada da França, mas
descendem dos protestantes francezes expulsos pelo edito de Nantes. Que
além da fraternidade de sangue, existe a fraternidade de pensamento.»

São pois os Boers, segundo o comité, os descendentes dos huguenotes, e
como taes os recommenda á simpathia das nações. Mas visto que a historia
é registro de factos, e estudo confrontativo da vida das gerações que se
succedem, vejamos que especie de argumento é aquelle. A historia que
julgue. Abram-se os _Annaes da Marinha Portugueza_ pelo vice-almirante
I. da Costa Quintella, obra publicada pela academia das sciencias em
1839. Alli se relata como em 1570, D. Luiz de Vasconcellos fôra nomeado
governador do Brazil, e saiu de Lisboa em 5 de junho com sete navios em
que levava muitas familias e sacerdotes que iam estabelecer-se n'aquelle
paiz. Chegando á altura da Madeira partiu adiante o navio _S. Thiago_,
cuja viagem descreve assim

«Depois de varios contrastes de tempo que o obrigou a perder alguns
dias, achou-se a 15 de julho defronte de Porto Palma, e á vista de cinco
navios de corsarios da Rochella, de que era chefe Jacques de Soria,
almirante da rainha de Navarra. Este com o seu navio grande, bem
guarnecido e artilhado, abordou o S. Thiago, cujo capitão e equipagem se
defenderam valorosamente, animados pelas exhortações do veneravel padre
Ignacio de Azevedo, da Companhia de Jesus, e dos seus quarenta
companheiros que iam para as missões do Brazil; mas como era tão
desigual a contenda, foi o navio entrado, e todos os religiosos _feitos
em pedaços ou arrojados vivos ao mar_; tanta era a raiva dos
huguenotes!»

Não pára aqui a narrativa de Quintella, que descreve como D. Luiz de
Vasconcellos depois de varias tentativas de emprehender a viagem e
soffrendo grandes contrariedades, arribou á Terceira, d'onde partiu em
setembro para o Brazil; e a esse respeito narra, que

«Chegando á altura de Canarias, foi atacado por quatro navios francezes
saidos da Rochella, cuja esquadra commandava João de Cadeville. D. Luiz
ainda que não duvidava do resultado de uma acção entre forças tão
desiguaes, determinou vender cara a sua vida. As abordagens de Cadeville
foram tres vezes rechaçadas, e mesmo depois de entrado o seu navio,
fizeram os Portuguezes desesperada resistencia. D. Luiz atravessado de
uma balla e com as pernas quebradas de outra, mas sem render-se, acabou
de uma lançada. Os franceses mataram na peleja, ou _deitaram ao mar dois
dias depois_, treze religiosos da Companhia, que iam de passagem para as
missões, como os outros companheiros do padre Azevedo.»

Ora visto que o comité de Paris, promotor das simpathias pelos
descendentes d'aquelles heroes, não esquecia de ir buscar questões de
intolerancia ou de fraternidade, ahi fica indicado um valioso titulo,
para o reconhecimento das nações; mas não dos que tiveram seus
compatriotas trucidados pelos antecessores dos que tanto se recommendam,
em nome de tão sanguinaria fraternidade de sangue!

Não valem de muito argumentos d'esta especie, e postos n'este terreno.
Vale porém alguma cousa não deixar correr á revelia a carta de
recommendação do comité de Paris.




VII


Quando se considera nos resultados a que póde dar causa o olvido de
todas as conveniencias, que qualquer entidade, e mormente uma nação,
deve saber guardar em sua vantagem e em seu decoro; quando se analysa a
maneira desastrosa como em seus procedimentos se houveram os adversarios
do tratado de Lourenço Marques entre Portugal e Gran-Bretanha, destinado
a regular as relações entre as suas possessões na Africa Austral
antepondo-se a este grande conseguimento, o attender de preferencia a
receios fingidos ou banáes, ou ao mero interesse de politica partidaria,
confundindo todos os elementos de hombridade em homenagem a vantagens
eventuaes de partidos e não do Paiz; quando se contempla a exaltação dos
animos, a aberração do bom senso, as vociferações atrabiliarias e as
diatribes violentas que d'ahi se suscitaram em prejuizo da ordem
interna, e em tom desdenhoso e insultante para com uma nação alliada e
poderosa, que prestára sua annuencia a entrar de mão dada e não aos
repellões, n'uma senda larga e franca para uma confraternisação e
garantia reciproca na politica intercolonial, chega-se quasi a lamentar
que a arbitragem do Marechal Mac Mahon fosse tal, que não tivesse
cortado o mal pela raiz, tirando-nos da mão aquillo que por estar em
nossa mão, havia de passar a ser um fóco de discordia, e transformar-se
mais em elemento ruinoso do que proveitoso. Seria caso de dizer _ha
bens que vem para mal!_ É verdade que se a arbitragem nos fosse
desfavoravel, perderiamos o que podia vir a ser de grande
aproveitamento; mas tambem é certo que teriamos evitado males maiores,
por isso que melhor é perder um diamante bruto e que nada rende, do que
possuil o por lapidar, mas sujeito a fazer-nos soffrer maiores prejuizos
e causar-nos mais sobresaltos do que o seu valor compensaria.

Lourenço Marques, sem o caminho de ferro para o Transvaal, e sem a
garantia da pósse que o salve das pretenções dos Boers, ou permanecerá
como está hoje, sem importancia, ou ficará sempre arriscado a ser por
elles disputado.

Melhor seria não o possuir, do que mantel-o nas condições como até ao
presente, mas isto a troco de uma situação desfavoravel perante aquella
potencia á qual nos liga uma antiga alliança, constituindo para a nossa
independencia uma garantia da qual nunca deveriamos prescindir, e que
não se póde facilmente substituir appellando para aquella federação
Iberica que nos é apontada como um salvaterio, pelo partido que teme
menos o leão de Castella do que o leopardo Britannico. A esse partido e
ás suas aspirações politicas poderá convir a substituição. Mas, poderá
esta plausivelmente ser preterida por quem vê na monarchia e nos seus
sustentaculos internos e externos, um penhor mais seguro para a nossa
independencia como nação? Não. O verdadeiro patriotismo não está em
segregar um Estado de outros, de cujo convivio póde resultar a
manutenção de suas instituições, em detrimento dos que aspiram a
derribal-as para as substituir por outras, só a titulo, mas sem
fundamento, do que aquellas são a causa de muitos males. Tambem o
patriotismo, não está nas declamações que o apregoam, afrontando os
amigos de hontem e de ha mais tempo, só para captar benevolencia dos
inimigos de hoje.

E traz-se para a discussão das praças, um tratado internacional, em cuja
celebração só entra a entidade da nação seja qual fôr a sua fórma
politica de governo, e faz-se d'ahi pretexto para recommendar a
republica como a sanação dos inconvenientes ou defeitos que
gratuitamente se lhe assacam?

Insulta-se em prosa e em verso a monarchia, aponta-se para a republica
como um bello ideal; mas os que aspiram a esta versão nem ao menos se
lembram de que onde a republica existe tão festejada, passam-se as
cousas de modo, que quem recorre a analogos expedientes de affrontrar
quem não merece affronta, soffre as consequencias d'essa ousadia;
ousadia que alias se torna em tibieza, quando é praticada contando com
aquella impunidade que encontra, onde vigoram as instituições por elles
condemnadas.

Em 26 de março ultimo, um membro do governo da republica franceza,
respondia na camara a um deputado interpellante ácerca de processos
instaurados ao jornalismo «que o governo não podia tolerar uma linguagem
compromettedora para as relações internacionaes»: E a camara approvou. E
n'aquelle paiz tão invocado como modelo de liberdade, só por ser
republicano, foram multados fortemente varios jornaes, e condemnados e
postos em prisão sem fiança os responsaveis, por haverem commettido
aquillo que impunemente commettem sob o regimen monarchico que tanto
invectivam.

Ainda assim para taes queixas poderia aqui haver facil deferimento.
Bastaria para lhes fazer a vontade, sujeital-os á multa e á cadeia, como
sendo a maneira de gozar uma parte, já que não póde ser do todo, de suas
aspirações politicas!

N'estes certamens em que as conveniencias da politica partidaria se
pertendem antepôr áquellas que se devem guardar na politica
internacional, certamens que no caso presente levam a dirigir ultrages á
Inglaterra, e a menosprezar sua amisade, a troco de uma republica
federal com a Iberia, vae tão longe a cegueira, a ponto de que os ciumes
por Lourenço Marques, não deixam vêr os perigos a que sujeitam a patria
em sua nacionalidade. Antepõe-se um falso zêlo pela parte, ao amor do
todo. Vê-se a formiga e não se quer vêr o elephante!

N'um tal procedimento, e em tal maneira de raciocinar, chegam alguns a
impugnar o tratado com a Inglaterra, não porque possam mostrar a sua
ruindade, mas unicamente por um sentimento rancoroso, allegando razões
odientas, buscando recriminações passadas, e recorrendo aos logares
communs que sempre se apresentam á mão, aos que antepõe um odio cego, á
razão clara e mente serena.

Querem malquistar-nos com a potencia alliada de antiga data; que
economica e politicamente tem sido sempre a que mais relações comnosco
entretem, e que a historia, por muitos factos, confirma ter sido por
mais de uma vez a egide da nossa independencia! Verdades são estas que
não pódem ser destruidas só porque eventualmente, e no decurso de largos
periodos tenham sobrevindo atrictos nas suas relações comnosco, devidos
principalmente a causas transitorias e faceis de sobrevir, taes como
eram as difficuldades de conciliar interesses reciprocos na grande
questão de suppressão do trafico de escravos; conflictos em que se
descobria como causa principal e excepcional, não tanto uma tendencia
hostil da nação d'onde provinham, mas sim a politica sobranceira de uma
individualidade governativa, que á sua parte os promovia, não só contra
nós, mas tambem como systematicamente, contra outros Estados com cuja
politica não simpathisava.

E todavia, n'essa epoca, em que mais razão haveria para o nosso
ressentimento, não foi este tão longe e tão infundadamente como hoje,
pois até a camara dos deputados portuguezes votou uma mensagem de
pezames pelo fallecimento do personagem politico que individualmente
mais incitára aquelles elementos de aggravo!

A imparcialidade de quem então não approvava taes homenagens de
simpathia, é a mesma com que hoje se devem condemnar os excessos da
injuria extemporanea. Esta assim é injusta, e como tal perigosa. Querem
que Portugal fique sem allianças, deixando as antigas e já provadas,
para ir aventurar-se a outras, no continente europeu ou além do
Atlantico, tão faceis de imaginar como difficeis e incompativeis de
serem efficaz e valiosamente mantidas? Veja se qual é o estado da
politica da Europa, do Mundo, a facilidade com que se fazem e desfazem
allianças inverosimeis, como se amalgamam nações, como se derribam
monarchias, como se movem guerras por pretextos frivolos e só para dar
largas a ambições, e finalmente como a força decide, mais do que o
direito e a justiça! E diga se depois, se póde um paiz pequeno e sem
largos recursos, campear de sobranceiro, confiando unicamente no seu
direito, sem se importar com o conceito que d'elle formem os outros, e
assim queira arrostar impunemente contra as insidias ou violencias dos
que o olhem com indifferença ou com desdem?

A Espanha, que sob a fórma monarchica, homogenisa o que antigamente eram
Estados e hoje são suas provincias, apesar dos numerosos partidos
politicos que a dividem, tem para todos estes uma bandeira commum, como
os mahometanos tem no estandarte do propheta; é a união Iberica. A
Espanha é uma nação militar, um povo valente e aguerrido e a sua
alliança póde ser cobiçada e já o tem sido, e talvez ainda hoje o seja,
por alguma potencia em caso de guerra Europêa. Quem negoceia com a
propria força, fica-lhe em quinhão o dispôr tambem d'ella em seu
proveito. Todo o cuidado é pouco, e não basta para nos precavermos, o
ouvir as philarmonicas tocar o hymno da restauração, nem admirar os
discursos da sociedade 1.º de Dezembro.

Dão-se ás vezes factos que parecem insignificantes mas que podem ser
simptomas de outros menos insignificantes. Veja-se como na Allemanha se
dispensam attenções excepcionaes, se fazem recepções imponentes, se
embandeiram quarteis, se banqueteiam entre vivas e saudações cordiaes,
para honrar os delegados do exercito Espanhol que em seu caracter
militar e officialmente vão tomar parte na solemnidade matrimonial do
principe, futuro herdeiro da corôa imperial! Fique Portugal indifferente
a tudo; pense só nos Boers e em não desmamar Lourenço Marques, e verá
que poderoso alliado encontrará nos futuros possuidores do seu presidio
e bahia, quando tiver dispensado e affrontado a alliança da Inglaterra,
e prescindido de fazer tratados para regular as relações das suas
respectivas possessões! Nada d'isto. A ordem é a invectiva; chamam-lhe
orgulhosa, prepotente e ambiciosa, e n'isto se concentra, a isso se
reduz o que entre nós se denomina patriotismo; e a quem não segue nem
acompanha n'esta imprecação, desde logo se atira com o epitheto de
antipatriota!

Não ha outro argumento; não ha outra logica. Nada do tratado; não porque
Lourenço Marques nos aproveite sem elle, mas porque a Inglaterra é
prepotente! É por isso que o tratado é infame, e antipatrioticos todos
que o defendem, apesar de que bem poderiam applicar a si o _bene est pro
patria mori_. Será commoda, não exige grande esforço intellectual uma
tal maneira de discorrer. Mas quem d'ella se aproveita, é porque não tem
repugnancia de ficar em divorcio com a justiça, com o bom senso e com a
verdade.

Invectivar de prepotente a potencia que aceita a arbitragem
submettendo-se a ella e cumprindo lealmente a sua decisão, e largando de
mão o territorio disputado, é pelo menos tão extemporaneo e tão iniquo
como insinuar de traidor á patria, e de doador subserviente de uma
provincia, aquelle a cujos esforços se deveu a sua reivindicação.

Não cabe bem o epitheto de prepotente a quem, se quizesse usar da força,
não se curaria de respeitar o direito. Não é merecida a accusação, a
quem ao tratar do assumpto no campo das convenções, não lhe impõe o
cumprimento peremptorio, e pelo contrario atura a pachorrenta maneira, a
discordante opposição, e a insultante linguagem com que se retribue á
sua hombridade.

N'esta ordem de assumptos, nem sempre predomina a mesma feição. Ha quem
se engasgue hoje com um mosquito, tendo hontem tragado uma caravana de
camellos!

Passaram desapercebidos, ou olhados com frieza estoica alguns factos,
onde certamente se podiam ver maiores elementos e pretextos para dar
pasto ás exaltações do espirito e á indignação dos paladinos do pundonor
nacional. Ha exemplos e bastantes que assim o confirmam. Vejamos.




VIII


Em 1831, dois subditos francezes residentes em Portugal, commetteram
crimes bem graves contra as leis geraes do paiz. Foram por tal motivo
processados e sentenciados a soffrerem penas, que eram legaes, desde que
as regras de direito e de jurisdicção internacional, estabelecem que a
justiça penal é sempre territorial, isto é, são os crimes sempre
sujeitos ás leis do paiz em cujo territorio foram commettidos. Apesar
d'isso, o governo francez pugnou pela immunidade dos seus subditos
criminosos, exigiu satisfação e indemnisações, as quaes não sendo desde
logo concedidas, deu isto em resultado vir uma forte esquadra de
quatorze navios commandada pelo almirante Roussin, exercer represalias,
aprehendendo navios portuguezes e mais do que isso, bloquear a foz do
Tejo sem guerra declarada, apesar de ser o bloqueio um acto de guerra
publica.

As intimações do almirante francez, impostas com peremptorios prazos de
resposta, e que attentavam contra a independencia do poder judicial e
contra os direitos que a independencia de um paiz garante, não foram
desde logo attendidas; e a esquadra bloqueadora na paz, forçou o Tejo em
tom de guerra no dia 11 de julho, e dictou a lei ao governo então
constituido, não só obrigando a declarações aviltantes, mas tambem
exigindo de indemnisações perto de meio milhão de cruzados, alem da
ameaça peremptoria de que se até ás 6 horas da tarde do dia seguinte não
se houvesse annuido a tudo o que se exigia, a esquadra romperia as
hostilidades contra a cidade de Lisboa!

A proêza foi notavel. A força venceu. Tudo lhe foi concedido. A entrada
de uma esquadra de quatorze navios de guerra n'um porto desguarnecido de
defensa, e sem que a bordo tivesse tido nem um morto nem um contuzo, foi
não obstante cantada como uma notavel victoria, da qual o proprio Mr.
Jurien de la Gravière, escreveu na _Revista dos Dois Mundos_ de 1860
«quelle marine a jamais tenté rien de plus vigoureux! rien de plus
téméraire que l'entrée de vive force d'une escadre à voiles, dans le
Tage? Je connais peu de faits d'armes maritimes, comparables à
celui-là.»

Taes gabos, não dignificam tal feito, e só é para extranhar que
partissem de um tão eminente escriptor e illustrado official de marinha.

Vejamos mais.

Em 31 de agosto de 1835, celebrou se um tratado entre as corôas de
Portugal e de Espanha para a livre navegação do Douro, um de cujos
artigos estipulava que uma commissão mixta faria o regulamento da dita
navegação, como effectivamente aconteceu no anno seguinte, isentando de
direitos as mercadorias que seguissem pelo Douro para Espanha.

O governo portuguez poz duvidas á execução, e d'ahi seguiram-se
explicações, notas, lutas de más vontades e de lentidão, protrahindo-se
a resolução do assumpto, e seguindo-se novos governos em Portugal, menos
pressurosos em dar execução ao tratado. É longa a historia, mas basta
saber que tambem então houve addiamentos de discussão, reconsiderações
de novos governos, e exigencias repetidas de novas concessões, o que
tudo protrahiu a ratificação da convenção, antepondo-lhe outros
assumptos; e isto foi a ponto, que em 2 de dezembro de 1840, o governo
espanhol intimou o portuguez em uma nota _ultimatum_ mui altiva, que se
dentro de vinte cinco dias não recebêsse noticia de ter o governo
portuguez mandado pôr em execução o regulamento ajustado, mandaria
marchar o Duque de Victoria á frente de 50:000 homens sobre o Porto para
o fazer executar, e que aquelle exercito seria sustentado á custa do
paiz emquanto n'elle permanecesse.

O governo portuguez pensou nos meios de se preparar para a defeza
chamando ás fileiras do exercito todas as baixas dadas depois da ultima
guerra civil; mas appellou para a intervenção e apoio da Grã-Bretanha,
cuja alliança invocou. Seguidamente, em janeiro de 1841 o governo
portuguez annunciava ao hespanhol que ia submetter ao parlamento o
regulamento disputado, e considerando-o questão ministerial. Os bons
officios e a intervenção diplomatica da Grã-Bretanha fizeram com que o
governo de Madrid retirasse a sua nota offensiva e désse satisfação de
uma phrase em que se via offensa ao pundonor nacional. A convenção foi
approvada no parlamento, e assim é que terminou esta grave pendencia por
um modo digno e cordato, mas que o não seria, se houvesse de ser
submettida á discussão das ruas, ou aos dislates de uma opinião que se
diz publica por ser dos jornaes ou dos meetings, mas em todo o caso,
menos competente para apreciar e menos apta para resolver questões
d'esta ordem e magnitude.

Em 1858, o assumpto conhecido pela questão Charles & George, foi
resolvido entre Portugal e França, não diplomaticamente, mas por meio de
duas naus de linha, com suas baterias abertas, ao mando do almirante
Lavaud, que em portuguez quasi se pronuncia _la vou_. E veiu, exigindo
entrega peremptoria do navio Charles & George e uma indemnisação
pecuniaria. As naus _la foram_, com o navio e a esportula.

Antes da pendencia chegar áquelle estado, o governo portuguez não
notificou ao britannico pedindo seus bons officios para a resolver.
Basta confrontar datas.

As naus _Austerlitz_ e _Donawerth_ entraram no Tejo a 3 de outubro.

A 8 d'esse mez o Visconde de Paiva, ministro em Paris, dirigia nota ao
governo francez invocando a mediação da terceira potencia, de accordo
com o tratado de Paris de 1856 e seus protocolos.

Era n'essa mesma data que o governo portuguez dava noticia ao
britannico, do negocio Charles & George!

Mas logo no dia 9 já o Visconde de Paiva telegraphava de Paris:
«Médiation refusée; exigence énergique de remise de bâtiment. Ordres
dans ce sens expédiées sans délai.» E com officio de 10, melhor se
explicava, dizendo que instrucções eram expedidas para que a reclamação
da França fosse satisfeita no praso de 48 horas, e que no caso da menor
demora em ceder á exigencia, legação e consulado de França se retirariam
para bordo das naus, interrompendo relações diplomaticas e commerciaes
com Portugal, depois do que se _seguiriam immediatamente as
hostilidades_.

Fôra em Paris, na capital da França, que em 1856 se reuniu aquelle
celebre congresso das potencias, onde foram proclamados certos
principios a seguir nas relações internacionaes, e entre estes o da
mediação. Apenas dois annos e meio eram decorridos quando a nação em
cuja capital o congresso se effectuára, e a lei internacional fôra
proclamada, era a primeira que renegava a sua obra, e tomava por
fundamento um prepotente _não quero_, acompanhado de duas naus de linha!

Voltaram-se as queixas então contra a Inglaterra porque não nos acudiu.
É caso, como se o individuo cuja casa foi assaltada, se queixasse menos
dos assaltantes do que da policia que só tarde e fóra de tempo fôra
prevenida. Mas tudo se esquece, quando se deseja esquecer.

Surgem, não ha muito no Tejo outras naus da mesma nação, com a mesma
bandeira, mas sob o regimen da republica; fazem-se e annunciam-se os
convites publicos, para ir junto de seus costados, prestar-lhes
homenagem de simpathia. Esqueceram, e ainda bem, todos os anteriores
feitos dos Roussins e dos Lavauds, feitos que não vimos imitados por
aquelles cujos soldados trajam fardas vermelhas. Mas a estes da-se nome
de prepotentes, desde que se lhes concede passarem em transito por um
nosso deserto Africano, no uso restricto e eventual de um isthmo de
ferro, que atravessando regiões desoladas, communique Lourenço Marques,
com as ferteis planuras do interior da Africa! Esquece-se a prepotencia
que o foi, e dá-se tal qualificação ao que o não é!

Tanto melhor se se desvaneceram quaesquer ressentimentos; mas tanto
peior se infundadamente se promovem outros com menos fundamento!

Um pouco mais. Pelos fins de 1864, um subdito americano exigia das
auctoridades portuguezas em Lisboa, ser indemnizado de prejuizos que
allegava ter soffrido, pelas difficuldades que encontrara em lhe ser
despachada pela alfandega uma escuna A. Eells, que entrara no Tejo em
estado de innavigabilidade, pelo que aquella repartição lhe negara o
passe. Não sendo prompto o deferimento, recorreu ao seu ministro em
Lisboa mr. Harvey, por cujo intermedio liquidou uma indemnisação de Rs.
2.495$392, a titulo de despezas, prejuizos e juros. Mas, apezar d'isso,
tendo sido diplomaticamente informado do occorrido o governo americano,
este deu-se pressa em pôr embargo a titulo de represalias nos navios
portuguezes _Beatriz_, _Deslumbrante_ e outros então surtos no porto de
New-York! Explicações e annuencias subsequentes, é que fizeram levantar
o embargo; mas é assim cordatamente que o governo da grande republica
procede, sem que por isso nós lhe chamêmos prepotente! Ainda mais.

Quasi contemporaneamente, em março de 1865, surgiram no Tejo dois vazos
de guerra, pertencentes aos dois differentes partidos em lucta na
America. A bandeira dos confederados do Sul, não sendo reconhecida, deu
logar a que as regras do direito de asylo, não tornassem extensiva ao
navio confederado a permissão de permanencia. O navio federal cuja
bandeira era a dos Estados Unidos, e como tal reconhecida, moveu-se do
seu fundeadouro, não com fim aggressivo apesar da presença do seu
adversario, mas sim para melhorar a sua amarração. Todavia não preveniu
de seus movimentos as authoridades locaes. D'ahi, uma errada
interpretação do facto, deu logar a que da bateria maritima de Belem lhe
fossem feitos alguns tiros inoffensivos. É certo que uma explicação do
caso repararia este erro de apreciação; mas a nossa lentidão official
demorou qualquer expediente. O resultado foi que o ministro americano
Harvey exigiu uma satisfação, que foi nada menos de que, a torre de
Belem issar a bandeira americana, e saudal-a com 21 tiros.

Assim se fez, e tudo foi visto com fria indifferença! Quem diria que o
monumento que recorda as glorias maritimas de uma nação, serviria de
póste para o opprobrio d'esta! Quando a uma nação amiga se impõe um
aviltamento d'esta ordem, isso é que é prepotencia e orgulho. Mas, não
se qualificou de prepotente a grande republica. Pelo contrario, ha ainda
cerebros onde se engendra a ideia, e donde sahe a indicação, de deitar
vistas para aquelle ponto transatlantico do horisonte, afim de ir
procurar novas allianças que nos compensem da quebra de outras já
existentes!!

Olhemos para o que na actualidade se passa na politica activa do Mundo,
e veja-se como procedem aquelles a quem poupamos taes epithetos.

A França republicana, envia uma expedição a Tunis a pretexto de punir
umas tribus aggressivas, embora rebeldes á authoridade soberana
d'aquella Regencia. Affugentam-se aquellas, mas invade-se esta; e um
general d'este modo triumphante, bate pela manhã de certo dia ás portas
do Bey Mahomed el Sadok, e apresenta-lhe na ponta da espada um tratado
para que assigne, dando-lhe para isso o prazo até ás 6 horas da tarde do
mesmo dia.

Vejamos um caso quasi similhante nas causas, mas não nos effeitos.

Ainda ha poucos annos, os negros mossorongos do Zaire, praticaram
ataques, e commeteram depredações sobre um navio inglez, que ia
commerciar com as feitorias nas margens d'aquelle rio, onde Portugal tem
direitos reservados, mas onde não tinha occupação effectiva nem
authoridade que representasse o dominio territorial. O commandante das
forças navaes inglezas, commodoro Hewett, informado do attentado e da
sua impunidade, accorreu ao local afim de punir os que o haviam
praticado a salvo, e n'esse intuito incendiou as limitrophes sanzalas
dos negros.

Limitou-se a isso a sua acção, que consistia em fazer policia em sitio
onde não era feita por quem lhe competia. Sobre este acontecimento
trocaram-se seguidamente notas e explicações entre os dois governos
Portuguez e Inglez. Todavia porque os negros selvagens praticaram seus
attentados n'um territorio cujos direitos Portugal se reservou, mas onde
sua authoridade não era exercida, nem por isso o commodoro inglez seguiu
para Loanda, a impor um tratado por parte do seu governo e para ser
rectificado de prompto.

Se compararmos as circumstancias de ambos os casos, os negros das
margens do Zaire estão nas condições dos Krumirs; o commodoro Hewett
representa o general Breart; só falta para a analogia ser completa, um
tratado imposto pela manhã para ser ratificado á tarde, não no Bardo em
Tunis, mas no palacio de Loanda. Ésta seria a hypothese, mas aquelle é o
facto. E todavia, por homenagem não se sabe a qual regra de
imparcialidade, a qualificação de prepotente, é reservada pela _opinião
publica_, só para aquelles que teem estado desde ha dois annos olhando
pacientemente para o desatinado e indolente protrahimento com que um
tratado, ora se addia, ora se pretende modificar, ora se abandona, ora
se pretende pôr de parte sem nunca lhe dar o andamento que as praxes
internacionaes prescrevem, para _ter ou não ter_ sancção!

Para merecer justiça, é mister começar por ser justo. A justiça diz que
temos errado n'esta maneira de proceder, como na de avaliar o
procedimento alheio.

É uma triste verdade, que até custa a dizer; mas nada ha peior do que
negar o erro conhecendo-o. Ha assumptos que mesmo quando importassem um
certo prejuizo em absoluto na solução, ainda assim este seria de mui
menor alcance, do que é o damno que resulta de os conduzir de um modo em
que a leviandade fica a dever tudo á seriedade.

Os factos como se tem passado com relação ao tratado de Lourenço
Marques, authorisam a dizer isto.

Frivolo pretexto seria aquelle de que se lançasse mão para faltar á
lealdade internacional, invocando a reconsideração só a titulo de uma
das partes não concordar com o que já foi estipulado; e mais frivolo
ainda aquelle que allegasse como motivo de hesitação em submetel-o ás
formalidades da sancção, não a falta de concordancia com as
estipulações, mas sim o receio de ter que ir contra as manifestações da
opinião publica, sem attender ao modo como ésta foi formada, e ao valor
em que merece ser tomada.




IX


Quando a opinião publica não é a expressão de um sentimento justo e
sensatamente adquirido, mas a que a insciencia de uns, ou a conveniencia
dos especuladores formam e incitam, n'esse caso, seguir a opinião assim
manifestada, é transigir com o erro; e transigir com o erro é um grande
mal em todos os casos, mas muito maior quando influe na publica
administração dos Estados.

Não é mister recorrer á historia de todos os tempos e de todos os povos
para encontrar exemplos que confirmem esta verdade. Abundam taes
exemplos de casa, para pôr em relevo como, infelizmente a opinião do
vulgo, erronea em suas apreciações sobre assumptos menos vulgares, se
deixa levar cegamente até ao excesso de voltar suas iras contra aquelles
mesmos, que por seguirem melhor conselho e mais ajuizados alvitres que a
experiencia lhes suggere, e o estudo lhes adquiriu, lhes paga a sua
dedicação com injustiças e affrontas, chegando a tornal-os victimas de
attentados criminosos.

Na primeira invasão franceza em Portugal pelo anno de 1809, o general
Junot, havia proclamado: «Toute ville ou village, dans lesquels on aura
pris les armes contre mon armée, et dont les habitantes feront feu sur
la troupe française, seront livrées au pillage, détruits de fond en
comble, et les habitants passés au fil de l'épée. Tout individu pris,
les armes à la main, sera fusillé sur le champ.» Apesar d'isso, em
seguida á batalha de Vimeiro era obrigado a capitular; mas o Reino era
novamente ameaçado pela segunda invasão, commandada por Soult, o qual
pela Galliza avançava sobre o Norte de Portugal. Preparavam-se os
elementos de resistencia e organisavam-se as forças militares, sendo
para esse fim pela Regencia nomeado general do exercito do Norte o
marechal Bernardim Freire de Andrade.

Habil, e possuido dos mais patrioticos sentimentos, mas dotado da mais
sensata prudencia, a par de reconhecida bravura e pericia, procurava
elle com a maior solicitude cobrir as fronteiras e fazer alli toda a
resistencia ao exercito francez que se dispunha a invadil-as, e isto até
que podesse organisar outras forças com que sustentasse o Porto,
objectivo de Soult. Mas a prudencia que o levava a não arriscar uma
batalha campal mas sim a distrahir as forças inimigas fatigando-as e
batendo-as em detalhe, essa prudencia e bom senso mal interpretados e
inscientemente condemnados pela opinião publica, deu logar a que o
manejo da intriga assacasse ao general, o ser jacobino, attribuindo o
seu procedimento a ser partidario francez. D'esta suspeição passou-se ao
insulto, e do insulto á affronta. Começaram os gritos de traição como
sendo o ecco da opinião desvairada do povo ignaro e da intriga malevola.
Sobranceiro a tudo proseguia o general no seu empenho, com grande
exforço, quando acompanhado de pequena escolta foi encontrado pelas
ordenanças de Toboza. Preso por estas, por entre a vozeria e o tumulto
de um povo ignaro e cobarde, foi conduzido a Braga, e ahi arrastado á
cadeia, apoz os maiores insultos, foi barbaramente assassinado,
partilhando de egual sorte outros officiaes do seu estado maior e
pessoas respeitaveis de sua comitiva, que todos a opinião publica
apodava de traidores á Patria! Um conselho de guerra mandado formar pela
regencia para investigar da conducta do infeliz general e das causas
d'aquella atrocidade, veio posteriormente provar o seu zelo, actividade
e patriotismo, e as difficuldades com que luctára. Era já tarde; a
consequencia da insubordinação, da falsa opinião popular, e da affronta
gratuita, foi que a anarchia facilitasse o passo aos invasores. A 29 de
março Soult entrava no Porto, que era o seu objectivo; e são conhecidas
as horrorosas scenas do saque d'aquella cidade pelos francezes, e a
horrivel catastrofe da ponte do Douro, onde milhares de pessoas acharam
a morte por quererem fugir ao feroz inimigo, victimas dos effeitos da
opinião popular.

D'este modo foi que tal opinião contribuiu por seus desvarios para tão
funesto desenlace, cuja sanação já não era possivel, embora a verdade
viesse fazer justiça a quem no seu empenho para se oppôr a taes
desvarios, fôra victima de seus patrioticos sentimentos.

Infelizmente não são raros os casos analogos a este no seu modo de ser e
nos seus effeitos.

Aproximando-nos de tempos mais recentes, está ainda na lembrança aquella
anarchia que Lisboa presenciou, quando a ignorancia de grande numero
explorada pela malevolencia de alguns especuladores, levou a tal opinião
publica a pronunciar-se contra os fabricantes de pão, pretendendo achar
justo, plausivel e conducente ao fim de embaratecer aquelle artigo, o
meio que adoptaram, qual foi o de atacar a propriedade e destruir a
industria que o produzia, isto ao passo que por outra parte tambem a
opinião reagia contra a lei permanente sobre commercio de cereaes, e
instava pela manutenção de um systema restrictivo, que fazia depender de
contingencias tão variaveis como imprevistas, a possibilidade do
abastecimento de um producto o mais essencial á vida, á alimentação
geral e ao desenvolvimento de todas as industrias.

E a tal opinião esteve em campo, altiva e ameaçadora; faziam-se
comicios, apodando de malvados egoistas aquelles a quem talvez se devia
o não serem maiores os males, de que os exprobrava de serem causadores.
E poude por acaso haver transigencia com essa opinião assim ouca de bom
senso, tão estulta como atrevida? Seria erro mais imperdoavel o
transigir com ella, do que o proprio erro dos que a manifestavam e
queriam impor.

Sigamos a considerar epocas mais proximas e encontraremos uma phase bem
triste nos annaes das nossas commoções politicas, quando nos recordarmos
d'aquelles lugubres dias, em que a morte ceifava as vidas preciosas de
um Rei amado, e de principes queridos; e quando á dôr se seguia a
anciedade, a ésta seguia-se o desvairamento e o desnorteado juizo
popular, que pretendia explicar por crimes tamanhas desgraças, só para
saciar sua paixão encontrando victimas que os expiassem. Lisboa viu que
aos gritos de morras, era ameaçada a vida e pedida a morte de quem á
frente do governo, não podia conter os impetos de uma opinião, originada
talvez n'um sentimento de justa dôr, mas depois exaltada pelas
declamações dos tribunos.

Quem poderia ir offerecer o peito ao punhal dos vociferantes, só por
transigir com a tal opinião publica, que em altos brados assim se
manifestava exigente e decidida?

E ha quem diga que tudo deve obedecer á opinião publica! Como se se
houvesse de obedecer aos que em nome d'ella vão incendiar as Tulherias e
o Hotel de Ville!

E que temos nós visto nos ultimos tempos, com relação á opinião publica
ácerca do tratado de Lourenço Marques?

Reproduzem se scenas, que põe identicamente em relevo o conceito que
ella merece quando assim desvairada. Multiplicam-se os escriptos, os
ultrajes, especula-se com as diatribes as mais audaciosas em prosa
desaforada, e em verso insolente; fazem-se correr de mão em mão,
espalham-se pelo soalheiro das praças, pelos portaes das officinas, e
pelas explanadas dos quarteis, leem-se nas mezas das tabernas, nos
balcões das tendas, e nas casernas dos soldados, insinuando que a causa
de todos os males em todos os elementos sociaes, está só na monarchia! E
estas doutrinas assim propagadas por entre as massas, imbuidas por uma
parte da imprensa sem outra continencia, senão a que lhe resulta da
arrogante confiança que tem na impunidade, poderão taes doutrinas quando
assim manifestadas, constituir a opinião publica e tornal-a digna de ser
tomada em consideração? Não, que ella não é a opinião sensata dos
competentes avaliadores das circumstancias, nem pode ser a legitima
expressão das conveniencias, nem o elemento que possa intervir na
solução de questões graves, nem é farol que conduza a causa publica a
porto e salvamento.

A resolução dos problemas de que depende o bem do Estado, não pode nem
deve ser confiada á agitação das ruas, nem ficar subordinada á expressão
dos sentimentos intolerantes e obcecados que a annunciam e que com ella
especulam.

Não ser inabalavelmente firme em pró dos dictames da verdade, querer
transigir com a opinião que se diz publica por ser formada na rua ou
praça publica, annuir a que ella haja de influir nas questões do Estado,
ir buscar por tal preço uma popularidade ephemera, sacrificando a ella
os interesses do Paiz, não é condescendencia prudente, com as
conveniencias sociaes; não sería regra de boa governação, sería erro e
cobardia; no juizo dos mais austeros, sería quasi um crime.




X


O tratado de Lourenço Marques, constitue hoje o resultado de uma
negociação internacional, devida ao accordo entre duas nações, no uso
pleno do seu direito da independencia e da egualdade. Como tal e para
produzir suas legitimas consequencias só lhe falta o ser submettido ás
formalidades de sancção que o direito publico interno prescreve. É do
cumprimento d'essas formalidades que depende, ou o elle tornar-se um
compromisso internacional estatuindo direitos e deveres reciprocos entre
as nações contractantes, ou aliás, no caso de rejeição, passar a ser
letra morta.

Tendo já sido sanccionado na camara electiva só lhe resta sel-o pela
camara dos pares. A mudança de governo occorrida entre nós em março
ultimo, motivando por conveniencias da politica interna o addiamento da
actual sessão legislativa, fez com que se protrahisse a sua decisão
final. Depende pois sómente d'esta a sorte d'aquelle tratado. Ora, se
não é licito impor a qualquer nação o voto que sobre assumptos d'esta
ordem tem de ser dado pelos seus poderes independentes, taes como é o
parlamento, tambem por outro lado não é licito pôr véto impeditivo, afim
de pôr de parte o assumpto, recorrendo á abstenção de o sujeitar ás
formalidades d'onde depende a sua confirmação ou rejeição.

Uma convenção solemne pactuada entre nações, não é brinquedo que fique
indefinidamente á mercê do _quero não quero_ de uma das partes. A
justiça e o pundonor interpôr-se-hiam na apreciação desfavoravel de uma
tal maneira de proceder.

N'uma sociedade civil, em um contracto estipulado entre dois individuos,
depois da palavra dada, não se póde moralmente faltar a ella, sob pena
de uma qualificação menos airosa. E certo que a responsabilidade legal
dos pactuantes só existe depois do contracto ser submettido ás
formalidades da sancção; mas por isso mesmo, é que não póde sem
desdouro, uma das partes esquivar-se a submettel-o a essa condição. Não
póde sanar a recusa do individuo, a allegação de que _ainda não_ levou a
escriptura ao notario. Essa coarctada, quer filha da indolencia, quer da
má vontade, compromete tanto como um acto de má fé.

Ora estas considerações que tem cabimento entre individuos cuja
responsabilidade se limita a entidades pessoaes, com maior razão são
applicaveis entre nações constituindo entidades collectivas, e cujos
reciprocos procedimentos tem um caracter moral de mais definida e ampla
solidariedade. N'este caso um tratado publico é um acto de direito
convencional, pactuado de nação a nação na sua collectiva
responsabilidade, e não de governo a governo n'uma restricta
significação de politica partidaria. Qualquer mudança operada nos
individuos ou na politica dos governantes, não exhime a entidade
moralmente immutavel governo, dos deveres contrahidos de subordinar o
pacto á ratificação. Só quando legalmente esta seja negada, é que póde
_ipso facto_ ser annullado em seus effeitos. Exhimir-se a assim
proceder, exigir modificações no que está estipulado sob pretexto da
mutabilidade dos individuos ou differença de suas vistas politicas,
seria caso analogo, porém em escala mais grave, como se entre dois
individuos nunca se realizasse um ajuste, por isso que ao saldar das
contas, uma das partes sempre em tal occasião quizesse regatear sobre o
que já fôra ajustado. Desde que se pactuou de nação a nação, podem
succeder-se os governos; mas os que se succedem são herdeiros dos
compromissos internacionaes tomados em nome da nação pelos que os
precederam.

Um exemplo a proposito é o que aconteceu com respeito ao tratado com a
Hollanda sobre demarcação de limites no archipelago de Timor.

Em 1852 o governo portuguez nomeou o conselheiro Lopes de Lima
governador de Timor, e simultaneamente plenipotenciario para celebrar em
Batavia o alludido tratado, com a clausula _ad referendum_.

Celebrou elle o tratado de demarcações em que se fazia a cessão de
Larantuka, ponto ao Norte de Timor, em compensação de outras clausulas.
O negociador, tendo em parte dado execução ao tratado antes de ser
confirmado, foi demittido, com ordem de vir prezo para Lisboa, mas em
viagem falleceu em Batavia.

Ficou tudo pendente sem resolução até que em 1854 a reclamação do
governo hollandez se abriram novas negociações em Lisboa, sendo
plenipotenciarios por Portugal o visconde de Athouguia, e pela Hollanda
mr. Van Rost, dando em resultado um novo tratado, que sendo apresentado
ás camaras para ratificação ahi foi combatido com acrimonia pela
opposição, e a imprensa desencadeou suas furias contra a cessão de
Larantuka. A esse respeito, diz o auctor de uma memoria sobre Timor, o
sr. Affonso de Castro, e que foi Governador d'aquella possessão, o
seguinte:

«Escreveu-se muito n'essa occassião, a proposito d'aquelle canto de uma
das ilhas da Malazia, que poucos escriptores conheciam, e disse-se por
consequencia muita cousa desarrasoada. A ouvil-os, dir-se-ia que
Larantuka era um notavel ponto nas melhores condições commerciaes e
politicas, um grande centro de população, uma forte praça de guerra,
séde de um governo importante, morada de habitantes illustrados e
industriosos. E não era nada disto. Larantuka não passava de uma
miseravel aldêa, com sua tranqueira em ruinas, artilhada com meia duzia
de peças velhas e incapazes de fazer um tiro, e guarnecida por oito ou
dez timores esfarrapados e descalços.»

Como isto faz lembrar, _caeteris paribus_, Lourenço Marques e os zelozos
propugnadores do seu _statu quo_!

Pois aquelle tratado foi apresentado e approvado nas camaras
Portuguezas, apezar dos clamores alli levantados, e de que a politica se
servia para combater o Governo.

Mas no parlamento hollandez acontecia o contrario, pois foi alli
regeitado, tomando-se por pretexto para dar um _cheque_ no ministerio
que se pretendia derrubar.

O estado indeciso da questão de limites deu logar a que continuassem os
dois governos a trocar notas, e só passados dois annos, como o governo
hollandez reclamasse, teve o governo portuguez de entabolar novas
negociações, sendo nomeado plenipotenciario o sr. Fontes Pereira de
Mello, e o barão de Aarsen e depois, por obito d'este mr. Heldwier.
Mudanças de governos, e dissoluções de côrtes, retardaram a sua
conclusão, que teve logar em abril de 1859, mas não impediram que tanto
n'este como nos anteriores casos, o tratado fosse submettido á sancção
do parlamento, sendo finalmente ratificado em agosto de 1860.

Outro exemplo mais recente nos confirma na opinião de que não é licito
illudir as formalidades de sancção, nem fugir ás praxes que são de uso a
tal respeito.

Em 1866 estava pendente de sancção uma convenção consular entre o
governo portuguez e o hespanhol.

Em officio de 5 de junho, o ministro de Portugal em Madrid, dizia para
Lisboa ao ministro dos negocios estrangeiros que o ministro d'Estado
Bermudes de Castro, pedira explicações do motivo que induzira o governo
portuguez a retirar das côrtes a convenção já negociada, e
accrescentava: «não consegui acalmar o sr. Bermudes de Castro, o qual
considéra o acto da retirada da convenção sem a submetter _á approvação
ou rejeição_ das côrtes, como uma affronta feita ao governo de Sua
Magestade Catholica.»

Consignada esta doutrina como a unica admissivel em direito, a
perspectiva pois que na actualidade se apresentaria plausivel, não podia
ser senão a apresentação do tratado á camara dos Pares. _Approvado ou
rejeitado_ n'esta instancia ultima, ficaria legalmente finda a questão.
Qualquer que fosse o resultado, ter-se-iam por fim salvado as
conveniencias, que a dignidade internacional suggere e exige.

Mas quando esta solução devia parecer imminente, surge outra versão,
qual é, que por accordo entre o governo portuguez e o inglez, fora
decidido ou fora concedido adiar indefinidamente o tratado de Lourenço
Marques!

Como assim? De quem partiu a iniciativa para este abandono do tratado?
Qual é o que concedeu, e qual o que obteve?

Comprehender-se-ia, e seria até certo ponto para recear, que na
eventualidade de dar a Inglaterra plena independencia ao Transvaal, ella
desejasse da sua parte vêr-se desligada de um anterior compromisso, do
qual já não lhe resultariam vantagens que lhe compensassem os encargos;
mais opportuna se lhe tornaria a occasião de satisfazer ás aspirações da
colonia do Natal, cuja assembléa legislativa ciosa de se vêr prejudicada
por Lourenço Marques, votou ha mezes uma auctorisação para um emprestimo
de £ 1.200.000, afim de proseguir o caminho de ferro de Durban até ao
Transvaal.

Não seria portanto para admirar, que um pedido de addiamento indefinido
partisse da Inglaterra, pedido ao qual todavia só nos conviria acceder
quando ésta potencia allegasse a impraticabilidade de cumprir o tratado,
attentas as modificações que por ventura ella houvesse soffrido no seu
dominio territorial. Seria éssa a hypothese onde teria applicação o que
diz Martens. «L'impossibilité physique dans laquelle une nation se
trouverait d'accomplir un traité conclu par elle, le rend non
obligatoire.» E Wheaton, consigna ser caso de findar um tratado «quand
la constitution intérieure de l'un ou de l'autre des États est tellement
changée qu'elle rend le traité inapplicable dans les circonstances
différentes de celles en vue desquelles il a été conclu.»

Não poderia certamente Portugal fundar-se n'esta doutrina afim de fazer
um pedido de addiamento indefinido. Se um tal pedido houvesse de partir
de Portugal, elle só poderia ser baseado na allegação de qualquer
circumstancia especial que o justificasse, e que importasse alguma razão
impeditiva de sujeitar o tratado n'uma dada conjunctura á ratificação do
Parlamento. Ésta versão, embora parecesse capciósa, ainda poderia ser
interpretada como uma homenagem á boa doutrina, e ao desejo de cumprir
os deveres resultantes dos compromissos tomados, e das promessas feitas,
obtendo para isso a móra, mas não a dispensa. Seria a maneira de não
incorrer n'aquellas condições que Vattel indica. «En droit naturel,
celui qui promet à quelqu'un, lui confère un véritable droit d'exiger la
chose promise, et par conséquent, ne point garder une promesse faite,
c'est violer le droit d'autrui; c'est une injustice aussi manifeste que
celle de dépouiller quelqu'un de son bien.»

Mas, a não ser aquelle o pretexto do pedido e se pelo contrario só se
teve em vista fugir diante das imposições da opinião adversa, tal como
ella campeou altiva, em tal caso custaria a comprehender como se
podessem inverter os papeis, de modo que a supplica para sustar um
contracto partisse de quem lucra com elle, e o consentimento fosse dado
por quem n'elle mais está sugeito a perder!

Pelo tratado de 30 de maio, ficaria segura a construcção do caminho de
ferro, com grande probabilidade de ser feita de um modo não oneroso para
Portugal, por isso que tinha por fim garantir o notavel rendimento
aduaneiro do Natal, que em grande parte convergiria para aquella nova e
melhor via.

Mas se o tratado ficar addiado para as kalendas gregas, quem construirá
no futuro o caminho de ferro de Lourenço Marques?

Seremos nós, e com os nossos recursos? Não, que não podemos nem para
tanto podem valer quaesquer collectas devidas a exforços de enthusiasmo,
aliás passageiro, e que equivalerão a gotas de agua deitadas no Oceano.

Serão os Boers? Esses sim...!

Valerá para tanto, o antigo tratado com o Transvaal? Não, que elle
caducou. É letra morta. Mas ainda quando elle resuscitasse, e com elle
revivessem as finanças como foram ao tempo do presidente Burgers, não
veriamos cotação de fundos publicos do Transvaal, capaz de tornar
esquecida a bancarrota a que o levaram as anteriores tentativas.

O mais provavel é que tudo ficará como até hoje; e Lourenço Marques só
terá ganho, não o proveito, mas a honra de ter sido o assumpto de tanta
rhetorica brava, e de tanta poesia sanhuda, dos impugnadores do tratado.

Portugal dispensado de ganhar, e Inglaterra annuindo a não ter que
perder, Lourenço Marques continuará a ser, o que é; não um emporio de
vida actividade e riqueza, mas sim um padrão de vergonha.

É o que acontece quando á previdente decisão no proceder, se antepõe o
medo frivolo d'aquillo a que impropriamente se considera, designando-se
como opinião publica.

Qualquer que possa ser a explicação que se adopte, ha todavia um
inconveniente que não é facil de remover; um mal que póde ser de
difficil cura, e do qual se póde dizer como Metastasio; _dopo il male
fatto, il pentirsi non giova_. Esse mal de alcance incalculavel, será
aquelle, de sermos por nossa teimosia e lentidão julgados como um paiz
com o qual não é possivel ter trato; uma nação que cança quem a afaga;
um Estado que afugenta rudemente quem d'elle se aproxima; um povo
finalmente (já que é moda fallar em nome do povo) que prefere viver só e
isolado politica e economicamente, e que assim n'um orgulho
injustificado, cuida poder, na época presente, viver vida de
exclusivismo, afastado da communhão dos outros povos e repellindo os
dictames que a civilisação, e o progresso da humanidade aconselham e
exigem.

Mal vae a quem mal procede. Esse é o grande perigo, cuja presença é para
lamentar.




XI


Em vista de todas as ponderações feitas, o tratado, de 30 de maio de
1879 entre Portugal e Gran-Bretanha, _para regular as relações das suas
respectivas possessões na Africa Sul e Oriental_, poderá ser considerado
como um objecto de tão mediocre importancia e tão limitado alcance, que
para o tornar effectivo, seja indifferente sacrificar os seus previstos
resultados, só para não affrontar a opinião que lhe seja adversa?

Serão suas consequencias politicas e economicas de transcendencia só
restricta áquelle até hoje abandonado tracto de terra Africana que se
denomina Lourenço Marques?

Ainda quando assim fosse, nunca poderia d'ahi inferir-se ser regra de
bom procedimento, antepôr o que o capricho exige, ao que a rasão e a
conveniencia aconselha. Sóbe porém de ponto o valor que o recommenda,
quando se considera a circumstancia de ser elle, não só um assumpto de
alcance local e de benefico influxo para aquelle de si pobre dominio,
mas sim um dos elementos de uma previdente politica colonial de alliança
e cooperação entre Portugal e a Inglaterra, de mais vasta e importante
transcendencia.

É elle a sequencia do principio e a antecedencia do fim n'uma grandiosa
concepção de um genio esclarecido, obedecendo a um plano systematico, a
uma generosa e patriotica idéa, qual a de levar o extenso dominio
colonial Portuguez, á altura a que só póde attingir pelos meios que a
civilisação indica, e que a boa politica internacional aconselha.

Se as restricções, os monopolios, os exclusivos, e todos os egoismos da
velha escola prohibitiva, poderam em passadas epocas constituir um
systema nas relações commerciaes do Mundo, é certo que os progressos
materiaes e as tendencias moraes das sociedades modernas, não podem
tolerar esse systema de desconfiança, de afastamento e como de
animosidade entre nações, pois á sombra de uma supposta vantagem
resultante d'esse isolamento, só poderia conseguir uma enfésada e
rachitica exploração dos seus recursos, difficultar ou impedir a troca
de seus productos, que a Providencia distribuiu variadamente por todos
os climas e povos, como para lhes dictar como lei, o trato fraternal,
impondo-lhe assim a conveniencia de as tornar dependentes umas das
outras no que concerne ao usofructo das producções da natureza. Por
outro lado, se as ambições de conquistas, os ciumes de supremacia,
podiam dar logar n'outras eras a rivalidades e acirramentos entre
potencias, ou entre Estados com interesses analogos, é certo que a boa
politica entre nações com essa analogia de interesses, não está em
manter esse perenne antagonismo. Harmonia nos exforços em commum
vantagem, preferem a repellencias, com detrimento de todos. N'este
intuito, o tratado da India, baseado n'uma união aduaneira, foi o inicio
d'esta grande obra; o tratado de Lourenço Marques era o meio util e
unico de realisar importantes vantagens para esta possessão, e para as
regiões do Transvaal; seguir-se-hia n'essa senda de confraternisação e
solida alliança com uma grande potencia, uma outra convenção
internacional para nos assegurar a posse das regiões do Congo e Zaire,
pondo-as ao abrigo das tentativas que franca ou insidiosamente empregam
outras nações que porfiadamente pretendem ter quinhão ou exercer
influencia na Africa, e por isso querem contraminar o nosso dominio, ou
disputar os nossos direitos, mediante influencias adversas aos nossos
interesses. Seria esta a realisação de um grande desideratum, tendente
não só a evitar conflictos originados pela má definição e demarcação de
nossos direitos, mas era além d'isso um grande passo politico, que
consolidando a nossa alliança com a Inglaterra por uma cordeal
cooperação, vinha dar-nos uma poderosa garantia em favor do nosso
dominio ultramarino; e da nossa independencia como nação, removendo
muitos perigos a que hoje estão sujeitas aquellas nações, que primam
mais pelo direito do que pela força.

Quando assim, com esta mira, com esta harmonia de interesses, e com
aquelle proposito sincero de leal cooperação, nos achassemos solidamente
possuidores de um incontestado e immenso dominio colonial, teriamos dado
não só material e economicamente, mas tambem moral e politicamente um
grande passo no caminho do nosso engrandecimento, e na consolidação da
nossa entidade politica como nação, independente, livre, digna e forte.

Poderiamos até aspirar a outros vôos mais altos, que levassem mais longe
o nosso prestigio tão abatido, habilitando-nos a tomar um logar mais
distincto entre as nações civilisadas, e mais saliente no convivio
d'estas.

Assim deixaria Portugal de estar quasi á mercê das apreciações
suggeridas pela ignorancia, que a seu respeito affectam os extranhos,
devida ésta ao abatimento em que as colonias tem permanecido, mais como
documento de incuria e impotencia, do que garantia e elemento de tão
auspiciosos resultados. Mas se alguma cousa justifica tal juizo dos
extranhos, é a errada maneira como a opinião se fórma, e a fraqueza com
que a ella assim errada se subordinam as praticas.

O mallogro do tratado de Lourenço Marques não significará só uma perda
actual, porquanto tudo permanece como d'antes com relação a este
questionado ponto. Nada se ganha, nem se perde com relação ao passado e
ao presente. Ficamos com o diamante bruto como está, e mal seguro. Mas
será uma grande perda com relação ao futuro, e proximo, porque lá se vae
a melhor occasião de se possuir o valioso diamante, mas lapidado e bem
engastoado.

Satisfez-se á opinião popular? É quanto basta!

A corôa de Portugal continuará a ter no seu diadema aquella pedra, mas
sem brilho e em risco de se perder por mal segura, quando aliás poderia
tornal-a uma joia de grande valía e fulgor, bem guardada e garantida,
ella e as restantes, contra quem lhes lançasse vistas cubiçosas!

Se um tal mallogro podesse affectar sómente os que d'elle são culpados,
seria caso de se dizer, soffra as consequencias da culpa, quem foi
delinquente. Infelizmente porém, soffrem não só os culpados, mas tambem
os que não commetteram culpa, mas a denunciaram, e a deploraram, sem
poder impedil-a.

Portugal tem sido um paiz das occasiões perdidas. Ésta terá sido uma
d'ellas, e das mais funestas.




XII


O bello ideal, esse sentimento que faz com que muitas vezes o nosso
espirito se assemelhe a uma bussola moral, que percorre um horisonte
cujos rumos são os vôos da nossa phantazia; esse bello ideal que em
muitos casos é como um sonho passageiro que a reflexão bem depressa
dissipa, tambem algumas vezes nos sorri á idéa com a perspectiva de o
ver tornado em realidade.

O bello ideal que mais caro se apresenta a quem tenha coração que pulse
com amor patrio, será decerto aquelle que permitte phantasiar o
engrandecimento do seu paiz, seu bem estar, e seu renome.

Entre os elementos conducentes a conseguir tal resultado, estaria
decerto uma sã e perspicaz politica, que levasse Portugal a firmar em
bases solidas a sua independencia, seu progresso material e moral, e a
sua posição digna, elevada e considerada entre as nações civilisadas.

A perspectiva d'estas aspirações, será pois um vôo de imaginação de
breve duração e desengano certo, ou poderá ter visos de se tornar um
pensamento persistente e uma feição susceptivel de realidade?

A decisão pertence ao futuro; mas para que possa ser favoravel, ella
dependeria da maneira de proceder no presente. Depende d'aquella sã e
perspicaz politica que tivesse vontade, força e coragem, na tentativa de
chegar a tão grandioso resultado.

Lancemos um olhar sobre o mappa do Mundo, e folheemos a historia do
passado; e depois meditemos um pouco nos commetimentos de outras eras, e
nas tendencias e praticas da epocha presente; e com estes elementos
proponhamos-nos a evocar as eventualidades do futuro.

Era limitada a area do Mundo conhecida na antiguidade. Abrangia ella na
velha Europa o grande tracto desde as regiões Boreaes até ao Atlantico:
na Asia as vastidões que desde a Scythia vão até á India Trasgangetica
para o Oriente, e até á Arabia pelo Occidente: e na Africa o vetusto
Egypto, e seguindo a orla septentrional d'este continente, a Lybia,
Numidia até á Mauritania, banhadas em seus littoraes pelo _mare
internum_, ou Mediterraneo, até findar nas columnas de Hercules.

A historia, á sua parte, durante milhares de annos, desde os tempos
heroicos da Grecia, desde as nacionalidades mais remotas, Egypcias,
Chaldéas, e Assyrias, deixa-nos ver as emigrações dos primeiros povos, a
vida das gerações que se succedem, as navegações dos Phenicios, a
grandeza de Carthago, a vastidão do poderio Romano, as invasões dos
Barbaros, a destruição d'aquelle imperio collossal, a formação de novas
nacionalidades, as invasões dos Sarracenos da Asia sobre os vandalos da
Africa, e depois d'alli sobre a Europa, e mais tarde as cruzadas
seguindo do Occidente sobre o Oriente. É certo todavia que essas
grandiosas luctas de antagonismo, esses aturados conflictos, onde se
debatiam os elementos constitutivos e as aspirações successivas da
humanidade, tinham por ambito geographico aquella limitada porção do
Mundo, cujo centro de actividade, cujo campo de seus mais notaveis
feitos, por assim dizer, era aquelle mar, que por sua situação bem lhe
cabia o nome que os geographos lhe deram, de Mediterraneo.

Mas ao findar da edade media, ha apenas pouco mais de tres e meio
seculos, a geographia veiu alargar os horisontes do Mundo. Novos
continentes, novas regiões, novos mares e archipelagos se revellaram, e
ainda antes que um seculo decorresse, já o Mundo conhecido dobrava em
extensão, o que por tantos seculos constituira a theatro dos feitos
humanos.

Se n'aquella limitada área do antigo Mundo é que se agitavam as questões
vitaes para a humanidade, e que se decidiam pelo poder da força e pelo
enthusiasmo das crenças, as questões e luctas em que ora o Norte
assoberbava o Meio Dia, ora o Oriente invadia o Occidente, ora se
trocavam as invasões em sentido inverso, tambem por outro lado é digno
de attenção o notavel e importante papel que n'estes dramas da
humanidade coube áquelle mar o Mediterraneo, cujas agoas banhavam
littoraes das tres partes do Mundo conhecido: Europa, Asia e Africa.

Mas a obra dos seculos passou por successivas transformações. Iniciada a
epoca dos descobrimentos, e alargados os horisontes da geographia,
abriu-se o caminho que devia levar ás regiões até ha pouco ignoradas, a
nova civilisação, a que o renascimento das artes, e das sciencias havia
de dar impulso. Hoje o mappa do Mundo assim desdobrado, deixa-nos ver
uma transformação completa no sentido não só geographico, mas tambem na
sua divisão politica, ao passo que a historia nos diz até onde foi a
revolução operada no modo de ser social da humanidade.

Comparem-se os mappas que nos fornecem a antiga e moderna geographia.
D'ahi poderemos ver, como essa obra dos seculos, ao passo que mudava a
face do Mundo novo, deixava que parte do antigo permanecesse quasi nas
condições primitivas, ou quasi que esquecida e desattendida pelos
obreiros da civilisação e do progresso.

As margens d'aquelle mar interno, no littoral d'aquella antiga Africa
que o Mediterraneo banha, passaram quasi que incolumes na grande
transformação que o Mundo experimentou desde uma dezena de seculos. E
todavia foi ahi, n'essa zona do globo terraqueo, que mais se disputaram
os pleitos em que a humanidade andou por tanto tempo empenhada.

Sem remontar ás guerras Punicas, quando Carthago e Roma disputavam a
supremacia do mar e o dominio da Sicilia; quando a posse de Sagunto
contestada, levava Annibal á Espanha e d'alli a passar os Alpes e a
bater ás portas de Roma; ou quando Scipião passava á Numidia e ia
destruir os muros de Carthago; sem ir buscar exemplos dessas insistentes
luctas no norte da Africa ás expedições de Belisario ou ás sangrentas
invasões dos mahometanos sobre as Espanhas, só detidos quando achavam
nas Gallias a barreira que lhes oppunham as hostes de Carlos Martel; sem
ir tão longe emfim, basta partirmos de epocas mais recentes, para ver
como aquellas antigas regiões ao Septentrião do Saharah, constituiram o
objecto e o alvo de renhidas luctas, e de aturados esforços em que se
acharam empenhadas as nações do velho continente.

Figura já na edade media o Mediterraneo e o seu littoral, nas tentativas
do Soldão do Egypto contra a christandade; na ultima cruzada capitaneada
por S. Luiz, o IX de França, e já no seculo XVI na expedição do
Imperador Carlos V contra Tunis, sendo auxiliado n'essa empreza por
Portugal, um de cujos galeões foi o que com seu talhamar de aço cortou a
grossa cadeia que fechava o porto de Goleta. Figura o Mediterraneo e o
littoral Africano, nos reiterados ataques que as potencias maritimas
dirigiam e sustentavam contra o Estado de Argel, valhacouto de piratas,
ataques que por vezes representaram grandes expedições, e formidaveis
bombardeamentos.

Figura ainda e notavelmente na expugnação de Ceuta emprehendida e
effectuada por Portugal na cavalheirosa epoca de D. João I e de seus
heroicos filhos. Foi este o ponto de partida, o signal de execução, o
toque de avançar, que teve por complemento aquella grandiosa obra que
dotou o Mundo com o dobro da sua superficie conhecida.

Sagres, d'onde sahiram as primeiras expedições de navegadores, e Ceuta,
onde provaram seu exforço os denodados guerreiros que iam com suas
lanças abrir as portas do Mundo desconhecido, são dous pontos ligados
por uma idéa. Essa idéa é a base onde assenta aquella prodigiosa epopéa
que já foi uma realidade; idéa que já teve um periodo de desempenho, e
que soffreu interrupção. Essa idéa é tambem a que póde alimentar nas
suas variadas concepções e consequencias, as aspirações que constituem o
bello ideal, com que o futuro nos poderia sorrir!

E porque?

Em quanto que pelas regiões transatlanticas ou sul equatoriaes, onde ha
quasi quatro seculos tudo era ignoto, já o progresso da humanidade
implantou suas leis e suas praticas; ainda ás portas da velha Europa em
frente das nações civilisadas do antigo continente; adjacente a esse mar
que banha seus littoraes n'aquella orla septemptrional da Africa,
contemplavam-se ha pouco, e ainda hoje em parte se contemplam Estados,
cuja condição politica e social, cujas leis e cujo fanatismo fatalista,
formam a antithese mais completa, entre a civilisação e a barbarie.

Já era decorrido um quartel do seculo XIX e ainda a margem africana do
Mediterraneo jazia sujeita em toda a sua amplitude, aos sectarios de um
obscurantismo invencivel, e de um fanatismo intransigente com a nova lei
das nações; e as regencias barbarescas de Tripoli, Tunis, Argel, e o
imperio Marroquino, constituiam em seu conjuncto, a vergonha dos Estados
cultos, desde que estes toleravam que aquelle mar, que fôra desde outras
eras o centro das relações entre povos maritimos, ainda se conservasse
como sendo o campo de depredações systematicas, área da mais authorisada
ou tolerada pirateria, flagello da navegação pacifica, e objecto
constante de fadigosa lide para a vigilancia e para a acção repressiva
das potencias maritimas e fronteiras d'aquem mar.

Ao findar do primeiro quartel do corrente seculo, quando já não se
offereciam novas regiões do Mundo para descobrir, e poucas por explorar;
quando já o novo hemispherio dava largo campo para n'elle implantar a
civilisação, via-se ainda a dous dias da Europa, como era possivel
tolerar a existencia de taes Estados, vivendo da pilhagem, e da exacção,
e subsistindo nas mesmas condições como quando ha tres seculos Carlos V
lhes fôra inflingir castigo, e D. Sebastião de Portugal se ia aventurar
á mallograda mas grandiosa tentativa de dilatar para além mar, a
conquista e o dominio já realisado e só interrompido, dos Algarbes
d'aquem mar.

Ao ultimo rei de França do ramo directo de Bourbon, estava reservada a
empreza de começar essa liquidação de contas. O Argel submettido á
França por conquista, foi o primeiro passo na realisação da obra de
limpar o Mediterraneo d'aquelles fautores do latrocinio barbaresco.

Tunis, a herdeira geographica da antiga Carthago, está hoje com
apparencia de seguir a mesma sorte que Argel, ou de a imitar nas
consequencias.

Tripoli será depois, ou o pomo de discordia entre as nações do
Mediterraneo que se disputam alli a supremacia de sua influencia; ou
será quinhão que venha servir de compensação para a Italia, já que a
França se antecipou sobre Tunis.

O que se passa n'aquelle mar, em tudo leva á apparencia de que as nações
maritimas cujas aguas por elle são banhadas, veem o seu futuro prestigio
dependente de alli terem dominio ou influencia, como nos tempos de Roma
e Carthago. Mas tambem se deixa perceber que a influencia da acção
politica Europea de onde quer que ella venha, ou quaesquer que sejam os
interesses que alli a chamem, é o meio conducente a modificar a feição
moral e a estagnação material de que tem sido causa o impassivel
fanatismo mahometano.

Como ultimo dos Estados em que o dominio da raça Agarena ainda se
perpetúa, résta Marrocos, esse imperio da Mauritania Tingitina, que deu
aos Sarracenos ingresso na Peninsula, e que mais tarde foi d'elles o
refugio, quando ao baquear do califado de Cordova e do reino de Granada
elles foram de todo expulsos da Europa para as plagas d'além mar; e onde
ainda assim por mais de uma vez Portugal conseguiu pôr pé, e dar
sequencia á conquista sobre seu sólo. E conquista éra ésta, que não
tinha o mar por limite, mas o tivera como motivo de lhe retardar o
proseguimento.

Em vista das lições da historia, e das evoluções da politica, ninguem
póde hoje duvidar, que um imperio nas condições de Marrocos, esteja
destinado a ter contados os dias que hão de conduzil-o a um
desmoronamento. Alli rége uma administração a mais despotica e brutal;
as leis são a vontade do Sultão; as finanças são as extorsões
tributarias e o absurdo fiscal; a justiça é o bastão dos alguazis,
movido ao capricho dos Pachás e dos Caíds; o estado moral é a ignorancia
a mais rude, de mão dada com o fanatismo mais intransigente. Em toda a
extensão do seu fecundo sólo, não existe aberta nem uma unica estrada
rodada, nem uma pósta, nem uma obra d'arte. Inutil é fallar em telegrafo
ou locomotiva. Pressões externas e continuas agitações internas, umas
provindas de desforços dos extranhos, e outras devidas á intermitente
anarchia, e ás periodicas correrias das tribus kabylas, alli perpetuam a
desordem, a instabilidade dos fracos elementos de vida social, e
promovem as fómes, a miseria e as epidemias.

É assim que aquelle Imperio, que olha para a Europa pelo horisonte dos
dois mares, Mediterraneo e Atlantico, pelo seu estado politico, social e
economico, justifica plenamente as previsões que ainda ha pouco
consignava uma Revista Militar Espanhola, isto é, «que com seu systema
de governo vexatorio e repugnante ás leis da humanidade, elle vive
sómente pela apathia das nações civilisadas; porém a gangrena que o
devora pouco a pouco, é tão alarmante que ameaça exterminal-o.»

Todos quantos conhecem das cousas intimas do imperio Marroquino,
consideram como um axioma aquella previsão fatal, que para os menos
conhecedores do seu estado, pareceria uma mera opinião pessimista.
N'essa previsão de uma tal eventualidade, disputam alli á porfia as
nações do Mediterraneo, a manutenção de uma influencia e prestigio, para
que lhes possa melhor aproveitar quando chegar a hora do _dies magna_.

A Espanha fronteira, senhora de Melilla e de Ceuta, ainda não ha muitos
annos fez alli ensaio da sua pujança militar, ostentando n'uma guerra a
força do seu poder, e revelando as vistas da sua politica previdente.

A França, senhora de Argel, e confinante nas suas fronteiras,
interessa-se como tal, em manter aquella preponderancia que sempre
resulta, quando os aggravos recebidos nos conflictos de má visinhança,
são liquidados por um processo, como em Isly ou Mogador, quando seus
canhões, em terra ou no mar, impozeram aquelle respeito que leva á
submissão.

A Inglaterra, que no Mediterraneo possue dominios taes como, Gibraltar
guardando-lhe a porta, Malta e Chypre como postos avançados, tem n'essas
outras tantas _Gáres_ do seu caminho aquatico, seguros os vinculos que
lhe garantem a influencia no Egypto. Não carece de dominar em Marrocos
quem abandonou Tanger; mas a grande potencia do mar, não póde
descurar-se de que a influencia de outras não seja alli contrabalançada
pela sua propria.

A Allemanha, potencia continental, mas avida e solicita em não descurar
sua ostentação, tambem tornou alli saliente a sua nova vitalidade,
correspondendo com uma representação diplomatica permanente, á embaixada
que recebeu em sua côrte.

A Italia, tambem não se descura de por este meio, dar alli amostra da
sua solicitude como nação do Mediterraneo. E é assim que todas as
potencias européas, ou como ciosas do seu prestigio, ou por vigiar seus
interesses presentes ou futuros, mantêem suas legações permanentes,
estabelecidas na cidade maritima de Tanger, que assente graciosa e
alvejante nas faldas septentrionaes da cordilheira do Atlas, banhadas
pelas aguas do Estreito, parece ser como a guarita onde estão postadas
as vedêtas européas, que á porfia entre si combinam a vigilancia, ou até
certo ponto disputam a tutella, sobre aquella região, d'onde á mourama
ainda é permittido contemplar de longe as costas da Europa, povoadas de
espaço em espaço pelas torres em ruinas, que recordam as epocas em que o
crescente dominava onde hoje se ergue a cruz!

Quem da bahia que dá ingresso á cidade mourisca, estender um olhar por
sobre o alvejante montão de casas que pelas encostas vão apinhadas desde
a porta do mar ao alto do castello El-Kasbah, verá fluctuar em varios
pontos, sobre edificios mais salientes, as bandeiras das differentes
nações que alli mantêem seus representantes, tornando assim Tanger,
cidade diante da qual se unem os dois mares, como sendo o latego
politico das relações diplomaticas entre a Europa e o imperio de
Marrocos.

Por entre aquellas divisas das nações que alli policiam e espreitam os
paroxismos sociaes dos ultimos restos da velha Mauritania, tambem lá se
descobre a bandeira de Portugal.

E onde ha tradições historicas de tão subido valor como as que recordam
as proezas do immortal infante D. Henrique, e a heroica abnegação do
Santo Infante D. Fernando, haveria incentivo para que a patria de taes
heroes, não descurasse quaesquer elementos conducentes a manter alli seu
renome a par de outras que menos fizeram pelo passado, mas que mais
ambicionam no presente. E todavia é para lamentar que ainda hoje a
cathegoria official do representante de Portugal, esteja inferior á que
alli mantêem os que representam aquell'outros paizes, que não tem mais
motivos do que o nosso, nem nos titulos que possuem nem nas razões que o
aconselham, para ter bem accentuado e definido o alcance politico e
diplomatico da sua missão. Suppre em parte a esta lacuna, a este
esquecimento de nossas conveniencias e interesses n'aquelle imperio, a
consideração pessoal e o merecido conceito de que alli goza entre
nacionaes e estranhos, o chefe da antiga familia Colaço, familia na qual
se tem perpetuado de ha muitos annos aquelle cargo, e em cujo
desempenho, o patriotico zelo e a influencia individual do
representante, é um penhor que por si garante as considerações e
vantagens do representado. Bem conceituada portanto lá se arvora a nossa
bandeira, como de nação, que tendo já posto de parte os velhos
ressentimentos, alli se apresenta e concorre, como mantendo um benevolo
trato de amisade e reciproca estima.

Um facto occorrido ha menos de um anno, confirma ésta verdade; pois
quando em setembro de 1880 alli aportou o actual representante de
Portugal, a bordo de um navio de guerra, quando recolhia a seu posto
depois de alguns mezes de ausencia, as honrarias com que foi
oficialmente recebido foram tão distinctas e ruidosas, que bem
demonstraram o quanto deve á influencia pessoal e local d'aquelle
funccionario, o prestigio e bom nome que Portugal ainda alli conserva.

Ha impressões moraes que não escapam até áquelles cujo viver é quasi
subordinado ao regimen brutal da força que lhes atrophia o espirito.
Conhecem os mouros marroquinos que se nós fomos os primeiros em ir
n'outras epocas combatel-os no seu ninho africano, a isso fomos com
titulos mais legitimos e mais justificados, do que outros que mais pelo
adiante e até em nossos dias os tem ido molestar, ás vezes mais por
pretextos de prepotencia frivola, do que por justo desaggravo de
offensas.

Entre populações faceis de impressionar pelo apparato material das
cousas, convêm não faltar ás praticas que tendem a dar força moral
aproveitando aquelle meio.

Mas, estando as costas Marroquinas do Oceano, a menos de dois dias de
distancia das nossas, dezenas de annos são decorridos sem que um nosso
vaso de guerra, em missão pacifica, mas ostentosa e imponente, percorra
de tempo a tempo aquelles tantos portos onde outr'ora abordámos em tom
guerreiro. Valeria bem, que para exaltar alli o nosso prestigio entre os
naturaes, e simultaneamente animar os nossos brios nacionaes, a bandeira
das Quinas alli comparecesse, e permittisse aos nossos marinheiros
contemplar aquellas muralhas de tantas praças maritimas, onde ainda
estão salientes as armas de Portugal, e que recordam o valor portuguez,
que alli se amestrou para poder cumprir os grandes feitos no remoto
Oriente.

Os velhos ressentimentos e antagonismos extinguiram-se de ha muito,
cedendo o logar ás relações pacificas.

Já no seculo passado, reinando D. José I, a embaixada que em 1773 foi
enviada a Marrocos assentar pazes, recebeu alli demonstrações de
deferencia, e honrarias, que a outras nações não eram concedidas.
Mantidas essas relações durante o seguinte reinado de D. Maria I, ainda
ellas se perpetuaram regendo el-rei D. João VI a ponto que, querendo a
côrte de Vienna pôr termo ás desavenças que entre ella e o imperio
Marroquino se suscitaram, recorreu aquella ao governo Portuguez, como
medianeiro para as compor amigavelmente.

As relações pacificas e o trato commercial entre Portugal e Marrocos
nunca mais foram alterados. Não será pois a Portugal que convenha ou
pertença o rompel-as prepotentemente. Mas o que não deve esquecer, nem
perder-se de vista, é a idêa, de que quando o destino d'aquelle Estado
tiver de obedecer a outras influencias que hajam de promover o seu
desmembramento, existe um conjuncto de circumstancias politicas que
constituem outras tantas disposições aproveitaveis, para que sem ser a
causa directa d'essa versão, não seja indifferente aos seus resultados.
Quem já foi adiante de outros e não quizer ficar atraz d'elles, deve
pelo menos ir a par.

A epoca das conquistas, tomando por pretexto unico o antagonismo de
crenças ou o ressentimento de armas, é já passada. Hoje estão em campo
na politica outras luctas de interesses e de preponderancia. Vae
decorrido o tempo em que a guerra se considerava mais um fim do que um
meio. Estamos porém vendo adoptar uma politica nova, que como meio
conducente a seus fins, acceita os factos e d'elles faz regra de direito
pela medida da conveniencia, e entre essas regras, vemos entrar como
admittido o systema de fazer partilha da presa.

Quando os presentimentos que ácerca do destino de Marrocos se vão
fundando não só em supposições, mas em probabilidades que se hajam de
realisar; quando houvesse de soar a hora da partilha como resultado de
uma expropriação inevitavel, ao menos que ella seja effectuada de modo
que a equidade não tenha a queixar-se da justiça.

E Portugal sob o ponto de vista historico, geographico e politico,
deveria e poderia preparar-se para estar no caso de aspirar á
competencia a que seus titulos possam dar-lhe direito.

A historia o ensina, a geographia o indica, a boa politica o aconselha.

A historia, porque fomos os primeiros que alli assentámos dominio como
alargamento do nosso territorio, e como um serviço então prestado á
humanidade pelos resultados que d'ahi advieram. Ceuta é o padrão que diz
tudo d'essa gloria passada.

A geografia o indica, porque as columnas de Hercules, onde o
Mediterraneo termina e o Atlantico começa, marcam e dividem o limite até
onde as nações fronteiras d'aquem mar, teriam razões para disputar
preferencia e competencia; e lá estão Arzila, Larache, Azamôr e Çafi,
todas no Atlantico e ao nascente do Spartel, mostrando ainda em seus
derrocados baluartes, que aquelle era territorio de Portugal!

A politica o aconselha, não só porque a geografia o indica, mas tambem
por isso que, se as questões de supremacia entre as nações do
Mediterraneo, podessem dar a estas competencia para promover um
desenlace que trouxesse o _delenda Mauritania_, como ha vinte seculos
ellas sentencearam o _delenda Carthago_, outro elemento de politica
internacional e de preponderancia de nações, não toleraria facilmente
que o engrandecimento de alguma d'aquellas se estendesse sobre o
Atlantico, dando logar á formação de um vasto dominio que traria a
reproducção e os perigos do _summum jus, summa injuria_.

A Inglaterra, que no Mediterraneo tem seus postos de vigilancia, não
poderia ver com bons olhos, que a sua preponderancia maritima e
continental houvesse de ser contrabalançada por uma tal dilatação de
imperio que fizesse de qualquer nação um potentado, e que assim
justificasse seus ciumes e suas rivalidades. Mas haveria uma versão que
as poderia evitar; um desenlace, que neutralisaria aquelle
desequilibrio; uma partilha que não encontraria taes perigos. Essa
versão seria, a que restituisse a Portugal o que já fôra seu por
conquista de armas sobre inimigos, mas que n'estas condições seria
restituição pelo pacifico assentimento de amigos, e pela cooperação nas
conquistas da influencia Europea na Africa, contribuindo para o
progresso e bem estar da humanidade.

É certo que em todas as concepções especulativas, quer grandiosas quer
cómesinhas, ha pontos de partida, escalas no caminho e rumos obrigados,
e a que é indispensavel attender para a segurança da derrota.

O ponto de partida, n'este caso seria a observancia de uma conducta em
_politica internacional_ franca, sensata, solicita e previdente, e por
modo que os planos concebidos com largas vistas e meditados com
discernimento, não houvessem de ficar á mercê dos estorvos, dos
comprometimentos e dos perigos, provenientes dos desvarios da opinião
que se diz publica só por ser gritada em publico; e ainda menos expostos
ás consequencias das volubilidades dos que tibiamente transigem com
ella; não porque ella lhes mereça conceito, mas a troco de outros
interesses que mais podem servir ás exigencias partidarias do que á
vantagem do paiz.

Como ponto obrigado para se chegar a bom termo n'este caminho, seria
condição indispensavel o firmar a nossa situação _politica
internacional_ em bases solidas, por um accordo mutuamente sincero, e
uma leal cooperação com a potencia maritima e colonial, a Grã-Bretanha,
que por muitos compromissos de longa data, por analogia de interesses
nos respectivos dominios ultramarinos, e pelas relações intimas não só
politicas mas commerciaes, é aquella com cuja alliança poderemos melhor
manter incolumes, não só aquelles dominios e promover o desenvolvimento
de seus recursos, mas tambem assegurar efficazmente a posse d'elles, e
ter garantida a nossa independencia, isto a par de uma posição digna,
desassombrada, e considerada na communidade politica Europea.

Se procedermos differentemente, se nos desviarmos d'este rumo na nossa
derrota, se fugirmos de antigas allianças, se ficarmos sós, sem amigos,
ou buscando outros de fresca data, não sómente perderemos qualquer
contingencia de elevar o nosso conceito como nação considerada, mas até
poderemos incorrer no perigo de ficar um dia abandonados, desde que por
nosso procedimento dermos causa a que todos nos olhem, não com simpathia
ou interesse, mas com indifferença ou despeito.

Para attingir a uma tal posição assim desassombradamente firme e
definida, é essencial que a maneira de conduzir as praticas da politica
externa, seja tal que as duvidas, as hesitações, a lentidão, as erradas
apreciações, a subserviencia a estas, e todas as inconveniencias
resultantes d'esta acção combinada de ruins elementos, não hajam de
offuscar os bons creditos de que uma nação não póde prescindir: n'uma
palavra, é essencial que não demos exemplos analogos aos que entre nós
se tem dado... na questão do tratado de Lourenço Marques.

É mais digno, o confessar os erros, e emendal-os, de que insistir
n'elles e repetil-os.

Adoptando e seguindo uma politica nobre e elevada é que Portugal poderá
acertar no caminho a que o poderiam levar aspirações mais grandiosas,
como as que constituem o ideal acima indicado. É este como se viu um
ponto mui vago para exame; uma idéa d'onde pódem germinar mais amplos
concebimentos; um calculo politico que póde subordinar-se a muitas
probabilidades e eventualidades. Póde mesmo ser um sonho; mais do que
isso, um delirio de visionario. Mas se o festejado Calderon de la Barca
diz em seus versos sublimes, _la vida es sueño_, tambem ha sonhos que
sem serem delirios, podem ser justas aspirações de quem tem vida.

O bello ideal ahi fica assim consignado, não como imagem poetica, antes
como caso para meditação prosaica. Poderia ser, e poderá não ser! Mas,
na dependencia em que elle está de tantas eventualidades, ha um ponto
que se tornaria obrigado e imprescindivel, para não destruir de todo a
sua melhor perspectiva de ser. E esse é, ou antes, esse seria, o ter
sempre em lembrança, que o futuro bom ou mau, depende de que, todos os
partidos em que o nosso paiz possa estar dividido nos manejos da sua
politica interna, pactuassem entre si o seguirem um systema harmonico em
tudo quanto diz respeito á sua politica externa; e de modo a que sejam
sempre tratados com seriedade, discernimento, hombridade, e sem espirito
faccioso mas sómente patriotico, aquelles assumptos que dizem respeito
ás relações internacionaes; pois são elles os que em si involvem
consequencias muito mais transcendentes e de mais lato alcance, do que o
successo ou a fallencia de qualquer questão de politica local ou
partidaria.

Para este fim, com este nobre e elevado intuito, seria mister adoptar e
respeitar uma divisa commum, qual é que acima dos individuos e dos
partidos, está o bem da Patria e da Humanidade; e acima de Patria e
Humanidade, só Deus.





End of the Project Gutenberg EBook of A politica intercolonial e
internacional e o tratado de Lourenço Marques, by Carlos Testa

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A POLITICA INTERCOLONIAL ***

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Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected].  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     [email protected]


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
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