The Project Gutenberg EBook of Historia diplomatica do Brazil, by Manuel de Oliveira Lima This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Historia diplomatica do Brazil O Reconhecimento do Imperio Author: Manuel de Oliveira Lima Release Date: July 11, 2009 [EBook #29377] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA DIPLOMATICA DO BRAZIL *** Produced by Adrian Mastronardi, Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by The Internet Archive/Canadian Libraries) *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Jul. 2009) O RECONHECIMENTO DO IMPERIO [Figura: GEORGE CANNING Segundo uma tela de Stewardson, gravada por W^m Brett.] OLIVEIRA LIMA _da Academia Brazileira_ Historia Diplomatica do Brazil O Reconhecimento do Imperio H. GARNIER, LIVREIRO-EDITOR _71-73, rua do Ouvidor, 71-73_ | _6, rue des Saints-Pères, 6_ RIO DE JANEIRO | PARIS TRABALHOS DO AUCTOR Pernambuco, _Seu desenvolvimento historico_.--Leipzig, F. A. Brockhaus, 1895. 1 vol. de XIII, 327 paginas, com 4 retratos. Sept Ans de République au Brésil (1889-96), extrait de la «Nouvelle Revue».--Paris, 1896. 1 folheto de 36 paginas. Aspectos da Litteratura Colonial Brazileira.--Leipzig, F. A. Brockhaus, 1896. 1 vol. de XVI, 301 paginas. Nos Estados Unidos, _Impressões politicas e sociaes_.--Leipzig, F. A. Brockhaus, 1899. 1 vol. de 524 paginas. Memoria sobre o descobrimento do Brazil, _Suas primeiras explorações e negociações diplomaticas a que deu origem_.--Premiada em concurso pela Associação do Quarto Centenario do Descobrimento do Brazil e publicada no Livro do Centenario. Rio de Janeiro, 1900. Á MEMORIA DE UM AMIGO ([+] 3 de Novembro de 1897.) Dedicando á memoria do barão d'Itajubá este ensaio, o primeiro de uma serie sobre a nossa historia no exterior, desejo relembrar esse amigo, que durante trez saudosos annos foi meu chefe na Legação em Berlim, e cuja morte prematura significou para a diplomacia brazileira, n'aquelle momento, a perda do seu mais completo representante. Digo completo, porque elle reunia á finura da intelligencia e á pratica dos negocios, a distincção das maneiras e a formosura do caracter. Pode-se de certo ser um grande diplomata sem o ultimo predicado: o já classico exemplo de Talleyrand ahi está para proval-o. A experiencia dos negocios pode ser supprida pelos rasgos de genio: Napoleão, aos 28 annos, dirigia as negociações de Campo Formio com a pericia consummada que Albert Sorel nos descreveu em um bello trabalho. Itajubá era porem o equilibrio moral em pessoa. N'elle algumas qualidades se não haviam desenvolvido extraordinariamente á custa d'outras. Methodico em extremo, a chancellaria era o seu templo, o expediente o seu sacerdocio, sem que comtudo a rotina o tornasse imbecil, ou sequer a burocracia lhe desmanchasse a linha fidalga. A certa hora aquelle funccionario modelo convertia-se muito naturalmente--porque n'elle nada havia de affectado--no homem de sociedade mais correcto e mais attrahente. Á banca de trabalho nunca conheci intelligencia mais viva, percepção mais prompta dos diversos lados de uma questão. Em um salão nunca conheci pessoa mais á sua vontade, tendo uma resposta finamente espirituosa, nunca maldosa, para tudo, igualmente amavel para com todos. Esta amabilidade era tanto mais captivante, quanto derivava não só da sua educação, como do seu coração. Itajubá era, além de intelligente e distincto, bom, fundamentalmente bom, de uma bondade simples e tocante. A sua alma rejubilava discretamente á idéa do bem que n'um dado momento podia praticar, e atormentava-se com o mal--para outrem--que não podia evitar. Para outrem note-se, porque, no que lhe dizia respeito, mostrava uma impassibilidade que dava a medida do seu espirito superior. Não que fosse indifferente aos ataques ou á má vontade. Sua sensibilidade era em demasia delicada para permittir-lh'o, mas sabia como genuino mundano esconder a sua contrariedade, sem, christão verdadeiro, guardar o mais leve rancor. Repito, Itajubá era o equilibrio moral em pessoa: igualmente solicito no desempenho dos seus deveres officiaes e sociaes, polido até o requinte, generoso de verdadeiras attenções--que é bem mais difficil do que ser generoso de dinheiro--affectuoso até a ternura para os seus, que o adoravam, e para os amigos, que o estremeciam. O nome do barão d'Itajubá não ficou ligado em nossa historia diplomatica a nenhuma convenção particularmente notavel, mas a um sem numero de pequenas negociações delicadas e a algumas espinhosas, que elle sabia guiar com mão segura e resolver com um tacto perfeito. Ministro em Madrid, em Washington, em Roma, em Pariz e em Berlim, nunca se lhe deparou occasião para diplomacias de alta escola, nem elle a procurava. Achava com razão que, no caminhar diario dos negocios, ha farto ensejo de prestar serviços para quem os não visa como meio de chamar a attenção. A sua excellente posição social em todas aquellas capitaes facilitava-lhe, de resto, a solução de qualquer questão, reflectindo-se toda em lustre do paiz que elle personificava. Nos ultimos annos o facto que poz mais em evidencia a capacidade diplomatica do barão d'Itajubá foi o reconhecimento da Republica Brazileira pelo Governo Francez a 20 de Junho de 1890, obtido exclusivamente por sua influencia pessoal, trez mezes antes de fazel-o qualquer outra nação européa, sem aguardar a França o resultado das eleições para a Constituinte do Rio de Janeiro. Fizeram-lhe d'isso um crime por ser elle um representante vindo do antigo regimen e um amigo do Imperador deposto; quando o _crime_, aliás commum a centenares de outros, significava apenas que, com a sua visão sempre clara dos acontecimentos e dedicação á nação que servia, Itajubá comprehendêra perfeitamente que a monarchia americana cahira para sempre, e que o dever dos brazileiros residia muito mais na defeza do bom nome do paiz, em promover a continuidade das suas tradições de honra e de civilização, do que na dedicação platonica e improficua a uma dynastia que mais se suicidára do que fôra derrubada. Elle serviu a Republica com a lealdade que foi a regra da sua vida publica e privada, que foi a melhor arma, a unica mesmo, da qual se serviu victoriosamente contra os seus detractores e, usemos do termo proprio, os seus invejosos. A sua norma, a sua justificação, consistiam em antepôr sempre e em tudo ás formulas que passam, alguma cousa que fica--a Patria. Oliveira Lima. Londres, 25 de Janeiro de 1901. HISTORIA DIPLOMATICA DO BRAZIL O RECONHECIMENTO DO IMPERIO I [Sidenote: A Europa e o reconhecimento.] A Independencia consummou-se em 1822; o reconhecimento do Imperio do Brazil pelo Reino de Portugal apenas teve lugar em 1825, e antes da ex-metropole nenhuma nação européa, nem mesmo a Inglaterra de Canning, abalançára-se a receber em seu convivio official a colonia insurgente. De 1823 a 1827 coube pois á joven diplomacia brazileira pugnar na Europa pela admissão no areopago politico do mundo civilizado da nova nação americana, creada pela ousadia e decisão de um Principe, pelo sentimento latente e crescente da desunião, pela habilidade e patriotismo de alguns estadistas, pelo enthusiasmo e confiança de numerosos espiritos cultos, e pela valiosa cooperação de um almirante inglez em ostracismo social. [Sidenote: Papel da esquadra na Independencia.] Sem esta ultima contribuição não é exaggerado dizer que os esforços das demais corriam grave risco de ficarem frustrados. Com effeito, senhores os Portuguezes do norte do Brazil, estabelecidos em terra e no mar, e sendo absurdo pensar n'uma expedição terrestre sahida da capital, só poderiam ter sido expellidos das suas posições por meio de uma esquadra, a qual se formou ás carreiras e com benemerito vigor local, supprindo elementos da officialidade estrangeira, especialmente da britannica que acabava de se distinguir na libertação do Perú e do Chile, o que havia ainda de escasso e deficiente na marinhagem nacional. Era esta tanto mais inexperiente quanto, sob o dominio portuguez, o proprio commercio de cabotagem andava vedado aos Brazileiros. Na Inglaterra acontecia justamente que a terminação das guerras napoleonicas, depois de revolucionada a Europa, deixára a meio soldo e sem pasto para sua actividade muitos officiaes de valor e ambição, que sobremaneira estimavam encontrar em outros campos de batalha emprego para seus gostos e habilitações. A esquadra ás ordens de Lord Cochrane, o grande _condottiere_ naval da emancipação do Novo Mundo, foi, mau grado a sua composição heterogenea, o agente principal da nossa União. A ella deve-se que, quando o marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes e o cavalheiro Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa, com razão fiados nas boas disposições do Foreign Office, apresentaram-se a Canning urgindo o exercicio da influencia ingleza para effectuar-se o reconhecimento pela mãi patria e conseguintemente pela Europa do Imperio sul-americano, este merecesse bem o seu titulo pela enormidade do seu territorio e homogeneidade da sua organisação. [Sidenote: Aberturas de reconciliação.] Não fôra sem grande trabalho que chegára a tornar-se possivel esta solução pacifica da acalorada disputa que, por motivo da separação, tinha lavrado entre as duas partes da monarchia portugueza. Canning, que de principio tomára a peito a questão, manifestára porem o parecer que o Brazil não podia nem devia mais esquivar-se com pretextos de dignidade e amor proprio á inclinação, muito por ultimo e a muito custo, mostrada por Portugal, de consentir na abertura de negociações directas de reconciliação sem exigir a previa e incondicional submissão, na qual insistira inflexivelmente para satisfazer o espirito publico e quando julgava que o Reino Unido passaria do papel de _honnête courtier_ para o de interventor determinado. De accordo com a suggestão do Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros de Sua Magestade Britannica e ao tempo que Portugal, seduzido pelos conselhos das potencias continentaes, ia regressando á primitiva intransigencia, o Brazil iniciava sua campanha diplomatica nas côrtes do Velho Mundo. [Sidenote: Nomeação de Brant e Gameiro.] Caldeira Brant e Gameiro Pessoa tinham sido encarregados de aplanar as differenças entre as duas nações sem propriamente solicitarem a mediação britannica, mas tendo ordem de communicar ao Foreign Office os seus passos e tentames, e de pedir e receber os conselhos de Canning. Caldeira Brant anteriormente á sua missão residira na Inglaterra, officialmente acreditado na qualidade de agente do Governo do Brazil. Como tal se occupára de variados negocios, entre outros de construcções navaes e alistamento de marinheiros, até Agosto de 1823, mez em que partira para o Imperio. [Sidenote: Expedições armadas na Inglaterra.] O alistamento de marinheiros realizava-se sem inconveniente nem embaraço, mesmo depois da Independencia, não tendo na pratica applicação ás possessões portuguezas o _Foreign Enlistment Bill_, proposto e approvado em 1819 para privar d'então em diante de justificação as queixas da Hespanha, a qual via com desgosto e irritação sahirem dos portos britannicos expedições armadas em favor da emancipação das suas colonias americanas. Eram semelhantes expedições, tanto a consequencia do tradicional espirito liberal da nação ingleza, naturalmente sympathica a qualquer nacionalidade oppressa ou desejosa de ganhar seus fóros, como a expressão das vantagens mercantis que um commercio que acabava de soffrer o bloqueio continental e se via a braços com a accumulação de mercadorias d'elle resultante, encontrava em novos mercados abertos á sua iniciativa. Custára tanto menos a Canning defender aquelle projecto ministerial quanto achava-se persuadido, com a firmeza da intelligencia e a confiança da vontade, que a emancipação da America Latina consummar-se-hia fossem quaes fossem as circumstancias que a favorecessem ou a retardassem. O Brazil estava de resto em posição differente, porque em rigor não podia considerar-se uma colonia abruptamente despregada do tronco metropolitano. Algum tempo antes de declarar-se independente e sobretudo com a curta regencia de D. Pedro, gosára o reino ultramarino de uma larga autonomia que o habilitára a entabolar relações européas e a fazer-se julgar como um governo de facto, capaz de desempenhar seus proprios compromissos. [Sidenote: Encarregatura de negocios de Hyppolito.] Na ausencia de Caldeira Brant ficou interina e officiosamente encarregado dos negocios do Imperio o vigoroso jornalista que durante quinze annos estivéra na estacada, redigindo o _Correio Brasiliense_ e prestando á causa constitucional e da liberdade americana os mais assignalados serviços. Em recompensa havia Hyppolito José Pereira da Costa Furtado de Mendonça merecidamente sido nomeado Consul Geral em Londres, lugar que exerceria cumulativamente com o de Conselheiro da Legação quando o Governo Britannico reconhecesse ambas as nomeações, pois até então estava permittida nos portos da Inglaterra a admissão da bandeira independente, mas não se concedia o _exequatur_ aos consules, posto que fossem nomeados e recebidos consules inglezes no Brazil e na Cisplatina. A etiqueta diplomatica o mais que tolerava n'este ponto eram os agentes commerciaes, vedando quaesquer formulas externas do reconhecimento politico a que no fundo annuia. A encarregatura de Hyppolito foi muito curta e pouco interessante. Em Novembro de 1823 era o cavalheiro Gameiro, que estava servindo de encarregado de negocios em Pariz, removido no mesmo caracter para Londres, só recebendo porem a respectiva communicação em Março de 1824. O pobre Hyppolito fallecia entretanto, quando via despontar o triumpho do seu ideal, sem poder desfructar a victoria e deixando tão pobre a senhora ingleza que desposára, que o Imperador, a pedido do duque de Sussex, mandou conceder-lhe uma pensão de cem libras annuaes. [Sidenote: Instrucções a Gameiro.] Nas instrucções que simultaneamente com a nomeação eram expedidas a Gameiro, dizia-se que elle e o marechal Caldeira Brant, que estava para regressar do Rio de Janeiro, seriam os plenipotenciarios escolhidos para tratar em Londres da questão primordial e magna do reconhecimento do Imperio, que preoccupava essencialmente os estadistas brazileiros e que tambem mais ou menos tinha occupado a attenção de Canning desde a sua volta ao Foreign Office, coincidente com a proclamação do Ipiranga. As instrucções do Ministerio de Estrangeiros recommendavam entretanto a Gameiro que se fosse empenhando sósinho pelo alludido negocio, procurando ser logo admittido publicamente como encarregado de negocios, depois ou mesmo antes de dar satisfacção, corroborando a que no Rio de Janeiro fôra dada em Notas ao consul Chamberlain, pelos «actos inconsiderados do passado ministerio». Diziam estes actos respeito ao incidente com o brigue de guerra _Beaver_, contra o qual a fortaleza da Lage disparára dois tiros de polvora secca quando ia sahindo em occasião que o porto havia sido mandado fechar, e á entrada na armada nacional do desertor tenente Taylor, que o Governo Imperial a muito custo e com muito sacrificio se prestava a demittir e, si tanto fosse exigido, entregar, como prova da sua boa vontade para com a Grã Bretanha. Lembremos de passagem que Canning teve o espirito e a generosidade de contentar-se com a demissão do seu distincto compatriota. [Sidenote: Posição diplomatica do Brazil.] O recebimento, pelo menos officioso, de Gameiro não padecia duvida, apezar das intimas ligações de Portugal com a Inglaterra. Nem podia ser d'outro modo. A França, si bem que não permittindo a reciprocidade, acabava de despachar como encarregado de negocios para o Rio de Janeiro o conde de Gestas; a Prussia até manifestára desejos de concluir um tratado, e o consul britannico Henry Chamberlain exercia no Brazil funcções diplomaticas que, no rigoroso acatamento dos preceitos do direito das gentes, só deveriam caber a um agente acreditado perante um governo legalmente constituido. O reconhecimento formal estava porem longe ainda de achar-se ultimado, e era essa a chave que para o Brazil abriria a porta a todas as outras negociações, mesmo a da abolição do trafico de escravos com que o Imperador acenava á Inglaterra, e cuja regulação inicial no tratado de 1810 com Portugal e na convenção de Londres de 1817 andava tão imperfeita ou mal interpretada, que fornecia azo a seguidos protestos do consul Chamberlain. [Sidenote: Justificação da Independencia.] Nas instrucções mandadas a Gameiro, após insinuado que outras potencias européas poderiam roubar á Inglaterra a prioridade no passo de amizade internacional que o reconhecimento significava, assim affectando os interesses commerciaes britannicos, e de reaffirmada a resolução inabalavel do Imperador e do seu povo em manterem a attitude tomada, resumiam-se os motivos que tivera o Brazil para desligar-se de Portugal, avultando entre elles a retirada de D. João VI do Rio de Janeiro e a tyrannia das Côrtes demagogicas de Lisboa, e salientava-se «que a Politica, os interesses Nacionaes, o resentimento progressivo do Povo, e até a propria Natureza tornavam de facto o Brazil Independente[1].» Relembrava-se que a ex-colonia «conciliando os principios da Legitimidade com os da Salvação do Estado, e interesses publicos», patenteára toda a sua dedicação á Casa de Bragança ao acclamar como seu soberano o primogenito do monarcha portuguez, ao passo que as nações hispano-americanas se tinham constituido debaixo da forma republicana de governo, forma que tambem era a predilecta de uma turbulenta facção no Brazil, «animada pela effervescencia do seculo», e a qual augmentaria e ganharia força si se verificasse que ás realezas européas repugnava a plena admissão como legitimo «de um governo fundado na justiça, e na vontade de quatro milhões de habitantes». O titulo de Imperador correspondia aliás a uma idéa de escolha, eleição ou sagração popular que se coadunava com o espirito democratico do paiz, e, no dizer das instrucções, fôra adoptado «por certa delicadeza com Portugal; por ser conforme ás idéas dos Brazileiros; pela extensão territorial; e finalmente para annexar ao Brazil a cathegoria que lhe deverá competir no futuro na lista das outras Potencias do Continente Americano». [Sidenote: A mediação ingleza suggerida.] Declarando estar prompto para tratar com seu Augusto Pai sobre a base do reconhecimento da cathegoria politica assumida pelo Brazil, e por este modo facultar a Portugal «aproveitar do Brazil o que ainda fôr possivel», o Imperador acabava por mencionar, como podendo originar um tal resultado, a mediação ingleza, certamente agradavel a Portugal e que elle de boa mente acceitava, sem que a tivesse solicitado. Assim pois, antes da chegada de Caldeira Brant, já tivera Gameiro ensejo e tempo para entender-se com aquelles que deviam ser os mais importantes personagens na peça que se ia representar no tablado do Foreign Office. O caminho estava aberto. Quando ambos os enviados receberam do Rio suas instrucções definitivas e plenos poderes para negociarem com todas as potencias européas, immediatamente procuraram em virtude da previa intelligencia tanto o Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros do Reino Unido, como o barão de Neumann, encarregado de negocios da Austria na ausencia do Embaixador, principe Esterhazy. [Sidenote: A Austria igualmente medianeira.] Viera a combinar-se que o gabinete de St-James, protector declarado de Portugal, e o Imperador da Austria, sogro de D. Pedro I, seriam conjunctamente os medianeiros ou antes assistentes na paz e reconciliação directamente negociadas em Londres entre a metropole e a colonia da vespera. Canning, em seu louvavel empenho de preservar a paz quanto possivel, gostava de proceder de harmonia e até favorecer os designios das potencias continentaes, sempre que esses não fossem adversos aos interesses britannicos. Os bons officios da Grã Bretanha haviam sido primeiro suggeridos por Palmella, ao responder a uma declaração do novo ministro inglez, Sir Edward Thornton, de que o gabinete britannico estando persuadido da impossibilidade de restabelecer-se a sujeição, voluntaria ou forçada, do Brazil, era conveniente concordar-se logo no modo de resolver a pendencia, satisfactoriamente para a independencia politica do Brazil e para a soberania em ambas as partes da monarchia portugueza da Casa de Bragança. [Sidenote: Canning resolve a questão da mediação ou bons officios.] Um pouco depois, por effeito de conselhos contrarios dados em Lisboa ao gabinete da Bemposta, o conde de Villa Real, ministro portuguez em Londres, vibrou como uma ameaça a interferencia das potencias continentaes. Canning porem, que combatia no Velho Mundo os dictames reaccionarios da Santa Alliança e os desconhecia com relação ao Novo, declinou para o caso vertente toda e qualquer intervenção de semelhante natureza. Abria apenas uma excepção para a Austria pela razão do intimo parentesco entre as côrtes de Vienna e do Rio de Janeiro, ao ponto mesmo de prometter suspender eventualmente o reconhecimento do Imperio Brazileiro até dar mostras de consummar-se a mediação austriaca, si preferida á britannica. Os bons officios da Inglaterra não podiam todavia ser evitados, dada a sua posição de ascendencia em Lisboa como no Brazil, e o Governo Portuguez volveu a cortejal-os, no intuito de por meio d'elles obter do Imperio as condições mais suaves para o orgulho da mãi patria. Por seu lado Canning, servindo-se do consul Chamberlain, insinuou a vantagem d'aquelles bons officios no espirito dos governantes brazileiros, a cujo conhecimento incumbiu-se de levar posteriormente as disposições mais conciliadoras de Portugal, de entrar em negociações para regular a futura successão das duas partes da monarchia e restabelecer as primitivas relações commerciaes existentes entre os dous reinos. [Sidenote: Canning como interventor a pedido.] Não era facil empreza, mesmo para o genio diplomatico de Canning, o desmanchar as desconfianças e attritos levantados entre Portugal e Brazil, fazendo ver a este quanto a amizade do Velho Mundo lhe seria proveitosa e como lhe cabia angarial-a pela sua moderação e condescendencia, e esforçando-se por annullar n'aquelle a procrastinação e má vontade estimuladas pelas potencias continentaes, as quaes pintavam o gabinete britannico como exclusivamente devotado a fomentar os interesses brazileiros. Canning logrou todavia realizar o seu intento. A dissolução da Constituinte do Rio de Janeiro, em Novembro de 1823, animára o Governo de Lisboa em sua estudada morosidade, alvoroçando-o com a perspectiva do predominio no Brazil do chamado partido portuguez; quando porem essa ultima esperança se lhe esvaio, de que o Imperador seria levado ou compellido a readmittir a soberania paterna, mandou ao conde de Villa Real instrucções que o fizeram solicitar formalmente, por meio de uma Nota Verbal com data de 4 de Março de 1824, a intervenção britannica afim de obter satisfacções por parte do Brazil. Era um meio indirecto ou antes um circumloquio diplomatico para reabrir a questão, sendo posta de lado a preliminar submissão do Imperio ao seu _status_ colonial. Apparentava-se tratar sómente de reparar offensas e prevenir maiores conflictos, previamente a ventilar-se qualquer outra differença, isto é, a de soberania ou independencia. Os bons officios da Grã Bretanha e da Austria entraram por esta forma n'uma phase de effectividade, não dispensando absolutamente Canning a collaboração da côrte de Vienna, cuja mediação havia sido solicitada em fins de 1823 pelo Governo Portuguez. [Sidenote: Benevolencia da Austria.] E a Austria entrava no negocio cheia de benevolencia, porque Canning convencêra tão perfeitamente Metternich que a destruição do throno brazileiro, fatal no caso de falhar o reconhecimento, seria mais perniciosa ao principio monarchico, por ambos os estadistas acatado, do que a acceitação da separação dos dous reinos, que o Chanceller austriaco, após demorar por alguns mezes sua resposta ao gabinete de Lisboa, declarára sem ambages que lhe não parecia possivel restabelecer-se a situação anterior á Independencia e que o mais avisado seria, na hypothese muito provavel do Brazil não consentir em acceder a uma autonomia completa e effectiva, debaixo da suzerania portugueza e sob o governo de um principe portuguez, assegurar a corôa americana para a Casa de Bragança. O Governo Austriaco dizia-se prompto até a annunciar ao Imperador do Brazil, uma vez effectuada, a concessão da independencia, a qual todavia nunca reconheceria senão depois de o fazer Sua Magestade Fidelissima. [Sidenote: Hostilidade da Santa Aliança. A Inglaterra e a Austria em pontos de vista diversos.] A boa vontade da Austria, inspirada pelas considerações de familia, não era porem tudo, mesmo que não variasse, segundo veio a acontecer. Canning perceberia a breve trecho, conforme escrevia a Lord Liverpool poucos mezes depois, que «Portugal parecia ser o terreno escolhido pela Alliança continental para combater peito a peito a Inglaterra, pelo que devemos estar preparados para travar a peleja e destroçar o inimigo, supportando qualquer forma imaginavel de intriga ou intimidação, sob pena de sermos expulsos do campo[2]». Começa porque os dous medianeiros da questão brazileira de certo modo collocavam-se em pontos de vista diversos. A Austria, ou Metternich por ella, não podia seguramente ver com muito bons olhos que o Imperio Americano pretendesse trilhar a senda constitucional, legado da maldicta Revolução. [Sidenote: Metternich e a Constituição Brazileira.] Um momento houve mais tarde em que Canning assustou-se devéras com um boato corrente, de ter Telles da Silva, o agente brazileiro em Vienna, promettido ao Chanceller desistir o Imperador, em troca do reconhecimento, da perfilhada orientação liberal, e chegou a perguntar por escripto a Brant e Gameiro si era verdadeira tal intenção. O boato era falso, ainda que lhe dessem côr a dissolução forçada da Constituinte e as subsequentes deportações politicas, mas o certo é que, segundo lê-se na correspondencia dos nossos enviados, Neumann iria successivamente esfriando do seu primitivo interesse pela causa brazileira, acabando por trabalhar de mãos dadas com o plenipotenciario portuguez, conde de Villa Real. [Sidenote: A orientação franceza sob os Bourbons.] Esta mudança só deve ser attribuida á conhecida e fundamental antipathia da Santa Alliança por tudo quanto tresandava a liberalismo e ao accrescimo de favor que conseguintemente lhes merecia o Portugal regressado aos bons tempos do absolutismo. A referida attitude do Imperador D. Pedro contra a Camara emanada da vontade popular, o seu acto de violencia seguido da outorga de uma Carta Constitucional, deviam-lhe no emtanto assegurar pelo menos a sympathia da França, que para effectuar uma mudança semelhante em proveito de Fernando VII, emprehendêra a expedição de Hespanha. Á França porem desagradariam altamente o reconhecimento pacifico e cordial e a reconciliação do Imperio com o Reino mediante a intervenção amigavel da Inglaterra, que assim recolheria a gratidão de ambas as partes; isto quando os seus planos politicos, sobretudo acariciados pela fogosa imaginação romantica de Chateaubriand, abraçavam uma larga esphera de actividade opposta á britannica. [Sidenote: Largos planos de Chateaubriand.] O Ministro dos Negocios Estrangeiros de Luiz XVIII calculára, não sem propriedade, que a restauração da monarchia absoluta hespanhola pelo exercito francez daria á nação invasora o direito consequente e inseparavel de auxiliar a reconquista da America Hespanhola, ou mesmo redundaria n'uma procuração para tal fim. Á Inglaterra que, quarenta annos atraz, sustentára uma custosa guerra para reduzir á obediencia as suas colonias americanas revoltadas, estava vedado empatar em principio o exercicio dos incontestaveis direitos hespanhoes, e si tal o fizesse na pratica, contava a França com a neutralidade benevola das potencias continentaes para a sua faina de abater, por meio de uma guerra, as pretenções britannicas e tomar a desforra de Waterloo, ao mesmo tempo tornando popular pelo reflexo da gloria militar a monarchia dos Bourbons. Nas _Memorias d'além campa_ Chateaubriand confessa não ter tido em vista fito mais alto do que esse interesse dynastico, ao servir a politica bellicosa do momento e levar a cabo as decisões do Congresso de Verona, parallelamente reduzindo a questão hespanhola, de européa a franceza, o que traduzia uma decidida vantagem nacional. [Sidenote: A França no Novo Mundo.] A reconquista da America Hespanhola em proveito do inepto representante dos Bourbons d'Hespanha, afóra o immenso beneficio moral, traria com certeza para a França--assim o devaneavam Chateaubriand e o gabinete Villèle--uma recompensa territorial avultada no Novo Mundo, a qual seria o nucleo da reconstituição do poderio colonial francez, perdido no decorrer do seculo anterior e com que se locupletára a Inglaterra, empolgando o Canadá e alastrando-se pelo Hindostão. Chateaubriand, que vagueára pelos campos do Oeste americano, tornados ainda mais extensos pela solidão immensa em que jaziam, e, contemplando as aguas barrentas do Mississippi, meditára longamente sobre os problemas politicos e moraes do universo, sentia mais do que qualquer outro a importancia da diminuição soffrida pela França com a perda do Canadá e a alienação da Louisiana, cuja juncção com a possessão do norte, subindo a corrente do grande rio que parte longitudinalmente em dous os Estados Unidos, interceptaria a expansão ingleza e fundaria um imperio latino onde hoje se espraia a magestosa democracia anglo-saxonica. O posto seria, alem de tudo o mais, excellente para exercer sobre a America Central e Meridional a hegemonia que os Estados Unidos já estavam avocando e a que Luiz Napoleão mais tarde quiz insensatamente oppôr a do Imperio Mexicano estabelecido e protegido pelas aguias francezas [Sidenote: Inconvenientes para o partido da reacção de uma solução amigavel do conflicto luso-brazileiro.] A serena liquidação da questão brazileira seria, para a execução de tão altos designios, um obstaculo quasi insuperavel, representando uma victoria para a Grã Bretanha, que assim desfeiteava a Santa Alliança, reforçava a opinião liberal do mundo em prol da independencia das colonias hespanholas, e em extremo difficultava o complemento do projecto de restauração ultramarina da auctoridade da metropole. Não admira pois que a França se absorvesse na partida, usando de toda a sua pericia. Mesmo despedido Chateaubriand do ministerio, o que se deu a 5 de Junho de 1824, a politica franceza não variava o seu rumo e Villèle, senão um ultra, pelo menos governado por elles, ficava para zelar-lhe a orientação geral, naturalmente antipathica ao Imperio, cujo soberano trahia em alguns actos a sua educação absolutista, mas cujos estadistas persistiam, com o seu instinctivo feitio democratico, em desafiar a legitimidade, o direito divino e outros fetiches do passado. [Sidenote: Embaraços creados pelo partido da reacção] «Si l'empereur ne s'accommode pas aux vues des Souverains de l'Europe, on le fera sauter en trois mois», chegou Neumann a dizer um dia a Brant; ao que, sem perder o sangue frio, replicou laconicamente o marechal: «Tant pis pour eux», significando, como Canning, que os soberanos europeus assim ceifariam ingloriamente a unica monarchia americana, sem poder mais substituil-a pelo extincto regimen colonial e sómente dando nascimento a uma outra republica. Brant e Gameiro, bem que não quizessem dar a conhecer aos estranhos o seu estado de espirito, arreceavam-se todavia muito das tendencias hostis da Santa Alliança, a cujas intrigas attribuiam mesmo a opposição e animosidade de Buenos Ayres, que já em 1824 ameaçava declarar-nos a guerra. É preciso não esquecer que batia justamente então a hora do apogêo da politica reaccionaria de Metternich, quando em França os ultras, com a elevação imminente de Carlos X ao throno, preparavam-se para dominar exclusivamente o governo; a Hespanha soffria em dolorida resignação as prepotencias de Fernando VII, forro da escravidão constitucional, e Portugal via apparecer em plena luz, á frente dos regimentos que regressavam empoeirados de Villa Franca ou postavam-se insolentes no largo da Bemposta, a figura esbelta e brutal do Infante absolutista. [Sidenote: Evolução liberal na Inglaterra e papel de Canning na politica européa.] Na Inglaterra, pelo contrario, accentuava-se a evolução liberal, naturalmente combatida pelos _tories_ puros, mas tirando forças do contacto com a lucta e ganhando incremento com o proprio ardor da peleja. O papel politico de George Canning na historia britannica e na do mundo avulta tanto aos olhos da posteridade, porque na verdade foi decisiva a sua acção e grandiosa a sua obra, que consistiu particularmente em garantir a autonomia completa de um Continente, para isto transformando a politica externa da Inglaterra, creando o seu isolamento, e pondo cobro ás allianças austriacas cultivadas por Castlereagh em obediencia ás suas inclinações pessoaes e no intuito diplomatico de fazer frente ás ambições russas. Poucos mezes depois de recolher a herança de Castlereagh, Canning desvendava sem hesitações as suas vistas nas seguintes palavras de uma carta ao Rei, de 11 de Julho de 1823 "...As grandes potencias despoticas do Continente presumiam estar V. M. indissoluvelmente unido aos seus principios e projectos. Por minha parte desejo pelo contrario, avisada ou inconscientemente, ver o peso da auctoridade de V. M. lançado no outro prato da balança. Muito mais do que isso. Estou intimamente convencido que a verdadeira posição de V. M. no embate existente de theorias adversas e opiniões extremas, é uma posição neutra: neutra tanto entre principios hostis como entre nações hostis; e que é sustentando essa posição, a qual V. M. unico entre os soberanos da Europa pode assumir, que V. M. conduzirá sem demora o seu povo ao mais alto gráo de prosperidade, e estará melhor habilitado para salvar outros paizes dos perigos que, por seu turno, podem ameaçar quasi todos elles." [Sidenote: O conservantismo de Lord Castlereagh.] Não devemos d'ahi entender que o predecessor de Canning no Foreign Office tivesse sido um reaccionario do estofo de Metternich. Não podia sel-o, porque forçosamente ainda que inconscientemente, pulsava n'elle o constitucionalismo organico do Inglez. Era porem um _tory_ da velha eschola, com os peores prejuizos politicos da classe aristocratica, contrario por instincto ás mais benignas manifestações revolucionarias, e disposto por natureza ao mais compromettedor galanteio com a Santa Alliança. Apenas appellára para a sua sobranceria quando essa Alliança, tornando-se mais ousada com a acquiescencia do gabinete de Londres, proclamou doutrinas, no seu dizer incompativeis com as leis fundamentaes da Grã Bretanha; e ainda assim não falta quem assevere que, em semelhante emergencia, fôra precaria a sua sinceridade, e que mais imperára n'elle o respeito pela opinião do Parlamento do que a propria convicção. Castlereagh em principio repellio com apparente vigor a theoria da intervenção absolutista, preconisada e firmada no Congresso de Troppau em 1820, mas assentira praticamente na miseravel e sangrenta intervenção austriaca em Napoles. [Sidenote: Castlereagh e a emancipação do Novo Mundo.] Si assim ousava ir d'encontro á opinião progressiva do seu paiz, não é de espantar que o interesse mercantil do mesmo, combinado com a indifferença ou antes antipathia pela Hespanha, não fossem sufficientes para compellir o seu ingenito conservantismo a favorecer o movimento autonomista do Novo Mundo. Tão pouco sympathica era comtudo a attitude de Castlereagh á opinião predominante na Inglaterra, mesmo á de antes da Reforma de Lord Grey; tão avessas ao caracter politico britannico, aquella fascinação pelas prerogativas das monarchias absolutas e qualquer identificação com os planos domesticos continentaes, que um observador como Greville, movendo-se no meio social mais exclusivo e aparentado com algumas das primeiras casas da Inglaterra, escrevia no seu diario que a perda do então marquez de Londonderry fôra grande para o partido e maior para os amigos, mas nulla para o paiz, e criticava sem rebuço o proceder do Governo Inglez para com aquellas das nações européas que se tinham fiado na Grã Bretanha, ao tratarem da applicação do seu ideal liberal. [Sidenote: Metternich e o Foreign Office.] O bisbilhoteiro Greville conta mesmo que Castlereagh andava feito com Metternich, tendo Canning e Lord George Bentinck, secretario particular d'este, encontrado no Foreign Office, por occasião da accessão de Canning ao posto, papeis particulares que evidenceiam, não só que Castlereagh, ao affectar afastar-se da Santa Alliança, pretendia apenas deitar poeira nos olhos da Camara dos Communs, como que na realidade seguia cegamente a politica mystica e retrograda inaugurada por Alexandre I. O positivo é que lavrava manifesta contradicção entre as exigencias publicas, do meio e do momento, e as preferencias individuaes e de casta de Castlereagh, e tambem que Metternich levou tempo a convencer-se que Canning era sincero na opposição movida á Santa Alliança: persuadira-se a principio que o seu liberalismo internacional se cifrava n'uma mera necessidade parlamentar[3]. [Sidenote: Era Canning um democrata?] Canning estava entretanto longe de ser um democrata. «Desadoro as revoluções, exclamava elle no famoso discurso de Plymouth, ao ser-lhe offertada em 1823 a franquia do burgo. Passei quasi trinta annos da minha vida batalhando por velhas instituições. Não deve comtudo ficar deslembrado que, ao resistir á Revolução Franceza, em todas as suas phases, desde a Convenção até Bonaparte, eu certamente advogava a resistencia ao espirito de innovação, mas não advogava menos a resistencia ao espirito de dominação estrangeira. Emquanto esses dous espiritos permanecem ligados, a resistencia a um anima a resistencia ao outro; uma vez separados todavia, ou, o que é ainda peor, em antagonismo um ao outro, o mais estrenuo e mais consistente anti-revolucionario pode bem hesitar no partido a escolher». Si bem que fosse um _tory_ enthusiasticamente anti-reformista, Canning tinha chegado, por um concurso de circumstancias politicas e da propria idiosyncrasia, a personificar na politica exterior britannica o elemento mais audaz de governo, bem como na politica geral européa a defeza das franquias constitucionaes, ameaçadas de destruição. No mesmo discurso de Plymouth elle assim definia sua posição: «Julgo muito pouco avisado, como parece querer a Santa Alliança, forçar a um conflicto os principios abstractos da Monarchia e da Democracia. O papel da Inglaterra consiste em preservar, tanto quanto fôr possivel, a paz do mundo e a independencia das diversas nações que o compõem. Não julgo, como parece julgar a Santa Alliança, que não existe segurança para a paz entre as nações, a menos que cada nação esteja em paz comsigo mesma, ou que a Monarchia absoluta seja o feitiço de que depende tal tranquillidade interna». Pensando assim, nenhuma tendencia propriamente reaccionaria podia ser-lhe sympathica. Os povos valiam no seu entender tanto quanto os reis, ou por outra, um rei só merecia fidelidade quando reinava para o seu povo. Elle mesmo era um exemplo vivo do quanto já logravam alcançar em sua patria o prestigio pessoal e o favor da opinião. Não passava do filho, singularmente dotado de talento, de um homem bem nascido mas quasi pobre, e de uma mãi honesta mas que tivera de fazer-se actriz depois de viuva, para manter-se a si e a elle. Este desprotegido do berço, após uma brilhante ascenção parlamentar, alguns annos de administração, uma curta embaixada e outros annos de estudado afastamento, vira-se quasi unanimemente indicado e fôra novamente collocado por Lord Liverpool no Foreign Office, quando o tornou vago o suicidio de Lord Castlereagh. [Sidenote: Canning e Jorge IV.] É sabido que Jorge IV, que mais tarde viria a estimal-o sinceramente, oppoz-se com acrimonia á sua segunda elevação aos conselhos da corôa, sendo o motivo vulgarmente apontado do rancor real, o facto da demissão de Canning do gabinete por occasião do processo da rainha Carolina, da qual pretendia o monarcha divorciar-se depois de enxovalhar-lhe a reputação. Canning, como amigo e conselheiro que havia sido da infeliz princeza, entendeu conservar-se neutral n'esta questão que tanto agitou a Inglaterra e quasi conduziu a uma revolução, não tomando parte alguma no andamento do processo e debates parlamentares. É porem mais natural, como quer provar o commentador da correspondencia de Canning, que o Rei se sentisse alheado d'este homem d'Estado, não por um resentimento já apagado e em todo o caso injustificavel, mas antes por causa das idéas avançadas de Canning no tocante á emancipação dos Catholicos e á das colonias latino-americanas. Pela primeira não poude fazer muito, tendo-o roubado a morte em plena maturidade e poucos mezes depois de haver galgado a _premiership_, assumindo a direcção geral dos negocios publicos. Quanto á segunda, os cinco annos de gerencia dos negocios estrangeiros foram-lhe bastantes para transmudar a politica ultra-conservadora do seu predecessor e affixar-se deliberadamente como o adversario europeu da Santa Alliança. [Sidenote: Influencia de Canning no partido e sua independencia de opiniões.] Consentia-lhe esta postura, em desaccordo com a maioria dos _leaders_ e com o throno, a sua força extraordinaria na Camara dos Communs e no partido, isto é, a harmonia do seu pensar com o sentimento geral do paiz, e a fascinação exercida pela superioridade do seu espirito sobre a massa dos partidarios, os quaes não poderiam tambem olvidar que Pitt lhe encaminhára os primeiros passos parlamentares, se lhe affeiçoára em extremo e por fim o designára como seu successor. _Tory_ leal até que a repugnancia dos elementos mais conservadores do partido fel-o inclinar para os _Whigs_, com os quaes pode dizer-se que, havendo-o abandonado Wellington, Eldon e Peel, governou depois da morte de Liverpool, durante a sua curta _premiership_, nunca podia ter sido um tribuno popular, nem como tal teria feito carreira no tempo dos burgos podres e do predominio quasi exclusivo das grandes familias nobres; mas tampouco foi um satellite da aristocracia, posto que a ella estivesse ligado por laços de parentesco. Canning porem nascêra para guiar e não para ser guiado. A sua composição moral era completa, pois que era um delicado no sentir, um idealista no conceber e um homem de acção no executar. [Sidenote: Perfil intellectual e politico de Canning.] As inclinações litterarias de Canning levavam-no para a poesia satyrica, que traduzia a feição humoristica do seu espirito, no qual casava-se, n'uma combinação encantadora, uma preoccupação repassada de gravidade dos problemas politicos do momento com uma certa levesa propria do tempo, da sociedade e do homem, e que o tornou alheio aos problemas propriamente sociaes. As suas preferencias mundanas conduziam-no para a vida elegante e refinada n'um circulo limitado e escolhido de apreciadores, nunca tendo conseguido a ambição tão vasta quanto legitima que o impellia, vergar-lhe o animo ao ponto de cortejar a facil popularidade dos comicios e das plataformas. Até ser membro do gabinete, Canning escreveu muito mais do que fallou. As suas orações parlamentares mais notaveis datam quasi todas do tempo em que se sentava no Banco do Thesouro, quando com o prestigio do cargo passou a expôr na sua forma um tanto diffusa mas cuidada, animada e persuasiva, as idéas e os conceitos que lhe acudiam em abundancia, e que até então confiava especialmente á correspondencia privada com os seus intimos. Os seus ideaes politicos arrastavam-no, já o sabemos, para a restituição dos direitos politicos aos Catholicos, a abolição da escravatura e o reconhecimento das nacionalidades americanas, sem que comtudo o liberalismo n'elle constituisse o desdobramento de uma natureza apaixonada, philantropica ou exhuberante de seiva. A localisação d'esse liberalismo na alma ponderada e equilibrada de Canning não correspondia portanto ao enthusiasmo de O'Connell, nem ao evangelismo de Wilberforce, nem á exaltação communicativa de Brougham. O defensor da America Latina era um estadista reflexivo, um monarchista convicto, um governante por temperamento; conservador por calculo si não por instincto no que dizia respeito aos negocios domesticos, patriota intransigente em questões de politica exterior, não recuando ante a solução extrema da guerra na aspiração de salvaguardar a grandeza britannica, quando falhassem os meios suasorios, da paz e da diplomacia. [Sidenote: Pitt e Canning] Pitt apparecia-lhe como o typo representativo da epocha, como o precursor do imperialismo que tinha de ser a caracteristica e a condição da orientação ingleza. Como Pitt, possuio elle nervo e mostrou audacia, e não foi sem razão que n'um celebre discurso, alludindo á guerra da intervenção franceza na Hespanha, lhe foi dado exclamar com toda a emphase a que, no periodo litterario de Chateaubriand, nem a oratoria ingleza escapou: «Eu decidi que, a ter a França a Hespanha, tel-a-hia sem as Indias. Olhei para a America com o fim de corrigir as desigualdades da Europa. Chamei um novo mundo á existencia para servir de contrapeso ao antigo.» [Sidenote: A libertação da America Latina.] O pronome da primeira pessoa não foi muito do agrado dos collegas de Canning no gabinete, mas traduzia a realidade. A intervenção da França nos negocios da Hespanha, combatida até o ultimo momento pelo ministerio Liverpool--receosa a Inglaterra d'essa renovação anachronica do velho Pacto de Familia--e apenas tolerada com as trez condições, que a França respeitaria Portugal, deixaria em paz, entregue ás suas luctas e facções, a America Hespanhola, e não permaneceria indefinidamente além dos Pyreneus, determinou Canning, e Canning mais que ninguem na Grã Bretanha, a procurar, nas colonias emancipadas das metropoles peninsulares, um contrapeso valioso para a balança internacional, e uma nova e mais extensa base sobre que apoiar a influencia britannica. O seu systema politico, inverso do de Castlereagh, tinha, como vimos, por fundamento que a Inglaterra devia ser o fiel da balança, não só entre nações inimigas, como entre principios inimigos. Sendo o anti-liberal o prato que então pendia, por amor do proprio equilibrio Canning lançou o poder moral e material da sua patria no outro prato, que tinha reunido contra si o peso da Europa continental. II [Sidenote: O commercio britannico favoravel ao reconhecimento.] O meio era indubitavelmente favoravel á acção da novel diplomacia brazileira. O commercio britannico, cujo influxo na Camara dos Communs é consideravel pelo facto mesmo de achar-se representado n'essa assembléa n'uma vasta proporção (já assim era antes de 1832), aspirava abertamente á tranquillidade publica do outro lado do Oceano, e com tal intuito favoneava quanto podia o reconhecimento do Imperio, cuja grandeza territorial e fartura de recursos promettiam um campo remunerador á exploração mercantil européa. Aferindo as cousas pela craveira ingleza e medindo quanto no seu paiz valia a influencia do commercio sobre a marcha dos negocios publicos, é que o consul geral Chamberlain aconselhava no Rio de Janeiro o Ministro de Estrangeiros Carvalho e Mello a cessar o Governo de fazer apprehender os navios mercantes portuguezes e, pelo contrario, abrir-lhes os portos brazileiros. Restabelecido o trafico entre os dous paizes e accumulados os creditos commerciaes portuguezes no Brazil, os proprios negociantes do Reino sentiriam o maximo interesse em promover a reconciliação, antepondo as vantagens praticas ás susceptibilidades patrioticas. [Sidenote: Differente proceder de Canning para com Portugal e a Hespanha.] A Canning não era comtudo licito ferir directa e profundamente as susceptibilidades de Portugal, onde estava justamente envidando esforços para moralmente sustentar o regimen constitucional, que parecia ser da escolha enthusiastica da nação, mas que na verdade era repugnante não só á côrte, como á idiosyncrasia nacional. Não precisára ter as mesmas contemplações com a Hespanha, adversaria de sempre em vez de alliada de seculos, e cujo imperio colonial se esphacelára debaixo das vistas indulgentes da Inglaterra, sem que esta pensasse um instante em obstar á desaggregação, antes indirectamente favorecendo-a com a sua sympathia e até agindo directamente, ao combater os ensaios europeus da intervenção supplicada por Fernando VII junto dos monarchas da Santa Alliança. Ainda depois do restabelecimento do poder absoluto em Madrid, teve o rei d'Hespanha de dar ao gabinete de St-James as duas garantias por este exigidas para não tornar immediato o reconhecimento da independencia das possessões rebelladas do Novo Mundo. As garantias eram as seguintes: 1.^a, que a Santa Alliança não auxiliaria a Hespanha no reduzir á obediencia as colonias insurgentes; 2.^a, que o trafico mercantil não volveria a ser exclusivo da mãi patria, ficando aberto a todas as bandeiras. Semelhante promessa por parte da Inglaterra estava porem longe de ser definitiva, no pensamento dos que a formulavam. Não passava de uma dilação. As garantias da Hespanha apenas temporariamente satisfaziam a Canning, para quem o reconhecimento das nacionalidades da America Latina era resolução assente, e que formalmente declarou á Hespanha que, no momento opportuno, o Governo Britannico adoptaria as medidas convenientes para executar o seu designio sem mais entender-se com ella (_without further reference to the court of Madrid_). [Sidenote: Emancipação das colonias hespanholas da America.] As colonias hespanholas da America já tinham aliás todas dado provas mais que sufficientes da vitalidade que n'ellas borbulhava. Buenos-Ayres, a que primeiro, rebellando-se contra o usurpador, por menos guarnecida e sopitada e mais pobre e descurada logrou separar-se da mãi patria, não só derrubára o poderio dos seus vice-reis, como armára expedições libertadoras que com Belgrano tinham chegado sem proveito ao Paraguay, com Balcarce attingido ousadamente o Alto Perú, e com San Martin denodadamente corrido ao soccorro do Chile depois do fracasso da insurreição local. Buenos Ayres tambem por si resistira ás intrigas francezas e austriacas, soffregas por impôrem-lhe um principe da Casa de Bourbon ou da de Habsburgo depois de mallograda a candidatura de D. Carlota Joaquina, e, conservando com amor a sua liberdade, ainda que esta não passasse de uma mescla de tyrannia e de anarchia, affirmára em 1826 no Congresso de Tucuman a sua independencia e das provincias que lhe gravitavam em torno, assim consagrando o movimento de 25 de Maio de 1810, em que fôra deposto o vice-rei Cisneros e acclamada a junta governativa. No resto dos vice-reinados a contenda com os elementos fieis ao dominio da metropole sob não importa que regimen, passára por alternativas, ora jubilosas, ora cruciantes, e motivára o derramamento de muito sangue generoso e muito sangue leal em scenas de carnificina que dão á historia da emancipação da America Hespanhola uma tonalidade rubra que a da America Portugueza não conheceu. Na primeira a lucta foi incomparavelmente mais porfiada. Foi antes uma campanha prolongada que começou logo em 1809, quando chegaram além mar as primeiras noticias da invasão da Hespanha pelos exercitos de Napoleão, e ainda durava no Perú quando a Inglaterra, após a entrada em Madrid e em Cadiz das forças do duque d'Angoulême, entrou a dispôr o reconhecimento das republicas que haviam alcançado a victoria e ensaiado a pacificação. O espirito de independencia seguira levando com effeito a melhor, e o gabinete inglez encontrava, nas decididas vantagens obtidas pelos revolucionarios americanos, a mais completa justificação da politica momentaneamente tentada pelos ministros de 1797, de, em opposição á Hespanha, ajudarem moral e praticamente a libertação das suas possessões no Novo Mundo. Estas a tinham entretanto grangeado por si mesmas, pelo explodir dos odios amontoados, e á custa de muitos sacrificios, de muita heroicidade e de muita barbaridade. A insurreição alli resentira-se da falta de um centro, como o tivera a do Brazil, que attrahisse e harmonizasse os disseminados esforços, mas o rastilho revolucionario fôra tão veloz e preciso que ateára fogo a todo o continente, desde o Orenoco até o Prata, desde o planalto do Mexico, em que se ergue a antiga cidade de Montezuma, até a fralda dos Andes, em que se espreguiçam as villas levantadas pelos conquistadores. A extrema facilidade com que o incendio se propagou, com que as labaredas revolucionarias apontaram quasi a um tempo em Caracas, em Quito, em Santa Fé de Bogotá, em Santiago, em Buenos Ayres, prova á saciedade que a usurpação franceza foi apenas um pretexto, posto que em muitos casos sincero, para a lealdade colonial, e que de facto as possessões, si não estavam promptas em educação civica para desfructarem os beneficios da emancipação, achavam-se no emtanto maduras para a insurreição pela infiltração das idéas jacobinas--como tinham vindo a ser denominadas as idéas crescidas e acalentadas no seculo XVIII. Por mais que calafetassem as construcções coloniaes, o aroma subtil e violento da liberdade derramava-se por toda a parte e estonteava todas as cabeças. Frequentemente inconsciente muito embora, a aspiração era tão geral quanto irresistivel, e acabára por conduzir á autonomia do continente. [Sidenote: Emissarios inglezes na America Hespanhola.] Pelo tempo em que os plenipotenciarios brazileiros, transpunham os humbraes do Foreign Office, apparelhados para a peleja diplomatica, emissarios inglezes percorriam as ex-colonias hespanholas afim de informarem com segurança o gabinete de Londres da situação politica e social em cada uma e do gráo de estabilidade dos seus governos. A litteratura britannica sobre a America Latina é devéras copiosa no primeiro quartel do seculo XIX e a opinião publica na Inglaterra agia com perfeito conhecimento, não só dos recursos, das bellezas naturaes e da historia de qualquer das possessões da Peninsula, como dos seus costumes, qualidade de população e tentativas de independencia. Canning porem carecia de proceder com todas as precauções e reservas officiaes, e por isso aguardou os relatorios dos seus emissarios antes de decidir entrar em relações commerciaes com Buenos Ayres, como aconteceu em Julho de 1824, e com a Colombia e o Mexico, como succedeu em Dezembro do mesmo anno. É evidente que taes relações commerciaes equivaliam a relações politicas, mas em rigor, segundo Canning explicou n'um dos seus discursos parlamentares, o reconhecimento em condições semelhantes, podia passar pela consequencia de protegerem-se interesses já legalmente existentes e não denotar o proposito de crear interesses novos. [Sidenote: Offerecimento pela Grã Bretanha á Hespanha da sua mediação.] Immediatamente antes, porem debalde, offerecêra a Grã Bretanha á Hespanha a sua mediação para tratar com as possessões emancipadas, sobre a base da sua respectiva independencia. Apenas pretendia que o governo de Fernando VII entrasse nos ajustes preliminares com inteira disposição de ceder n'esse ponto em troca de outras condições satisfactorias. A Hespanha não entendeu acquiescer: appellou para a sua dignidade como um argumento irrespondivel contra tamanha derogação da sua soberania, e o ensaio de accordo gorou sem que Canning se preoccupasse extraordinariamente com isso, porque contava infallivelmente com o futuro. _Laissez faire et laissez venir_--tinham sido as suas instrucções de 31 de Dezembro de 1823 a Sir William A'Court, representante britannico em Madrid. «Mais cedo ou mais tarde, si nos conservarmos quietos e não dermos pretexto de queixas contra nós, as cousas correrão muito da forma que desejarmos, ou pelo menos que permittirmos..... A questão hispano-americana está essencialmente ajustada.» [Sidenote: A doutrina de Monroe e a parte que n'ella cabe a Canning] A doutrina de Monroe acabava de dar, na expressão de Canning, o _coup de grâce_ ao Congresso de que cogitavam as potencias continentaes para regular aquella questão. Ora não convinha por modo algum á Inglaterra deixar tomar-se a dianteira pelo Governo de Washington, o qual, mediante a famosa declaração presidencial e o connexo reconhecimento das novas nações latino-americanas, andava grangeando influencia e popularidade no Novo Mundo. É curioso que Canning tivesse indirectamente sido o maior causador da doutrina de Monroe. Havendo proposto ao ministro americano Rush uma acção conjuncta dos Estados Unidos e da Inglaterra na questão da America Latina, dirigida contra a politica reaccionaria da Europa continental, obtivera como resposta achar-se o ministro sem poderes especiaes para acceitar tão imprevisto alvitre, não duvidando comtudo assumir tamanha responsabilidade si a Grã Bretanha quizesse começar por proceder ao reconhecimento politico dos novos paizes hispano-americanos. [Sidenote: Opportunidade do reconhecimento da America Hespanhola.] Canning julgou não ser ainda chegado o momento indicado e declinou a suggestão de Rush, a qual levantava forte opposição no seio do gabinete. Os Estados Unidos aproveitaram-se porem e deram expressão concreta á insinuação que fôra feita pelo Secretario dos Negocios Estrangeiros de Jorge IV, d'ella resultando a chamada doutrina de Monroe. O instante verdadeiramente opportuno para a sua acção, vangloriou-se Canning de tel-o escolhido um pouco depois, quando Buenos Ayres entrou a soldar as suas desconjunctadas provincias confederadas, a Colombia a escapar ao perigo que lhe acarretára o embarque para outro vice-reinado do seu exercito nacional libertador, e o Mexico a forrar-se das loucas tentativas dos pretendentes como Iturbide. [Sidenote: Influxo dos Estados Unidos.] Canning entretanto não entendia oppôr-se em caso algum ao estabelecimento de uma monarchia no Mexico, mesmo que fosse em proveito de uma infanta hespanhola. No seu pensar esse acontecimento, que extenderia ao continente norte o principio monarchico já estabelecido no sul, obstaria até a traçar-se a linha de demarcação de que elle mais se arreceava, a saber, America contra Europa, como davam mostras de pretender os Estados Unidos e seria fatal n'uma geral democracia transatlantica. Que assim procedendo, obedecia o illustre estadista á sua perspicacia e não a moveis egoistas, já o verificámos. O espirito politico de Canning attingira o gráo de visão e de tolerancia em que a preoccupação das formas de governo desapparece perante as considerações mais puras, mais levantadas ou mesmo simplesmente mais patrioticas, porque elle não occultava, na sua feliz expressão, que em vez de Europa, gostaria de quando em vez de ler--Inglaterra[4]. [Sidenote: Canning e as monarchias absolutas.] N'uma carta escripta em 16 de Setembro de 1823 a Sir Henry Wellesley, então embaixador em Vienna, acha-se mais uma vez affirmada a sua liberrima theoria das formas de governo. Não tinha, dizia, objecção alguma a que a monarchia absoluta continuasse a florescer onde era o producto proprio do solo e onde estivesse contribuindo para a felicidade, ou para a tranquillidade (que afinal de contas é a felicidade) do povo. A harmonia do mundo politico não ficaria comtudo destruida por causa da variedade de instituições civis, em Estados differentes, assim como a harmonia do mundo physico não é perturbada pelas grandezas diversas dos corpos que constituem um systema. O Evangelho proclamou que ha uma gloria do sol, outra gloria das estrellas, e assim por diante. O principe de Metternich parecia ser de opinião contraria--que todas as glorias deviam ser iguaes, e estava até disposto a tentar a experiencia com a Inglaterra, para tornar a gloria d'ella o mais possivel identica á do sol e da lua do Continente. Metternich porem que nos deixe socegados em nossa esphera, accrescentava Canning, ou tocaremos uma musica muito desafinada. [Sidenote: Condições de neutralidade no reconhecimento da America Hespanhola.] Canning era de opinião que uma nação tinha por dever reservar suas energias para dadas occasiões, e não andar desperdiçando-as em contendas que se podessem evitar. Por isso labutava por despir o acto que daria validade internacional ás colonias emancipadas da tutela hespanhola, de toda e qualquer apparencia de hostilidade. Na occasião em que, resolvendo agir, resolveu a agirem gabinete e corôa, reconhecendo a entrada d'aquellas colonias no gremio das nações, já não mais se tratava, com effeito, de retaliar pelas injurias recebidas ás mãos das auctoridades da metropole pelos vehiculos do commercio britannico, nem sequer de n'um impeto de enthusiasmo ajudar os estados embryonarios a alcançarem sua liberdade. Tratava-se tão sómente de admittir os factos consummados e entrar em relações officiaes com as unicas auctoridades constituidas do Novo Mundo. Canning desejava no emtanto fazer sobresahir a neutralidade de facto guardada pela Inglaterra, chegando a consentir na justificação eventual da Hespanha no pretender favores mercantis especiaes das suas possessões emancipadas. [Sidenote: Canning entre Portugal e Brazil.] A parcialidade britannica em prol da constituição autonomica da grande porção do continente que obedecia aos dictames de Madrid, não era todavia um segredo para ninguem, pelo menos desde que se iniciára a gerencia por George Canning dos negocios exteriores da Inglaterra, e sobretudo desde que o Governo Hespanhol recusára os offerecimentos de mediação ou bons officios que, melhor avisado ou mais sagaz, o Governo de Lisboa acabaria por adoptar para grande beneficio dos seus interesses, os quaes de outro modo teriam corrido á revelia e sido por completo sacrificados ao pundonor do Imperio. Tratando-se de Portugal, carecia Canning, disposto embora no intimo e inabalavelmente a igualmente reconhecer a independencia do Brazil, de salvar mais ainda as apparencias, zelar todas as formas, orientar a sua navegação entre peores cachopos e mais difficeis correntezas. Tomou não obstante pela nossa questão tão decidido interesse quanto pela das republicas hispano-americanas, por amor da qual duas vezes offereceu a Jorge IV sua demissão, e foi quem realmente promoveu o rapido e feliz resultado d'esse inicial conflicto diplomatico. [Sidenote: Interesse de Canning no reconhecimento do Imperio.] O seu interesse no reconhecimento pacifico da independencia do Imperio era de resto multiplo e de facil comprehensão. Á Inglaterra convinham freguezes ricos e alliados fortes, não freguezes arruinados e alliados desmantelados pela guerra. Demais, a forma monarchica de governo adoptada pelo novo Brazil estava, em face da poderosa facção demagogica nacional, para assim dizer dependente da prompta sancção européa. O exemplo da cordialidade restabelecida entre a mãi patria portugueza e a sua ex-colonia, com todo um cortejo de vantagens economicas, devia além d'isso ser efficacissimo para a Hespanha e para a Santa Alliança, que a sustentava em sua improficua obstinação. [Sidenote: Delongas de Portugal.] Portugal é que não estava açodado como o promettido mediador no fazer as pazes com a sua possessão rebellada, sobretudo depois que a expulsão _manu militari_ dos deputados da nação brazileira e a prisão e exilio dos corypheus do partido anti-portuguez lhe haviam dado fagueiras esperanças de que D. Pedro, um instante desorientado pelos perfidos conselhos dos patriotas, voltaria á razão e ao lucido exame dos seus interesses, que eram os de uma monarchia una. Portugal não contava portanto demover-se da sua postura sem primeiro ter exgottado os ardis e delongas da diplomacia, e sem bem experimentar a rigidez da decisão de Canning, para a qual influira, afóra os expostos e palpaveis motivos, a attitude sympathica e correcta do Brazil official, contrastando com a hostilidade á Inglaterra, evidenciada pelas Côrtes de Lisboa. Verdade é que o Governo Constitucional estrebuchava nas ancias da morte desde a Villafrancada, e que a plena auctoridade restabelecida do soberano buscaria instinctivamente firmar-se na amizade britannica, tradicional na sua dynastia, ainda que fossem fortissimas as seducções empregadas pela Santa Alliança para angariar mais este sequaz. [Sidenote: Instabilidade politica no Brazil. Os Andradas e o sentimento liberal.] Por outro lado a instabilidade politica no Brazil era tão pronunciada que com orientação definitiva alguma se podia contar. É sabido que os Andradas, que governavam quando foi proclamada a Independencia e para esta trabalharam pertinazmente, excitaram pelas suas arbitrariedades a inimizade de Ledo, José Clemente e outros elementos mais democraticos, apoiados nas lojas maçonicas, mandadas mais tarde parcialmente fechar, e para minarem a influencia das quaes organizaram os Andradas o Apostolado e fundaram o _Regulador_. O Apostolado tomou as feições de um club como os da Revolução Franceza, sendo para a Constituinte do Rio de Janeiro o que o club dos Jacobinos foi para a Convenção: alli se discutiam primeiro as medidas legislativas a propôr á Assembléa deliberante. Os Andradas eram, no justo dizer de Armitage, facciosos na opposição e prepotentes no poder. Após uma curta demissão, tinham voltado ao ministerio com a condição de deportarem os contrarios e buscaram firmar na perseguição a sua auctoridade, com o resultado que lhes decahiu de prompto a popularidade, crescendo a onda liberal. Ao iniciar a Constituinte as suas discussões, encarnavam os Andradas a defeza dos interesses monarchicos contra as idéas radicaes da maioria da Assembléa. As posições inverteram-se porem muito depressa. A defeza por Antonio Carlos de um projecto anti-portuguez de Muniz Tavares levára os realistas extremes a travarem alliança com os patriotas, sempre desconfiados dos Andradas, cuja queda assim se tornou inevitavel, substituindo-os ministros moderadamente realistas (Carneiro de Campos e Nogueira de Gama). Os Andradas converteram-se logo por isso ás idéas opposicionistas e tornaram-se façanhudos liberaes. Foi o tempo inolvidavel do _Tamoyo_ e da accesa lucta parlamentar que terminou com a demonstração militar levada a cabo pelos Portuguezes, a organização de outro gabinete mais marcadamente realista, a dissolução da Constituinte e a deportação de José Bonifacio, Antonio Carlos, Rocha, Montezuma e outros. [Sidenote: Portugal invoca em Londres os antigos tratados de alliança.] O golpe de vista antolhava-se pois favoravel á ex-metropole, para a qual a desordem no Brazil significava a perspectiva de melhores tempos. D'ahi uma recrudescencia em Lisboa de esperanças e de impertinencia. Em Londres o ministro Villa Real exigira na Nota Verbal ao Foreign Office de 4 de Março de 1824, a mesma aliás em que Portugal entrou a fraquejar, que, em observancia dos antigos tratados de alliança entre as duas nações, a Inglaterra não celebrasse convenção alguma com o «Governo do Rio de Janeiro» sem que fosse contemplado Portugal, e indicára ao mesmo tempo as condições preliminares de quaesquer negociações suas com o Brazil. Eram quatro essas condições: cessação de hostilidades; restituição das prezas maritimas e levantamento dos sequestros; promessa formal de não serem atacadas as colonias ainda fieis á Corôa portugueza; despedida dos subditos britannicos ao serviço do Imperio. Na sua communicação ao ministro Carvalho e Mello, successor de Carneiro de Campos, o consul Chamberlain especificava como sendo os seguintes os tratados invocados por Portugal em abono da sua reclamação: Tratado de Londres de 29 de Janeiro de 1642, artigo 1.^o, Tratado de Westminster de 10 de Julho de 1654, artigos 1.^o e 16.^o, e Tratado de Whitehall de 23 de Junho de 1661, artigo secreto. No proprio mez da proclamação da Independencia do Brazil e na previsão d'esta occorrencia, o Governo Portuguez, o qual durante o mesmo predominio das Côrtes pensára em entrar com a Hespanha n'uma alliança defensiva e offensiva, juntando-se os seus recursos e armamentos com o fim de subjugarem as respectivas possessões rebelladas, instára com o Governo Britannico para concluir um tratado garantindo a Constituição approvada e a integridade do dominio lusitano. Apezar do governo liberal ameaçar fechar o accordo com o correlegionario hespanhol e necessariamente prejudicar a influencia ingleza até então absorvente, Canning excusára-se ao convite, que só vinha pôr estorvos ao seu plano de organização autonomica do mundo latino-americano, e não lhe parecia deduzir-se como clausula obrigatoria das solemnes convenções de amizade pactuadas entre as duas nações. [Sidenote: A Chancellaria Brazileira discute o appello portuguez.] No entender da Secretaria de Estrangeiros do Brazil o appello portuguez áquelles velhos tratados devia ser antes taxado de pueril, visto que, quando taes convenções haviam sido ajustadas, apenas podiam ter cogitado da hypothese de uma desavença e eventual reconciliação _com terceira potencia_, entrando uma das partes contractantes em accordos prejudiciaes aos interesses da outra parte. Em 1808 por exemplo, no momento da declaração de guerra de Napoleão, Portugal não teria a liberdade de ajustar a paz com a França em prejuizo da Inglaterra. É claro que os dous tratados, de 1642 e 1654, estipulavam nos termos mais explicitos que nenhum dos dous paizes consentiria em que fosse perpetrada injuria por guerra ou por tratado contra o outro paiz; que não seria concedido asylo nos territorios de um aos insurgentes contra o poderio do outro, e que ficariam fóra da lei os transgressores das disposições contidas nos referidos tratados. Mais do que isso--o tratado de 1661, celebrado por occasião do casamento de Carlos II com a Infanta de Portugal, rezava muito cathegoricamente que a Grã Bretanha protegeria a integridade do dominio colonial portuguez. O Governo de Lisboa sustentava que a tomada pelas forças do Governo independente do Rio de Janeiro das provincias brazileiras fieis á auctoridade portugueza; a persistencia nas hostilidades a despeito da attitude pacifica voluntariamente assumida por Portugal, e sobretudo o engajamento na marinha e exercito imperiaes de subditos britannicos, constituiam flagrantes violações dos tratados em vigor. Estes tratados não podiam porem, contestava nossa Chancellaria, prever o conflicto entre porções da mesma monarchia, da qual uma reclamasse «o goso privativo de seus direitos naturaes e politicos». A admittirem-se semelhantes fundamentos, a Inglaterra deveria igualmente pôr-se contra as colonias ao lado da Hespanha, nação com que andava ligada por tratados tão antigos quanto o de 18 de Agosto de 1604. Este facto não impedira comtudo a Hespanha de, alliada á França, combater a Grã Bretanha quando foi da revolta das Colonias Inglezas da America, com as quaes o proprio Portugal pretendêra entrar em relações, propondo a Benjamin Franklin, então enviado em Pariz, a negociação de um convenio, antes de reconhecida pela mãi patria a independencia dos Estados Unidos. Levando a 5 de Maio de 1824, por ordem de Canning, ao conhecimento do nosso Ministerio de Estrangeiros o conteudo da Nota Verbal do ministro Villa Real, o consul Chamberlain ajuntára achar-se S. M. Britannica disposto a não abandonar o seu velho alliado Rei de Portugal, e reiterára as representações do Governo Inglez contra «a continuação inutil de hostilidades não provocadas nem sequer retaliadas, as confiscações injustas e sem motivo plausivel de propriedades portuguezas, e o emprego indesculpavel de subditos britannicos nas operações de guerra contra uma potencia com a qual estava S. M. Britannica em relações de amizade e alliança». O Governo Britannico «esperava que o Governo Brazileiro, guiado por um espirito de sabedoria e humanidade, prestar-se-hia de bom grado a acceder a essas representações, baseadas tanto sobre seus proprios interesses quanto sobre os usos reconhecidos». [Sidenote: Concessões do Imperio.] Respondendo, avançava o Brazil que a Portugal não era dado valer-se de obsoletos, ou melhor, inapplicaveis tratados de alliança com a Inglaterra no intuito de embaraçar a obra do reconhecimento da sua cathegoria politica. Afim de por seu lado aplainar a execução da dita obra, convinha porem o Governo Imperial no levantamento dos sequestros; na attribuição das prezas ao julgamento de uma commissão _ad hoc_ para fixação dos prejuizos soffridos e de justa e reciproca compensação; e por ultimo na facil promessa de não mandar atacar as colonias portuguezas d'Asia e Africa, persistindo em cerrar os ouvidos ás requisições chegadas d'Angola e Benguella, na costa occidental africana, para se lhes prestarem auxilio com que se reunissem ao Imperio. Uma expedição longinqua d'essa natureza mudaria aliás logo o caracter civil da contenda entre Brazil e Portugal, tornando-a quasi analoga a uma aggressão estrangeira contra as possessões de S. M. Fidelissima. Na materia da demissão dos officiaes britannicos, que livre e espontaneamente, no goso das suas prerogativas de cidadãos do Reino Unido, haviam posto suas espadas ao serviço da libertação de um paiz escravisado, é que o Governo Imperial escolhia não acceder; assim como continuava a fazer a cessação legal (porque virtual já o era) das hostilidades dependente do reconhecimento da independencia pela ex-metropole. [Sidenote: A opinião publica e a suspensão das hostilidades.] O Governo Imperial explicava que não só seria desairoso e offenderia o espirito publico, naturalmente susceptivel n'uma crise semelhante, o ordenar publicamente o Imperio a suspensão das hostilidades quando a paz se não achava ainda firmada, como daria ensejo a propagar-se a calumnia assacada pelos demagogos ao Imperador, de estar em connivencia secreta com seu Pai. Isto quando a separação era um facto consummado e absolutamente ao abrigo de qualquer reconsideração. O gabinete do Rio devia já estar farto de repetir o que representava a pura verdade historica--que a independencia do Brazil não fôra o simples resultado de um movimento brusco e repentino de despeito ou de revolta: fôra a coroação calculada e consciente de uma serie de actos praticados pelo paiz em defeza propria, desde que a politica franca e inequivocamente anti-brazileira das Côrtes de Lisboa obrigou o monarcha a regressar para Portugal, e pretendeu compellir o reino ultramarino a deixar-se novamente impôr a tutela do outro reino. [Sidenote: Solidez da Independencia.] D. Pedro não podia ter interesse pessoal na separação, que lhe diminuia o patrimonio: si accedeu em pôr-se á frente do movimento de desunião, é que o amor proprio offendido, a conveniencia do momento historico e mesmo a justiça da causa brazileira dictavam-lhe este procedimento, desejado e applaudido tanto pelos que ambicionavam obter depressa a emancipação do Brazil, como pelos que receavam ver cahir o paiz nas mãos da facção extrema ou fragmentar-se a immensa colonia. A independencia não corrêra no emtanto tão facil e rapida quanto poderia deduzir-se do aspecto quasi incruento do conflicto. O partido portuguez era poderoso, tinha soldados aguerridos, armas e mais dinheiro. O partido nacional possuia massas indisciplinadas, as armas de carregação que ia importando por intermedio dos seus agentes na Europa, e os montes de papel moeda que, a guisa de destroços de um naufragio, annunciavam o sossobrar do Banco do Brazil, creado pelo governo paternal de D. João VI para desenvolver a economia brazileira, e que passára a ser, com seus cofres vasios de numerario e seus livros de caixa prenhes de passivo, o emblema do descalabro financeiro da colonia que no seculo anterior fizera a opulencia de Portugal. O impeto do movimento separatista foi comtudo tão indomavel, que as forças militares da metropole cederam ante as ameaças palavrosas mais ainda do que diante das demonstrações bellicosas, que o sentimento de antagonismo ao Reino foi gradualmente tomando consistencia, linhas e feições com as provocações reaes e imaginadas, e que o divorcio dos espiritos attingiu o seu auge no momento mais azado para vingar e para forçar a deferencia das outras nações. [Sidenote: Conveniencia de transferir para Londres a séde das negociações.] As pretenções de Portugal tinham sido, com os argumentos expostos, habilmente discutidas no Rio de Janeiro entre o Ministerio de Negocios Estrangeiros do Imperio e o Consulado de S. M. Britannica, mas, para serem efficientes, as negociações tinham que transportar a sua séde para Londres, pelo menos emquanto se não chegasse a uma primeira intelligencia, que fizesse apparecer a perspectiva da reconciliação. A Nota do conde de Villa Real offerecia, no dizer da communicação ingleza a Carvalho e Mello, «uma animação evidente á abertura de uma negociação directa com Portugal», a qual o gabinete britannico entendia que não era licito ao Brazil rejeitar, consultando quer a justiça, quer a prudencia. Portugal, já o sabemos, abstivera-se de insistir mais na sujeição incondicional preliminar, e apenas reservára a discussão da soberania e independencia para depois de suspensas as hostilidades e restabelecidas as relações de paz e commercio. A Grã Bretanha, recommendando á acceitação do Imperio a abertura de paz feita pelo Reino, assumia uma responsabilidade de que Canning tinha plena consciencia. O livro do Foreign Office na Legação de Londres, correspondente aos annos de 1824 e 1825, poucos documentos encerra além de um avultado numero de chamados, muitos d'elles urgentes, para conferencias dos enviados brazileiros já com Canning, já com Mr. Planta, o Sub-Secretario permanente. As negociações foram pois quasi exclusivamente verbaes, consignando-se porem o seu andamento nos protocollos das conferencias, e não se relaxando por assim dizer uma semana o interesse de Canning no seu progredir. Com a firmeza de Canning por um lado, e o temperamento irrequieto e obstinado de D. Pedro I pelo outro, estavam condemnadas, _doomed to a failure_ como antecipava Canning, a inercia de D. João VI e a procrastinação de Palmella. [Sidenote: A personalidade do Imperador.] A personalidade resoluta do Imperador era sem duvida um elemento muito consideravel para a certeza do resultado a attingir. Em face de um soberano de vontade fraca e de estudada contemporisação erguia-se agora outro de vontade energica e todo de impulsos, cujos sentimentos de veneração filial não tinham sido amorosamente cuidados nem pela Mãi, de quem elle herdára a vivacidade, a bravura, a generosidade e até o erotismo (_very frisky with the ladies_, escreveria de D. Pedro alguns annos depois Lady Granville), mas que lhe preferia o outro filho, mais docil á sua tutela, nem pelo Pai, que pela prole inteira distribuia igualmente a sua affeição, tibia como a sua indole, e guardára a sua mais pronunciada estima para um sobrinho e genro mais respeitoso que os filhos. Os escriptores estrangeiros do tempo são, para o estudo dos personagens e factos d'esta epocha, preferiveis aos de lingua portugueza porque os não prendia a cortezania nem o receio de exprimir a verdade, e ao mesmo tempo os illuminava o clarão de uma percepção intellectual tornada muito mais desannuviada e penetrante pela educação e estranheza ao meio que observavam. Todos esses escriptores são tão concordes em elogiar a bonhomia de D. João VI, a sua clemencia, que não era absolutamente um effeito da fraqueza pois ao contrario são os tyrannos mais fracos os mais crueis, a sua accessibilidade, a sua sagacidade mesmo, como em derramar louvores sobre o donaire e a magestade do porte, a indefatigavel actividade, a coragem e sangue frio, e a preoccupação de agradar, ser justo e fazer bem, que distinguiam D. Pedro I. Não alcançára illustração nem possuia a qualidade de ouvir conselhos outros que os da propria experiencia, como de passagem no Rio observou o general Miller, inglez que desempenhou papel conspicuo nas campanhas da independencia sul-americana. Queria não só agir como pensar por si. Semelhante orientação era certamente contraproducente n'uma terra que, na essencia democratica, se vangloriava de constitucional, e entre homens d'Estado que andavam intimamente, e em muitos casos inconscientemente mesmo, solicitados por predilecções republicanas: valia porem um thesouro quando se tratava de questões, como a do reconhecimento, envolvendo a dignidade da nação. [Sidenote: A fibra militar.] N'outro ponto ainda a dissociação do Imperador com o meio tornar-se-hia mais para diante distincta. D. Pedro de Bragança, soldado até a medulla, era antes o monarcha talhado para um paiz enthusiasta do exercito do que para um paiz fundamentalmente paizano, a custo fascinado pelas glorias das batalhas. Esse mesmo antagonismo não se dava entretanto no momento da emancipação como se daria por occasião da guerra da Cisplatina, porque então todas as energias convergiam para a manutenção da liberdade politica alfim alcançada, e a animosidade contra as ambições de recolonização por parte da metropole despertava na alma nacional a somnolenta fibra militar. [Sidenote: Os plenipotenciarios brazileiros.] Da parte dos plenipotenciarios brazileiros escolhidos para a missão de Londres, devia evidentemente manifestar-se o maior fervor no cumprimento das ordens recebidas. Antes de tudo, tratava-se do baptisado politico da nova patria, fundada com o alvoroço natural á nação que adquire a consciencia de haver attingido a sua virilidade. Pessoalmente, Gameiro Pessoa, o futuro visconde de Itabayana, gosava em alto gráo da confiança e estima do Imperador, e era apenas legitimo que se sentisse ancioso por honrar a elevada distincção de que fôra recipiente, com prestar os melhores serviços ao seu paiz e ao soberano em plena popularidade. Felisberto Caldeira Brant, o futuro marquez de Barbacena, era um militar de calma energia e um politico de commedida ambição, o qual devia nutrir pelo Reino um odio hereditario, como neto do faustuoso contractador de diamantes que maravilhára a colonia com suas audacias, riquezas e liberalidades, antes de ir expirar em Lisboa sob o peso de graves accusações de fraude, livrando-o o terremoto de 1755 da clausura no Limoeiro desabado, mas não lhe restituindo a opulencia, nem a honra, nem a paz d'alma[5]. Homem de variadas aptidões, o marechal Caldeira Brant tornou-se conhecido como guerreiro, como negociante, como diplomata e como administrador. Pelejou nos mares d'Angola e nos campos da Cisplatina. Commerciou na praça da Bahia, e com igual desembaraço representou depois o Imperio em Côrtes européas e privou com os personagens mais importantes da epocha. Foi estadista benemerito, tendo atravessado um largo aprendizado para a vida publica e havendo-se salientado, antes mesmo de entrar na politica, pelas suas idéas intelligentes e progressistas: assim introduziu o primeiro a vaccina no Brazil, abriu estradas, importou machinismos bellicos, agricolas e de navegação, inclusive a primeira machina a vapor, e interessou-se por estabelecimentos de credito, pelo desenvolvimento da lavoura e pela colonização das terras[6]. [Sidenote: A questão do reconhecimento.] Para os dous enviados de D. Pedro I, a Legação do Brazil não foi certamente uma sinecura. O proprio reconhecimento appareceu-lhes bem mais difficil do que á primeira vista se imaginava. Varias questões, conforme é sabido, andavam-lhe connexas, e não era facil achar-lhes solução que agradasse a ambas as partes. [Sidenote: A successão da corôa portugueza.] Primeiramente, havia a questão de dignidade, pretendendo Portugal que a admissão da independencia do Brazil fosse materia da negociação diplomatica e não preliminar d'ella, e pensando o Brazil do modo justamente opposto. Depois, havia a questão da successão, motivada pela coincidencia de ser o Imperador o filho primogenito e legitimo herdeiro do Rei. A Inglaterra, certamente para evitar o pouco auspicioso dominio de D. Miguel, mostrava desejar que as duas corôas se reunissem, após o fallecimento de D. João VI, na cabeça de D. Pedro: subentendia-se ou não no espirito dos estadistas inglezes que o Imperador opportunamente as repartiria, como veio a succeder, formando com a sua progenie duas dynastias. Opinava Metternich, com melhor senso e previdencia e contra o juizo dos representantes d'Austria no Rio de Janeiro e em Londres, que a reconciliação na familia e dominios de Bragança se não poderia operar de uma maneira permanente ou pelo menos duravel sem uma separação inicial, absoluta e perpetua das duas corôas, tanto mais razoavel quanto Portugal nunca se sujeitaria a ser, por um instante sequer, colonia do Brazil. D. Miguel por esse tempo chegava exilado á côrte de Vienna e o Chanceller, que decerto se mirava n'esse espelho reaccionario, não levaria á paciencia deixar sem destino tão formosa vocação auctoritaria. Sobre o assumpto capital da successão, Caldeira Brant e Gameiro nenhumas instrucções tinham recebido e viram-se na necessidade de mandar pedil-as de Londres. O Imperador visivelmente abordava o negocio da regulação dos seus direitos de successão com muita reserva mental, preferindo aliás não comprometter-se de antemão a respeitar uma composição que os menoscabasse. O agente austriaco no Rio de Janeiro não passaria n'este ponto de receptaculo da opinião imperial, que facilmente haveria sido suggerida por transmissão ao encarregado de negocios em Londres da côrte de Vienna. Os ideaes politicos do barão de Neumann não abrangiam por certo as emancipações coloniaes, e tudo quanto fosse de molde a favorecer a legitimidade attrahia-o por instincto. Faltava-lhe a visão limpida ou cynica do homem d'Estado, que em Metternich se sobrepunha aos preconceitos cortezãos. III [Sidenote: Primeiros passos de Brant e Gameiro.] O primeiro passo dado em commum por Caldeira Brant et Gameiro, no desempenho da sua ardua missão diplomatica, foi procurarem o barão de Neumann, a pedir-lhe que encaminhasse para Lisboa a communicação da chegada a Londres dos plenipotenciarios brazileiros e solicitasse a nomeação de plenipotenciarios portuguezes, que com aquelles se entendessem para firmar a paz. A Austria estava a começo--como por fim estaria de novo--em tão boas disposições para com o Imperio, que o seu encarregado de negocios na Inglaterra dissera ao banqueiro Rothschild que podia sem risco de desagradar á Santa Alliança contractar o emprestimo brazileiro de tres milhões esterlinos, que os nossos enviados tinham instrucções para negociar sob hypotheca das rendas aduaneiras. [Sidenote: Carta ao marquez de Palmella.] O mesmo Neumann questionou porem longamente a redacção da participação de Caldeira Brant e Gameiro ao marquez de Palmella, apenas recebendo-a, para endereçal-a ao destinatario, quando approvada por George Canning a terceira e ultima minuta, e com o protesto de que esse seu acto não envolvia o reconhecimento do Imperio e do Imperador[7]. Para pouparem-se uma qualquer _fin de non-recevoir_, Caldeira Brant e Gameiro acquiesceram em não redigir a carta nos termos que lhes tinham primeiramente acudido, de que estavam auctorisados a chegar a qualquer arranjo que julgassem compativel com a independencia do Brazil; mas não deixaram de referir-se ao seu soberano como tal, achando o contrario em desaccordo com o theor mesmo das instrucções vindas do Rio. A este proposito escreveu Canning ao marquez de Palmella, aconselhando o Governo Portuguez a que não compromettesse a boa vontade manifestada pelo Brazil em semelhante pormenor com meras questões de forma, pelas quaes não era atilado sacrificar-se a substancia. Na diplomacia é entretanto conhecido que as questões de forma não raro primam as de fundo: n'este caso porem a forma traduzia essencialmente o fundo. [Sidenote: Resposta do Governo Portuguez.] O ministro portuguez, conde de Villa Real, abstivera-se de entrar em relações formaes com os enviados do Governo Brazileiro até receber ordens positivas de Lisboa, para onde empurrára o negocio da abertura das proposições de paz e para onde Canning, o qual por occasião da subida de Palmella ao poder sustára a discussão directa com o Brazil do seu reconhecimento, preferindo sondar a tal respeito o novo gabinete, escreveu tambem ao ministro inglez Thornton, que influisse no sentido de uma prompta solução no despacho da auctorisação. A 26 de Maio já Villa Real recebia os plenos poderes para negociar, tendo aliás sido feita a sua nomeação antes de chegada ás mãos de Palmella a communicação de Caldeira Brant e Gameiro, a qual obteve a polida resposta que podia antecipar-se da penna do culto diplomata e perfeito homem do mundo[8]. [Sidenote: Palmella no ministerio.] O regimen monarchico-democratico uma vez varrido pela Villafrancada, o marquez de Palmella fôra chamado por D. João VI para o ministerio de Estrangeiros afim de deslindar a embrulhada situação externa legada pelas Côrtes, cujas relações com os outros Governos estavam geralmente rotas. Como notorio, era Palmella um liberal moderado, que sinceramente pensava na outorga de uma Carta Constitucional pelo soberano, ainda que a lembrança despertasse uma grande opposição por parte dos gabinetes da Santa Alliança. Como acontece a todos os moderados em circumstancias apuradas e momentos criticos, foi negativo e impopular: accusavam-no a um tempo, os reaccionarios de pedreiro livre, e os liberaes de corcunda, e, hesitante entre os dous fogos, elle nada ousava de decisivo ou sequer de decidido. O regimen liberal carecia de ser implantado pelas armas para tornar-se fecunda a acção de Palmella. [Sidenote: Inclinações francezas de Subserra.] Em 1824 a sua influencia, mais propensa á amizade ingleza, posto que sem a minima disposição de sacrificar os interesses do Reino com relação á separação da sua colonia americana, andava fortemente contrabalançada no seio do ministerio pela do seu collega Pamplona (conde de Subserra), o valido do monarcha, cuja demissão Canning acabaria por exigir _quasi com ameaças_, por consideral-o com justa razão partidario estrenuo e fautor principal do predominio francez. A dupla corrente tradicional na politica portugueza, a da alliança britannica contra a da amizade gauleza, recrudescêra no seu embate, depois da Villafrancada, com a accessão simultanea de Palmella e Subserra ao poder, concretisando-se não só n'uma emulação de interesses politicos e dynasticos, como até n'um desafio de honrarias reaes. [Sidenote: Desafio de honrarias: o Santo Espirito e a Jarreteira.] Com effeito, ao tempo que desembarcava em Lisboa o embaixador extraordinario de Luiz XVIII que trazia ao rei de Portugal a ordem do Santo Espirito, singrava da Inglaterra n'um vaso de guerra o portador da ordem da Jarreteira, e contam as cartas de uma senhora ingleza, por esse tempo residente em Lisboa, que D. João VI só fazia ralhar com os physicos da real camara para que lhe puzessem logo garbosa a perna engrossada pelas erysipelas, permittindo-a receber condignamente a liga symbolica com que Jorge IV queria mimosear o seu fiel alliado. Aquella rivalidade de estadistas e de vistas, estimulada pelos motivos d'occasião, revelar-se-hia fatalmente no andamento da nossa questão diplomatica, si bem que Palmella haja deixado escripto nos seus _Apontamentos_ que as relações particulares e officiaes que entreteve com o conde de Subserra foram sempre excellentes, e que procurou o mais possivel defender o seu collega de gabinete contra o Infante e contra a Inglaterra. [Sidenote: Tergiversação da Côrte de Lisboa.] A côrte de Lisboa apparentemente manifestava a melhor vontade de encetar as negociações com os representantes de D. Pedro, e a isso movia-a o interesse de pôr inabalavel cobro ás hostilidades que Canning não cessava de pedir ao Imperio para sobrestar de vez, por seu turno reclamando os enviados brazileiros o exercicio da influencia britannica afim de pôr obstaculo ás apregoadas expedições portuguezas. Afóra porem estarem Subserra e suas affeições continentaes em plena voga e achar-se D. João VI na lua de mel semi-absolutista que se seguio ao grosseiro regimen dos Pétions das Côrtes, Palmella planeava reforçar sua popularidade á custa do reino ultramarino, e andava pessoalmente muito despeitado com Canning, pela recusa do gabinete de St-James de mandar tropas inglezas a defenderem o rei de Portugal contra as facções extremas que o empuxavam em direcções oppostas, e garantirem o partido do _juste milieu_ que Palmella encarnava. [Sidenote: Attitude do ministro Villa Real na troca dos plenos poderes.] Reflectindo esses cumulativos estados d'alma, o ministro portuguez em Londres logo á primeira entrevista com os brazileiros levantou uma difficuldade, negando-se á troca dos plenos poderes por poder ser este acto erroneamente interpretado como um reconhecimento, posto que indirecto, do Imperador que delegára os seus. Caldeira Brant e Gameiro recorreram á auctoridade de Canning, citando o precedente de Mr Oswald, o plenipotenciario britannico que nos ajustes de paz com os Estados Unidos não tivera duvida em proceder, sobre a base da reciprocidade, ás negociações com os representantes das colonias rebelladas, e o Secretario dos Negocios Estrangeiros, em resposta, lembrou com o seu costumado espirito que os reis da Grã Bretanha usaram por seculos do titulo de reis de França, sem que se entendesse, pelo facto da troca repetida de plenos poderes, que os Francezes reconheciam semelhante titulo. Villa Real acabaria por acceder á troca, mas acompanhando-a de um protesto seu ou declaração de resalva dos direitos do seu soberano, identico ao de Jorge III por occasião da emancipação politica dos Estados Unidos. [Sidenote: A Abrilada.] Os acontecimentos sobrevindos em Lisboa, onde entretanto o Infante commettêra a peor das suas travessuras, deviam naturalmente acirrar o desejo de Canning de ver logo ultimada a transacção entre Brazil e Portugal, antes que se complicasse mais a penosa situação do Reino, tornando impossivel qualquer accordo immediato. A insubordinação de seu filho, contagiando parte das tropas da guarnição da capital, obrigou D. João VI, por conselho e de combinação com Palmella, o embaixador de França e o ministro d'Inglaterra, a refugiar-se a bordo da nau britannica _Windsor Castle_ e d'ahi fomentar a reacção contra a reacção, sendo preso D. Miguel e restabelecida a regia auctoridade. [Sidenote: Pressa da Inglaterra com relação ao reconhecimento.] A Inglaterra tinha pressa de liquidar o assumpto, porque importantes interesses commerciaes de subditos britannicos se tinham creado no Brazil á sombra da amizade portugueza, augmentando de anno para anno o numero de casas inglezas nos portos e avolumando-se portanto o intercurso de mercadorias. O seu objectivo diplomatico era fazer seguir o tratado de reconhecimento do Imperio de outro para obtenção de favores mercantis e para completa abolição do trafico de escravos, no espirito das anteriores disposições entre Portugal e a Grã Bretanha e das conclusões do Congresso de Vienna, onde aquella abolição fôra consagrada como principio. [Sidenote: A questão do trafico de escravos desde 1810.] A Inglaterra que em 1807, certamente por philantropia e espirito liberal, extinguira o trafico nas proprias colonias, pretendia agora extirpal-o de vez em todo o mundo por espirito tambem de egoismo ou de conservação, não lhe convindo alimentar, mercê da barateza do trabalho servil, concorrentes temiveis aos seus estabelecimentos tropicaes. Conforme é sabido, a abolição do trafico fôra consignada anteriormente, como promessa de gradual extincção, no tratado celebrado em 1810 com a côrte do Rio de Janeiro, e, fundada n'elle, entrou a marinha britannica a capturar nos mares d'Africa navios portuguezes com carregamentos d'Africanos, pelo que a Inglaterra, em virtude dos energicos protestos do conde da Barca, teve de pagar em 1815 trezentas mil libras esterlinas de indemnização. No mesmo anno de 1815, a 8 de Fevereiro, as oito potencias signatarias do tratado de Pariz, as quaes prepararam os actos finaes do Congresso de Vienna e dirigiram os trabalhos d'esta celebre reunião de soberanos e ministros, assignaram uma declaração reprovando o trafico e manifestando collectivamente sua intenção de abolil-o[9]: entre essas potencias contava-se Portugal. Como certas contemplações eram porem devidas a certos interesses, a certos habitos, a certas prevenções mesmo, não se estabeleceu um prazo fixo para a referida abolição: deixou-se em aberto afim de ser determinado de accordo com as conveniencias de cada potencia. N'esta questão, como na da annexação da Saxonia á Prussia e da avassallação da Italia á Austria, Talleyrand soube insinuar-se no espirito dos outros delegados e manobrar com tão consummada habilidade, que conseguio dar as cartas mais ou, pelo menos, tanto quanto Metternich. O diplomata francez ajudou muito o então conde de Palmella nos seus esforços para neutralizar os da Inglaterra, que queria arrancar á Hespanha e a Portugal a abolição immediata do trafico de escravos. Em vez d'esta, o tratado de 22 de Janeiro de 1815, assignado em Vienna por Lord Castlereagh e pelos plenipotenciarios portuguezes--Palmella, Saldanha da Gama e Lobo da Silveyra--estipulava que ficaria vedado aos subditos portuguezes traficarem em escravos em qualquer parte da costa d'Africa ao norte do equador. Permanecia comtudo de pé a promessa geral de que as duas partes contractantes fixariam o periodo, em que o commercio de negros teria de cessar inteiramente para os dominios portuguezes. Na correspondencia de Talleyrand, quando embaixador em Vienna, para Luiz XVIII, está escripto que a Hespanha e Portugal obtinham um prazo de oito annos para abolição (o prazo prescripto para a França no tratado de Pariz fôra de cinco annos), o que leva a crer que esteve por tal modo assente esse ponto, ainda que logo ficasse abandonado. Em 1817, voltando a Grã Bretanha á carga, alcançou pela convenção de 28 de Julho que fosse adoptado e reconhecido o direito de visita e busca, pelos vasos de guerra britannicos, nas embarcações portuguezas suspeitas d'aquelle trafico, e bem assim a creação de commissões mixtas para julgarem os navios aprezados[10]. Para Canning seria um motivo de verdadeiro jubilo dar n'esta estimulante questão um passo adiante dos de Castlereagh e, conseguindo um prazo certo e irrevogavel para a cessação do trafico de negros entre a Africa e o Brazil, poder exclamar com o poeta seu compatriota: Thy chains are broken, Africa, be free Thus saith the island--empress of the sea. [Sidenote: O Brazil e a escravidão.] O empenho de Canning era tão forte que chegára antes a assegurar que reconheceria sem demora o Imperio e afiançaria sua integridade, si o trafico fosse completamente abolido. O Brazil constituia o grande mercado de escravos africanos, tendo-se a America Hespanhola liberado d'essa peste, e, sem o seu encerramento, inutil seria insistir na extirpação do trafico. A opportunidade apparecia seguramente unica á philantropia e á diplomacia do Reino Unido, carecendo o Imperio tanto do apoio britannico e dando por isso mostras inequivocas de estar disposto a fazer concessões em tal terreno. Canning acreditou na logica dos factos e, por esta consideração mais do que por todas as outras, sem demora desanimára Portugal nas suas primeiras pretenções de angariar o auxilio inglez para reduzir á obediencia o reino ultramarino, declarando ao Defensor Perpetuo do Brazil que nada tinha a recear de hostil ou pouco amigavel da parte do governo de Jorge IV. [Sidenote: A missão Amherst ao Rio de Janeiro. O trafico e José Bonifacio.] Mais do que isso, aproveitando a ida para a India, em Fevereiro de 1823, do governador geral Lord Amherst, Canning incumbira-o de, no decurso da escala do seu navio no Rio de Janeiro, tratar com o Imperador e o seu ministerio do assumpto vital do trafico, fazendo-lhes ver que uma nação independente não poderia decentemente preservar uma instituição que era sómente toleravel n'uma colonia, campo de cultivo e commercio, sem a dignidade de uma potencia soberana, nem as responsabilidades da defeza da sua integridade territorial. Além d'isso o Brazil permaneceria isolado, como uma vasta mancha negra, na America Latina livre, unico a sustentar um commercio odioso e universalmente reprovado. A justiça britannica ser-lhe-hia facultada, como o soe ser a qualquer paiz, mas a amizade britannica, essa tinha de ser conquistada mediante aquelle sacrificio, que era uma depuração. Procedendo com tamanha urgencia quanto denunciava essa incumbencia, confiada áquelle que ia preencher o lugar acceito por Canning no momento do inopinado desapparecimento de Castlereagh, a Inglaterra não tencionava abandonar Portugal á sua sorte; antes exigia do Brazil que o reconhecimento fosse logo correspondido «com os ajustes necessarios ácerca do reino»: mas a obsessão da extincção do trafico imperava por forma tal na sua imaginação que dissipava os melindres das allianças. Stapleton, o secretario particular, fiel amigo e historiographo de Canning, conta que Lord Amherst tratou do objecto da sua missão com José Bonifacio, cujas inclinações abolicionistas não padecem duvida, mas foram infelizmente platonicas. O ministro de D. Pedro recuou ante a perspectiva do descontentamento nacional, o qual podia até ameaçar a propria existencia do novo regimen, e somente concordou n'uma diminuição gradual e progressiva do numero de escravos importados, que daria em resultado a abolição completa do trafico dentro de muito poucos annos. [Sidenote: Instrucções secretas de Brant e Gameiro sobre o trafico.] As instrucções secretas mandadas a Caldeira Brant e Gameiro no anno immediato prescreviam-lhes, porem, que obtivessem o reconhecimento sem essa condição julgada desairosa, cuja retirada não significava todavia que o Imperador não estivesse disposto, como firmemente estava, a abolir no futuro um tão deshumano commercio. A ultima concessão que, segundo as mencionadas instrucções secretas, o Brazil se inclinava a fazer afim de obter o almejado reconhecimento, o qual só muito contrariado o Governo Imperial prestar-se-hia a acceitar conjunctamente com a abolição do trafico, era a de estabelecer-se o prazo de oito annos, como se projectára em Vienna, ou mesmo o de quatro, mas com uma indemnização de 800 contos por anno nos quatro restantes, para compensar a falta dos direitos de importação sobre os negros e outros damnos. A ausencia de colonização estrangeira que supprisse o trabalho escravo, a necessidade de prover nos annos proximos uma mais avultada entrada de Africanos para habilitar a lavoura a fazer face á forçosa escassez ulterior, e os desarranjos agricolas e commerciaes que a terminação do trafico acarretaria, eram outras tantas razões ponderosas que aconselhavam a fixação de um prazo e excluiam por nociva a abolição immediata. No fundo esta questão do trafico approximava então os dous paizes mais do que os dividia. A Inglaterra estava ainda justamente persuadida de que muito melhor lhe iria em obter a extincção pela iniciativa do Governo Imperial, do que por meio de pressão exterior. O Brazil começava ligeiramente a convencer-se--e pena foi que não continuasse a pensar assim--de que o espirito do seculo não permittiria a preservação de condições sociaes em que fosse elemento o escravo, e que o dia chegaria no qual, não havendo formulado espontaneamente a concessão, teria de ceder violentado. Effectivamente, no despacho de 28 de Agosto de 1824, em vista da correspondencia recebida da Legação em Londres, mandava o Governo Imperial desistir até da citada indemnização pecuniaria, «no ultimo caso de se não poder conseguir d'outra maneira o reconhecimento.» É claro que o Governo Brazileiro mudava de resolução pela força das circumstancias, pois a auctorização facultada aos plenipotenciarios brazileiros, para liquidarem finalmente a divergencia de vistas das duas nações sobre o trafico, havia-lhes sido retirada dias antes, no Despacho de 18 de Agosto, por ter-se o Governo Imperial capacitado de que a Grã Bretanha não deixaria de reconhecer a independencia do Brazil pelo facto de não ajustar-se aquella divergencia. O Imperador sentia-se tambem desobrigado de quaesquer contemplações para com o gabinete de St-James, que traduzissem prejuizo para a economia nacional. É mister não esquecer que até alli a Inglaterra se não decidira inteiramente a pôr Portugal de lado e negociar directamente o tratado de reconhecimento, nem «quizera ser abertamente mediadora para com Portugal, tendo-se apenas mostrado officiosa», verdade é que pela simples razão que Portugal nunca solicitára formalmente a mediação para celebrar _a paz_ com o Brazil. [Sidenote: A França e a Grã Bretanha na Peninsula Iberica.] A Inglaterra no emtanto possuia, além dos commerciaes e humanitarios, motivos de natureza restrictamente politica para desejar não ser vencida por qualquer outra potencia do Velho Mundo nas boas graças do Brazil. A sua rivalidade com a França, rivalidade tradicional e caracteristica na historia européa, encontrára na Peninsula. Iberica, mercê da localização do conflicto geral entre absolutismo e constitucionalismo, um campo de verdadeira cultura intensiva. Depois da guerra d'Hespanha e das faceis victorias do duque d'Angoulême, a influencia dos Bourbons de França tornára-se poderosissima na côrte parente de Madrid. Na côrte de Lisboa Hyde de Neuville estava em alguns casos conseguindo mais do que Thornton, não só pela ligação pessoal com Subserra, como pelo facto de representar uma monarchia que, longe de permittir á inundação democratica fertilizar a administração publica, antepunha um dique de preconceitos á maré popular. [Sidenote: Partido tirado pelos politicos brazileiros das rivalidades internacionaes.] Os politicos do Rio de Janeiro, para os quaes a amizade britannica, da nação senhora dos mares, era bem mais importante do que a franceza, com bastante tino pensaram em explorar essa conhecida rivalidade com o fito de mais facilmente obterem a classificação politica do Imperio, e tampouco se descuidaram de jogar outras cartas diplomaticas. Nas instrucções ostensivas de Caldeira Brant e Gameiro notava-se--um mez depois de proclamada a doutrina de Monroe, a qual Canning, ao suggeril-a indirectamente n'um momento de apuro, certamente não antevia quanto poderia de futuro tornar-se infensa á propria Inglaterra--que o estabelecimento de uma possante monarchia constitucional no hemispherio sul da America operaria como uma barreira opposta «á ambiciosa e democratica politica dos Estados Unidos, afim que para o futuro não prevaleça a politica americana á européa.» Esta razão não era futil para que a Inglaterra hesitasse em urgir Portugal. Era pelo contrario uma das mais convincentes para o estadista que geria as relações externas do Reino Unido. Canning antevia e temia a concorrencia mercantil e sobretudo politica dos Estados Unidos, e o facto mesmo d'elle recear a preponderancia norte-americana no continente que se jactava de haver chamado á existencia autonoma, é um motivo para não acreditar-se que, como pretendem alguns, a declaração do Presidente Monroe tivesse sido o fructo do concerto do Secretario dos Negocios Estrangeiros de Jorge IV com John Quincy Adams. Na verdade, mais do que a suggestão das palavras ao ministro Rush, aproveitou á Republica a indicação fornecida pela propria attitude de Canning para com a metropole hespanhola, si bem que não tivesse igualado a postura aggressiva de Pitt, reflectida na famosa proclamação de Sir Thomas Picton, convidando o povo venezuelano a «libertar-se do jugo oppressivo e tyrannico que mantinha o monopolio do commercio». Formulando a sua doutrina internacional, cuidavam porem os Estados Unidos de combater a importancia que estava adquirindo sobre o Novo Mundo a protecção ingleza, e não em auxiliar quaesquer planos do estadista britannico. Monroe de facto oppoz o protectorado americano ao inglez quando ambas as potencias visavam o mesmo alvo, que era a conquista commercial e moral das novas nações fabricadas com os fragmentos do imperio colonial iberico. [Sidenote: Acção dos enviados brazileiros junto a Canning.] Continuando entretanto Villa Real a demorar o seguimento das negociações, allegando não receber de Canning a formula, que lhe pedira, do protesto inglez por occasião do tratado de paz com as colonias da America, e que lhe devia servir de modelo, os enviados brazileiros, impacientados, foram ter com o Secretario d'Estado, a quem perguntaram desassombradamente si estava disposto a tratar isoladamente com elles, não dando Portugal mostras de querer reconciliar-se. Canning, por cuja individualidade Caldeira Brant e Gameiro professavam a maior admiração e estima, não se furtando a encarecer-lhe o genio e a sinceridade, e tratando-o repetidamente nos seus informes para o Rio de _grande homem d'Estado_, fizera-os socegar e os aconselhára a de novo procurarem o conde de Villa Real, ajustando-se por fim a futura troca dos plenos poderes na forma já descripta, e realizando-se no Foreign Office, a 12 de Julho, a primeira conferencia sobre o negocio do Brazil, a que assistiram os cinco interessados: Caldeira Brant, Gameiro, Villa Real, Canning e Neumann[11]. [Sidenote: Esboço de tratado formulado por Brant e Gameiro.] Os plenipotenciarios brazileiros tinham previamente submettido a Canning, a pedido mesmo d'este, um esboço do tratado pelo qual Portugal reconheceria a independencia do reino ultramarino. Era o unico accordo que tinham recebido instrucções para assignar immediata e definitivamente, devendo celebrar outro tratado _ad referendum_, em que fossem passadas em revista e assentadas todas as questões oriundas ou prendendo-se com a Independencia, taes como successão da corôa, indemnizações e outras. [Sidenote: Canning e a successão.] Canning queria, pelo contrario, incluir logo no tratado de reconhecimento a regulação da herança do throno portuguez, que visivelmente o preoccupava, presentimento do qual se pode colligir a agudeza da sua visão politica. [Sidenote: Exigencias previas de Villa Real na primeira conferencia do Foreign Office.] Quanto a Villa Real, assignalou a entrevista pedindo, antes mesmo de fallar em reconhecimento, explicações sobre trez pontos, que correspondiam ás condições portuguezas para a entrada em relações diplomaticas com a ex-colonia: a cessação das hostilidades; o restabelecimento das relações commerciaes, e a restituição das propriedades de Portuguezes sequestradas e das embarcações aprezadas, ou a indemnização equivalente. [Sidenote: A suspensão das hostilidades.] O ministro portuguez, como cabia a um bom diplomata, não deixou de fazer valer--e a referencia produziu impressão nos circumstantes--que D. João VI, assim que reassumira a plenitude do seu poder, mandára espontanea e generosamente suspender as hostilidades. Habilmente porem acudiram Caldeira Brant e Gameiro que D. Pedro de facto havia feito o mesmo: de direito não ousaria fazel-o mais expressiva ou terminantemente, visto não ser, como seu Pai, monarcha absoluto. A evocação das limitações constitucionaes tinha o condão de agradar sempre a um ministro, como Canning, que luctava contra os restos do poder pessoal na monarchia britannica. [Sidenote: Expedição portugueza ao Rio de Janeiro.] Tendo os enviados brazileiros aproveitado perfeitamente o ensejo offerecido pelo portuguez para occuparem-se da expedição de 10,000 homens, com 5,000 mercenarios hanoverianos, a qual ameaçava partir de Lisboa para o Brazil, ficou combinado que tal expedição quedaria em projecto (Villa Real prometteu-o com tanto menos ambages quanto Portugal não sentia grande confiança na praticabilidade do plano de ataque), si por parte do Brazil continuassem effectivamente suspensas as hostilidades. Por seu lado prometteram Caldeira Brant e Gameiro encaminhar para o Rio de Janeiro, a Luiz José de Carvalho e Mello[12], as proposições do plenipotenciario de S. M. Fidelissima. [Sidenote: Segunda conferencia no Foreign Office. Canning assume a tarefa de redigir um projecto de tratado.] A 19 de Julho teve lugar no Foreign Office a segunda conferencia, á qual tambem assistiu o principe Esterhazy, já de regresso da Austria e removido para a embaixada de Pariz[13]. Deu-se nova e infructifera insistencia dos plenipotenciarios brazileiros para arrancarem ao conde de Villa Real o reconhecimento da Independencia, e como elle se recusasse, para levarem as côrtes medianeiras a obterem-no. Fazendo Caldeira Brant e Gameiro depender tudo mais d'aquelle reconhecimento, e não indo as instrucções do plenipotenciario portuguez, conforme declarou depois n'uma entrevista confidencial com os brazileiros realizada a 1^o de Agosto, além da auctorisação para o reconhecimento da autonomia, não da soberania do Brazil, a negociação teria entrado n'um becco sem sahida si Canning, com sua habitual presença d'espirito, não houvesse, para remover a difficuldade, tomado o expediente de avocar ás potencias medianeiras a tarefa de redigirem e apresentarem o tratado de reconciliação. E como o principe Esterhazy advertisse que a côrte austriaca apenas queria conciliar idéas e não suggeril-as, o Inglez propoz-se assumir sósinho o trabalho e a responsabilidade. Por sua vez Villa Real observou, que não possuia poderes para mais do que para discutir as proposições brazileiras, podendo comtudo encaminhar para Lisboa qualquer projecto de Canning. IV [Sidenote: Fraqueza dos recursos militares do Reino. Papel glorioso da marinha nacional.] O plenipotenciario portuguez defendia com pertinacia uma causa de antemão perdida. O que se tratava de ganhar, era não mais o Brazil, mas a honra. O governo de D. João VI devia estar, como o proprio Rei, plenamente convencido de que, pela guerra, Portugal nada alcançaria. Que os recursos do Reino se viam impotentes para bater o Imperio, provára-o de sobejo o facto da pobrissima esquadra nacional ás ordens de Lord Cochrane, com uma unica nau forte, veleira e bem tripolada, a _Pedro Primeiro_, haver logrado bloquear a Bahia, immobilisar as forças maritimas contrarias, incomparavelmente superiores em numero e como unidades, e compellir em terra o general Madeira a capitular. Peor do que isso--com quatro navios apenas o almirante anglo-brazileiro, em Julho do anno anterior (1823), dera caça á esquadra portugueza de treze navios, comboiando sessenta a setenta embarcações com tropa, familias portuguezas que se retiravam para a metropole, munições e o mais, e aprezára ou incapacitára uma porção d'essa frota, pondo a mão sobre metade do exercito inimigo com bandeiras, artilheria e provisões. Ficou demonstrado, uma vez ainda depois da guerra naval com os Hollandezes na costa do norte do Brazil, quanto vale no mar a ligeireza: as naus portuguezas, mais pesadas, não podiam escapar, quando isoladas ou interceptadas, ás embarcações mais velozes da marinha brazileira, nem tampouco podiam perseguil-as de combinação. Deixando em paz o resto da esquadra dos adversarios, Cochrane aproveitou-se d'essa sua maior facilidade de movimentos para fazer-se de vela para o Maranhão, que, sem derramar gotta de sangue, audaciosa e astutamente reduziu á auctoridade imperial antes de chegar o reforço portuguez. No Pará o capitão Grenfell, para alli despachado pelo almirante, procedeu de modo analogo e com identico afortunado resultado, podendo a improvisada esquadra nacional gabar-se no fim da curta campanha de ter, sem sacrificio de uma nau, subjugado duas enormes provincias e aprezado mais de 120 navios portuguezes[14]. [Sidenote: As prezas de Lord Cochrane.] E sabido que, apezar das legitimas reclamações de Lord Cochrane e da sua soffrega marinhagem, o Imperador não mandou proceder á condemnação e adjudicação das embarcações capturadas e bens sequestrados, conscio de que tal acto excitaria extrema animosidade em Portugal e causaria má impressão na Inglaterra, e desejando conservar toda a propriedade portugueza em deposito para opportunamente restituil-a, quando fosse celebrada a reconciliação com a mãi patria. O Governo Imperial, cuja segurança contra a opinião nativista não era comtudo tanta que o tivesse permittido abolir por acto publico as hostilidades, quando para este passo o instigava o Governo Britannico, porta-voz do Portuguez, queria manifestar por aquella forma ao Reino e á Europa a sua honestidade e moderação. [Sidenote: Entrevista confidencial de Villa Real com os enviados brazileiros.] Considerando todas estas razões, o exgottamento de Portugal e a tolerancia do Brazil no assumpto das prezas, Villa Real entendeu, não obstante a sua sobranceria de gentilhomem-diplomata, dever abrir-se um poucachinho mais na entrevista confidencial de 1^o de Agosto com Caldeira Brant e Gameiro, na qual affirmou com segunda intenção estar-lhe formalmente vedado ouvir e encaminhar proposições de independencia que não fossem acompanhadas de justas compensações. Perguntado n'um tom indifferente pelos nossos enviados quaes poderiam ser essas suppostas compensações, respondeu, na apparencia vagamente, que julgava serem, pelo menos, a reunião por morte de D. João VI das duas corôas na cabeça de D. Pedro, ou dos seus successores immediatos ou collateraes; favores especiaes ao commercio portuguez, e assumpção pelo Brazil de parte da Divida Publica portugueza. Caldeira Brant e Gameiro responderam que, por emquanto, lhes falleciam instrucções para tratarem dos pontos aventados, havendo, quanto ao primeiro, o Imperador propositalmente querido separar seus interesses pessoaes dos geraes do Imperio. Não deixaram entretanto os plenipotenciarios brazileiros de ir logo apontando o perigo, senão a impossibilidade da reunião das duas monarchias, a qual no dizer de Villa Real o Governo Britannico julgava factivel «mediante a alternativa da residencia dos soberanos entre os dous Estados». [Sidenote: Novas conferencias no Foreign Office. Má vontade da Austria. Juizo de Metternich sobre Canning.] A 9, 11 e 12 de Agosto tiveram lugar no Foreign Office novas conferencias plenarias[15], em que voltou longamente á discussão a questão do reconhecimento preliminar reclamado pelo Brazil e das condições preliminares exigidas por Portugal, sem outro effeito mais do que evidenciar a crescente má vontade da Austria em ajudar as pretenções do Imperio sul-americano. Nem Metternich, que subordinava todas as considerações publicas e de familia á da preservação da Alliança tendente ao «repouso politico» sobre que devia, no seu juizo, assentar o desenvolvimento industrial e commercial do seculo, acreditava ainda muito na sinceridade liberal de Canning, ou na sua solicitude pelos povos emancipados de tutelas anachronicas pelas circumstancias que as rodeavam. N'uma communicação ao principe Esterhazy, a qual traz antes o cunho litterario de Gentz, o Chanceller externava nos seguintes termos a sua impressão do caracter politico do estadista inglez: «Si me não engano, M^r Canning pertence a essa classe de homens que por vezes entram em certas associações, sem por isso ligarem ao exito d'ellas os seus sinceros votos; taes homens especulam sobre as vantagens do momento e não se esforçam menos por assegurar o seu capital fóra da empreza»[16]. [Sidenote: Projecto de tratado apresentado por George Canning.] As conferencias de Agosto teriam porem continuado a dar o mesmo resultado negativo das de Julho, si na primeira d'ellas o _homem de dous pesos e de duas medidas_, conforme o qualificava Metternich, não tivesse cumprido sua promessa de apresentação de um projecto de tratado, virtualmente analogo ao que fôra previamente offerecido pelos plenipotenciarios brazileiros[17], mas com um artigo secreto relativo á successão, estipulando que as Côrtes de Lisboa, ao determinarem a forma da herança da Corôa Portugueza, poderiam chamar a cingil-a o primogenito, ou, na falta de successão masculina, a primogenita do Imperador. Após conversações particulares com Canning, Esterhazy e Neumann, e discussão com o mesmo Canning de algumas objecções ao referido artigo secreto, resolveram os plenipotenciarios brazileiros acceitar o alludido tratado _sub spe rati_. Este procedimento, que lhes aconselhou o Secretario d'Estado britannico, mereceu a approvação do Governo Imperial. As cousas estavam todavia longe ainda do seu termo. [Sidenote: Insistencias de Villa Real e evasivas de Brant e Gameiro.] Na conferencia seguinte com effeito voltou Villa Real á carga com as suas trez proposições, insistindo na pouca vontade em annuir a essas condições que denunciava a resposta do ministro Carvalho e Mello ao consul Chamberlain, e ameaçando interromper a negociação encetada até receber novas ordens do seu Governo. Só não levou a cabo a ameaça pela opposição dos trez medianeiros, que não quizeram que, por motivo de um emperro considerado pueril, ficassem gorados os seus desejos e esforços para uma pacificação inevitavel e inadiavel. No tocante ás queixas do ministro portuguez, só era dado aos nossos enviados replicar com evasivas, e isto executaram-no com geito. Lembraram que a reclamação transmittida por Chamberlain e compendiando o preliminar desideratum portuguez, fôra anterior á abertura das negociações de Londres, e que a replica do Ministro de Estrangeiros correspondia á phase que precedêra o exercicio dos bons officios das duas potencias amigas. N'aquelle instante, porem, as intenções do Governo Brazileiro dirigiam-se no sentido de concorrer para a cessação das hostilidades, suspensão dos sequestros e facilidades das relações commerciaes entre o Imperio e o Reino. Carecia comtudo o Imperador de proceder com toda a deferencia para com a opinião publica, a qual se manifestava adversa a qualquer composição com a ex-metropole antes de reconhecida a independencia da ex-colonia, e no Novo Mundo se sentia capaz de impôr ao throno, ainda mal firmado, as suas preferencias. [Sidenote: Espirito de rebellião no Brazil.] Invocando o espectro da anarchia, que as difficuldades domesticas poderiam gerar, o Governo Brazileiro era mais sincero do que pareceria á primeira vista, para quem apenas se lembrasse da oppressão exercida sobre a America pelas duas metropoles da Peninsula Iberica. O povo já não era o mesmo dos bons tempos coloniaes, quando o throno de Portugal exercia de longe para o Brazileiro nato a attracção do fetiche para o Africano boçal. A Côrte permanecêra treze annos no Rio de Janeiro, não mais a côrte dos vice-reis, com suas pequenas tyrannias e suas ridiculas vaidades, mas a verdadeira Côrte dos Braganças, não menos ignára e moralmente corrupta, no seu conjuncto, do que aquella. O contacto de todos os dias com a fidalguia do Reino, junto com a franca leitura de livros estrangeiros e a convivencia com os estrangeiros--e n'estes pontos o governo de D. João VI foi perfeitamente liberal--tinham destruido até o respeito pela realeza. A sympathia pelas instituições e costumes de outros povos surgiu simultaneamente com o desapparecimento da confiança nas instituições e costumes de casa, ou por outra vingava a ambição de transformar umas e outros. Um viajante inglez que esteve no Rio de Janeiro em 1821 conta quão effervescente estava o sentimento constitucional e nacionalista, isto é, o sentimento adverso ao absolutismo e á metropole. Um dos dramas populares do dia no theatro da cidade intitulava-se a _Eschola dos Principes_, e como o titulo o indica, punha em scena com intuitos moralizadores os erros a que pode ser conduzido um joven principe mal aconselhado. A primeira representação teve lugar no anniversario natalicio de D. Pedro, já principe regente e presente ao espectaculo, e os assistentes sublinharam, com olhares intencionaes e applausos as frequentissimas allusões e advertencias, de que se achava recheada essa peça _sui generis_ e de alcance patriotico. A opinião esclarecêra-se e adquirira consistencia com a vista do espectaculo politico que lhe fôra proporcionado pelo monarcha e seu sequito. [Sidenote: Aspecto moral da capital brazileira.] O quadro traçado por Mathison[18] da séde da monarchia portugueza é em muitos sentidos degradante, mas exacto. A emigração do Reino transportára, com seus thesouros, os seus favoritismos e as suas intrigas, e a administração publica, salvo esforços individuaes dignos dos maiores encomios, desgraçadamente moldára-se pela da metropole. O erario não podia fazer honra aos gastos da corôa, que raramente se traduziam por beneficios publicos, lucrando antes a camarilha com a prodigalidade regia e continuando o paiz sem esquadra que defendesse os seus disseminados e ameaçados dominios, a cidade sem edificios que lhe dessem fóros de capital, o povo sem instrucção nem bem estar que lhe grangeassem devoção civica e lealdade dynastica. O peculato assentára por toda a parte os seus arraiaes; o suborno era um systema consagrado; a venda de honrarias, dignidades e posições uma cousa admittida; o contrabando uma funcção creada senão reconhecida, posto que perturbadora do organismo economico. A moeda andava legalmente falsificada, sendo os pesos de prata hespanhoes, avaliados ao par em 800^{rs}, refundidos em peças de trez patacas ou 960^{rs}, e passando o cobre por identica adaptação. Sobre esta circulação metallica avariada repousava o credito da circulação fiduciaria, e Estado e Banco auxiliaram-se com uma permuta de favores equivocos até que, retirando-se de novo para Portugal, a Côrte arrecadou o dinheiro e fundos nacionaes e deixou o Banco limpo de numerario e sobrecarregado de notas desvalorisadas. Esta situação era patente e criticada desde que a critica conquistára sua franquia, e tão impressiva tornára-se a influencia da opinião que o Imperador, particularmente quando era ainda principe real, cortejava o mais afanosamente a popularidade das ruas e mórmente a do exercito, apparecendo repetidamente em publico, passando continuas revistas ás tropas, correspondendo pressurosamente ás saudações, protestando em proclamações o seu devotamento á terra em que crescêra e que chamava sua. [Sidenote: Recusa para a transmissão do projecto Canning.] Essa terra elle só a poderia porem chamar verdadeiramente sua, depois que lh'o permittissem as potencias do Velho Mundo, e o meado do anno de 1824 já decorrêra sem que as respectivas negociações se approximassem do seu desfecho. Pelo contrario, ao procurar discutir-se no Foreign Office o projecto de tratado offerecido por Canning, deu-se uma nova serie de recusas. Allegou immediatamente o ministro portuguez seu papel unico de transmissor de propostas brazileiras, que não envolvessem o desconhecimento dos legitimos e sagrados direitos de S. M. Fidelissima. Propuzeram então os enviados brazileiros que o Secretario d'Estado britannico e os representantes da Austria endereçassem o projecto ao gabinete da Bemposta, para que este auctorisasse Villa Real a discutil-o. Furtaram-se porem os Austriacos á missão, por julgarem-na fóra do papel todo consultivo adoptado pela côrte de Vienna, que não queria propriamente intrometter-se n'um negocio por ella considerado de familia, e muito preferia que a solução viesse do accordo directo entre as duas partes, sem recurso a terceiros. A verdade era, além dos ciumes de Metternich pela posição preponderante que estava cabendo a Canning na independencia do Novo Mundo, que a Austria chegava-se para Portugal e desamparava o Brazil á medida que se dissipava a impressão das Côrtes demagogicas de 1820 e que a politica de reacção vingava em Lisboa sobre as aspirações liberaes. [Sidenote: Canning transmitte seu proprio projecto de tratado para Lisboa.] Canning, que não tinha razão para professar as mesmas hesitações que Esterhazy e Neumann, prestou-se a ser o transmissor unico do seu proprio projecto, protestando acompanhal-o das maiores instancias pela sua acceitação por parte do Governo Portuguez. Como homem superior que era, declarou mais e sem rebuço que não fazia questão, nem do fundo nem da forma, do escorço apresentado e que do melhor grado acceitaria quaesquer modificações razoaveis, que lhe fossem suggeridas. Ora, na opinião de Caldeira Brant e Gameiro, não podiam deixar de ser introduzidas alterações pelo gabinete de Lisboa, ao qual--devia considerar-se certo--o projecto não agradaria, si bem que parecesse andar em tão benevolas disposições que, segundo declaração do conde de Villa Real n'uma das conferencias de Agosto, as auctoridades do Reino haviam mandado desembargar e restituir a sumaca brazileira _Jervis_, do Maranhão, arribada á ilha Terceira. [Sidenote: Solicitude de Canning pelas negociações.] Não é exaggerado dizer que sem a intervenção de Canning, as negociações de Londres teriam sido um fiasco. Elle com effeito acompanhou-as de começo a fim com a maior solicitude, _looking on for England to see fair play_ (vendo pela Inglaterra que tudo se passasse direito), para usar das suas palavras. Não era sem razão que elle escrevia a 17 de Agosto ao seu intimo amigo Granville, a quem escolhêra para ir substituir em Pariz Sir Charles Stuart: «Portugal sósinho deu-me mais trabalho durante os ultimos dous mezes, do que se deveria razoavelmente contar em meio anno da parte de todas as côrtes da Europa[19].» Agora, porem, dava-se forçosamente uma pequena suspensão de actividade no negocio do Brazil, que lhe permittiria voltar com mais vagar sua attenção para as outras nações latino-americanas. [Sidenote: Affazeres da Legação.] Após as trez successivas entrevistas do Foreign Office e emquanto aguardavam a sequencia dos acontecimentos, tampouco ficavam inactivos os representantes do Imperio em Londres. A Legação accumulava n'aquelle tempo as funcções de consulado, de repartição fiscal e de casa de commissões. Comprava encommendas para o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, e até adquiria, tanto quanto nos Estados Unidos, navios de combate, pois a neutralidade affectada pelo Governo Britannico não era tamanha que impedisse geralmente essas manifestas violações. Nem deve admirar a liberdade com que na Inglaterra se permittiam o apresto e partida de expedições armadas, com homens, embarcações e petrechos bellicos, para servirem no Brazil contra Portugal, quando a França, mau grado a sua politica ultra-conservadora, não reluctára a admittir os consules brazileiros nos seus portos sob o titulo de agentes commerciaes. Era necessario engajar muitos marinheiros para a armada nacional porque o nosso espirito, capitalmente refractario á disciplina militar, já n'esse momento obrigava a utilisarem-se no serviço naval os mercenarios estrangeiros que tão damninhos viriam a tornar-se no exercito. A Legação fazia igualmente operações financeiras, negociando emprestimos e emittindo apolices. [Sidenote: Emprestimo brazileiro prejudicado pela revolução pernambucana de 1824. Esperanças portuguezas. Fuga de Manoel de Carvalho.] Reza um dos officios de Caldeira Brant e Gameiro que a emissão parcial de apolices realisada a 75 no dia 11 de Agosto de 1824, foi prejudicada pelos noticias da rebellião pernambucana de Manoel de Carvalho e sua tentativa de fundação da Confederação do Equador. Esta sanguinolenta revolução, cuja terminação Carvalho e Mello só a 4 de Outubro poderia annunciar para Londres, tambem foi, combinada com a experiencia de uma negociação á parte, um poderosissimo incentivo para a encommendada hesitação de Villa Real em admittir a realidade da Independencia: o gabinete de Lisboa espreitava ancioso o successo da revolução. É conhecido que, vencido pelas tropas imperiaes, Manoel de Carvalho Paes de Andrade seguio para a Inglaterra a bordo da corveta ingleza _Brazen_, para onde passára da fragata _Tweed_, na qual se refugiára diziam os legalistas, ou, como argumentavam os Inglezes, fôra negociar a sua capitulação com o almirante da esquadra de bloqueio, que para aquelle fim erguêra bandeira de tregoa. Em Londres perseguio-o sem resultado o odio da Legação, reflexo do rancor imperial. De facto a fuga do Presidente rebelde desapontou vivamente o Governo Brazileiro, que descarregou desapiedadamente a sua contrariedade sobre as figuras secundarias do movimento. O brigadeiro Lima e Silva, chefe das forças legaes, inutilmente reclamára a entrega de Manoel de Carvalho ao commandante britannico, e o Ministro dos Negocios Estrangeiros, depois de ter ensaiado sem exito recorrer a Chamberlain, tentou a reclamação directa em Londres por intermedio dos nossos dous enviados. O Governo Imperial não só exigia a entrega do _facinoroso_, como uma satisfacção pelo occorrido sob a forma de punição do commandante da _Tweed_ por causa da infracção de neutralidade commettida n'um porto nacional e bloqueado pela marinha nacional, na forma da participação previamente expedida aos Consules estrangeiros. O official inglez recusára-se mais tarde a annuir ás justas representações da primeira auctoridade de Pernambuco, encaminhadas pelo consul britannico, assim procedendo em desaccordo com o precedente estabelecido por Sir Thomas Hardy, o qual fizera desembarcar de um paquete inglez, aportado á Bahia, e entregára ao governo local, que o reclamava, o pernambucano Gervasio Pires Ferreira, e em desaccordo não menos flagrante com a declaração britannica de absoluta neutralidade em todas as luctas intestinas da America. Carvalho e Mello invocou todas as regras de direito publico maritimo para provar que um navio, sobretudo de guerra, «não deve servir em porto estrangeiro de valhacouto a criminosos», constituindo o contrario uma violação de soberania, e procurou rebater as desculpas do consul e almirante britannicos quanto á partida de Manoel de Carvalho antes de recebido o pedido de entrega; ao asylo concedido no mar alto e não dentro do porto, e outras circumstancias adduzidas para justificação do seu acto de humanidade, cuja discussão proseguio, mas não embaraçou no minimo a do reconhecimento politico do Imperio. [Sidenote: Brant e Gameiro recebem novas instrucções. O armisticio e a successão ao throno portuguez.] Não soffreram sequer demora as novas instrucções pedidas por Caldeira Brant e Gameiro, e que a 20 de Setembro chegaram do Brazil, auctorisando-os a celebrarem, uma vez que as negociações proseguissem com segura expectativa de obter-se o almejado reconhecimento, o armisticio preliminar de facto existente desde o inicio d'aquellas negociações, mas em cuja formal declaração insistia sem recuar o ministerio portuguez. Esse armisticio seria de um anno para menos, «com a clausula de se estipular expressamente um prazo, que poderia ser de trez mezes pouco mais ou menos, para fazer constar no Brazil a epocha do rompimento por parte de Portugal», não devendo o Governo Portuguez recomeçar as hostilidades antes de expirar o prazo estipulado. As ordens do Rio recommendavam além d'isso que os nossos enviados evadissem quanto possivel a questão dos direitos hereditarios do Imperador á corôa portugueza. D. Pedro persistia em entreter a doce illusão de que lhe seria facil governar um dia Portugal do Brazil, ser Imperador e Rei como o são hoje os soberanos da Austria-Hungria, mas como si estes fossem Imperadores da Hungria e Reis da Austria; ou como o é o Rei Eduardo VII, sem que porem se lembre de transferir para Calcuttá a capital dos seus dominios. D. Pedro acceitára ou antes cingira a corôa imperial para não ver o Brazil tornar-se independente debaixo do systema democratico, mas tanto não perdia de vista o throno dos seus maiores, que eliminou na Constituição por elle outorgada a disposição contida no projecto da Assembléa Constituinte dissolvida pela força em 1823, prohibindo expressamente a reunião das duas corôas sobre a cabeça do Imperador do Brazil. Agora, nas instrucções mandadas aos seus plenipotenciarios em Londres, limitava-se a mencionar muito confusamente que a renuncia á corôa portugueza era tacita e subentendia-se desde que ficára dividida a monarchia com a fundação de uma nova dynastia americana; para mais, até lhe estava constitucionalmente vedado sahir do territorio brazileiro sem consentimento da Assembléa Geral. Si a consignação d'esta separação definitiva de dynastias fosse a condição _sine qua non_ do reconhecimento, D. Pedro concordaria em assignar a renuncia para não ficar sem o throno imperial. Suspirava porem por que d'este assumpto «se não faça menção até que para o futuro, no silencio das paixoens, e do furor dos partidos que tolhem o livre curso á razão, e á boa politica, possam as partes interessadas tomarem com madureza e liberdade o accordo que melhor convier á sua commum prosperidade». No caso de forçada opção entre o Reino e o Imperio, é que o soberano confessava com uma adoravel franqueza que escolheria ficar no Brazil desde llogo, _pela sua superioridade em todo o genero ao pequeno e envelhecido Reino de Portugal_, e tambem porque era isto conforme aos desejos da população brazileira, assim como aos interesses das duas partes da monarchia, de que uma teria de ver-se abandonada em proveito da outra, não gosando infelizmente o monarcha do dom divino da ubiquidade. Considerações sociologicas, aspirações populares e conveniencias publicas desappareceriam porem de mistura, si porventura a renuncia não fosse indeclinavelmente exigida. A porção confidencial das instrucções mandadas a 16 de Julho de 1824, descobrindo um pouco o pensamento imperial, dizia que a reciprocidade das renuncias, ao Brazil por parte do Rei de Portugal e a Portugal por parte do Imperador do Brazil, não podia em rigor ser invocada, visto não existir paridade nas duas situações, contando a do Imperador a seu favor, ou para tornal-a muito mais difficil, com os direitos de nascimento e primogenitura; que o artigo constitucional prohibindo a ausencia temporaria do Imperador continha em si mesmo a alternativa ou remedio, e não tornava portanto de modo algum obrigatoria a renuncia pelo facto de não poder ir D. Pedro eventualmente recolher a successão portugueza; finalmente que era mister conservar um regio asylo para D. Pedro no caso, _não provavel mas possivel_, de ter elle que desertar o Imperio «por effeito de successivas e horriveis reacçoens». [Sidenote: Pretenções portuguezas a suzerania. Vantagens commerciaes offerecidas pelo Brazil.] Cedendo ou parecendo ceder no ponto do armisticio preliminar e explicando-se, posto que imperfeitamente, no da successão, o Imperador do Brazil não convencia no emtanto Portugal a desistir da sua pretenção á suzerania. Para melhor seduzir o Reino, chegou o Governo Brazileiro a pensar--do que dá testemunho o Despacho de Carvalho e Mello de 16 de Julho de 1824--em conceder logo a Portugal umas primicias das vantagens commerciaes que elle cobiçava, e que Canning achava naturalissimo fossem arbitradas ás mãis patrias pelas antigas colonias americanas. O reconhecimento da Independencia implicaria d'essa forma para Portugal o tratamento da nação mais favorecida, passando suas mercadorias a pagar, como as inglezas por virtude do tratado de 1810, 15 0/0 _ad valorem_ de direitos, em vez dos 24 0/0 que eram a pauta geral para as importações estrangeiras: isto emquanto se não ajustasse com maior vagar um convenio commercial definitivo. Na correspondencia official de Caldeira Brant e Gameiro não se encontra comtudo vestigio algum de que elles houvessem proposto a referida vantagem mercantil, conforme achavam-se auctorisados e conforme achavam opportuno, com uma reducção ainda maior, no momento de redigirem o seu projecto de tratado no inicio das negociações. Certamente mudaram de opinião porque, tendo recebido aquellas instrucções em Outubro, já as circumstancias eram outras e, mercê do jogo obstinado da côrte portugueza, a discussão ia entrando n'uma phase diversa, que pouco depois se accentuaria pela chegada da resposta do Reino ao projecto de Canning. Accresce que os nossos enviados tinham tomado inteiramente pé no mundo politico de Londres e tinham razões para nutrir uma quasi certeza de que a teimosia do gabinete de Lisboa só lhes acarretaria beneficios, e que mais facil era Canning romper com os ministros de D. João VI do que deixar por longo tempo sem solução a questão brazileira. [Sidenote: Opposição portugueza. Idéas de Palmella. Sympathia de Canning.] Durante esse tempo, fortes com o estalar da rebellião pernambucana e com as informações do panico que se apossára da cidade do Rio ao serem alli conhecidos os preparativos da expedição portugueza, as gazetas de Lisboa puzeram-se a insultar desaforadamente o Brazil. Por meio d'essa expedição, ou do annuncio d'ella, imaginára Palmella, de ordinario tão sensato, mas talvez um instante desorientado com a volta ao poder depois da opera buffa da Abrilada, cujo ultimo acto se representára a bordo da _Windsor Castle_, apoiar o seu plano politico de fraccionar o Brazil em estados separadamente dependentes da metropole, assim lisonjeando o sentimento particularista que elle se habituára a ver tão cioso na Allemanha--a _Allemanha_ de Madame de Staël. O Imperio sómente lucrou com taes ataques, de imprensa e de imaginação. A sympathia de Canning pela causa brazileira cresceu em vista d'essa attitude antipathica tomada pelos periodicos do Governo Portuguez e por este mesmo, que patenteava n'essa inequivoca maneira sua reluctancia a tratar seriamente da paz. Por seu lado o principe Esterhazy, o qual nas duas ultimas conferencias denotára ter _pessoalmente_ sua queda pelo successo diplomatico da ex-colonia, não entendeu que quebrava o seu orgulho magyar indo á casa de Caldeira Brant e Gameiro aconselhal-os a manterem-se na sua postura moderada e conciliadora. Ella acabaria por conduzil-os ao melhor exito da sua missão, contribuindo a Austria para tal resultado. Ao mesmo tempo promettia Canning aos delegados imperiaes que o Brazil seria a primeira das nações americanas que o Governo Britannico reconheceria e que até, estando a expirar os tratados de 1810, era de toda conveniencia para a Inglaterra regular suas relações commerciaes com a Imperio. Segundo a declaração contida na Nota de Carneiro de Campos a Chamberlain de 6 de Agosto de 1823, os tratados de 1810 subsistiam de facto por assim o preferir o Imperador, mas não subsistiam de direito visto terem sido celebrados com a corôa portugueza, e haverem caducado com a separação, não sendo compulsoria a sua observancia por parte do Brazil. [Sidenote: Contra-projecto portuguez.] Em presença da cordialidade do embaixador austriaco e do Foreign Office, revelada por aquella visita e por esta promessa, propuzeram-se Caldeira Brant e Gameiro outra vez precipitar os acontecimentos e fazer reconhecer logo o Imperio pela Grã Bretanha, caso o não reconhecesse Portugal. Pensaram n'isso mais ainda quando, em começos de Novembro, simultaneamente com a communicação do Governo Brazileiro[20] de que em troca do reconhecimento faria a restituição das prezas e concederia as vantagens commerciaes já propostas, «e que poderão ser augmentadas em Tratado especifico», chegava o contra-projecto portuguez que para todos foi uma decepção. Bastará dizer que principiava pelo rebaixamento do Imperador a Regente e restabelecimento da perpetua soberania portugueza sobre a colonia já completamente emancipada[21]. Canning promptamente julgou o contra-projecto «desarrazoado e inadmissivel», mas pediu aos plenipotenciarios brazileiros que o não rejeitassem _in limine_, antes o acceitassem _ad referendum_ para ganharem tempo. Caldeira Brant e Gameiro accederam ao alvitre por motivo de uma justa deferencia pessoal para com o Secretario d'Estado, não escondendo porem que o projecto portuguez seria formalmente repellido no Rio de Janeiro. Para evidenciarem quanto estavam d'isso convencidos, fallaram até em estipular-se na proxima futura conferencia, em que o tratado devia ser officialmente apresentado por Villa Real, um prazo para a renovação das hostilidades no caso de rompimento das negociações. Canning offereceu-se para formular em pessoa a proposição e affirmou aos delegados imperiaes que, uma vez rotas as negociações com Portugal, elle por sua conta iniciaria outras para o reconhecimento pelo Governo Britannico da nova nação americana, que os Estados Unidos acabavam justamente de reconhecer. Entretanto assegurava-lhes que a Inglaterra permaneceria neutral, dada a guerra, consentindo em que continuassem a servir na armada brazileira os officiaes e marinheiros britannicos, excepção feita dos desertores. [Sidenote: Esforços dos enviados brazileiros em favor da paz. Correspondencia entre Brant e Palmella.] Apezar da manifesta sympathia de Canning ser sufficiente garantia de destruição dos obstaculos, a Legação brazileira não descuidára outros meios de attingir o objecto da missão que lhe fôra confiada. Em Julho, auctorisado pelas relações affectuosas que entre ambos se tinham estabelecido nos ultimos tempos da residencia da côrte no Rio de Janeiro, escrevêra Caldeira Brant ao marquez de Palmella pedindo-lhe que apressasse o inevitavel reconhecimento; ao que o marquez respondeu collocando toda a questão no terreno da successão do throno, a qual considerava bem mais importante do que a da independencia, de facto gosada pelo Brazil desde que tinha sido elevado a reino e cumulado de favores por El-Rei D. João VI. Atacar a acclamação do Imperador em si mesma, recusar ao Povo Brazileiro o direito de confiar seus destinos a um principe da sua livre escolha, seria na verdade, conforme Caldeira Brant tornava saliente[22], dar um solemne desmentido a toda a historia portugueza, negar a legitimidade de D. Affonso Henriques, do Mestre de Aviz D. João I e do Duque de Bragança D. João IV. O essencial parecia a Palmella saber-se como ficaria estabelecido para o futuro o consorcio ou divorcio das duas corôas[23]. Para acudir a essa preoccupação magna em Portugal, onde por tal porta travessa pensava-se volver á reconquista do Brazil, é que Canning inserira no seu projecto o mencionado artigo secreto, que não foi todavia do agrado do Imperador. [Sidenote: Observações da Chancellaria brazileira ao projecto de Canning.] Accusando o recebimento d'este documento, respondia o ministro Carvalho e Mello[25] recommendando aos enviados em Londres que acceitassem a convenção, «fazendo d'isso quanto ser possa um merecimento para com o Governo Inglez», mas não sem n'ella incluir varias modificações, aliás mais de forma que de substancia. No artigo 1.^o por exemplo desejava o Governo Brazileiro que fosse eliminada a expressão pouco constitucional de «dominios da Casa de Bragança» (a qual de resto não figura no esboço que tive presente), e que se tornasse mais claro o reconhecimento da Independencia, o qual nunca ficaria demasiado explicito para o reino ultramarino. A redacção de alguns artigos mais seria ligeiramente alterada em pequenos pontos, afim de tornar suas disposições mais precisas e directas, tambem retirando-se a expressão _outras colonias_, empregada com relação ás possessões portuguezas da Asia e Africa, pelo facto de recordar e por assim dizer commemorar o antigo _status_ colonial do Brazil, melindrando portanto o sentimento publico. Sobre o assumpto da successão o Governo do Rio de Janeiro apresentava-se mais arisco, nada querendo adiantar ao consignado nas anteriores instrucções, appellando para o disposto na Constituição concernente á successão do Imperio--que o Brazil pretendia conservar em ordem regular na dynastia, herdando o throno o primogenito ou primogenita do monarcha--e passando sob silencio a eventualidade da successão á corôa portugueza, a qual nem renunciava nem reivindicava, deixando a sua regulação ao futuro, ao destino, ou á logica dos acontecimentos. D. João VI mostrára ser praticavel reinar em Portugal e Brazil, residindo na America: porque não continuariam as cousas assim com D. Pedro, com a simples mudança do titulo de Rei para o de Imperador? O soberano brazileiro não queria admittir que, tendo-se elle rebellado contra a auctoridade paterna e proclamado independente o paiz que governava como Regente, mandava a boa razão que o throno de Portugal fosse para o filho segundo. A transferencia de direitos não envolvia quebra de legitimidade e não passava afinal do arranjo dynastico que veio a consummar-se com a progenie de D. Pedro, e que teria sido mais justo estabelecer logo com a de D. João VI, rei indisputado de Portugal e seus dominios. V [Sidenote: Communicação official do contra-projecto. Preparativos de guerra.] O contra-projecto portuguez foi formalmente communicado por Villa Real na conferencia realizada no Foreign Office a 11 de Novembro[25], ouvindo os plenipotenciarios brazileiros sua leitura no mais profundo silencio e abstendo-se de aprecial-o ao findar a communicação. Apenas, a pedido de Caldeira Brant e Gameiro, consentiu Canning em demorar a reunião da nova e ameaçadora conferencia, quando o esboço do tratado devia forçosamente ser submettido á discussão. A Legação queria aproveitar o intervallo para embarcar o maximo de munições de guerra e fornecer ao Governo do Rio mais dilatado ensejo para armar-se para a lucta imminente, constando mesmo que Portugal tencionava atacar o Pará como o ponto mais vulneravel do Imperio e aquelle por onde mais facilmente se conseguiria quebrar a União. A tentativa não passaria certamente do que depois veio a chamar-se um _bluff_, pois baixára a tanto a penuria do thesouro de Lisboa que o Governo de D. João VI teve por esse tempo que mandar desmanchar a esquadra, a qual não tinha recursos para manter. [Sidenote: Relações commerciaes do Brazil com a Inglaterra. Oposição de Wellington e Eldon ao reconhecimento.] Em troca do favor do adiamento da conferencia, evidenciou Canning o desejo de que, não permittindo as circumstancias o ajuste immediato de novo tratado, fosse prorogado por um anno mais o tratado de commercio em vigor entre a Inglaterra e o Brazil. Era este de resto o argumento capital com que o Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros intentaria arrastar na senda que deliberára trilhar em opposição á dos gabinetes continentaes, o gabinete de que fazia parte e onde sua vontade estava longe de ser omnipotente. Prevaleciam pelo contrario no seio d'elle as vistas do duque de Wellington e do Lord High Chancellor Eldon, contrarias ao reconhecimento dos paizes americanos, inclusive do Brazil, apezar de ter-se este organisado debaixo de uma forma monarchica de governo, e dos enviados do Imperador, com um leve e habil snobismo, trabalharem para obter o cumprimento dos desejos de seu Amo fóra de toda associação com o enxame de Hispano-Americanos, pretendentes ao reconhecimento politico dos seus governos pela Grã Bretanha, que então pejavam a ante-camara do Foreign Office. Da sua banda Caldeira Brant e Gameiro, no mesmissimo intuito de actuarem sobre os politicos, sempre praticos, que dirigiam a marcha dos negocios publicos na Inglaterra, aconselharam o gabinete de São Christovão a dar por caduco, ao fim dos quinze annos legaes, o tratado de 1810, mandando desde logo organisar uma pauta geral e commum de direitos aduaneiros para ser igualmente applicada ás importações inglezas no Brazil. Ninguem ignora quanto a questão commercial devia valer para Canning, como para qualquer outro estadista britannico. «Os negociantes brazileiros ou que teem relações mercantis com o Imperio vão representar perguntando em quanto tempo podem calcular a duração do tratado vigente, escrevia Canning a Lord Liverpool, e a pergunta, longe de ser impertinente, é legitima e mais que razoavel.» Não se sabia ao certo o que estava para acontecer, e os negocios nunca prosperaram em temporadas dubias. A situação de incerteza mais se complicou com uma inesperada occorrencia. [Sidenote: A questão do pau brazil.] O presidente revoltoso de Pernambuco, Manoel de Carvalho, para fazer dinheiro embarcára para a Europa cargas de pau brazil, de que os nossos agentes em Londres reclamavam a restituição em proveito da Junta de Fazenda legal e local. Por seu lado porem o agente portuguez em Hamburgo, para onde fôra remettida a consignação e para onde haviam sido despachadas outras cargas inglezas do mesmo artigo, pretendia ser todo esse pau brazil legitimamente pertencente a Portugal, visto constituir a sua posse um monopolio da Corôa. Acontecia que a Inglaterra se negava a reconhecer analoga pretenção da Hespanha aos productos das minas americanas, e em semelhante caso como proceder differentemente com Portugal? Admittir a pretenção portugueza seria o mesmo que classificar como contrabando o trafico já estabelecido com os portos hispano-americanos, e provocar o Brazil a privar a Grã Bretanha dos beneficios do tratado que estava desfructando. [Sidenote: Opposição da maioria do gabinete e do Rei ás idéas de Canning.] N'esta complexa questão do reconhecimento das nações latino-americanas é que se revelou particularmente a immensa tenacidade de que Canning era felizmente dotado. Luctando contra todo o gabinete, excepção feita de Liverpool, e luctando contra o Rei, animado em sua resistencia por Wellington, Esterhazy e o embaixador russo Lieven, os quaes faziam o monarcha acreditar que a politica do seu Secretario de Estrangeiros produziria uma conflagração européa, Canning logrou finalmente cantar victoria. Peel, de começo adverso, mais tarde converteu-se ao ponto de vista liberal, e o gabinete teve todo que fazer côro com elle quando Liverpool e Canning muito resolutamente ameaçaram dar suas demissões, caso se não chegasse a accordo ministerial. O proprio Wellington viu-se na contingencia de aconselhar o Rei a que declarasse ceder, porquanto o gabinete não poderia viver sem Canning, que era a sua alma. Jorge IV resignou-se e acquiesceu, ainda que de pessima vontade, fazendo claramente sentir toda a sua reluctancia, ao ponto de Canning novamente fallar em demittir-se. Nem ficou terminada a tarefa de Canning com o triumpho alcançado em conselho sobre a repugnancia ao reconhecimento, da maioria hostil do gabinete Liverpool. Wellington, Eldon e Westmorland possuiam a intimidade do Rei e á socapa moveram tão viva campanha contra a idéa a um tempo generosa e utilitaria de Canning, que em Janeiro de 1825, depois mesmo dos conselhos de gabinete e da extensa correspondencia de Dezembro, quando o assumpto devia julgar-se decidido, Jorge IV lembrou-se ainda de formular por escripto aos seus conselheiros e _servidores confidenciaes_ a seguinte insidiosa pergunta: si havia sido revogada a politica a que a Grã Bretanha adherira no Congresso de Vienna, a saber, a politica conservadora de Castlereagh? A essa pergunta o gabinete, com a maioria do qual o Rei concordára anteriormente, annuindo a que fossem officialmente communicadas ás potencias continentaes as resoluções adoptadas pelo Governo Britannico, respondeu collectivamente que, no seu entender, «as medidas em andamento com relação á America Hespanhola não eram por forma alguma inconsistentes com os compromissos tomados por Sua Magestade com os seus Alliados, já sendo irrevogaveis taes medidas, e achando-se empenhadas em todas suas necessarias consequencias a fé e honra da nação». [Sidenote: Reconciliação do Rei com o seu Secretario d'Estado.] O reconhecimento da America Latina começou pois a ser uma realidade, mas o Rei deixou patente na sua resposta de 30 de Janeiro que lhe era infenso, fazendo todavia votos para que d'elle resultassem beneficas consequencias. O que Jorge IV sobretudo receava, ou fôra levado a recear, eram, como vimos, complicações internacionaes e uma colligação das potencias continentaes contra a Inglaterra. Quando se capacitou de quão infundados tinham sido seus receios e de que se dera até perfeitamente com não resistir mais tempo á pertinacia do seu ministro, procedeu de accordo com o seu cognome de primeiro _gentleman_ da Europa: confessou a Canning o seu engano e dispensou-lhe por completo, até a morte prematura do estadista, a sua confiança politica e a sua amizade privada. Canning por seu lado explicou-lhe com sincera eloquencia que apenas pretendia, como subdito fiel e dedicado, ver o seu soberano á testa da Europa, em vez de vel-o occupar o quinto lugar n'uma confederação odiosa, onde Alexandre da Russia, Metternich, a Prussia e os ultras francezes desempenhavam seus papeis com coherencia e agiam de conformidade com seus respectivos destinos historicos, mas onde o Rei da Grã Bretanha accumularia sobre a sua propria cabeça todos os odios, em virtude da conhecida dissociação que existia entre a idiosyncrasia britannica e a physiologia da Santa Alliança. Assim lisonjeado pela franqueza convincente do ministro, o monarcha, que era imaginoso, chegou, conta Greville, a persuadir-se que lhe pertencia a iniciativa da medida, a qual alcançou a meta que o seu auctor se propunha e tão illustre veio a tornar o nome de Canning. É quasi dispensavel repetir que a este cabe principal, senão exclusivamente, a gloria da politica previdente e de largos horizontes esboçada logo em 1822, por occasião da sua entrada no gabinete Liverpool, quando, em opposição a Villèle, que pretendia ajudar com as armas francezas a preservar, em proveito da metropole ou pelo menos de principes da Casa de Bourbon, o imperio colonial hespanhol, Canning deu mostras evidentes de impugnar o restabelecimento do systema de exclusivismo peninsular, do qual havia em contraposição de emergir o deboche de liberdade da America Latina. [Sidenote: Influencia da Santa Alliança em Lisboa. Mudança benevola para com o Brazil na attitude da Austria. Intriga de Metternich.] Recordando-nos que a Santa Alliança tomára por fito e tinha como razão de ser o suffocar todos os ensaios de liberdade politica, imaginaremos facilmente que não eram só as preferencias genuinamente _tories_ do vencedor de Waterloo o que animava na sua resistencia o Governo de Portugal. As Côrtes continentaes--a Russia mais que todas--favoneavam particularmente essa attitude intransigente; excepção talvez feita, por mais extraordinaria que pareça a reviravolta, do primitivo foco europeu da reacção, da Austria soberba e aristocratica onde, a voz do parentesco fallando por um lado mais alto do que os dictames da politica preconizada, e por outro sendo mais fortes os seus ciumes da Russia que da Grã Bretanha, o Imperador, Metternich e seu porta-voz Gentz de subito puzeram-se a dar razão ao Brazil em querer resistir pelas armas á reconquista. Em Londres Esterhazy, simultaneamente e de certo sem muito custo, convertia o barão de Neumann ás vistas da Chancellaria e do Palacio Imperial. Sem fallar na voz do parentesco e nos zelos internacionaes, a verdade tambem estava em que Metternich se convencêra da inutilidade da sua intriga palaciana, da qual a princeza de Lieven fôra o orgão junto de Jorge IV, para expellir do ministerio o incommodo Canning. Esterhazy capacitára-se primeiro de que os esforços da intriga ficariam frustrados, mas não lográra persuadir d'isto Metternich, que em todo o caso, para não descobrir o seu jogo, empurrára para a frente a boliçosa embaixatriz russa. É o proprio Canning quem, informado de tudo, fornece estes pormenores a Lord Granville em Março de 1825. [Sidenote: Cordialidade de relações entre Esterhazy e Canning. A Santa Alliança e o reconhecimento das republicas hespanholas.] O principe Esterhazy, que parece ter sido um hungaro de excellente senso, adiantou-se mesmo a Jorge IV na sua reforma de opinião sobre Canning, e não só se apressou em querer desmanchar as prevenções de Metternich, como em confessar ao Rei da Inglaterra a sua mudança de conceito relativa ao Secretario dos Negocios Estrangeiros. A 20 de Dezembro de 1825, ao ter a sua audiencia de despedida antes de partir para tomar conta da embaixada de Pariz, que afinal não occupou, voltando como _persona gratissima_ para Londres, elle nobremente e sem reservas explicou-se com Canning na presença do monarcha. Já então datava de bastante mezes o estabelecimento de cordiaes relações entre Jorge IV e Canning, tendo-se realizado a 27 de Abril a symptomatica visita de Sir William Knighton, thesoureiro privado do Rei, que, despachado como a pomba da arca com o ramo d'oliveira no bico, fôra apparentemente buscar noticias da saude de Canning, o qual andava indisposto com a gotta, na realidade para approximar do soberano o ministro. Pouco antes, no mez de Março, ainda Canning recebêra das mãos de Lieven, Esterhazy e Maltzahn, o enviado prussiano, as respostas dos seus respectivos Governos, muito dessatisfeitos com o annunciado reconhecimento do Mexico. Replicára-lhes Canning com exemplos frescos de derogação de legitimidade, como o de Bernadotte na Suecia, de que a Santa Alliança havia sido cumplice, e proseguira seu caminho, mas em Abril mesmo mostrava-se receoso da repetição das intrigas de Metternich. N'uma carta escripta a Granville insurge-se elle positivamente contra o constante intercurso dos representantes dos Governos da Santa Alliança com o Rei, achando tal proceder contrario ao espirito e pratica da Constituição ingleza, e pelo mesmo tempo escrevendo muito contrariado á mulher, dizia estar absolutamente disposto a obstar que os embaixadores d'Austria e Russia conversassem com Jorge IV, a não ser em sua presença. [Sidenote: A Austria abandona Portugal. Palmella e Subserra mandam ao Rio um emissario secreto. O Imperador e as negociações clandestinas.] A defecção da Austria representava para Portugal um duro golpe, mas o gabinete de Lisboa como que o previra. Palmella pelo menos, habituado desde a adolescencia ás intrigas de côrte e conhecedor perfeito das molas que faziam trabalhar as chancellarias européas, não podia deixar de ter presentido aquella deserção. Conhecel-a, era muito; attenual-a, era porem tudo, e a Palmella faltavam, na phrase epistolar da sua grande amiga a princeza de Lieven, _a firm will and a lucky star_ (uma vontade firme e uma boa estrella). Que a côrte de Lisboa deixou de sentir-se no mesmo gráo segura da sua inflexibilidade, prova-o (porque não é provavel que tal acto obedecesse a um ardil diplomatico, como tantos outros inhabil) o facto de haver sido mandado ao Brazil um agente secreto com instrucções de Subserra, com o fim de entabolar negociações clandestinas para a paz, em detrimento das que se proseguiam em Londres sob a direcção de Canning. Havia reincidencia no caso, porque antes de abertas as negociações regulares, tinha o Governo Portuguez enviado ao Rio uma missão secreta no intuito de tentar a reconciliação. A opinião publica no Brazil oppunha-se porem vigorosamente, como sabemos, a qualquer negociação que não fosse precedida pelo reconhecimento, e de harmonia com a inclinação popular, reflectida na attitude da Assembléa Constituinte, mandou o Imperador deter e sequestrar a corveta _Voador_, que conduzira a missão, e recambiar para Portugal os commissarios, depois de igualmente detidos e até sua partida conservados incommunicaveis com o Governo. D. Pedro foi não obstante accusado de ter tido entrevistas clandestinas com um dos emissarios, o conde de Rio Maior, e os que o accusavam eram os chamados patriotas, os quaes temiam mais que tudo a possivel reunião das duas corôas e censuravam desabridamente a nascente benevolencia imperial para com os ultra-realistas ou do partido portuguez. O odio ia crescendo entre um e outro lado e a politica conciliatoria do Imperador, acobertando os Portuguezes com a vista no futuro e afagando os Brazileiros por causa do presente, estava longe de poder aterrar o fosso da desunião e apenas alheava cada dia mais o monarcha do sentimento nacional, sem ao menos angariar-lhe a sympathia de Portugal, que sempre lhe havia de faltar, até que a morte em plena mocidade o cercasse de uma aureola de heroismo e de poesia. [Sidenote: Brant e Gameiro exploram o despacho do emissario. Brant preconiza uma guerra economica.] Nada pode comtudo arguir-se contra o procedimento do Imperador nas citadas emergencias. Muito avisadamente declinou pela segunda vez entreter quaesquer negociações irregulares ou sequer receber o emissario, um medico por nome José Antonio Soares Leal, que foi da mesma forma preso e reexpedido para Lisboa. Caldeira Brant e Gameiro não se desleixaram porem em dar toda a publicidade a semelhante incidente, que vinha muito a proposito lançar a pecha de perfido sobre o gabinete de Lisboa, cujas verrinas contra o Brazil figuravam de thermometro das suas esperanças, recrudescendo á medida que se ia desvanecendo em Portugal a confiança de recobrar a perdida ascendencia sobre o paiz americano. Note-se que, como depois os factos amplamente confirmaram, o campo não ficava absolutamente perdido para a actividade industrial do Reino, pois que dos portos portuguezes sahiam entretanto navios carregados para o Brazil, propondo Caldeira Brant o appello á guerra, a qual deveria compellir Portugal á paz, muito mais como meio de arruinar o seu trafico mercantil do que como modo de destruir seus recursos militares. Tanto entendia o futuro marquez de Barbacena que essa guerra fosse economica que, no plano de hostilidades apresentado á approvação do soberano, fazia-a acompanhar da prohibição de introducção das mercadorias portuguezas no Brazil, embora transportadas em navios neutros. [Sidenote: O Brazil recusa declarar a cessação das hostilidades.] Como o projecto de tratado de que Soares Leal fôra infeliz portador não passava de uma copia do contra-projecto offerecido em Londres por intermedio de Villa Real, decidiram com sobeja razão os dous plenipotenciarios brazileiros não mais existir motivo para acceitar este _ad referendum_, segundo ficára accordado com Canning, e sim para rejeital-o _in limine_, pois sem querer tinham-se tornado previamente conhecidas as vistas do gabinete do Rio de Janeiro sobre o assumpto. Em Despacho recebido na Legação pelo mesmo tempo communicava o Ministro dos Negocios Estrangeiros do Brazil que, não podendo mais confiar na lisura do Governo Portuguez com o triste exemplo que acabava de dar da sua tergiversação e má fé, recusava-se o Imperador a mandar publicar a declaração de cessação das hostilidades. Regressava-se assim, após mezes de diligencias, á phase primitiva das negociações quando, de harmonia com as instrucções originariamente expedidas a Caldeira Brant e Gameiro, o armisticio estava dependente do reconhecimento da independencia do Imperio pelo Reino. [Sidenote: Desavença entre Villa Real e os enviados brazileiros. Subsequente reconciliação.] Tudo de resto caminhava mal e as cousas appareciam mais atrazadas do que antes mesmo de iniciadas as trocas de impressões entre as partes contrarias e os medianeiros. Na occasião em que se effectuára a conferencia de 11 de Novembro, em cujo decorrer Villa Real participou a natureza do contra-projecto, o qual motivaria tamanho e tão justificado alvoroço, as relações entre os plenipotenciarios brazileiros e o plenipotenciario portuguez achavam-se suspensas por causa de um incidente, pode dizer-se alheio ás negociações pendentes. Gameiro dirigira ao conde de Villa Real, a proposito de uma letra cujo montante devia ser recebido e recolhido pelo Banco do Brazil, uma carta _official_ a que o ministro portuguez estranhou o caracter, retorquindo por escripto com uma vivacidade muito peninsular mas quasi indesculpavel n'um diplomata provecto, e deixando subir sua irritação ao ponto de, no calor de uma conversação a respeito do negocio, desrespeitosamente tratar o Imperador D. Pedro de _rebelde_. O marechal Caldeira Brant e o cavalheiro Gameiro Pessoa retiraram-se cheios de dignidade, tapando os ouvidos á _blasphemia_, como appellidaram a crúa designação, e protestando ser-lhes de então em diante impossivel fallar com o representante de D. João VI, ou com elle entreter qualquer communicação. Villa Real logo depois cahiu em si e, não contentando-se com despachar Esterhazy e Neumann como padrinhos da reconciliação, foi em pessoa nobremente offerecer aos brazileiros as mais inequivocas desculpas pela sua «proposição irreflectida.» Conforme acontece frequentemente nos duellos, o apaziguamento fez-se á mesa: terminou por um jantar em casa do principe Esterhazy e por uma segunda visita de Villa Real a Caldeira Brant e Gameiro. A injuria ficou afogada no Tokay do magnate hungaro. [Sidenote: Desunião moral entre Portugal e Brazil. Razões d'este estado de espirito.] Infelizmente as boas relações preservadas entre os diplomatas não significavam boas relações entre os Governos que elles representavam e cujos interesses defendiam: não passavam de anodinas trocas de cumprimentos entre pessoas bem educadas. O Brazil e Portugal conservavam-se arredados, tornando-se mais viva cada dia a antipathia que os distanciava. Em Portugal os ministros de D. João VI eram, da mesma forma que em sentido inverso no Brazil os de D. Pedro I, actuados na sua aversão a legitimarem os factos consummados pelo sentimento popular profundamente hostil á desunião. Sabemos todos os que temos estudado esse periodo, o que era a plebe portugueza dos primeiros decennios d'este seculo--não só ignorante como insubordinada, com certas qualidades excellentes mas degradada pela degradação das classes altas, cynicamente irreligiosa porque religião se não podia chamar o seu fetichismo grosseiro, e porque não encontrava tal sentimento entre aquelles que tinham por missão zelar o fogo sagrado. O clero regular, tão numeroso, só merecia o desprezo do populacho, que o sentia mais perto de si do que de Deus, e esta impiedade latente explica bem que, com o voltairianismo da epocha constitucional, as crenças se houvessem apagado tanto e tão depressa n'uma terra onde pareciam mantel-as abrazadas as fogueiras do Santo Officio. N'uma sociedade semelhante os vicios fermentavam mais do que floresciam as virtudes, e as ruins paixões tinham-se certamente exacerbado com a desgraça e a desordem. O odio á ex-colonia americana, começára porque para ella haviam emigrado Rei e Côrte, abandonando a metropole á sua triste sorte de paiz invadido. Os favores dispensados no dourado exilio por D. João á terra onde se abrigára; a superioridade politica assumida pelo reino ultramarino, que antes já possuia a superioridade economica; a alheação que entre ambos os reinos mais e mais se estabelecia por effeito de uma natural differenciação de idéas e de sentimentos, eram outros tantos estimulos para aquelle odio, cujo crescendo culminaria com a separação do Brazil, a qual todo Portugal considerou como uma ingratidão a castigar e uma offensa a vingar. Nada concorreu mais para a impopularidade das Côrtes do que a Independencia, immediatamente attribuida, como era de esperar, á falta de tacto manifestamente exhibida pelos liberaes em todos os seus actos publicos, e mais remotamente á ligação das sociedades secretas do Reino com as do ultramar. Dispersando as Côrtes, D. Miguel tomava a desforra da perda do Brazil mais do que punia a rebeldia contra o poder absoluto dos reis, o qual cahira insensivelmente em desprestigio. A ausencia do monarcha redundaria logicamente na presumpção de ser quasi dispensavel a instituição, e o respeito pelos symbolos e attributos externos da realeza desapparecêra por forma tal que, durante a regencia da junta, os coches de gala da Corôa, cuja coberta de brocado resguardára a vaidosa cabeça de D. João V e sobre cujos coxins de damasco tinham-se recostado a provocante princeza de Nemours, a garbosa D. Marianna d'Austria e a soberba D. Maria Victoria de Bourbon, alugavam-se para baptizados a troco de alguns cruzados, com que os empregados subalternos do Paço se subtrahiam ao ingrato fado da bicharia exotica reunida por D. Maria I no jardim do palacio de Belem e que fôra toda destruida pela fome. [Sidenote: O papel de D. Miguel. Palmella e Subserra.] A reacção miguelista não teria sido possivel com uma monarchia unida. D. Pedro durante a sua contenda em prol do throno da filha, teria muito mais que luctar contra a recordação do seu feito de 7 de Setembro de 1822 do que contra o apego da nação ás suas formulas e tradições. Por seu lado D. Miguel, com o seu porte desempenado, o seu enthusiasmo vibrante, a sua brutalidade attrahente, como apparecia aos contemporaneos portuguezes; com o seu sorriso meigo, a sua conversação acanhada, os seus accessos de furiosa gesticulação, o seu todo seductor, como o viu e nol-o descreve Madame de Lieven, encarnou aos olhos do vulgo muito mais o velho regimen colonial do que o obsoleto direito divino. Para dominar a ira nacional portugueza, faziam-se mister um nervo que não possuia o pobre D. João, _a very cunning as well as a very weak man_, na phrase do embaixador A' Court; uma tempera de aço que não era a do intelligente e refinado Palmella, e uma superioridade de vistas que estava longe de distinguir Subserra, cuja ambição de mando era o movel unico que o fizera passar de jacobino a liberal, depois a absolutista e por fim a constitucional. Os dous ministros, um culto e o outro brusco, um frouxo e o outro virulento, um cortezão e o outro soldado, não se completavam, annullavam-se. Eram electricidades contrarias que o pára-raios real impedia de encontrarem-se produzindo destruição e levava a descarregarem suavemente, perdendo-se na terra o seu fluido que, combinado, poderia talvez gerar na ruina uma força fecunda e regenerante. A situação continuava assim neutra, gravida de perigos, angustiosa. [Sidenote: Resolução de Canning.] Canning--o benemerito Canning segundo o tratavam os enviados brazileiros na sua correspondencia para o Rio--quiz baldadamente serenar a atmosphera: tenazmente forcejou por fazer modificar pelos proponentes o mal acolhido e mal fadado contra-projecto de paz, para isto usando de toda a sua auctoridade junto ao ministerio de Lisboa. Não confiando porem demasiado em que a côrte portugueza chegasse a adquirir a percepção das condições do momento historico que atravessava, e como sempre vendo claro no que estava para acontecer, o Secretario d'Estado de S. M. Britannica desde logo planeou e poz de reserva um golpe de mestre. Pelo que consta de uma carta de Caldeira Brant para D. Pedro I a 10 de Dezembro de 1824, com novas e repetidas instancias para o rompimento das hostilidades no intuito de facultar ao Imperio dictar a paz ao Reino, o amor proprio de Canning estava extremamente picado com o proceder dubio de Portugal na questão da intentada negociação clandestina. Mandando ao Brazil um emissario secreto, o gabinete da Bemposta accedêra conscientemente ás insinuações da Santa Alliança, da Russia e França nomeadamente, potencias que tanto queriam frustrar a obra da Independencia, reflexo da politica de nacionalidades contra a qual se organisára o concerto dos Reis, como despojar a Grã Bretanha, e Canning designadamente, da gloria e das vantagens de ter conduzido a bom termo a ardua negociação. N'uma carta, já citada, a Lord Liverpool em 25 de Outubro de 1824, escrevia Canning que vira o bastante da correspondencia entre Palmella e Villa Real para comprehender que o projecto de ambos era em ultima instancia romper as negociações de Londres e fazer sahir do Tejo a quixotesca expedição. No caso de realizar-se este designio, a esquadra britannica surta diante de Lisboa não poderia, segundo Canning, alli permanecer, de facto protegendo uma tal politica, incompativel com a orientação do Governo Inglez, que, si respeitava a corôa portugueza, não desejava fazer sossobrar a monarchia brazileira. Justamente, como a divisão naval, britannica seria infallivelmente substituida no Tejo por uma esquadra franceza, a Inglaterra, afim de determinar a compensação, daria em direcção ao Brazil os passos que dava afastando-se de Portugal. [Sidenote: Bons conselhos de Canning.] Canning tinha o direito de mostrar-se impaciente. Os conselhos por elle dados ao Governo Portuguez quando lhe offerecêra o seu projecto de tratado, haviam sido os mais acceitaveis e sensatos. Não cabendo nas forças de Portugal sujeitar o Brazil pelas armas, o mais prudente era intuitivamente não manifestar azedume nem resentimento, e não alimentar odios que, facilmente extinguiveis de começo, se tornariam depois de accesos em extremo difficeis de apagar. Como vingança, o adiar _sine die_ o reconhecimento e fomentar a desaggregação do Imperio (segundo ensaiaria a Republica Argentina no momento do conflicto pela Cisplatina) não passava de uma estupidez perversa, porque em nada aproveitaria ao Reino, seria indigno de um Monarcha e Pai, e perderia para a dynastia metade do patrimonio da Casa de Bragança, o qual, após uma curta separação, podia tornar a congregar-se nas mãos da sua descendencia, si as Côrtes de Lisboa não arredassem os titulos hereditarios do Imperador do Brazil, e o Rei de Portugal attrahisse a boa vontade dos Brazileiros concedendo por livre vontade aquillo que não mais podia recuperar pela força. A sinceridade de Canning n'esta ultima parte do seu arrazoado é um tanto discutivel, porque nem elle podia acreditar nem desejar a reunião das duas partes da monarchia portugueza, mas não se lhe pode levar a mal o emprego de uma pequena dose da duplicidade diplomatica de que o faziam diariamente victima, com o fim de obter a «paz com honra» que marcaria depois o triumpho de um outro prestigioso chefe _tory_. Canning não escondia aliás que o indefinido retardamento de uma decisão por parte de Portugal equivaleria á liberdade de acção por parte da Inglaterra. Dispondo da amizade britannica, nada tinha Portugal a recear por deixar de seguir os conselhos de intransigencia da Russia, como tampouco ganharia alguma cousa seguindo-os. O que lucrára a Hespanha com obedecer ás suggestões de Alexandre I? O seu imperio colonial escapára-lhe todo sem remissão. Ainda Alexandre I era um soberano de puras intenções; o proceder da França poderia porem encobrir um duplo sentido. Traduziria porventura um leal designio de adaptar a sua politica portugueza á politica geral das côrtes continentaes; poderia no emtanto significar tambem um estratagema para exigir e obter um preço mais elevado pelo seu reconhecimento isolado, precedendo o da Inglaterra e não levando em conta as delongas de Portugal. [Sidenote: O reconhecimento em França.] A correspondencia de Domingos Borges de Barros, nosso encarregado de negocios em Pariz depois da transferencia de Gameiro para Londres, dá com effeito a impressão que a França não oppunha absolutamente uma denegação formal á idéa do reconhecimento do Imperio, antes usava com o agente brazileiro de uma linguagem promissoria. Começa pelas seguintes palavras a carta de Borges de Barros a Caldeira Brant e Gameiro em 22 de Abril de 1824: «A França devendo obrar de acordo com as Potencias com que forma a grande Alliança continental, não pode sem quebrar aquele laço reconhecer de per si, e abertamente o Imperio do Brazil, comtudo conhecendo talvés melhor que as outras, ou a justiça da nossa causa, ou seus particulares interesses que com efeito são taes que mais que dos outros Aliados convidão a relaçoens com o Imperio do Brazil, alem das outras se tem prestado ás nossas coizas já convindo em umas com o primeiro de VV. SS., e já em outras commigo.» O Imperio, quando andava tratando de arranjar padrinhos europeus para a sua chrisma politica, tambem insinuára á França que acceitaria para o reconhecimento por Portugal a sua mediação disfarçada em bons officios. Prevaleceram porem os bons officios da Inglaterra, e a França ficou esperando, para resolver sua acção, que as negociações de Londres chegassem a um resultado, embora, longe de facilital-as, pela força mesmo das circumstancias viesse a combatel-as. Pessoalmente Luiz XVIII não estimaria menos, na sua qualidade de chefe da Casa de Bourbon, ser parte nos ajustes de paz, e si houvesse sido convidado pela Inglaterra e Austria a associar-se a ellas, e tivessem reservado á França o seu quinhão de vantagens, é muito provavel que o Rei deixasse a Russia urdir sósinha a sua teia reaccionaria. N'esta previsão é que o futuro visconde da Pedra Branca na mesma carta aos seus collegas de Londres recommendava de principio que se procurasse «conservar a boa dispozição em que estão os dois Governos, e não dar azo a que com as franquezas que tem Portugal, seja tratado por mais amigo, e o Brazil taxado de reserva grangeie o ar equivoco que se tem com aqueles de quem a lhaneza entra em duvida». Chateaubriand levára sua benevolencia ao ponto de mandar refutar, em artigo da folha officiosa do ministerio, as noticias alarmantes do Rio espalhadas e exploradas por pessoas que eram adversas ao Brazil, e ao emprestimo que os nossos enviados em Londres estavam n'aquelle instante diligenciando obter. O conflicto de interesses francezes e inglezes travado na côrte de Portugal não permittiu comtudo a harmonia das duas nações n'esse assumpto do reconhecimento em que ambas eram sympathicas ao Brazil, e fez com que a França frequentemente nos hostilizasse, querendo hostilizar a Grã Bretanha, com a qual estavamos identificados. As expressões de cordialidade que acudiam aos labios de Chateaubriand nas suas entrevistas com Borges de Barros, brigavam com a actividade de Hyde de Neuville em Lisboa, o qual, no intuito exclusivo de abolir a connexão entre Portugal e a Inglaterra, açulou a resistencia do Reino que, não tendo mais o que invocar para explicar sua opposição, se apegára por ultimo á phrase pomposa de que abandonar um tal imperio sem defender-se seria deshonroso para a nação, e proclamára fazer questão pelo menos da suzerania nominal do Rei de Portugal. [Sidenote: Interesses britannicos na America latina.] Ao resentir-se da interferencia aggressiva n'este negocio das potencias que formavam a Santa Alliança, Canning partia do principio que qualquer intervenção politica devia ser regrada, não pela theorica pretenção de adaptar modos de administração a formulas abstractas, mas pela defeza de interesses que corressem o risco de soffrer. Ora, como escrevia o Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros, nem a Russia, nem a Austria, nem a Prussia possuia uma unica colonia transoceanica (com excepção de Alaska), ou uma unica vela nos mares que banham as costas da America do Sul, ou um unico fardo de mercadorias nos portos, quer de Portugal, quer do Brazil. O que queria pois dizer que representantes d'aquellas nações e da França se reunissem em Pariz para discutir e emittir opinião sobre a questão de Portugal e Brazil, sem que tivessem sido solicitados por nenhum dos dous paizes, mas extendendo sua petulancia até desapprovarem a fallada convocação em Lisboa das _antigas_ Côrtes e recommendarem a manutenção do estado de guerra entre metropole e colonia? A usurpação de soberania era ahi tão flagrante que o proprio Palmella se indignára com o occorrido e o criticára n'um memorandum dirigido aos representantes acreditados na côrte portugueza das potencias que haviam participado nas alludidas conferencias de Pariz. [Sidenote: Palmella e a Santa Alliança. Replica de Canning ao contra-projecto.] Palmella não partilhava de certo da opinião da Santa Alliança «de que era preferivel destruirem-se mutuamente metropole e colonia a attentar-se por qualquer forma contra a legitimidade, com a adhesão de ambas a uma transacção salvadora»--era assim que Canning compendiára os resultados das conferencias de Pariz. Na pratica porem Palmella, em vez de persistir no seu ponto de vista liberal, condensára suas idéas n'um contra-projecto, fazendo condições irrecusaveis das quatro primeiras clausulas, que eram bastantes para annullar as negociações em andamento e comprazer á politica da Santa Alliança. Canning analysou esse documento com toda a sagacidade e brilho da sua formosa intelligencia. Como, ponderava elle, fazer do Rei de Portugal o Imperador _senior_ do Brazil, quando a dignidade imperial é essencialmente electiva e nunca pertencêra a D. João VI, que d'ella nunca poderia revestir-se, tendo-a D. Pedro recebido por acclamação, assim como Bonaparte a recebêra por votação? O partido republicano no Brazil sem duvida por tão excellente razão preferira aquelle titulo ao de Rei. Não cabia mesmo na alçada do Imperador fazer semelhante concessão, sob pena de abrir um grave conflicto, sem consultar as assembléas municipaes e propôr-lhes acclamação igual em favor de seu Augusto Pai. A clausula relativa á confecção e celebração por Portugal dos tratados de commercio referentes ao Brazil, essa era tão absurda que nem valia a pena discutil-a longamente, sendo impossivel que o Imperio abdicasse semelhante condição indispensavel de autonomia. Si Canning recommendára aos plenipotenciarios brazileiros em Londres e, por intermedio de Chamberlain, aos membros do gabinete de São Christovão, de não rejeitarem incontinente e sem debate o contra-projecto, não era pois porque o achasse viavel na sua original redacção, mas para evitar que as negociações se rompessem, fazendo assim o jogo de Palmella e Villa Real no momento em que tal solução lhes teria agradado. [Sidenote: Intrigas francezas em Lisboa. Hyde de Neuville.] Era o momento em que o papel diplomatico de Hyde de Neuville attingia sua maior intensidade, tocando o auge os seus esforços para substituir o protectorado britannico pelo francez, esforços que elle sinceramente levava mais longe talvez do que convinha e sorria ao gabinete das Tulherias. Depois da Abrilada as perseverantes intrigas francezas tinham movido D. João VI a reiterar o pedido do reforço militar britannico, com o fito occulto da parte dos que o instigavam a isto de, no caso de ser recusado o favor, demonstrar-se a Portugal o egoismo da sua alliada e justificar-se a installação de uma força franceza; emparelhando a Inglaterra, no caso de ser acceita a indicação, com as nações da Santa Alliança na sua politica commum de intervenção. Canning accedêra á ida dos soldados hanoverianos de Jorge IV, mas, antes da partida, uma declaração peremptoria do embaixador de Luiz XVIII em Londres sobre a abstenção que com relação á questão portugueza qualificaria a attitude das tropas francezas, então occupando a Hespanha, determinára o gabinete de St-James a abandonar o projecto, no que concorreram a contra-gosto o gabinete da Bemposta e, ainda mais contrariado, o fogoso embaixador francez. [Sidenote: Linguagem de Canning para o Brazil.] Na exposição das suas vistas para uso do Governo do Rio de Janeiro, Canning variára de linguagem, incluindo certos argumentos em favor da consideração desapaixonada do contra-projecto, que não podem ser taxados de viciosos ou forçados. D. João VI, lembrava elle, si assumisse o titulo de Imperador do Brazil, tacitamente renunciava o de Rei do Brazil que por direito lhe pertencia, e tão sómente lucraria uma honraria vã, ficando substancialmente confirmada a auctoridade adquirida por D. Pedro I, o qual conservava além d'isso os seus direitos hereditarios á corôa portugueza, devendo d'esta maneira chegar no futuro a governar o Reino como uma dependencia do Imperio, já que lhe era garantida a opção da residencia. Canning confessava que n'esse ponto o seu proprio projecto apparecia menos favoravel ás pretenções, suas e da sua prole, que o Imperador do Brazil não podia deixar de zelar com relação ao throno dos seus antepassados. [Sidenote: Circular do Governo Portuguez.] Emquanto Canning assim cumpria, como muito bem faz resaltar o seu biographo Stapleton[26], as suas obrigações de mediador, procurando suavisar a excitação que o contra-projecto certamente havia de despertar no Rio de Janeiro, o Governo Portuguez, fiel á sua orientação, expedia, além do emissario Leal ao Brazil, uma circular aos representantes da Russia, Hespanha, França e Prussia, de facto appellando para a intervenção continental sob pretexto de explicar mais detalhadamente o contra-projecto. O enfado de Canning trasbordou n'um documento em que verbera o acto do gabinete da Bemposta, immolando, para pedir o auxilio da França e da Hespanha, todas as diligencias empregadas pela Grã Bretanha havia dous annos em nome e em prol de Portugal, e, com invocar a Russia e a Prussia, desgostando a Austria que por motivo das ligações de familia dos Habsburgos com os Braganças adherira e perseverára nas negociações para a paz, por mais que esse procedimento brigasse com os seus compromissos internacionaes e os seus deveres moraes para com a Santa Alliança. A ida de Soares Leal ao Rio de Janeiro--facto de que o Secretario d'Estado britannico só teve conhecimento quando o emissario chegou de torna-viagem -- confirmára ponto por ponto as apprehensões de dolo e ludibrio que em Canning despertára a circular de Palmella, e collocava a mediação anglo-austriaca n'uma postura quasi ridicula. Canning desde esse dia assentou inabalavelmente em reconhecer o Imperio sem mais demora, de parceria com Portugal si possivel, dispensando o Reino si este persistisse na sua obstinação. Achou no emtanto equitativo e habil começar pelo reconhecimento de outros paizes americanos que, emancipados da sua metropole annos antes do Brazil, já offereciam certas garantias de socego e estabilidade no governo. [Sidenote: Deliberação de Canning com relação ao reconhecimento das republicas hespanholas. Despeito de Brant e Gameiro.] Vimos que no mez de Dezembro de 1824 vingára esta politica de Canning nos conselhos do gabinete Liverpool. Para os primeiros dias do novo anno de 1825 estava reservado a Caldeira Brant e Gameiro o trecho mais cruel da sua conjuncta missão diplomatica em Londres. Deu-se quando souberam do proprio Foreign Office que o Governo Britannico, de certo instigado tambem no momento pela noticia de ter o Governo Americano celebrado um tratado de commercio com a Colombia e estar negociando convenios similares com o Mexico e Buenos Ayres, deliberára proceder de igual modo nas suas relações com esses Estados effectivamente independentes e regularmente constituidos, e entrar com elles em accordos mercantis. É verdade que Canning accrescentou que negociar tratados de commercio equivalia simplesmente a reconhecer a existencia politica dos referidos Estados, e não a sua independencia de direito; mas o sophisma era em demasia fraco e exposto, quer para enganar a Santa Alliança e adormecer o resentimento da côrte hespanhola, quer para serenar o animo perturbado dos dous delegados brazileiros. Sustentavam estes, e muito bem, que celebrar tratados era pelo contrario reconhecer formalmente as nações com as quaes se ajustavam taes accordos, e que elles viam com profundo desgosto sacrificada a influentes interesses mercantis a primazia que, com tão razoavel motivo quanto podia ser a promessa do Secretario d'Estado, acreditavam haver conquistado o Imperio nas preoccupações do gabinete inglez. Por mais que se lhes repetisse o que se mandára dizer a Chamberlain para o Rio de Janeiro: que a mediação exercida pela Grã Bretanha na negociação da paz e os tratados de alliança subsistentes com a corôa portugueza não permittiam antepôr-se o seu reconhecimento ao do Governo de Lisboa; que semelhante acto com relação a paizes hispano-americanos instigaria sem duvida o gabinete da Bemposta, fazendo-o medir a gravidade do perigo e claramente marcando o limite da paciencia britannica; finalmente que a celebração de tratados de commercio com a Colombia, Mexico e Buenos Ayres redundava tão sómente em collocar essas republicas no mesmo pé em que estava o Brazil, com o qual existia tratado de commercio e onde residiam consules britannicos;--Caldeira Brant e Gameiro não se resignavam nem se acalmavam. Queixavam-se acerbamente a Mr Planta (Canning ausentára-se para Bath), a Esterhazy, a Neumann, a todos quantos tinham que ver com o negocio, estranhando não sómente tão palpavel desconsideração á unica monarchia americana, como a comminação que Canning julgára dever annexar ás suas explicações, a saber, que qualquer rompimento entre Brazil e Portugal apenas serviria para prejudicar o reconhecimento do Imperio por todas as potencias européas. O reconhecimento tinha indeclinavelmente que ser iniciado por S. M. Fidelissima, e uma guerra não podia ser assumpto indifferente á Grã Bretanha, que por tratado estava obrigada a garantir as possessões de Portugal. Os plenipotenciarios do Imperador perguntavam-se desesperados: Metternich teria por fim de contas razão? O defensor da Grecia e das nações do Novo Mundo revelar-se-hia um homem de dous pesos e de duas medidas? Para ser maior seu desapontamento, linguagem parecida com a do Secretario d'Estado ouviram os enviados brazileiros do principe Esterhazy e do barão de Neumann pelo que tocava á côrte d'Austria, a qual continuava a urgir a nossa Legação a acceitar _ad referendum_ o contra-projecto portuguez. [Sidenote: Jubilo dos nossos enviados. Missão de Sir Charles Stuart.] Nem por tudo isso modificaram Caldeira Brant e Gameiro a sua intransigencia a respeito d'aquella tentativa deprimente de semi-reconhecimento, e sua firmeza viu-se dentro em pouco bem recompensada, cessando todo motivo para despeitos. Uma bella manhã souberam com jubilo estar imminente a nomeação de Sir Charles Stuart, que acabava de ser durante dez annos nada menos do que embaixador em França, para ir ao Rio de Janeiro em missão especial do Governo de S. M. Britannica, facto que importava no reconhecimento do Imperio. Sir Charles Stuart por occasião do fallecimento de Luiz XVIII fôra retirado de Pariz e substituido pelo conde de Granville, não tanto por motivo da suggestão do principe de Polignac, embaixador francez em Londres, que o declarára persona _non grata_--o que é facillimo succeder quando não se combinam as vistas dos dous Governos--como por effeito da pouca estima em que o tinha Jorge IV. O Rei não só considerava Sir Charles Stuart um jacobino, o que não offerecia excepcional gravidade n'um meio em que tal designação, sendo até applicada a M^{me} de Staël, parecia ter perdido muito da sua verdadeira significação, mas, o que era peor, um diplomata _good for nothing_[27]. Por outro lado Canning desejava muito inocular sangue novo na representação britannica no continente, a qual ainda obedecia á velocidade adquirida sob a impulsão retrograda de Castlereagh. Comtudo Canning sempre dispensou a Sir Charles Stuart--no tempo mesmo em que o Rei se obtinava em recusar-lhe um pariato[28], do que se arrependeu depois, influenciado pelos amigos de Sir Charles, querendo então lançar sobre Canning o odioso da retirada--senão viva sympathia, pelo menos grande consideração, que posteriores differenças não desmancharam e que nada demonstrou melhor do que a sua nomeação para o Rio de Janeiro n'uma importante missão, a qual as condições da politica européa tornavam n'aquelle momento de interesse universal. Essa honrosa escolha fôra simultanea com a dos negociadores para a Colombia, Mexico e Buenos Ayres, mas Canning conservára-a occulta, arrostando a justificada irritação dos enviados brazileiros, para não quebrar a rigidez das funcções de medianeira que estavam cabendo á Grã Bretanha, e para não despertar no animo dos plenipotenciarios do Imperio uma confiança tão extremada que os impellisse a maltratar Portugal, cujo reconhecimento era muito conveniente que precedesse o de qualquer outra potencia, porque simplificava muito a tarefa das demais côrtes e realçava a Augusta Casa de Bragança, que a Inglaterra desejava proteger nos dous hemispherios. Canning contava por seguro, já se sabe, com o effeito d'essa sua resolução para decidir de uma vez o Governo Portuguez a ceder. A esgrima diplomatica, mesmo praticada por um profissional como Palmella, não conhecia parada para semelhante bote, que consistia em nada menos do que levar o adversario á parede. Fatigado da procrastinação portugueza e descoroçoado com a apathia das negociações de Londres, Canning com lançar mão de um conspicuo diplomata em ferias, o qual preferia uma collocação da carreira a qualquer outra, para ir tratar da reconciliação _sur place_, tocando na passagem em Lisboa e em seguida discutindo com o Governo Imperial os termos da proposta de que se tornasse portador, desenvincilhava-se a um tempo da trama dos enredos de Villa Real e das contemporisações enervantes dos Austriacos. A fortuna parecia tamanha após os mezes de vexames, que Caldeira Brant conservava ainda restos de receio e não podia, por mais que as circumstancias o certificassem do nenhum fundamento dos seus temores, impedir-se de pensar n'um ultimatum portuguez confiado a Sir Charles Stuart, ou pelo menos em que a missão d'este agente ficasse reduzida a negociar um tratado de commercio. Sabia-se, e, o facto não era para animar as esperanças de um proximo ajuste, que a teimosia de D. João VI estimulava a de seus ministros, concentrando-se com a energia dos fracos na questão do titulo de Imperador que tambem queria para si. Canning não deixou porem reducto que não atacasse e provou a boa fé e o empenho com que agia, provocando, mercê da queixa dada contra a missão Leal ao Rio de Janeiro, uma mudança de ministerio portuguez. Qualquer mudança n'estas condições seria sem a minima duvida favoravel ao intento que dominava o estadista britannico. [Sidenote: Canning concilia a Austria. Brant e Gameiro rejeitam o contra-projecto.] Antes de dar os dous passos que apressaram o desenlace do negocio--a missão de Sir Charles Stuart e o afastamento de Subserra--Canning medira com acerto que a Austria, despeitada com a applicação da idéa do reconhecimento das republicas hispano-americanas, se arredaria da mediação referente ao Brazil e que isto, si d'uma banda deixava a Inglaterra só em campo para arrecadar os despojos da campanha, da outra fornecia ao gabinete portuguez opportunidade para persistir nos subterfugios adoptados, os quaes tinham até então constituido os melhores dentre os seus argumentos. Identico raciocinio respeito á deserção da Austria fizeram Caldeira Brant e Gameiro ao robustecerem-se na sua deliberação de rejeitar absolutamente o contra-projecto pendente, e sustar toda negociação com Villa Real antes de serem abandonados pela côrte de Vienna. A missão confiada a Sir Charles Stuart vinha aliás _ipso facto_ dispensal-os do incommodo de considerar o contra-projecto, o qual renunciaram por meio de uma dupla communicação, ao Foreign Office e aos representantes austriacos, vista e plenamente approvada pelo Secretario d'Estado antes de expedida[29]. Tomando exclusivo encargo da questão, Canning não queria todavia dispensar a benevolencia da Austria e insinuou-lhe quanto facilitaria a transacção e resguardaria os interesses da metropole e da Casa de Bragança a continuação dos bons conselhos do Imperador Francisco a seu genro e ao gabinete de São Christovão. [Sidenote: Natureza da missão de Sir Charles Stuart.] Na conversação em que ficou combinada esta inesperada solução das negociações encetadas em Londres sob os auspicios da Inglaterra e da Austria--negociações que os plenipotenciarios brazileiros conservavam a liberdade de reatar directamente si para tanto offerecesse ainda ensejo uma subita determinação do Governo Portuguez--declarou Canning a Caldeira Brant e Gameiro que o Reino sabia desde longa data que a Inglaterra não esperaria para tratar com o Brazil senão até a expiração do prazo do tratado de 1810, e que o objecto primordial da missão de Sir Charles Stuart consistia justamente na celebração de um novo tratado de commercio com o Imperio. Ao dar o plenipotenciario britannico em Lisboa, na sua escala, conhecimento ao gabinete do fim da sua viagem, era comtudo bem possivel que algumas aberturas lhe fossem feitas para a reconciliação, que elle se encarregasse de transmittir á outra parte uma vez no Brazil. E Canning ajuntou, para completa tranquillidade das tribulações ainda não adormecidas, «que não devendo considerar-se como feito pela Inglaterra o reconhecimento das Republicas hispano-americanas senão depois de publicada a ratificação dos Tratados por S. M. Britannica; esperava que antes de chegada essa epocha se houvesse verificado o reconhecimento do Imperio.» A data d'esta conversação é 7 de Fevereiro de 1825. Cerca de um mez depois, Caldeira Brant soube positivamente da bocca de Canning que o Imperador ia ser indubitavelmente reconhecido pelo Rei da Grã Bretanha, resolução aliás logica com todo o occorrido até então e dictada por um sereno exame dos melhores interesses britannicos n'aquella crise. [Sidenote: Portugal perde a opportunidade de fazer o reconhecimento. Carta de Brant a D. Miguel de Mello.] A missão Stuart por si só equivalia com effeito ao reconhecimento da nova cathegoria politica do Brazil, mas Portugal não soube ou não quiz aproveitar a melhor opportunidade--aliás suggerida por Brant e Gameiro que, como é natural, prefeririam assignar em Londres o honroso tratado de reconciliação--de agir de motu proprio n'esta questão, em vez de vir a fazel-o sob a influencia estrangeira, apezar de ser esta a que, desde dous seculos, mais ou menos guiava a sua acção diplomatica. A culpa não pode ser attribuida no minimo aos nossos representantes, pois que, ao saber da entrada para a pasta de Estrangeiros do Reino do seu amigo e protector D. Miguel Antonio de Mello, não se descuidou Caldeira Brant em escrever-lhe, como anteriormente fizera a Palmella. Na carta de 16 de Fevereiro de 1825 insinua elle que, comquanto rotas as negociações, estava prompto a renoval-as e até concluil-as em poucas horas sobre a base do pleno reconhecimento do Imperio. A ausencia de intervenção de estranhos derivaria para Portugal as vantagens de todo genero que a Inglaterra se apromptava para monopolizar, pelo facto de preceder qualquer nação no simples e pouco arriscado acto de admittir uma independencia consummada e inabalavel como era a do Brazil. [Sidenote: Politica pratica da Inglaterra. Dissimulações de Metternich.] Graças á previdencia do opportunista de genio que foi Canning a Grã Bretanha ia de facto ahi concretisar uma parte do seu plano geral de politica externa n'aquelle periodo, plano que inscrevêra como seu fito capital a conquista economica e moral do continente emancipado da tutela hispano-portugueza. Tanto o comprehendeu o espirito atilado e matreiro de Metternich, o extraordinario acrobata politico que ora atiçava uma contra outra nos Balkans a Russia e a Inglaterra, ora se servia da França para embaraçar o jogo de Canning, ora da Prussia para sopitar os ardores de Alexandre I, que apparentou desmascarar suas baterias e, afim de satisfazer dous compromissos de uma assentada, oppôr o poder da reacção á politica innovadora de Canning. As instrucções mandadas para o Rio ao agente austriaco, barão de Mareschal, dão testemunho d'esse estratagema do Chanceller. Rezavam que Mareschal devia apoiar qualquer ultimatum de Portugal e não poupar diligencias para persuadir o _Principe_ a ceder, não hostilizando criminosamente seu Pai e adherindo aos principios da Legitimidade. Caldeira Brant e Gameiro, logo acertando com a verdade, communicaram para o Brazil que semelhantes instrucções da ultima hora eram de encommenda, tanto para satisfazer o Imperador da Russia, cujas velleidades liberaes se tinham curado e que accusava a Austria de desviar-se por considerações de familia das obrigações contrahidas com a Santa Alliança; como para não desemparar ás escancaras a Côrte portugueza, a qual com tamanho gosto estava ajudando a causa commum das realezas. Metternich no seu fôro intimo reconhecia porem a justeza dos motivos que assistiam os plenipotenciarios brazileiros em julgarem desmanchado o nó gordio: a breve trecho elle o faria perceber. [Sidenote: Urgencia do reconhecimento.] Nada mais decerto, depois da attitude francamente assumida pelo Governo Britannico, lograria empatar o reconhecimento do Imperio. Estavam-no urgindo em Lisboa o proprio Villa Real e outros personagens para que, irremediavel como se tornára, tomasse o aspecto de uma doação generosa e não parecesse arrancado pela diplomacia de Sir Charles Stuart. O empenho tinha sido antes obstar ao reconhecimento, mas agora passava a ser roubar á Inglaterra a gloria e proventos de um acto tão importante e de tanto alcance quanto era a perfilhação de uma nova e immensa nação, cuja mãi se convertêra em madrasta e de que Canning se mettêra a padrinho. Por isso não parecerá inverosimil que, desde a ruptura das negociações directas, os representantes de Portugal e da Austria em Londres alterassem não só a sua norma de proceder como até o estylo, passando a tratar D. Pedro I de Imperador e Soberano, sem fallar em quererem á viva força reatar aquellas negociações que ainda na vespera pareciam uma audacia da parte do Brazil. [Sidenote: Resposta de D. Miguel de Mello.] A resposta de D. Miguel Antonio de Mello á carta de Caldeira Brant, documento que faz parte do archivo Barbacena[30], já aponta para a _necessidade reciproca_ que os dous povos experimentavam um do outro, e fallava, posto que bastante vagamente, em reconhecimento da Independencia feito _de uma maneira decorosa e util_. Offerecia transferir para Lisboa a séde das negociações directas e convidava Caldeira Brant a ir alli proseguil-as, certo de que «seria recebido e acolhido com a maior benignidade, e bom agasalho que podesse desejar.» A indisposição contra a Grã Bretanha crescêra em Lisboa correlativamente com os passos dados por Canning no caminho do reconhecimento, e d'este estado de espirito tiravam indirectamente lucro os Brazileiros, que assim deixando de desmerecer no conceito dos Portuguezes, conservavam-se entretanto nas boas graças dos Inglezes. [Sidenote: Mudança radical em Metternich.] O proprio Metternich, o pontifice maximo dos expedientes e palliativos, calculando exactamente as consequencias da dianteira tomada pela Grã Bretanha, mudou ostensivamente de linguagem nas conferencias de Vienna com Telles da Silva, o futuro marquez de Rezende e fiel amigo de D. Pedro, cujo elogio historico pronunciaria na Academia de Lisboa. Passou a affectar o maior interesse pelo Brazil e despachou ordens positivas ao encarregado de negocios em Lisboa para cooperar francamente com Sir Charles Stuart, cujas instrucções estavam sendo redigidas do punho mesmo de Canning, que depois as mostrou ao representante d'Austria, desarmando pelo seu rasgo de franqueza qualquer susceptibilidade acordada no espirito do Chanceller pelo facto da Inglaterra ir concluir sósinha uma mediação começada pelas duas potencias. Instrucções para igual collaboração, ainda que passiva, recebeu o agente austriaco no Rio de Janeiro, pois que Metternich, homem de um só peso e de uma só medida, entrára a achar mais do que justa a separação do Brazil, e a considerar como um dever _religioso, moral e paternal_ de D. João VI o reconhecel-a sem ambages. Agora era o seu delegado em Lisboa quem instava diariamente com o Governo Portuguez pelo desfecho do conflicto, desmanchando sem sombra de piedade as illusões de superioridade militar e de interferencia continental ainda acariciadas por alguns dos estadistas do Reino, e exclamando como uma sibylla que «reconhecendo o Brazil, S. M. Fidelissima perdia, sim, os seus direitos pessoaes, mas para segurar os da sua descendencia.» [Sidenote: Os adversarios de Canning na sua politica latino-americana. A Austria, a França e a Russia.] De todos os adversarios da Inglaterra não era porem Metternich aquelle que Canning então mais temia. O papel preponderante da Austria estava findo e, sob a sua hegemonia, o Imperio Germanico não passava de um simulacro de confederação, sustentado pela habilidade de alguns homens d'Estado e pelo cultivo da tradição, mas condemnado á dissolução. Vienna apparentava ainda constituir o foco capital da reacção, como nos primeiros tempos da politica prégada, sustentada e imposta por Metternich. Dir-se-hia que alli repousavam sempre os verdadeiros alicerces do systema da Santa Alliança. Quem comtudo, como o Secretario d'Estado Britannico, possuia a visão desannuviada e penetrante dos acontecimentos, já caracterisaria de academica a reacção austriaca fóra da Allemanha e da Italia, e qualificaria de falsos aquelles alicerces pelo que dizia respeito á politica geral do mundo. Mais perigosa mostrava-se a França, cuja guerra aos interesses inglezes se extendia a todos os terrenos. Na questão mesmo do reconhecimento Hyde de Neuville, o trefego representante francez em Lisboa, envidára os maiores esforços para transladar para Pariz a séde das negociações, servindo a França de medianeira, e segundo dizia o Francez com melhores garantias para o desempenho do papel, visto não ser inclinada a extremos de liberalismo. O Foreign Office foi supportando a contenda com longanimidade até o fim de 1824, quando Hyde de Neuville formulou o offerecimento de protecção ao Governo Portuguez, contra os inimigos domesticos, por parte de um corpo do exercito francez de occupação da Hespanha. Canning aproveitou então o ensejo para engrossar a voz, ameaçando a França de oppôr-se pelas armas ao projectado eclipse do tradicional prestigio inglez na côrte de Lisboa, e o Rei de Portugal de retirar-lhe a protecção muito mais valiosa da esquadra britannica estacionada no porto. O pobre D. João VI, em quem o ceder ja era uma segunda natureza, acquiesceu á intimação, immolando Subserra. Para não ficar atraz Villèle, que alguns escriptores francezes accusam de ter tido no intimo um fraco pela Inglaterra, sacrificou no mesmo altar Hyde de Neuville. A Austria e a França não o amedrontavam portanto muito, e o que sobretudo detivera Canning de dar mais cedo o testemunho da sympathia britannica pela causa da emancipação do Novo Mundo fôra--além da deferencia devida ao velho alliado portuguez no caso do Brazil--o receio de que a Russia se servisse do exemplo para libertar a Grecia, como um meio de desconjunctar o Imperio Ottomano e resolver em seu exclusivo proveito a questão do Oriente. Tal receio perdurou até que em 1825, graças mesmo ás vacillações e contradicções do autocrata russo, alcançou o habilissimo politico inglez converter-se igualmente no Oriente no arbitro da situação, adoptar a politica que lhe dictavam a consciencia e a conveniencia, e tirar a sua desforra de Alexandre I, n'esse mesmo anno fallecido. O Czar havia sido na questão latino-americana o constante e vehemente adversario da Inglaterra, querendo até fazer em 1818 com que a Santa Alliança por elle creada auxiliasse materialmente a Hespanha nas suas reivindicações coloniaes. Ninguem tampouco trabalhou com mais afinco em Verona para a intervenção franceza na Hespanha. A imaginação desenfreada e desordenada actividade do soberano que um escriptor do historia diplomatica alcunhou de Czar ideologo, careciam de pasto para se exercerem, e tendo a Inglaterra e a Austria embaraçado em 1821 os planos de expansão russa no Oriente, acção que determinou a substituição de Richelieu por Villèle na presidencia do conselho francez, o Imperador lançou-se como uma aguia sobre o tropel perigoso de jacobinos que aos olhos da Santa Alliança se formava na Hespanha, parallelamente achando n'essa diversão, elle, em quem se casavam o mysticismo e o espirito pratico, um novo campo onde contrariar a Inglaterra. A demora de Canning, de 1822 a 1825, em reconhecer as nações do Novo Mundo era pois particularmente devida á sua resolução de não auctorisar com o seu exemplo a Russia a intervir nos dominios do Sultão em favor da Grecia, nação cujas ambições de liberdade Alexandre I successivamente afagára e maltratára. O desejo mais ardente do Czar era exercer uma influencia preponderante na dissolução da Turquia; Canning porem era um politico tão cauteloso quanto avisado, que punha o maior cuidado em não dar por meio dos seus actos pretextos a represalias. Constitucional até o amago, nunca quiz ajudar em Portugal, no tempo das Côrtes, a estabilidade do regimen constitucional, e até impediu os liberaes portuguezes de alliarem-se aos hespanhoes, quando estes dominavam em Madrid, para não estabelecer com isso um precedente desvantajoso que désse côr de justiça á intervenção franceza para restauração das prerogativas monarchicas. No mez de Dezembro de 1824 elle fizera decidir e a 1^o de Janeiro de 1825 annunciou o reconhecimento de alguns dos Estados da America Latina, depois que a França ajustára, pelo tratado de 10 de Dezembro, prolongar por um periodo indeterminado a sua occupação militar da Hespanha. VI [Sidenote: Sir William A' Court, embaixador em Lisboa.] Sir Charles Stuart partiu a 15 de Março de 1825 para Lisboa, onde Sir Edward Thornton fôra no decorrer do anno anterior e por motivo do papel preponderante que, devido a natural pusillanimidade, permittiu ao seu collega de França representar na Abrilada, substituido por Sir William A' Court, ao mesmo tempo que, para satisfazer uma pequena vaidade de D. João VI, era a missão elevada a embaixada, quando igual favor negava o Foreign Office á Hespanha. Eis as palavras com que o proprio Canning, a 17 de Agosto de 1824, referia o incidente a Granville[31]. «Fui obrigado a demittir Thornton. Acobardou-se e deixou-se mystificar ao ponto de esquecer que era Ministro da Inglaterra. O Rei de Portugal solicitára a creação de uma embaixada, com intenção que fosse Thornton o Embaixador. Satisfiz-lhe a vontade em metade, estabelecendo a embaixada, mas confiei-a a A' Court, que, espero, conterá Hyde de Neuville». Sir William A' Court (depois lord Heytesbury) andava afeito a negociações difficeis, sendo o mesmo diplomata que junto ao Governo Constitucional de Fernando VII representára o Governo de Jorge IV no tempo em que, em Verona, combatia o duque de Wellington por instrucções de Canning a politica de intervenção da Santa Alliança na Hespanha, e que, em Madrid, reclamava o plenipotenciario inglez contra os abusos das ultimas auctoridades da metropole nas colonias americanas em relação ao commercio britannico, e contra outros embaraços postos ao desenvolvimento do intercurso mercantil da Grã Bretanha com o Novo Mundo hespanhol. Sir William A' Court acompanhára depois Fernando VII, sequestrado pelos constitucionaes, de Madrid para Sevilha e, tendo-se mais tarde mudado para Gibraltar, quando Rei e Côrtes se retiraram para Cadiz, fôra até certo ponto o intermediario entre o monarcha, o seu odiado governo legal, e o exercito invasor commandado pelo duque d'Angoulême e que substituio a Constituição radical pelo regimen supposto liberal do soberano mais perfido que o throno hespanhol tem visto sentar-se sob o seu docel. Para Lisboa levára Sir William A' Court como primordial objecto da sua missão obter a mencionada demissão de Subserra, o qual voltára com Palmella ao ministerio após o restabelecimento da auctoridade real effectuado a bordo da nau de guerra ingleza, mas a contra gosto do monarcha teve de seguir para o dourado exilio da embaixada de Pariz. [Sidenote: Chegada de Sir Charles Stuart a Lisboa. Inicio das negociações.] Sir Charles Stuart chegou á capital portugueza no dia 25 de Maio, encontrando o terreno excellentemente preparado para receber a semente da reconciliação, graças á persistencia de Canning; á fallada carta de Caldeira Brant a D. Miguel Antonio de Mello e igual missiva de Gameiro ao conde de Porto Santo, novo Ministro dos Negocios Estrangeiros; sobretudo á justa convicção de que a Inglaterra, depois de dez mezes de discussões infructiferas, não esperaria mais pelo reconhecimento portuguez para conceder o seu, sendo mister portanto chegar-se a um accordo qualquer que mantivesse o Brazil no goso da sua completa independencia. As instrucções de Sir Charles Stuart ordenavam-lhe que primeiramente tratasse de obter de D. João VI uma Carta Regia pela qual, no pleno exercicio dos seus direitos magestaticos e reservando-se seus titulos, dignidades e bens privados situados no Imperio, o monarcha outorgasse ao Brazil completa independencia legislativa e a D. Pedro inteiro caracter soberano além mar, com a conservação do seu titulo de herdeiro da corôa portugueza. Não era isto mais do que confirmar e tornar real uma phrase memoravel escripta por D. João VI, no momento de desembarcar no Rio de Janeiro a côrte fugida de Lisboa: de que vinha, fiado no amor dos seus subditos brazileiros, crear no seio da America um novo e grande Imperio. As tendencias reaccionarias e impetuoso caracter do Infante haviam-no prejudicado na estima da Inglaterra, que antes desejava ver sentado no throno de Portugal o Imperador, temperamento igualmente impetuoso, mas já mais polido e com certa educação politica adquirida, de natureza constitucional. [Sidenote: Instrucções de Canning.] Canning acompanhou as instrucções do plenipotenciario britannico das seguintes persuasivas palavras: «As negociações em Londres foram encerradas, e n'um certo sentido constitue uma felicidade para o Rei de Portugal que tal succedesse, pois que lhe offerece o ensejo de passar em revista suas previas concessões e considerar quanto as completaria uma pequena addicional applicação das mesmas generosidade e benevolencia, e bem assim sã politica, que dictaram aquellas concessões. A Real Graça e Auctoridade de S. M. Fidelissima lograriam assim effectuar tudo aquillo que as negociações podiam pretender e mais do que um Tratado poderia estipular. Desde o momento em que a Independencia do Brazil era manifestamente inevitavel, competia de seguro á verdadeira dignidade do Rei de Portugal, o qual de facto havia por actos de espontanea mercê cavado os alicerces d'aquella Independencia, dar a ultima demão á sua obra e, associando-os voluntariamente, crear titulos á gratidão de seu Filho e de seus subditos brazileiros. Si D. Pedro tinha de bom grado repellido a Fidelidade devida a seu Pai e Soberano, existiria em justiça algum fundamento mas, mesmo assim, na prudencia pouco, para insistir n'uma retractação d'essa injuria intencional. Si tudo porem quanto o Principe praticára além do que lhe fôra delineado por seu Pai, tinha sido involuntario e forçado pelas circumstancias, que aliás pela maior parte se originavam não no Brazil mas em Portugal, seria duro exigir do Principe uma estricta conta das medidas, das quaes lhe cabia tão limitada responsabilidade. Exigir sua annullação, isso era perfeitamente ocioso». Si D. João VI estivesse disposto a conformar-se com este parecer, a independencia do Brazil, concluia Canning, tornar-se-hia o effeito de um acto do poder real e não o fructo de uma tediosa e humilhante negociação. Mais valia ceder com amabilidade (_with a good grace_) do que depreciar o favor dispensado «com fazer a independencia dependente», conforme pretendia o contra-projecto ainda de pé. Portugal lucraria até--já que se antevia a futura reunião das duas corôas--dando ao Brazil a opportunidade de exercer sua actividade, expandir suas energias e entrar para correr na liça do progresso com vantagens iguaes ás dos outros paizes do Novo Mundo, sendo todavia o unico d'elles que conservava alguma ligação com a mãi patria por meio da successão do throno, cuja regulação entretanto permanecia no poder do Rei de Portugal e das suas Côrtes. Outra consideração não para desprezar e que Canning lembrava, era que, uma vez independente o Brazil, poderia o Reino com sobeja razão reclamar e obter o auxilio previsto no tratado com a Grã Bretanha. Qualquer contenda futura--e não seria possivel evitar uma guerra no caso da recusa do reconhecimento--deixaria de parecer uma discordia domestica para converter-se n'um ataque de inimigo estrangeiro. O conselho posto pelo Secretario d'Estado britannico na bocca de Sir Charles Stuart resumia-se pois na doação de effectiva e absoluta independencia por meio de uma Carta Regia, da qual poderia elle ser o portador para o Rio de Janeiro e que seria logo publicada, ou sómente depois de haver o plenipotenciario inglez conseguido a expressão da annuencia do Governo Brazileiro á liquidação das prezas e sequestros de que tinham sido victimas bens portuguezes, e estabelecimento do intercurso commercial sobre a base da nação mais favorecida. No intuito de facilitar este ultimo ajuste, estava a Inglaterra prompta a abandonar quaesquer direitos que em contrario lhe fosse dado apresentar, fundados no tratado de 1810. Preferindo D. João VI á doação a negociação com o subsequente tratado, estava Sir Charles Stuart auctorisado para tornar-se plenipotenciario de S. M. Fidelissima, uma vez que as concessões portuguezas fossem as que a Grã Bretanha suggeria para figurarem na Carta Regia, ou para collaborar com qualquer plenipotenciario portuguez mandado ao Brazil, o qual não lhe ficaria em todo o caso aggregado, nem partiria conjunctamente com elle. Por ultimo devia Sir Charles tornar sciente o Governo Portuguez de que, no caso de falhar ou demorar-se mais do que convinha a missão do seu plenipotenciario, a Inglaterra reconheceria e trataria com o Imperio. [Sidenote: As negociações e as potencias continentaes.] As conferencias entre o enviado especial britannico, o conde de Porto Santo e Sir William A' Court, começaram sem demora e continuaram em grande segredo, para que não fossem as negociações provocar maiores embaraços por parte da Russia, cuja attitude intromettida se tornára um momento verdadeiramente importuna. D. João VI, cuja cordura é no emtanto proverbial, chegára a perguntar impacientado ao encarregado de negocios Rosel si tinha ordem do Imperador Alexandre para offerecer-lhe algumas forças de mar e terra com que reduzir o Brazil á obediencia; e diante da resposta negativa do russo, ajuntára seccamente: «Pois bem, eu farei o que houver por conveniente.» Emquanto ao mais, sabemos que a opposição da Santa Alliança ao reconhecimento do Imperio diminuira de vigor á medida que se denunciára a robustez da amizade ingleza, e Metternich, quando estivera em Pariz tratando de assumptos diplomaticos, julgando sobremaneira inutil persistir, mesmo a fingir, em contrariar o inevitavel, fizera appello ao seu opportunismo e convencêra a França, Russia e Prussia de expedirem ordens aos seus representantes em Portugal para não embaraçarem a missão de Sir Charles Stuart, limitando-se a fazer o mal que podessem á subsistencia da Constituição Brazileira. Por fim, nada alcançando n'esta direcção sequer, quizeram aquellas potencias absolutistas experimentar entrarem de parceria nos lucros politicos e mercantis de antemão descontados, e moveram o Imperador d'Austria a aconselhar seu genro D. Pedro a annuir ás proposições, de que fosse portador o enviado britannico. D. Pedro estava por esse tempo aguardando com paciencia taes proposições, de que lhe haviam mandado aviso seus plenipotenciarios em Londres e de que lhe dera conhecimento o consul Chamberlain. Por isso até declinara discutir um offerecimento do representante francez no Rio de Janeiro de reconhecer a independencia do Imperio, mediante a participação da França nas vantagens commerciaes usufruidas pela Grã Bretanha. A lealdade do monarcha brazileiro contrastou favoravelmente n'este incidente com a duplicidade revelada pelo Governo Francez, ao qual Canning communicára sem reservas o objecto da missão de Sir Charles Stuart, e que se compromettêra a mandar os seus agentes coadjuvarem os esforços do enviado britannico. [Sidenote: O reconhecimento na Europa e na America Latina.] Todas estas intrigas de côrtes constam particularmente da correspondencia de Caldeira Brant e Gameiro para o Ministerio dos Negocios Estrangeiros do Brazil, da qual se deprehende que o reconhecimento do Imperio passára na realidade a ser o que denominam os Francezes _le secret de Polichinelle_, a saber, aquillo que entrou no conhecimento de todos. Communicando em Londres o ministro da Suecia a Gameiro que a sua Côrte estava prompta a receber um agente ou consul geral brazileiro, e indagando Gameiro si tal recebimento seria com caracter publico, respondeu o representante sueco que o Despacho a elle remettido não era bem explicito a semelhante respeito, mas que estava persuadido de que o reconhecimento do Brazil por parte de Portugal e das demais potencias da Europa precederia sem duvida alguma a chegada de um agente diplomatico ou de um consul do Brazil a Stockolmo. Accrescentavam os nossos enviados, ao relatarem este facto n'um dos seus officios a Carvalho e Mello, que outras muitas aberturas lhes teriam sido feitas si as houvessem diligenciado, mas que por dignidade patriotica preferiam esperar que ficasse regularisada a situação politica do Imperio. Dos restantes paizes da America Latina, contemporaneamente emancipados, é evidente que as aberturas choveram sem serem provocadas, e logo á sua chegada a Londres e inicio da missão commum, tinham Caldeira Brant e Gameiro sido solicitados pelo general Michelena, ministro do Mexico em Londres, para estabelecerem entre o Imperio e a Republica relações de amizade. [Sidenote: A entrevista de Combe Wood.] Depois da transferencia das negociações para Lisboa e Rio de Janeiro, a expectativa dos nossos plenipotenciarios foi de curta duração. A 10 de Maio Caldeira Brant e Gameiro visitavam Canning, então convalescendo de um ataque de gotta em Combe Wood, casa de campo do conde de Liverpool, e ouviam da sua bocca a agradavel noticia de que D. João VI havia afinal accedido a reconhecer como Imperador do Brazil o Principe Herdeiro de Portugal, ficando Sir Charles Stuart encarregado de obter do Governo Imperial algumas concessões e favores commerciaes em gratificação por aquelle acto, que entretanto nada tinha de espontaneo, e como indemnização do prejuizo que a Portugal occasionava a separação do Brazil. A idéa do Governo Portuguez fôra de mandar um plenipotenciario seu na companhia do plenipotenciario inglez, mas, como vimos, as instrucções de Sir Charles Stuart vedavam-lhe acceitar este alvitre, que roubaria á Grã Bretanha parte da gloria e do beneficio de ter angariado sósinha a solução de uma questão tão irritante, tão melindrosa e tão complexa sob o seu aspecto singelo. [Sidenote: A Carta Regia. Partida de Sir Charles para o Rio de Janeiro.] Canning não dissera tudo na entrevista de Combe Wood. Porventura ignorava ainda os ultimos arranjos feitos por Sir Charles Stuart com o conde de Porto Santo. Com effeito D. João VI annuira á lembrança da Carta Regia ou Carta Patente, mas assumindo primeiro o titulo de Imperador do Brazil conjunctamente com o de Rei de Portugal e Algarves, associando D. Pedro na primeira dignidade e transferindo-lhe a soberania brazileira. O plenipotenciario britannico não conseguira, por mais que se empenhasse, fazer abandonar pelo Rei essa pretenção estulta de denominar-se Imperador de um Imperio sobre o qual não exercia mais jurisdicção alguma, nem de facto, nem de direito. Suspeitando Sir Charles com acerto que uma tal solução levantaria opposição da parte do gabinete de São Christovão, munira-se de uma segunda versão da Carta Regia, que no seu entender desgostaria menos o povo brazileiro e que extendia o titulo imperial aos trez reinos de Portugal, Brazil e Algarves. A Canning sorriu pouco qualquer das duas combinações, tanto que mandou ordem a Sir Charles para não insistir demasiado no Rio de Janeiro n'esse ponto, que nunca seria para a Inglaterra um justo motivo para romper as negociações, e que o Imperador do Brazil teria a faculdade de referir ás auctoridades constitucionaes da nação, isto é, ao poder legislativo, o qual decidiria em ultima instancia. Ao receber estas novas instrucções, envidou Sir Charles Stuart seus melhores esforços para obter do Governo Portuguez uma desistencia a um tempo mais chã e mais lhana da sua perdida soberania, só logrando no emtanto conseguir uma terceira versão da Carta Regia (afim de tornar publica aquella que menos repugnasse ao Governo Imperial) accentuando a separação e reconhecendo D. Pedro como _Rei_ do Brazil. Verdade é que o monarcha portuguez attenuou a sua negativa concedendo ao plenipotenciario britannico permissão verbal para ultimar «aquillo que podesse ser essencial ao bom exito da negociação». Sir Charles embarcou para seu final destino a 24 de Maio, com plenos poderes para concluir um tratado entre Portugal e Brazil, contendo as disposições cuja acceitação ficava sendo a condição estipulada para a entrega da Carta Regia. Essas disposições eram em numero de seis: cessação das hostilidades; restituição das prezas; levantamento dos sequestros; assumpção por parte do Brazil da divida commum; pagamento das sommas devidas pelo Thesouro ás primitivas doações do Brazil; fixação das bases do tratado de commercio. A questão da successão decidia-se conforme o desejava D. João VI com ardor não menor do que o do Governo Britannico, isto é, em favor de D. Pedro que poderia, si quizesse, usar do titulo de Principe Real de Portugal. [Sidenote: A Carta Regia julgada em Londres.] Ao ser plenamente informado d'estes pormenores ou julgar chegado o momento de divulgal-os, participou-os Canning aos enviados brazileiros e, comquanto o resultado das negociações de Lisboa não fosse muito do seu contento, procurou decidir Caldeira Brant e Gameiro a que influenciassem o Governo Imperial para adherir á versão n^o 2 da Carta Regia. Os nossos plenipotenciarios não julgaram comtudo dever attendel-o, adduzindo entre outras razões que a investidura em si proprio pelo Rei de Portugal da dignidade imperial, posto que a não tivesse considerado o Congresso de Vienna superior á real, exigiria por ser uma innovação o seu reconhecimento pelas côrtes européas, e offereceria d'est' arte ás potencias continentaes o ensejo, que até então lhes havia faltado, para intervirem na questão entre Portugal e Brazil. Caldeira Brant e Gameiro preferiam ainda assim a versão n^o 1, comtanto que D. João VI, no seu caracter de Rei de Portugal, Brazil e Algarves, reconhecesse primeiro o Governo Independente do Brazil na pessoa de seu filho, e então reservasse para si, durante sua vida, o titulo honorifico de Imperador do Brazil. Outro periodo da Carta Regia ao qual os nossos enviados faziam objecção, era o que determinava que os Portuguezes ficariam sendo considerados no Brazil como Brazileiros, e vice-versa, disposição considerada por Palmella da maxima importancia, com certeza em vista do futuro restabelecimento do _status quo_ antes da separação. Expediram-se instrucções a Sir Charles Stuart para obter essas alterações, mas já tendo elle partido para o Rio de Janeiro, Sir William A' Court tratou infructiferamente de cumprir os desejos do seu Governo. Portugal, cujos interesses já Sir Charles acceitára promover, não tinha mais a temer uma recusa e escolheu manter-se na defensiva, pelo que Canning, para não perder á ultima hora todo o insano trabalho que custára o negocio, urgiu o Brazil para acceitar qualquer das versões da Carta Regia, recordando que este alvará continha em summa o essencial, a saber, o reconhecimento da Independencia. Ajuntava Canning que a rejeição d'esta solução do conflicto por parte do Governo Imperial seria, na opinião da Grã Bretanha e de todo o mundo, um acto desarrazoado, e que o Rei da Inglaterra confiava que os esforços empregados pelo seu Governo para tal solução satisfactoria constituiriam uma recommendação para que D. Pedro fosse ao encontro das concessões de seu Augusto Pai n'um espirito correlativo de benevolencia e de moderação. [Sidenote: A Inglaterra no caso de mallogro das negociações do Rio.] Diplomata até a raiz dos cabellos, Canning não quiz comprometter-se, nem por escripto, nem verbalmente, quer com Palmella quer com Gameiro, a declarar o que praticaria Sir Charles Stuart, caso gorassem as negociações conduzidas em nome de Portugal, guardando semelhante reserva ainda que fosse patente que a Inglaterra trataria separadamente com o Brazil, quando desapparecessem as ultimas esperanças de reconciliação entre Reino e Imperio. A Palmella respondeu vagamente o Secretario d'Estado que «a conducta a seguir por parte do Governo Britannico viria a ser um objecto de seria consideração.» Para evitar comtudo a realisação d'esta hypothese, recommendou o Foreign Office a Sir Charles Stuart que endereçasse um novo appello ao Rei de Portugal, si porventura as trez versões da Carta Regia se revelassem igualmente antipathicas ao gabinete de São Christovão, e fosse a redacção d'esse documento o unico obstaculo á conclusão das negociações. Um ponto do ajuste havia porem que era no mesmo gráo desagradavel aos dous povos, mas que Canning, mau grado toda a sua finura, nunca logrou capacitar-se que repugnava tanto ao sentimento publico portuguez e brazileiro, insistindo n'elle desde principio e laborando no seu equivoco até morrer. Trata-se da connexão entre as duas corôas, avessa ao espirito da metropole, que aspirava á recolonização do Brazil mas, sem muito errar, considerava D. Pedro, desde a sua rebellião, como um estrangeiro inhibido pelas leis fundamentaes do Reino de herdar o throno, e avessa ao espirito da ex-colonia fanaticamente ciosa da sua autonomia, a qual ficaria com semelhante reunião infallivelmente sacrificada. [Sidenote: Opiniões de Neumann.] A opinião do barão de Neumann sobre este assumpto, a qual consta da correspondencia official de Palmella[32] não pode deixar de ser interessante e digna de registrar-se, porque reflecte a da Chancellaria austriaca. De accordo com os bons principios da Legitimidade, titulo unico de que podia derivar-se o direito de D. Pedro á posse immediata da corôa do Brazil, achava elle perfeitamente justa a retenção por D. João VI do titulo imperial, sendo «conforme á pratica seguida em todos os tempos em caso de abdicação inteira ou parcial da Auctoridade Soberana, cujo titulo sempre se julga indelevel.» O encarregado de negocios da Austria considerava preferivel a primeira versão da Carta Regia, receoso de que surgissem difficuldades, especialmente por parte da Hespanha, ao reconhecimento do novo titulo de Imperador de Portugal. Além d'isso encontrava dous defeitos na solução convinda com o plenipotenciario britannico pelo gabinete portuguez: 1.^o a carencia de medidas para a eventualidade de uma regencia, por motivo de ausencia do soberano ou de demora em chegarem as ordens do successor do soberano fallecido; 2.^o a falta de garantia positiva do ajuste por parte do Governo Inglez, necessaria para dar solidez ás concessões commerciaes e pecuniarias feitas pelos Brazileiros, e como sendo «a melhor fiança da futura reunião das duas Corôas n'um só Soberano, e n'uma só linha de successão, objecto principal dos desejos de todos os portuguezes honrados e illustrados, e unico preço do immenso, mas temporario sacrificio que El-Rei meu Senhor resolve fazer com tão magnanima generosidade[33]». [Sidenote: A missão Stuart e a nossa Secretaria de Estrangeiros.] Por tudo isto teriam no Brazil, si possivel fosse, escolhido como o melhor meio de accordo o feliz exito das negociações de Londres, confiadas a Caldeira Brant e Gameiro. Poucos dias antes da entrevista de Combe Wood, a 5 de Maio, queixou-se Canning n'uma carta confidencial aos nossos enviados que Carvalho e Mello recebêra pouco cordialmente (_ungraciously_) a participação da missão Stuart feita por Chamberlain. O Ministro dos Negocios Estrangeiros do Imperio mostrava-se especialmente resentido de ter sido violada a promessa da precedencia do reconhecimento do Brazil ao das republicas hispano-americanas. Canning respondia a esta censura recordando, com a sua habitual vivacidade, que o reconhecimento sómente se não fizera um anno antes, sem o luxo de tantas negociações, por falta de plena confiança das partes interessadas na mediação que a Inglaterra estava disposta a exercer desde o rompimento entre as duas partes da monarchia portugueza, e ajuntando que o Foreign Office não podia ser tornado responsavel pelas intrigas e desproposito (_unreasonableness_) que tinham causado a demora e levado o Secretario d'Estado a tratar parallelamente com as republicas hispano-americanas, as quaes não podiam ficar eternamente dependentes do capricho ou obstinação de Portugal e Brazil. Canning n'este ponto fingia esquecer que a Grã Bretanha não usára das mesmas contemplações para com a Hespanha do que para com Portugal, assim difficultando a posição do Imperio n'esse lance, e que identica attitude de altivez ou de intransigencia, quando assumida por Buenos Ayres ou Colombia em face da mãi patria, não seria estranhada como ao Brazil o estava sendo a sua pelo facto do Governo Britannico, convindo-lhe muito embora e até favorecendo a separação, não querer lesar Portugal ao ponto de ser com justiça accusado de abandono e perfidia. Devido a este escrupulo, esforçava-se Canning por equiparar a situação do Imperio á das Republicas hispano-americanas, accrescentando na mencionada confidencial que si o Brazil houvesse entregue a negociação inteiramente aos cuidados da Inglaterra e descançado nos seus bons officios, o reconhecimento já estaria ultimado e não ficaria historicamente ulterior ao tratado com Buenos-Ayres, celebrado a 2 de Fevereiro e que acabava de chegar, já se achando, demais, reconhecidos o Chile e a Colombia. Resta saber que condições onerosas não permittiria a sympathia ou antes o interesse da Grã Bretanha por Portugal inserir n'um convenio assim elaborado por terceiro mais affeiçoado a uma das partes litigantes, ou mais tradicionalmente ligado a ella, si mesmo a solução dada por meio da missão Stuart acarretou ao Imperio responsabilidades financeiras, contra as quaes Brant e Gameiro de antemão se insurgiram em Londres e Brant partiu em pessoa a representar no Rio de Janeiro. A viagem de Brant foi tambem, ao que consta de um dos officios de Palmella para o conde de Porto Santo, instigada pelo proprio Canning, «por lhe parecer necessaria a influencia que o dito Felisberto (Caldeira Brant) julga ter sobre o espirito de S. A. R. o Senhor Principe D. Pedro, e para contrabalançar a má disposição de Luiz José de Carvalho, de cujos talentos e capacidade como homem d'Estado se não forma aqui o melhor conceito». Carvalho e Mello protestou aliás n'um Despacho declamatorio contra a imputação de malevolente para com os ajustes de paz esboçados na Europa, attribuindo a increpação a _excesso e indiscrição_ do consul Chamberlain. [Sidenote: Partida de Brant para o Brazil. Gameiro e Palmella em Londres.] Gameiro ficava só na Legação, ao passo que os votos de Canning pelo prompto regresso do futuro marquez de Barbacena acompanhavam-no na sua travessia, expressos n'uma carta das mais calorosas e das mais honrosas. A amenidade de trato, o bom senso e a exhuberancia commedida e de bom gosto do marechal Caldeira Brant, eram por certo qualidades mais sympathicas ao genio communicativo e brilhante do Secretario d'Estado do que o caracter friamente methodico e, ao que parece, um tanto desconfiado e arisco do cavalheiro Gameiro. Por outro lado estas qualidades faziam d'elle um superior antagonista para a fleugma allemã e o traquejo diplomatico do marquez de Palmella, que no caracter de embaixador veio substituir em Londres o conde de Villa Real no mez de Março de 1825, ao mesmo tempo que o seu collega de ministerio, Subserra, ia para a França, tendo porem estado para vir para Inglaterra e havendo-se n'esta previsão carteado com Westmoreland. D. João VI, ao sacrificar o seu ultimo valido ao resentimento britannico, quizera, diz o proprio Palmella nos seus apontamentos auto-biographicos, ineditos até serem recentemente aproveitados[34], dissolver todo o gabinete «para consolar-se do sacrificio e parecendo-lhe que assim conseguia algum desforço da violencia que lhe impunham». Como o então marquez de Palmella passava com justa razão por ser _persona grata_ em Downing Street e St-James Palace, e tambem como o monarcha só lhe devia bons serviços ou pelo menos boas intenções, pois que até se impopularizára como estadista para manter-lhe o prestigio real, vilipendiado pelo Infante e pelas Côrtes, a posição de embaixador na côrte de Inglaterra foi opportuna, ao mesmo tempo que merecida. [Sidenote: Perfil de Palmella. Razões da sua popularidade em Londres.] Palmella era não só um diplomata ladino e dos mais experimentados, si bem que as suas victorias não estivessem em proporção com os seus talentos, mal servidos pelos acontecimentos, como o homem em Portugal mais de molde a fazer a vida dura a um ministro brazileiro na Grã Bretanha. Conservava em Londres do tempo da sua primeira estada e mercê do seu nome, das suas ligações de familia e do seu cosmopolitismo de relações, uma posição social de primeira ordem, sendo tido como o peninsular mais adiantado de idéas, mais cultivado e de melhores maneiras. É verdade que nas suas conversações com Stanhope[35], Wellington considerou um dia Palmella estadista de segunda plana, n'outro dia antepondo-lhe muito Forjaz, um dos membros da Regencia: o velho duque era porem, como todo o oraculo, bastante contradictorio e por vezes erroneo. Comtudo nas mesmas conversações elle fez n'outra occasião os mais rasgados elogios áquelle Forjaz, o qual talvez não tivesse passado de uma figura secundaria por faltar-lhe a opportunidade de revelar-se, considerando-o como o homem em toda a Peninsula mais habil e de intelligencia mais pratica. Para mostrar que as apreciações politicas e pessoaes do vencedor de Waterloo devem ser tomadas _cum grano salis_, basta dizer que, segundo refere Greville, Wellington dizia depois da morte de Canning ser este um dos homens mais indolentes do mundo, quando, pelo contrario, ninguem ignora que era Canning a actividade em pessoa, vendo, lendo e fazendo tudo. Não chegava uma communicação que elle não percorresse, nem se expedia um despacho que elle não redigisse ou pelo menos não corrigisse. O meio londrino não podia deixar de mostrar-se amigo ao novo representante de S. M. Fidelissima. Palmella fôra quem, para simultaneamente oppôr-se ao exercito nacional absolutista sob as ordens de D. Miguel e do marquez de Chaves, e aos liberaes esturrados hostis á realeza de direito divino, planeára e pedira o auxilio das tropas inglezas, que Canning recusou para não suscitar ciumes e complicações por parte da Santa Alliança; annuindo no emtanto ao estacionamento nas aguas portuguezas de uma força naval britannica, a qual, além de affirmar a solidariedade entre as duas corôas, pela sua natureza offerecia facil guarida á pessoa do Rei e salvava-se da accusação de ameaçar interferir nas discussões puramente domesticas. Palmella fôra quem, no intuito de manter a disciplina no exercito e incutir moderação no animo irrequieto de D. Miguel, protegêra a candidatura do marechal Beresford para chefe do estado-maior do Infante, candidatura do agrado de Canning, mas que se mallogrou pela incompatibilidade que existia entre o altaneiro inglez e o rude Subserra, dedicado aos interesses francezes desde o tempo da guerra peninsular, em que pelejára com Massena contra Wellington e Portugal. As Côrtes tinham despedido os militares inglezes ao serviço do Reino e o Infante achava-se agora commandando em chefe o exercito por um acto de fraqueza ou inconsideração de D. João VI, e uma esperteza de Subserra, que queria fazer-se perdoar pelo partido da Rainha a sua deserção no dia da Villa-francada. Palmella fôra quem sinceramente desejára e promovêra quanto lhe fôra possivel o cumprimento sob qualquer forma--nova ou obsoleta--da promessa de D. João VI relativa á outorga de uma Carta Constitucional, appellando para uma garantia da Constituição adoptada a ser fornecida pela Inglaterra, que aliás se esquivou a tão manifesta intervenção; sustentando a necessidade da concessão perante as desconfianças e ameaças dos gabinetes continentaes; e apenas desilludindo-se e resignando-se em face da hostilidade crescente de uma fracção do meio nacional e do prolongado lethargo da outra. Palmella finalmente fôra quem suggerira para o arranjo da questão brazileira, que elle no intimo comprehendia estar perdida para Portugal, mas cujo desfecho julgára impolitico e indecoroso abandonar ao destino sem um protesto nem uma tentativa, a dupla mediação da Inglaterra e da Austria, a qual vimos exercer-se sem resultado nas conferencias de Londres, em parte por culpa do proprio estadista que lhes dera origem. [Sidenote: Palmella e a Independencia do Brazil.] Nos seus citados apontamentos auto-biographicos o marquez de Palmella confessa que o previo reconhecimento da Independencia, conforme o reclamavam os plenipotenciarios brazileiros nas reuniões do Foreign Office, teria alcançado para Portugal condições mais vantajosas, mas protesta que o Governo Portuguez não se achava com força moral para conceder _in limine_ aquella exigencia. O espirito publico estava em demasia excitado contra o Brazil, e semelhante questão era mui facilmente explorada em seu proveito pelas facções politicas em opposição. Além d'isso existia o perigo da successão, a qual D. João VI e seus ministros, no seu odio commum a D. Miguel e á Rainha Carlota Joaquina, pretendiam assegurar a D. Pedro, mas que eventualmente envolvia a dependencia do Reino da sua ex-colonia, pensamento affrontoso para o amor proprio portuguez. Como Canning, Palmella reputava remedio bastante para a possivel offensa dos interesses e da dignidade das duas partes da successão, a residencia alternada n'ellas do monarcha, com o contrapeso do herdeiro, na qualidade de regente, no paiz em que não estivesse n'aquelle momento residindo o soberano. Deprehende-se bem a difficuldade que offerecia o ajuste da desavença entre Portugal e Brazil, do facto de que, no tocante á independencia do Imperio, Palmella, espirito malleavel e sceptico, se não mostrasse menos obcecado do que os demais estadistas portuguezes e, o que é mais extraordinario em quem possuia tanto tino e vivêra algum tempo no Rio de Janeiro, chegasse a acreditar na efficacia da resistencia armada. A idéa da expedição militar ao Brazil, posto que porventura mais simulada e para produzir effeito do que real e temerosa, pertencia-lhe senão como iniciativa, pelo menos como pressurosa adopção, concordando inteiramente n'este ponto a sua disposição com o humor bellicoso de Subserra. Tambem a nomeação de Sir Charles Stuart para plenipotenciario portuguez no Rio de Janeiro provocou n'elle, na occasião, um vivo desgosto, e por todos os meios procurou Palmella em Londres embaraçar o jogo diplomatico de Sir Charles. É mesmo provavel que em parte fossem os enredos do embaixador portuguez o motivo porque Canning e o seu enviado no Brazil não agiram em grande harmonia (_did not pull well together_ na expressão de Stapleton) na ultima phase das negociações para o reconhecimento. O certo é que a missão Stuart arrancaria ainda a Palmella mais tarde, muito mais tarde, no desabafo da sua auto-biographia, palavras pungentes atiradas «aos documentos mais vergonhosos da diplomacia portugueza» que taes foram, segundo elle, os firmados pelo plenipotenciario britannico em nome de Portugal. [Sidenote: Palmella, a demissão de Subserra e a agitação de Hyde de Neuville.] Palmella possuia todos os requisitos para ser, e era um homem bem visto por todos em Londres, ao passo que Subserra só teria sido bem visto pelos chamados _high tories_. Canning achava-o muito agradavel (_very agreable_): a 8 de Fevereiro de 1825 escrevia para Pariz a Lord Granville--_if he repairs to Paris, you will be a gainer_. Consummára-se justamente, na occasião de ser escripta esta carta, a mudança ministerial provocada pelo Governo Britannico, e Canning affirma na mesma que empregou todos os esforços para garantir a situação de Palmella (_we did all that we could to extricate him from that community of fortunes_), mas que elle proprio preferiu associar-se ao destino do seu collega, certamente por ter percebido a intenção do animo real. Palmella tinha por herança, indole e educação o temperamento do cortezão e a flexibilidade do diplomata, sabendo duplamente como amoldar-se ás circumstancias. Pois não viveu elle, manifestamente propenso á amizade britannica, em contacto diario, official e particular, com um adversario das suas idéas da força de Hyde de Neuville, um homem que, si bem que com uma grande ponta de exaggeração, Canning descreve em uma de suas cartas como «orgulhoso, violento, julgando mal as cousas, brusco, arrogante, de capacidade limitadissima e com uma enorme presumpção do senso que elle imagina ter?» Comtudo as relações do embaixador francez com o Ministro de Estrangeiros de S. M. Fidelissima foram sempre cordiaes. Palmella tratou-o como se tratam os loucos--não o contrariando, e por traz da cortina poz em movimento o gabinete de Londres. Já sabemos que as tropas inglezas estiveram no ponto de embarcar para Portugal (como haviam de ir pouco depois, durante a regencia da Infanta D. Izabel Maria) quando o irrequieto Hyde de Neuville se lembrára de mandar por sua conta e risco chamar a guarnição franceza de Badajoz, cujo commandante evitou um conflicto internacional deixando-se muito prudentemente ficar, não obstante a inveja que os Francezes sentiam do protectorado exercido pelos Inglezes sobre Portugal. «Portugal, escrevia Canning a Lord Granville a 21 de Janeiro de 1825, tem sido e _deverá_ ser sempre inglez, por tanto tempo quanto a Europa e o mundo permanecerem n'uma situação parecida com a actual. Uma vez francez, Portugal cedo faria parte da monarchia hespanhola». E ajuntava que não eram considerações commerciaes as que regulavam o interesse britannico n'essa questão. De facto a Inglaterra, debaixo da influencia de Canning e Robinson[36], entrava na phase de predominio da liberdade mercantil que devia acabar no livre cambio de Cobden e Gladstone, e o espirito instinctivamente liberal de Canning até achava odioso, vexatorio e impolitico o tratado de 1810, preferindo grangear mercados por meio da excellencia dos productos e do desenvolvimento natural das relações sobre a base da igualdade do tratamento. Nem o Governo Inglez fez caso algum da tentativa de Hyde de Neuville para transformar Lisboa n'um porto franco com o fito de arruinar a supremacia commercial da Inglaterra. Depois da sua perigosa fanfarronada militar Hyde de Neuville permaneceu em Lisboa por cinco mezes ainda, «uma verdadeira peste para a sociedade, escrevia Canning, agitando-se e incommodando-se, a si e a todos em volta de si, nos estreitos limites de uma pequenissima communidade». Mesmo depois de ir uma fragata buscar o embaixador, Villèle, arrependido da complacencia exhibida para com o gabinete de St-James, mandára-lhe por terra ordem para demorar-se; quando o correio ministerial chegou a Lisboa, já Hyde de Neuville estava porem a caminho de Brest, com grande despeito de Polignac, que em Londres representava o partido dos _ultras_, do qual Palmella calculadamente recebia e retribuia os galanteios, mas sem comprometter a sua velha ligação com a alliada tradicional de Portugal. A differença na representação portugueza em Londres fez-se logo notar. Exaggerando a extensão dos sacrificios a que o Rei fôra levado no negocio da separação do Brazil, Palmella não descançou emquanto não obteve de Canning, em Junho de 1825, a expedição de instrucções a Sir Charles Stuart para que «no caso de se não verificar immediatamente o ajuste com Portugal, esperasse novas ordens antes de dar começo ás negociações por conta da Inglaterra»--o que importava n'uma quasi pressão em favor da acquiescencia brazileira ás condições exigidas por D. João VI para o reconhecimento da Independencia. VII [Sidenote: Chegada de Sir Charles Stuart ao Brazil. Acolhimento imperial. Nomeação dos plenipotenciarios brazileiros.] Sir Charles Stuart chegou ao Rio de Janeiro no dia 18 de Julho, sendo cordialmente recebido pelo Imperador, que nomeou para tratarem com elle das condições da reconciliação trez plenipotenciarios: Carvalho e Mello, Ministro dos Negocios Estrangeiros, Villela Barbosa, depois marquez de Paranaguá e então Ministro da Marinha, e o visconde de Santo Amaro, successor de Carvalho e Mello na pasta de Estrangeiros. A opinião publica mostrava-se muito adversa á assumpção por parte do Rei de Portugal do titulo imperial, e mais ainda, si possivel, á mudança do titulo de Imperador para o de Rei do Brazil, solução comtudo que logo foi arredada, tomando Sir Charles, como base do tratado a negociar, a primeira versão da Carta Regia, fundamentalmente modificada n'um certo sentido pela suggestão de Caldeira Brant e Gameiro, isto é, o reconhecimento da Independencia, e de D. Pedro como Imperador, precedendo a declaração de que D. João VI igualmente assumia a dignidade imperial. Era um primeiro passo para afastar o reconhecimento da soberania do Rei de Portugal e converter a Independencia no que devia realmente ser, a consagração da vontade nacional. [Sidenote: A situação do Imperio com relação a Buenos Ayres.] O caminho não poude ser trilhado até ao fim, mas semelhante admissão previa, opposta ao espirito de qualquer das versões da Carta Regia, não deve ser considerada na occasião (porque mais tarde seria renegada), diminuta satisfacção dada a um Governo nas condições do Brazileiro. Com effeito, este si por um lado julgava bem parada a libertação effectiva das colonias americanas, desde que a França estava disposta a reconhecer em Julho de 1825 a independencia de São Domingos, por outro lado sentia pressa em ver garantido o principio monarchico nacional, sempre ameaçado pela fermentação republicana no Norte do Imperio e pela insurreição aberta de Montevidéo, combinada com a attitude aggressiva de Buenos Ayres. O rompimento entre esta Republica e o Imperio tornava-se fatal, ainda que Sir Charles Stuart, a pedido do Governo Imperial, desejoso de manter a paz, houvesse interposto os seus bons officios e que o Brazil solicitasse a intervenção officiosa da Grã Bretanha. Dizia-se até que Bolivar, ou algum dos seus immediatos, convidado pelo Governo de Buenos Ayres, viria, coroado dos louros do Perú, prestar o seu valioso concurso á causa da liberdade contra a tyrannia monarchica personificada em D. Pedro. Era certo pelo menos que o Governo de Buenos Ayres affixava em mensagens publicas sua inimizade ao Brazil; que apoiava os actos hostis commettidos pelos seus cidadãos contra o Imperio, exportando armamento para Montevidéo, apoderando-se de embarcações brazileiras e abrindo subscripções para as expedições; que convidava as outras Provincias do Rio da Prata a soccorrerem os insurgentes; que fazia levas de tropas; que insultava nas suas gazetas o soberano brazileiro, e que por todas as provocações negava satisfacção «qual a que se lhe exigiu pelo almirante Lobo de desapprovar formalmente o procedimento dos seus Subditos, ou de mandallos retirar da Banda Oriental[37]». [Sidenote: A Inglaterra e a politica platina do Brazil.] O Imperio era sincero na sua aspiração de paz. A sua situação na Europa não estava ainda legitimada e a sua posição no Novo Mundo republicano era tão singular, que carecia de dar penhor da sua moderação e tolerancia. Carvalho e Mello reclamava, instigado mesmo pelo agente austriaco, a intervenção de Canning para garantia da preservação das relações pacificas na região meridional do continente, como o meio mais efficaz de conseguir o seu objectivo; mas tampouco era facil n'este ponto a tarefa de Gameiro, porquanto a Grã Bretanha não adheria absolutamente á politica platina do Imperio, fundada no engrandecimento territorial. A Inglaterra revelára-se sempre infensa á incorporação da Provincia Cisplatina, e tão conhecida era semelhante disposição, que nas instrucções a Caldeira Brant e Gameiro se lhes recommendára muito que obtivessem, a par do reconhecimento, a garantia da integridade do Imperio, a qual deveriam particularmente especificar, _muito ás claras_, si se tornasse preciso conceder a abolição do trafico. Estabelecia-se d'este modo uma compensação d'esse prejuizo economico por aquella vantagem politica. Os termos do Despacho de 18 de Agosto, pelo qual Carvalho e Mello mandava Gameiro solicitar os bons officios da Inglaterra, e Telles da Silva solicitar os da Austria, a qual se suppunha predisposta pelo barão de Mareschal, indicam claramente as apprehensões e vistas que com relação a este assumpto povoavam o espirito do Governo Imperial. Eis o extracto mais symptomatico do referido Despacho: «He porem preciso advertir a V. S^a que, desde o principio da proposta do Barão de Mareschal, houve a cautela por elle recommendada de não se fallar sobre o nosso direito e posse da Provincia Cisplatina, sobre a qual o mesmo Barão observou que se devia guardar silencio, pois cria que Mr. Canning não era nesta questão muito a nosso favor; e assim prevenindo a V. S^a devo dizer-lhe que procure usar da mesma cautela para ir de conformidade com o que de cá propozer Sir Charles Stuart pelo referido motivo das suspeitas de não estar Mr. Canning convencido da nossa justiça, bem que nós a temos, alem de ser de grande interesse conservar aquella possessão, por ganharmos huma raia tão natural, como a do Rio da Prata, grande Porto, e desvio de vizinhos perigosos. Offerecendo-se porem occasião opportuna, este ponto he assaz importante para ficar em silencio, e V. S^a. proporá que a intervenção se extenda igualmente até este fim, da conservação de Montevidéo, usando de todas as razões e argumentos a nosso favor, que tão conhecidos serão de V. S^a, sendo entre todos os principaes--a unanime vontade e deliberação dos Povos, quando em 1821 formaram o primeiro Acto de União, e a adhesão tambem legalmente declarada á União do Imperio, acclamando a S. M. O Imperador, e jurando a Constituição, passando até a nomear Deputados á Assembléa Legislativa». [Sidenote: Idéas de Gameiro sobre a questão de Montevidéo.] Em suas respostas Gameiro não escondia que assistia perfeita razão ao Governo Imperial nas suspeitas que externava, sendo evidente a má vontade do Foreign Office. Entendia Gameiro[38] que em lugar de procurar a intervenção britannica, devia o Brazil antes evital-a, abrindo uma negociação clandestina com a Hespanha para a cessão formal d'aquelle territorio mediante uma indemnização pecuniaria, ou então para a cessão definitiva de Olivença á Hespanha pelo Governo Portuguez, recebendo este a indemnização. O alvitre parecerá extraordinario que fosse formulado pelo representante de uma colonia emancipada, que assim propunha comprar os direitos da metropole sobre outra colonia ou parte de colonia, tão completamente emancipada e com tão justos motivos quanto os invocados pelo seu paiz, de cujo reconhecimento elle estivera tratando, com os argumentos que lhe não acodiam por certo ao admittir os direitos hespanhoes sobre Montevidéo, em nada inferiores aos portuguezes sobre o Brazil. Essa lembrança indica porem que o perigo era tão grave que desnorteára o animo pausado e reflectido de Gameiro. Canning, entrevistado pelo representante brazileiro, prometteu prestar os bons officios solicitados, mas denotando tamanha parcialidade para com o Governo de Buenos Ayres, que fazia duvidar da sua sinceridade ao formular a promessa. Na mesma entrevista propoz o Secretario d'Estado a Gameiro que o Brazil cedesse a Buenos Ayres a Banda Oriental, mediante uma indemnização pecuniaria, proposta que Gameiro combateu fortemente. Gameiro não attribuia a parcialidade do Governo Britannico a uma questão de mais ou menos sympathia: filiava-a de preferencia em puras considerações mercantis, ligando a Inglaterra grande importancia ao seu trafico com o referido porto de Buenos Ayres, o qual pensava dever continuar a ser o entreposto das ricas provincias do Alto Perú. Gameiro opinava diversamente, julgando que, quer o Alto Perú se constituisse em Estado independente, quer se incorporasse no Baixo Perú, o commercio tomaria a direcção dos portos do Perú e do Panamá. Não deixa de ser curioso que o nosso enviado não tivesse entrevisto que o trafico da Bolivia se faria muito pelo Amazonas, por aquelle porto do Pará que elle proprio indicava, como o mais central da America e o mais proximo da Europa, para séde de futuros Congressos americanos, subsequentes ao de Panamá, cuja presidencia devia no seu entender ser assumida pelo representante do Imperador do Brazil, «pela mesma razão que na Dieta Germanica cabe a presidencia ao plenipotenciario do Imperador d'Austria». Verdade é que para Gameiro antever o futuro do Pará em relação ao commercio do Alto Perú, precisaria contar com a liberdade de navegação do Amazonas, o que ainda seria tomado como um absurdo. [Sidenote: Buenos Ayres igualmente solicita a intervenção ingleza.] O Governo de Buenos Ayres igualmente «solicitára em certo modo a intervenção do Governo Britannico para induzir o do Brazil a evacuar a margem oriental do Rio da Prata», escrevia Palmella a Porto Santo a 26 de Julho de 1825. Canning, que alimentava suspeitas que D. Pedro andava fomentando em algumas provincias do Imperio movimentos em favor do restabelecimento do governo absoluto, e que não queria por forma alguma fornecer um pretexto de intervenção, a favor do partido democratico brazileiro, ás tropas desempregadas das republicas hespanholas--pretexto que lhes offereceria sem duvida a agudeza da crise cisplatina--tampouco quiz acceder ao pedido do Governo de Buenos Ayres. Respondeu «que se a Republica viesse a ser reconhecida pela Hespanha, poderia talvez n'esse caso herdar os direitos da Mãi Patria sobre o indicado territorio; porém que nesse mesmo caso o Brazil tambem tinha reclamações e direitos a fazer valer, como se reconhecêra na negociação que tivera lugar em Pariz a este respeito.» [Sidenote: As negociações no Rio de Janeiro.] A mala de 18 de Agosto foi importante para a correspondencia entre a nossa Secretaria de Estrangeiros e a Legação de Londres. Identica data traz o Despacho que dava conta a Gameiro do estado das negociações em andamento no Rio de Janeiro entre Sir Charles Stuart e os trez plenipotenciarios imperiaes, os quaes, no dizer do biographo de Canning, eram menos moderados e conciliadores do que D. Pedro. Assevera Stapleton que o Imperador se mostrava n'esse momento prompto a renunciar seus direitos á corôa portugueza afim de angariar o apoio, que sentia ir-lhe faltando cada dia mais, da opinião brazileira. No tocante propriamente ás negociações para o reconhecimento, D. Pedro esquivava-se a firmar um armisticio immediato, como Portugal pretendia, ainda que de facto Gameiro désse instrucções á fragata brazileira _Piranga_, chegada a Portsmouth com o almirante Cochrane a bordo, para no seu regresso não atacar as embarcações portuguezas que podesse encontrar. D. Pedro tambem dava mostras de querer tirar da Grã Bretanha todo o partido possivel, originado na mencionada abertura franceza para um ajuste immediato. Na primeira conferencia que celebraram com Sir Charles Stuart, revoltaram-se deliberadamente os plenipotenciarios brazileiros contra a idéa da Carta Patente de 13 de Maio, cuja publicação devia ser simultanea com a do Tratado que regularia os varios pontos controversos, oriundos da separação. Declararam elles, com vehemencia que impressionou o plenipotenciario britannico, que qualquer tentativa de cessão de soberania por parte do Rei de Portugal equivaleria a ir de encontro á forma e propria essencia da Independencia brazileira, a qual recebêra do Povo a sua sancção. Não querendo insistir demasiado no primeiro momento, nem perder tempo com uma irritante discussão, propoz então Sir Charles Stuart que se tomassem em consideração os outros artigos até poderem todos concordar n'aquelle primeiro, que ficava adiado. Referiam-se esses outros artigos á cessação de hostilidades, declaração de paz e alliança, segurança de bens de raiz, restituição de prezas e sequestros, esquecimento do passado, indemnizações a particulares e por virtude de perda de officios, ajuste de contas publicas, liberdade de commercio com direitos provisorios de 15 0/0 _ad valorem_, emfim as condições praticas da reconciliação, sobre as quaes era menos difficil o accordo do que sobre a base theorica. O direito de cessão de soberania era comtudo a pedra angular do arranjo proposto e encaminhado pelo mediador britannico, que o achava tão razoavel quanto desarrazoada lhe parecia a associação de D. Pedro na dignidade imperial primeiramente assumida pelo Rei de Portugal. Apontando para a má fé que um procedimento contrario traduziria, logrou Sir Charles Stuart com grande difficuldade fazer admittir aquelle direito n'uma segunda conferencia. Pelos plenipotenciarios brazileiros foram offerecidos trez artigos, contendo a cessão por S. M. Fidelissima dos seus direitos ao Brazil na pessoa de D. Pedro I; o reconhecimento do Imperio, sua plena soberania e sua dynastia; e o assentimento do Imperador a que o Rei de Portugal tomasse durante a sua vida o titulo de Imperador do Brazil. Esta foi pelo menos a forma dos artigos propostos, depois das alterações por Sir Charles, o qual todavia não conseguio na segunda, como não conseguira na primeira conferencia, inserir no projecto a desejada menção da Carta Patente em qualquer das suas primitivas versões. Exgottou-se a terceira conferencia n'uma discussão sobre um armisticio, a qual não deu resultado porquanto os negociadores brazileiros insistiram em que «no preambulo do acto da suspensão de hostilidades se declarasse que se estava tratando na negociação da base da Independencia do Imperio do Brazil, assim como que se não devia entender por ella abertura de Portos e franqueza de Commercio[39].» Sómente na quarta conferencia é que o plenipotenciario britannico attingiu pela sua tenacidade o seu principal fim, acquiescendo os brazileiros em que a cessão fosse expressa n'um decreto firmado por mão de S. M. Fidelissima, mas não sendo este documento a Carta Patente em questão, visto que na sua terceira versão omittia o titulo imperial, e nas outras duas começava o Rei de Portugal por assumil-o para então transferil-o, ou antes n'elle associar seu Filho. Isto quando de facto o Imperador do Brazil fôra exclusivamente revestido de semelhante dignidade por acclamação popular, e o espirito publico melindrar-se-hia amargamente com qualquer interpretação diversa do seu acto, ou qualquer sobreposição de auctoridade á da soberania do Povo. A denominação de Rei do Brazil, si não fôra uma suggestão da Santa Alliança, era aventada como uma cortezia á mesma Alliança, para a qual o titulo de Imperador não possuia cunho igual de legitimidade, tanto que vimos que pelas decisões do Congresso de Vienna, esse titulo não estabelecia precedencia sobre o de Rei. A denominação de Rei do Brazil denotava mais, muito claramente, a natureza do pensamento occulto de, por morte de D. João VI e consequente reunião das duas corôas sobre a cabeça de D. Pedro, voltar sorrateiramente ás condições politicas de 1815, quando o Brazil havia sido elevado á cathegoria de Reino. Esta solução tinha pois todas as probabilidades de provocar uma revolta, e tambem a acceitação e publicação da Carta Patente seria, no dizer dos plenipotenciarios brazileiros, tão impopular que faria perigar a existencia mesmo do throno. Em vão appellou com vigor, verbalmente e em Nota, Sir Charles Stuart para o texto das suas instrucções, que o confinavam ás trez versões da Carta Regia, á qual o seu Governo e os plenipotenciarios brazileiros em Londres tinham adherido, e que elle não podia absolutamente pôr de lado, sob pena de falsear a sua missão. Era-lhe sómente facultado alterar a disposição e redacção d'aquelle documento em trez versões, não se afastando todavia, ou antes, acompanhando restrictamente o espirito commum do seu conteúdo. Respondeu o Brazil por Nota que, para mostrar seu espirito de conciliação e sua contemplação para com a pessoa e leaes esforços de S. M. Britannica, convinha nos principios expostos. Discutiu-se então n'uma quinta conferencia quanto da Carta Regia poderia ser acceito pelo Imperio, observando os plenipotenciarios brazileiros a conveniencia de serem alteradas as expressões em que estava concebido esse documento, «as quaes não affectando materialmente a substancia da negociação com Portugal, trariam todavia ao Brazil novos objectos de discordia, no momento mesmo em que S. M. Fidelissima procurava fazel-a cessar[40].» Á vista d'isso propoz Sir Charles que das duas primeiras versões da Carta Regia se fizesse uma, com que se conciliassem ambas as partes. Representaram porem os plenipotenciarios brazileiros que as Cartas haviam todas sido concebidas sem se attender ás circumstancias que forçaram os Brazileiros a chegarem á posição em que se achavam. Sir Charles conformou-se com a lembrança _pari passu_ suggerida, «que se poderiam admittir mutuas declaraçoens sobre o modo de invalidar aquellas partes da Carta Patente que seria perigoso publicarem-se.» Depois, cançado de tanto batalhar contra a pertinaz opposição offerecida pelos plenipotenciarios brazileiros, e não lhe sendo dado acceitar um projecto de tratado por estes apresentado, annuio o plenipotenciario britannico na sexta conferencia a, em desaccordo com suas instrucções portuguezas[41], pôr de lado a Carta Regia e redigir no seu lugar um preambulo ao tratado. N'este preambulo, que veio a ser o do documento definitivo, procedia-se de harmonia com a ultima recommendação de Canning ao Governo Portuguez, muito embora a tivesse rejeitado a côrte de Lisboa. Assim, o reconhecimento da Independencia e de D. Pedro como Imperador precedia a determinação do Rei de Portugal de assumir igual titulo, mas a par d'isso estipulava-se a transferencia, _por livre vontade_, da soberania brazileira, que tão vivamente e tão justamente indispunha o sentimento publico. Ao mesmo tempo a questão da successão era cuidadosamente evitada, para que o Imperador não tivesse que renunciar positivamente o seu direito á corôa portugueza. Ao Rei de Portugal ficava livre, no intuito de dar satisfacção ao sentimento portuguez, e no caso de não ser acceita (ainda que não fosse publicada) a primeira versão da Carta Regia, o tornar publico e anti-datar um Diploma Regio, pelo qual concedesse a Independencia, a qual lhe era afinal arrancada, «nos termos precisos do preambulo.» No seu Despacho de 3 de Setembro assim se explica Carvalho e Mello sobre este ponto: «No mesmo dia da assignatura da Convenção e Tratado se trocaram entre os Plenipotenciarios as Notas reversaes em que se havia convindo, para declarar-se que S. M. F. se Dignaria alterar ou não fazer apparecer a Carta Patente de 13 de Maio, fazendo-a substituir por outra mais conforme ao Preambulo e artigos do Tratado.» [Sidenote: O tratado e convenção de 29 de Agosto de 1825.] Esta promessa não seria porem cumprida pelo Governo Portuguez, que ao Alvará de 15 de Novembro, mandando publicar e cumprir a ratificação do Tratado, aggregaria a propria Carta Regia de 13 de Maio, motivando pelo seu acto um protesto dirigido pelo Ministro de Estrangeiros, visconde de Inhambupe, a Sir Charles Stuart, n'uma Nota de Fevereiro de 1826, em que affirma que o mencionado documento vinha a lume em violação dos ajustes feitos. Uma vez combinado o preambulo, duas conferencias mais foram consumidas em dar a ultima demão aos artigos que compunham propriamente o tratado, e dos quaes os dous primeiros condensavam as asseverações do preambulo[42]. O terceiro artigo continha a promessa do Imperador do Brazil de não acceitar proposições de quaesquer colonias portuguezas para se reunirem ao Brazil--promessa a que a Inglaterra ligava especial importancia, mais ainda do que Portugal, porquanto eram as colonias africanas do Reino que suppriam o mercado de escravos do Brazil, e uma reunião de Angola ou Benguella ao Imperio significava uma ameaça de indefinida manutenção do trafico. Permanecendo pelo contrario portuguezas as possessões africanas, Portugal ficava com os meios de dar um golpe decisivo no odioso commercio humano, o qual não era mais destinado a activar a florescencia de uma colonia sua, mas a fomentar a prosperidade de uma terra estrangeira, filha ingrata, cuja decadencia, por falta de braços robustos para o trabalho, serviria até de consolo para o despeito da separação. O quarto artigo referia-se á paz e alliança entre as duas Partes Contractantes, e o quinto não só collocava os subditos das duas nações reciprocamente no pé dos da nação mais favorecida, como garantia os possuidores de bens de raiz. Diziam respeito o sexto e o setimo á mutua entrega, ou correspondente indemnização, de propriedades confiscadas e sequestradas, e embarcações e cargas aprezadas, na forma constante do artigo oitavo, que estabelecia uma commissão mixta, cujas deliberações teriam como desempatador o representante do Soberano Mediador. O artigo nono dispunha que as reclamações publicas, de Governo a Governo, as quaes formariam o objecto de uma convenção directa e especial, seriam decididas ou com a restituição dos objectos reclamados, ou com uma indemnização do seu justo valor. Pelo artigo decimo ficavam restabelecidas as relações de commercio, pagando reciprocamente todas as mercadorias 15 0/0 de direitos de consumo, a titulo provisorio. O artigo undecimo e ultimo fixava o prazo maximo de cinco mezes para a troca das ratificações. Duas outras conferencias foram dedicadas por Sir Charles Stuart e pelos plenipotenciarios brazileiros ao ajuste da convenção addicional prevista no artigo nono, a qual foi assignada, assim como o tratado, no dia 29 de Agosto, data da ultima conferencia. Por essa convenção addicional fixou-se, para extinguir «todo o direito para as reciprocas, e ulteriores reclamações de ambos os Governos», a somma de dous milhões esterlinos para o Brazil pagar a Portugal; tomando o Imperador sobre o Thesouro do Brazil o emprestimo contrahido pelo Reino em Londres em Outubro de 1823, por intermedio da casa de B. A. Goldschmidt e C^a, para o fim precisamente de debellar a revolução brazileira, e pagando o restante para perfazer os sobreditos dous milhões esterlinos, a quarteis, no prazo de um anno depois da ratificação e publicação da convenção. Não ficára expressamente determinada na chamada Convenção Pecuniaria, que foi conservada secreta até á reunião da Assembléa Geral Legislativa, a quantia que o Imperador daria a seu Pai pelas suas propriedades (dos donatarios das Capitanias do Brazil, de facto pertencentes á Nação) e das pessoas a quem D. João VI fizera mercê de officios vitalicios no Brazil, e que o acompanharam para Lisboa por obrigação dos seus empregos. Nas Notas reversaes declarou-se porem que 250,000 libras seriam postas em Londres á disposição de S. M. Fidelissima para aquelle fim, e o mais que fosse justo no caso de não ficar satisfeito o Rei; deduzidas essas sommas do total dos dous milhões esterlinos. N'este total entrava o emprestimo de 1823, assumido pelo Brazil, por 1,400,000 libras, pois havia sido de 1,500,000 libras, e 100,000 estavam amortizadas, fazendo-se a amortização á razão de 25,000 libras por trimestre. Gameiro informava mais[43]: «que a importancia dos seus juros (que se pagão no 1^o de Junho, e no 1.^o de Dezembro de cada anno) será de £ 70.000 no anno de 1825, e de menos de £ 2,500, em cada hum dos 27 annos seguintes: porque n'este Emprestimo não se accumulão os juros das Apolices amortizadas. São conseguintemente £ 600,000 que o Brazil tem que pagar a Portugal no decurso do anno vindouro, e em cumprimento do art^o. 2^o da mencionada Convenção. E possivel será effeituar-se este pagamento; porque o nosso Governo tem aqui fundos sufficientes para este effeito»[44]. [Sidenote: Ratificação do Tratado e Convenção.] D. Pedro ratificou Tratado e Convenção no dia immediato ao da assignatura (30 de Agosto), remettendo Sir Charles Stuart immediatamente os documentos para Londres a bordo do navio inglez _The Spartiate_. Á ultima hora surgira uma pequena difficuldade originada na maneira adoptada por D. Pedro de intitular-se: Imperador pela Graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos. Sir Charles não quiz adherir ao formulario, e chegou a mandar sahir o _Spartiate_ sem as ratificações. O Imperador entretanto, ouvido o Conselho d'Estado, preferiu ceder, mudando a segunda parte--que era a discutida, mas cuja retirada se dissera ser contraria á lettra da Constituição--pela formula seguinte: segundo a Constituição do Estado. [Sidenote: Palmella e os tratados entre Portugal e Inglaterra.] Emquanto Sir Charles Stuart negociava a reconciliação no Rio de Janeiro, Palmella, para salvar os bons principios e com vistas na emergencia de um mallogro das negociações, ainda agitava em Londres a velha questão dos tratados em vigor entre as corôas de Portugal e da Grã Bretanha, e que inhibiam qualquer das duas Partes Contractantes de celebrar tratados em prejuizo da outra Parte. A 4 de Outubro de 1825 entregava o embaixador portuguez a Canning uma Nota Verbal, acompanhada de uma interessante e bem lançada synopse ou deducção chronologica, pedindo uma explicação cathegorica da parte do Governo Inglez «afim de collocar as duas Côrtes em situação de saberem precisamente quaes são as obrigações mutuas que as ligam, estando S. M. F. convencido de que taes obrigações são de uma natureza permanente e clara...» Os dous Governos podiam de commum accordo não se prevalecerem _temporariamente_ de algumas das estipulações dos mesmos tratados, mas nem por isso cessava o direito de reclamal-as em occasião opportuna. O tratado de Vienna, de 22 de Janeiro de 1815 (art.^o 3.^o), reaffirmára a validade e renovára todos os tratados em questão, mesmo para o caso em que fosse abolido o tratado de 1810. Os tratados que Palmella enumerava, extractava e commentava com sua usual habilidade eram, além dos de 29 de Janeiro de 1642, celebrado entre D. João IV e Carlos I, 10 de Setembro de 1654, celebrado com Cromwell, e 1661, celebrado com Carlos II--todos garantindo n'uma forma geral a integridade dos dominios portuguezes--os de 1703, da Successão d'Hespanha, e os de Utrecht (1713 e 1715), especificando os territorios brazileiros do Rio da Prata, e entre o Amazonas e o Rio de Vicente Pinzon ou Oyapoc. [Sidenote: Sir Charles Stuart e o tratado de commercio com a Grã Bretanha.] Na verdade Palmella não empregava o seu tempo unicamente na discussão d'estas convenções, valiosissimas sem duvida para Portugal, mas irremissivelmente inapplicaveis ao caso do Brazil: elle tambem preparava a negociação do tratado de commercio entre Portugal e Inglaterra, que tornava necessario a cessação de direito do de 1810. Tambem no Rio de Janeiro, sem perder um minuto depois de ajustada a paz com Portugal, passou a discutir Sir Charles Stuart o immediato tratado de commercio com a Grã Bretanha e abolição do trafico, celebrando-se a primeira conferencia a respeito no dia 20 de Setembro. O projecto do plenipotenciario britannico era quasi identico ao tratado de 1810. O Brazil apresentou um contra-projecto que não foi acceito, porque augmentava de 15 para 18 0/0 os direitos de entrada sobre as importações inglezas. Trocaram-se varias Notas e effectuaram-se outras conferencias, até que a 18 de Outubro poude Sir Charles firmar os convenios para que recebêra plenos poderes de S. M. Britannica, e que a 20 do mesmo mez foram ratificados pelo Imperador do Brazil. O official da Secretaria d'Estado dos Negocios Estrangeiros, Bento da Silva Lisboa (mais tarde barão de Cayrú e, em 1832 e 1846, Ministro de Estrangeiros), embarcou sem demora, encarregado pelo Governo Imperial de trazer a Londres aquellas ratificações[45], as quaes estavam todavia destinadas a nunca serem trocadas, aconselhando Canning o Rei da Grã Bretanha a não ratificar os convenios celebrados, sem instrucções positivas, pelo seu plenipotenciario. VIII [Sidenote: O tratado luso-brazileiro julgado em Londres.] Canning recebeu as primeiras noticias da conclusão do tratado luso-brazileiro por um navio mercante que precedeu o _Spartiate_ na sua chegada e foi portador de uma copia impressa do documento, mandado publicar pelo ministerio brazileiro com o intuito de acalmar a agitação popular, apprehensiva a opinião sobre a natureza e extensão das concessões a que D. Pedro podia ter sido levado. Stapleton diz na sua _Vida_ de Canning que a publicação do tratado foi feita sem conhecimento ou pelo menos sem annuencia de Sir Charles Stuart. Carvalho e Mello assegura porem na sua correspondencia official para Gameiro[46] que o plenipotenciario de S. M. Fidelissima annuira a que o tratado viesse a lume, mesmo antes de ratificado em Lisboa. O certo é que o Secretario d'Estado britannico escreveu logo para Portugal, felicitando o Rei pela assignatura da paz, urgindo a ratificação do tratado e, de accordo com sua primitiva opinião, aconselhando D. João VI a renunciar o titulo imperial, desde que estava ganho o ponto de honra. Para este fim invocou as provaveis difficuldades do reconhecimento, nomeadamente por parte do autocrata da Russia, que desapprovára toda a negociação com o Brazil, e do Rei d'Hespanha, pela mortificação que necessariamente lhe impunha uma solução entre metropole e colonia, tão differente da que occorrêra entre elle e suas possessões americanas. O interesse propriamente da Grã Bretanha era nullo n'este assumpto, e apenas movia o seu Governo--que por seu lado estava prompto a reconhecer o titulo imperial, sem com isso querer compellir os outros Governos mais do que com a persuasão do exemplo--«uma anciosa solicitude pela felicidade, tranquillidade e bem entendida honra de S. M. Fidelissima». Canning recommendava que, pelo menos, o titulo de Imperador do Brazil não precedesse qualquer outro na longa enumeração dos titulos pertencentes aos Reis de Portugal, sob pena do monarcha expôr-se a «incidentes e observações pouco compativeis com a real dignidade da sua Corôa.» [Sidenote: O tratado em Portugal.] Estes razoaveis conselhos de Canning chegaram, ao que parece, um pouco tarde, e não é provavel que mais cedo tivessem sido melhor seguidos, pois que encontraram uma côrte e um publico, apezar de preparada a primeira para o resultado final pelos successivos informes de Sir Charles Stuart, muito dessatisfeitos com a redacção definitiva do tratado. A copia d'este chegára a Lisboa no dia 9 de Novembro, poucos dias depois da chegada da copia destinada a Londres. O preambulo ainda mereceu approvação, mas a falta de qualquer referencia á questão da successão portugueza e sobretudo a ausencia de vantagens commerciaes especiaes, concedidas a Portugal, foram severamente criticadas no Paço. Comtudo ninguem pensou em rejeitar dous convenios tão vantajosos no seu conjuncto; antes decidiu-se em conselho, presidido por D. João VI, tornal-os publicos com demonstrações de alegria, no dia do Santo do nome da Imperatriz Leopoldina. Contra a opinião de Sir William A' Court ficou, porem, assente que o titulo imperial tomaria precedencia sobre o real, como logo appareceu na Circular do conde de Porto Santo ao Corpo Diplomatico acreditado em Lisboa, annunciando a conclusão e resultado das negociações. [Sidenote: O titulo imperial.] Este ponto representava apenas a satisfacção de uma vaidade senil, e, em summa, tão respeitavel quanto a do Imperador d'Austria que, conforme Canning escrevia a Lord Granville a 1^o de Abril de 1825, deixára de ser verdadeiramente Imperador quando Napoleão dissolveu o Imperio Germanico, conservando o titulo com relação ao seu dominio patrimonial por mera condescendencia do Conquistador, sanccionada pela cortezia ou compaixão da Europa. N'outro ponto, todavia, o Governo Portuguez tornou-se culpado do que Stapleton, o confidente de Canning, não trepida em denominar uma quebra de palavra (_a breach of faith_). E o caso já mencionado da Carta Regia, cujo texto foi annexo á Carta de Lei que acompanhou a ratificação, não como _Diploma Regio_, mas como Carta Patente, quebrando-se-lhe o sigillo em contrario da combinação feita com o Governo Imperial, e com a asseveração inexacta e injuriosa de que esse a havia acceito. Stapleton observa muito bem que a occasião mesmo era pessimamente escolhida si, por meio de tal publicação, pensava a côrte portugueza forçar D. Pedro a resolver a questão em aberto da successão, a bem dos seus interesses pessoaes e de harmonia com os desejos predominantes no palacio da Bemposta. É sabido que em periodo algum da sua vida anterior ao fallecimento de D. João VI--excepção porventura feita dos mezes que precederam e dos que se seguiram immediatamente á proclamação da Independencia--esteve o Imperador tão perto de renunciar seus direitos á corôa portugueza. [Sidenote: Critica do tratado.] A publicação do tratado com o Brazil deu lugar a luminarias, foguetes, Te-Deums, e todas as demais manifestações do regosijo official, mas não provocou a sympathia do publico pela obra de Sir Charles Stuart. Pelo contrario, a grita foi geral. Os absolutistas queriam ver para todo sempre cancellados os titulos de successão de D. Pedro ao reino de Portugal. O commercio e a viticultura queixavam-se da ruina que se derivaria infallivelmente de uma pauta que taxava igualmente os vinhos portuguezes e os vinhos francezes. Os adversarios da Inglaterra verberavam-lhe a perfidia e a traição, aconselhando o Rei a demittir o ministerio e suspender as ratificações. Os que sonhavam com a recolonização (e n'este numero incluem o Governo) viam o perigo no facto de não estar definida a qualidade que a D. Pedro cabia como herdeiro da corôa portugueza. Os cortezãos finalmente julgavam superfluo, contradictorio com o preambulo e attentatorio da dignidade real o artigo segundo do tratado, pelo qual D. Pedro _annuia_ a que D. João VI tomasse para a sua pessoa o titulo de Imperador. O clamor foi tão forte, que Sir William A' Court, de posse das instrucções de Canning concernentes ao abandono pelo Rei da tão discutida dignidade imperial, não ousou cumpril-as senão depois da ratificação concedida. [Sidenote: O tratado no Brazil.] No Brazil tampouco agradára o tratado quando o tornára publico o Governo. A compra da Independencia por dous milhões esterlinos, depois d'ella ser um facto consummado e irrevogavel, foi um estigma de que a monarchia justa ou injustamente nunca poude livrar-se no Brazil e cuja recordação pairou sobre o throno até os seus ultimos dias. Esta indignação apparece diminuta comparada com a que irrompeu quando se divulgou a noticia ácerca da Carta Regia, na qual o Rei de Portugal fazia preceder o seu titulo historico e tradicional do titulo popular e exclusivamente nacional de Imperador. Essa publicação não só violava um pacto, como collocava monarcha e gabinete n'uma posição precaria em face das justas exigencias do sentimento publico, cada dia mais desconfiado das tendencias anti-liberaes do Governo. Tão bem comprehendia Canning a situação que se estava creando, que n'uma carta a Granville, de 31 de Outubro de 1825, deixa correr da penna a seguinte phrase symptomatica: «Lisonjeio-me de que o Brazil acha-se quasi arranjado, com relação a Portugal quero dizer. O futuro que o Imperador se está preparando (_is cutting out for himself_) é outra historia». Tal phrase referia-se muito mais á politica domestica do que á politica externa do Imperio. Na verdade D. Pedro, uma vez outorgada a Carta Constitucional, _producto da sua generosidade e mercê_ e não expressão da soberania nacional, parecia ir gradualmente esquecendo todas as circumstancias da sua acclamação popular para sómente recordar-se da sua legitimidade, a qual, baseada quanto ao Brazil na conhecida recommendação da despedida de D. João VI, se fundava com relação a Portugal em razões mais ponderosas e sagradas. Scientes de semelhante estado da opinião, desgostosa da falta de garantias democraticas, e receosos da extensão do vigoroso espirito republicano do paiz, que tanto lhes custava conter, o Imperador e o Ministerio não vacillaram em fazer sua a indignação popular e ameaçaram Portugal «com publicar algum decreto que teria o effeito de annullar todo o tratado[47]». [Sidenote: Defeza do tratado por Sir Charles Stuart.] Sir Charles Stuart defendeu com boas razões o seu trabalho perante as criticas portuguezas. Lembrou que, em vista das disposições de animo do Imperador, dictadas pela situação politica do Brazil n'aquelle periodo, muito melhor havia sido não tocar no ponto perigosissimo da successão, deixando-a tacitamente regulada pela lei natural, e pelas leis fundamentaes do Reino. Fez ver que as estipulações commerciaes eram expressamente provisorias e sujeitas a revisão e aperfeiçoamento, tendo entretanto a adopção temporaria aberto logo a porta ao intercurso mercantil entre os dous paizes, em vez de retardal-o com uma negociação espinhosa, durante uma phase em que as paixões politicas estavam ainda exhuberantes e vivissima a suspeição mutua, e em que o Brazil timbrava em não fazer concessões á sua ex-metropole. Finalmente recordou, quanto á accusação de que D. Pedro, em vez de respeitar, annuia á assumpção por seu Pai do titulo imperial, que o artigo tinha sido redigido nos termos mais cautelosos, além de seguir, e não preceder, o Decreto ou Carta Regia que estabelecia aquella assumpção. O tratado apenas a approvava, e a approvação exarada n'este documento tornava-se outrosim indispensavel, porquanto a Carta Regia não era conhecida (veio a sel-o por uma insidiosa indiscreção), e qualquer disposição só entra realmente em vigor quando fôr adoptada, de commum accordo, pelas duas partes ás quaes ella interessa ou diz respeito. O Imperador tinha pois perfeito direito a annuir e, para ser inteiramente valida a assumpção effectuada pelo Rei, tornava-se necessario que elle annuisse a reconhecer seu Augusto Pai como depositario de dignidade igual á sua, o que só podia derivar-se do convenio assignado por ambas as partes, e não de uma proclamação uni-lateral, cuja imposição teria feito mallograr-se todo o ajuste diplomatico. [Sidenote: Satisfacção de Canning com o tratado.] A conclusão da paz entre Portugal e Brazil foi, não obstante o descontentamento provocado nos dous paizes pelas suas condições, uma fonte para Canning de intensa satisfacção. Chamou a negociação um successo, e ancioso recommendava a Granville que lhe desse pormenores mais explicitos de como a noticia havia sido recebida em França, pois o Rei estimaria muito saber que o sentimento geral era favoravel ao tratado, sem que, no caso contrario, se importasse com o desespero dos ultras, porque andava irritado com a duplicidade exhibida pela França no Rio de Janeiro, e estimaria até por este motivo vel-a desapontada e vexada com o exito da Grã Bretanha na sua mediação luso-brazileira. N'um memorandum entregue ao Rei[48], concede Canning a Sir Charles Stuart todo o merito que lhe pertence na obtenção d'esse exito, mas ao mesmo tempo queixava-se da tendencia manifestada pelo plenipotenciario britannico para desrespeitar as instrucções recebidas; do tom de lastima da sua correspondencia official, como que antevendo o fracasso da missão--pessima disposição diplomatica, observava Canning--, e da pretenção de querer recommendar ao Rei para o lugar de ministro no Rio de Janeiro o consul Chamberlain, assim pondo á margem o Secretario d'Estado e privando-o do beneficio das suas nomeações. O candidato de Canning para o cargo de ministro no Brazil, para onde, no dizer d'elle, as potencias continentaes iam mandar esplendidas missões, preenchidas por pessoas de alta posição, era Mr Robert Gordon, irmão de Lord Aberdeen, por muitos annos secretario da embaixada em Vienna, e diplomata conceituado no Foreign Office. Mr Gordon foi effectivamente nomeado e foi quem veio a negociar os primeiros convenios definitivos da Grã Bretanha com o Brazil. No mesmo memorandum ao monarcha pedia Canning para Chamberlain a dignidade de _baronet_, que lhe seria concedida por Lord Dudley em 1828, depois do fallecimento de Canning. [Sidenote: Os tratados com a Grã-Bretanha. Sua não ratificação.] Satisfacção igual á produzida pelo tratado luso-brazileiro esteve longe, muito longe, de causar ao Secretario d'Estado a ulterior noticia do tratado entre o Brazil e a Grã Bretanha--_a most foolish and mischievous treaty_, escrevia Canning ao _Premier_ Liverpool a 27 de Novembro de 1825. Stapleton[49] explica os motivos que levaram Canning a não mandar instrucções positivas a Sir Charles Stuart para a negociação dos convenios com a Grã Bretanha, e a dissuadir em seguida o monarcha de ratificar esses documentos[50]. Taes motivos constam dos proprios despachos de Canning. O tratado de 1810 fôra um tratado semi-politico, semi-commercial. As vantagens commerciaes offerecidas por Portugal no Brazil eram compensadas pelos beneficios politicos dispensados pela Grã Bretanha ao Reino. Uma vez, comtudo, separado o Brazil de Portugal, não era justo que continuasse aquelle a pagar por uma protecção que no seu caso queria apenas dizer amizade, e Canning foi o primeiro a reconhecer a justiça da observação e a formulal-a elle proprio. Palmella chegára a Londres munido de poderes para renovar ou antes reformar, por conta de Portugal, o tratado de 1810; Canning entendia mais conveniente liquidar primeiro essa parte para não lhe poderem ser lançadas em rosto, e citadas como precedentes, as concessões que estava disposto a fazer ao Imperio, nação completamente nova, nada tendo a ver com as obrigações internacionaes e as dividas de gratidão da sua ex-metropole, e não devendo submetter-se a um exclusivismo de favores mercantis que lhe embaraçariam toda a expansão economica. Portugal, esse sim, teria que pagar pelo protectorado de que gosava e pela protecção aduaneira facultada aos seus vinhos. A prolongação por dous annos, no Brazil, do tratado de 1810, eis o que serviria todos os interesses, permittindo a Canning concluir sem precipitação o accordo que Palmella mostrava tamanha pressa de ultimar, que até marcára um prazo de trez mezes para o encerramento das negociações em Londres; e permittindo aos negociantes inglezes em relações commerciaes com o Brazil prepararem-se para uma reducção das vantagens especiaes que então usufruiam, e que eram aliás iguaes ás que, pelo recente tratado, iam caber aos negociantes portuguezes. [Sidenote: Motivos da não ratificação. Os favores commerciaes.] Sir Charles Stuart não viu porem as cousas do mesmo modo, e pressurosamente fechou um negocio que lhe pareceu muito feliz, mas que Canning achou em alguns pontos summamente desfavoravel. Começou o Secretario d'Estado por não encontrar verdadeira reciprocidade no tratamento da nação mais favorecida, mutuamente concedido pelo Brazil á Grã Bretanha e pela Grã Bretanha ao Brazil, porquanto semelhante tratamento sabia-se perfeitamente ao que equivalia na Inglaterra, onde era applicado a varios paizes, mas não se sabia o que viria a constituir no Imperio, o qual celebrára com Portugal uma convenção commercial provisoria e celebrava com a Grã Bretanha o seu primeiro tratado com uma potencia estrangeira. O Brazil entraria d'est'arte no goso de certos e positivos favores, ao passo que a Grã Bretanha teria que esperar que favores equivalentes fossem concedidos a varias nações, podendo não vir a ser tão completos e vantajosos como os que ella propria dispensaria no seu tratamento ao Imperio. Com effeito a estipulação de que as mercadorias britannicas pagariam 15 0/0 _ad valorem_ nas alfandegas brazileiras (art. XXII) era temporaria, da mesma forma que com relação ás mercadorias portuguezas, e podia ser applicada a outras nações ou subsequentemente alterada. [Sidenote: O direito de busca.] Outro ponto ainda do tratado assignado por Sir Charles cahiu debaixo da implacavel analyse de Canning. Pelo artigo XVII compromettia-se o Rei da Grã Bretanha com o Governo Imperial a proceder a uma revisão do modo de exercer em tempo de guerra o direito de busca, para manter o qual a Inglaterra havia «arrostado coalisões e sustentado luctas armadas.» Tocar no direito de busca, restringir-lhe a plenitude, correspondia, na concepção da epocha, a tocar nos proprios alicerces da politica maritima britannica. Era, na phrase do Secretario d'Estado, «conceder gratuitamente ao recemnascido Imperio do Brazil, aquillo que a Inglaterra pertinazmente recusára tanto ás suggestões da amizade como ás ameaças da hostilidade por parte de metade das Potencias do Velho Mundo e do mais antigo dos Estados fundados no Novo.» A adhesão do Brazil ao principio da regra defendida pela Grã Bretanha n'este assumpto, não valia absolutamente o preço por que vinha a ser adquirida. «A Inglaterra recusava-se a considerar tal adhesão como uma concessão pela qual devesse pagar, sobretudo um preço que envolvia a reapparição de questões felizmente adormecidas.» Aconteceu que, no Mexico tambem, os plenipotenciarios britannicos, Morier e Ward, fizeram sem instrucções concessão analoga, admittindo, debaixo de certas condições, o principio de _navios neutros, mercadorias livres_ (_free ships, free goods_), que apenas em 1855 seria proclamado no Congresso de Pariz. A este respeito escrevia Canning do campo ao seu amigo Granville[51] que a Inglaterra, por causa do referido artigo, ia negar a ratificação ao tratado celebrado com o Mexico, não querendo elle a ratificação com a excepção do alludido artigo para não estabelecer um mau exemplo, e imitar um proceder frequentemente censurado pela Grã Bretanha aos Estados Unidos. Com o seu costumado _humour_ accrescentava Canning que a recusa de ratificação faria bem aos novos Estados, «que parecem inclinados a considerar-se personagens mais importantes (_finer fellows_) do que eu estou absolutamente disposto a consentir que elles sejam, necessitando serem abaixados de um furo para trazel-os ao nivel do Velho Mundo.» A concessão ao Mexico equivalia pois á promessa de revisão incluida por Sir Charles Stuart no tratado com o Brazil, e que tinha igualmente por objecto esse principio da liberdade das mercadorias inimigas transportadas em navios neutros, cuja revogação d'entre os preceitos do direito maritimo a Inglaterra por muito tempo combateu, defendendo estrenuamente a faculdade de busca. As circumstancias e o espirito do mundo civilizado mudaram desde então, mas é preciso não esquecer como, aos decretos napoleonicos de Milão e Berlim estabelecendo o bloqueio continental, a Inglaterra tivera de responder com as famosas _Orders in Council_ que, com a sancção fornecida pela superioridade da marinha britannica, prohibiam o trafico das outras nações com o Continente. Tão absurdo vemos hoje um como outro systema, e a guerra de 1812, entre a Inglaterra e os Estados Unidos, não foi mais do que um deploravel resultado d'essa politica feroz, contra a qual os Estados Unidos se rebellaram, assumindo o nobre papel de defensores dos direitos dos neutros. [Sidenote: A conservatoria Ingleza.] Canning achou mais que a abolição do artigo 10.^o do tratado de 1810, estabelecendo no Brazil um juiz conservador britannico, com o fim de subtrahir á alçada dos tribunaes nacionaes os pleitos dos negociantes inglezes, representava uma offensa aos interesses mercantis da Grã Bretanha. Essa jurisdicção privilegiada, dizia elle, existia em Portugal e exercia-se da maneira mais vantajosa para as regalias, bens e pessoas dos subditos de S. M. Britannica, que assim se viam livres de perseguições e arbitrariedades odiosas: porque razão extinguil-a no Brazil, cujos tribunaes não inspiravam mais confiança do que os da mãi patria? O exemplo do Brazil seria de resto um estimulo para Portugal, que promptamente reclamaria com justiça a abolição de uma instituição repellida pela ex-colonia como attentatoria da sua dignidade soberana e da imparcial administração da sua justiça. [Sidenote: Os reus de alta traição.] Por ultimo, o artigo X do tratado negociado por Sir Charles Stuart recusava protecção aos individuos accusados de alta traição, que procurassem asylo nos dominios da Grã Bretanha e do Brazil, respectivamente, e tornava obrigatoria sua expulsão, mediante pedido de uma das Partes Contractantes. Uma semelhante disposição feria de frente a tradicional liberdade civil da Inglaterra, que ainda hoje é accusada de albergar os anarchistas e outros rebellados politicos e sociaes, e abriria com certeza a porta a solicitações identicas de paizes europeus. Não se enganára Canning nas suas apprehensões. Conhecido o tratado, Portugal pediu logo a abolição do juiz conservador e o embaixador russo Lieven reclamou a entrega de um conspirador seu compatriota, a quem tinha recebido á sua meza uma semana antes; sem fallar em que a França obtinha no Rio os mesmos 15 0/0 da nação mais favorecida, e em que os Estados Unidos se dispunham com mais desembaraço a reabrir a questão do direito de busca, a qual a Republica não cessava de querer impôr á reconsideração da Inglaterra[52]. Além d'isso encontravam-se no Mexico os plenipotenciarios britannicos em plena negociação de um novo ajuste, ou melhor, da clausula questionada, de cuja alteração ficára afinal dependente a ratificação, e o effeito das concessões consentidas por Sir Charles Stuart seria deploravel, porque justificariam quaesquer exigencias parecidas, formuladas por aquella republica. [Sidenote: A publicação dos tratados.] Outras objecções existiam, com relação ao convenio anglo-brazileiro sobre o trafico de escravos, e desde o momento em que os dous tratados tinham sido ratificados pelo Imperador do Brazil, fizera-se quasi mister adoptal-os ou rejeital-os _in totum_, não sendo correcto para os principios diplomaticos inglezes procurar alterar certos artigos por meio de novas instancias confiadas ao plenipotenciario que os negociára, desviando-se das suas instrucções. Canning preferiu portanto negar a ratificação britannica e expedir outras instrucções para o arranjo pelo mesmo plenipotenciario ou, no caso da sua partida, pelo consul geral Chamberlain, de outros convenios, sem as clausulas a que o Foreign Office fazia opposição. Na vespera porem da expedição da mala contendo aquellas instrucções, appareceu nos jornaes de Londres, transcripto de uma folha brazileira[53], o texto dos dous tratados firmados por Sir Charles Stuart. Caso identico sabemos que se tinha dado com os tratados negociados em nome de S. M. Fidelissima, que tambem foram publicados, no dizer de Sir Charles sem a sua annuencia, e até a despeito das suas reclamações. Caso identico igualmente dera-se com os tratados firmados com Colombia, Buenos-Ayres e Mexico, mas, pelo menos, havia a desculpa, com relação aos dous primeiros, de que não passavam da reproducção litteral do projecto de tratado esboçado pelo Governo Britannico, não podendo portanto moralmente deixarem de ser ratificados; e com relação ao ultimo, de que a divulgação tinha tido lugar nas violentas discussões parlamentares originadas pelo tratado. Canning ficou irritadissimo com uma tentativa que elle julgava feita para forçar-lhe a mão e obrigal-o a adherir aos termos exactos dos documentos. Por isso resolveu--conforme suas proprias expressões, «para castigar um uso previamente desconhecido em diplomacia, e que era tão improprio quanto singular; para poupar á corôa britannica a repetição de uma analoga affronta, e para obviar ás inducções que as potencias estrangeiras poderiam tirar de dadas estipulações do tratado commercial»--renegar por meio de uma circular os alludidos convenios e transferir para Londres a séde das negociações dos que os deveriam substituir. O Secretario d'Estado estava comtudo em duvida si Sir Charles tinha sido ou não connivente na publicação no Rio de Janeiro dos tratados, quer os concluidos em nome do Rei de Portugal, quer os concluidos em nome do Rei da Grã Bretanha. Do que elle o accusava era de haver agido no segundo caso contra o espirito da administração, e explicava o estranho procedimento do seu subordinado pela presumpção que o distinguia, e pela convicção em que ainda jazia de que Jorge IV detestava Canning e de que o conflicto entre monarcha e ministro não poderia findar senão pela queda do ministro. [Sidenote: Canning e Sir Charles Stuart.] Na sua costumada maneira epistolar, animada e directa, Canning assim desfazia as illusões de Sir Charles: «Toda a sua correspondencia de Lisboa trai tal persuasão. É escripta com as tintas mais pronunciadas do _ultraismo_, e a alteração que elle admittiu nas suas instrucções e que poz em risco o successo das negociações do Rio de Janeiro (a assumpção do titulo imperial pelo pateta do velho Rei de Portugal) acha-se alli justificada com os principios mais altos da legitimidade; principios que casam tão bem com a sua bocca ou despachos, como a piedade com Wilkes ou a castidade com W.. Sua inimizade para commigo não carece de ser relatada a quem, como V., é uma das causas d'ella[54]. Á offensa mortal de haver collocado V. em Pariz, junta-se porem outra razão de queixa talvez maior, pelo menos mais fresca, que foi a minha firme repetida recusa de dar-lhe uma commissão errante para todos os novos Estados da America do Sul.»[55] Não obstante a sua falta de sympathia com as idéas ostentadas por Sir Charles Stuart e a falta de cordialidade, de individuo a individuo, que existia entre os dous, Canning seria perfeitamente incapaz de, por um capricho ou prevenção pessoal, sacrificar um resultado diplomatico que lhe parecesse um ganho. Era em demasia homem d'Estado para assim proceder. A não ratificação do tratado de 1825 pode ser discutida, sobretudo á luz dos principios que vieram mais tarde a prevalecer no direito internacional e na orientação da politica britannica. Segundo as idéas correntes na Inglaterra de Jorge IV, tal acto foi no emtanto apropriado e acha-se amplamente justificado nos despachos de Canning, si bem que Pereira Pinto não saiba ao que attribuil-o, si á abolição da conservatoria, que foi de facto um dos motivos, mas o menos importante; si á reserva nacional da cabotagem, a qual todavia reapparece no tratado de 1827; si ao regimen de excepção para o commercio portuguez, concessão aliás que estava no espirito de Canning desde o começo das negociações, e á repetida apresentação da qual o Secretario d'Estado nunca oppoz uma negativa ou mesmo uma duvida nas suas entrevistas com Palmella. [Sidenote: O texto dos tratados.] A ultima parte da decisão de Canning, concernente ao local das futuras negociações, teve comtudo que ser abandonada na execução, e foi no Rio de Janeiro que se negociaram e assignaram os novos tratados, sendo em ambos plenipotenciario britannico Mr Robert Gordon. A convenção relativa ao trafico, para a qual serviram de plenipotenciarios brazileiros o Ministro de Estrangeiros marquez de Inhambupe[56] e o Senador marquez de Santo Amaro[57], traz a data de 23 de Novembro de 1826[58]: por ella ficava o trafico de escravos sendo considerado e tratado de pirataria, trez annos depois da troca das ratificações, a qual se effectuou em Londres a 13 de Março de 1827. Ficariam entretanto em vigor os tratados de 1815 e 1817, com os artigos explicativos e addicionaes. O tratado de amizade e commercio traz a data de 17 de Agosto de 1827, e foi ratificado a 10 de Novembro do mesmo anno[59]. Serviram de plenipotenciarios brazileiros o Ministro de Estrangeiros marquez de Queluz[60], o Ministro do Imperio visconde de São Leopoldo[61] e o Ministro da Marinha marquez de Maceyó[62]. Continha vinte e nove artigos. Referiam-se os artigos I a III á jurisdicção consular; o IV á liberdade religiosa; o V á liberdade civil, isenção do serviço militar, etc., para os subditos de uma nação nos territorios da outra; o VI á manutenção _temporaria_ do Juiz Conservador da Nação Ingleza, «até que se estabeleça algum substituto satisfactorio em lugar d'aquella jurisdicção», e á igualdade juridica de Inglezes e Brazileiros. O artigo VII previa os casos de rompimento de relações; o VIII o serviço militar em uma dos desertores da outra nação, e os casos de deserção; o IX os cumprimentos de salvas. O artigo X dizia respeito ás relações commerciaes, estabelecendo a sua liberdade e a da navegação mercante, perfeitamente franca, com excepção da de cabotagem. Os direitos de pharol, tonelagem, etc., seriam os mesmos para os navios nacionaes e para os da outra nação, segundo o artigo XI. Definia o artigo XII a nacionalidade das embarcações; estipulava o artigo XIII a maxima extensão do commercio, excepção feita dos generos de monopolio da Corôa (artigo XIV); discriminava o artigo XV o que se reputava contrabando de guerra, e mencionava o artigo XVI o serviço de paquetes. O artigo XVII occupava-se dos piratas e roubadores do mar e sua punição; o artigo XVIII das occorrencias de naufragios; o artigo XIX dos direitos aduaneiros a pagar, que seriam no maximo de 15 0/0 _ad valorem_, baseados no preço corrente dos generos no mercado, para as mercadorias britannicas. Qualquer diminuição maior, facultada a mercadorias estrangeiras, outras que não portuguezas e transportadas em navios portuguezes ou brazileiros, sel-o-hia igualmente ás mercadorias britannicas (artigo XX). O tratamento da nação mais favorecida era concedido ás importações do Brazil na Grã Bretanha e Colonias (artigo XXI), isto é, os direitos seriam os mesmos para as importações do Imperio que para as de qualquer outro _paiz estrangeiro_. O artigo XXII referia-se á armazenagem e reexportação dos chamados generos coloniaes, iguaes na Inglaterra no caso do Brazil e no caso das Colonias Britannicas, e á reciprocidade d'este tratamento no Imperio. Versava o artigo XXIII sobre os sellos da alfandega (_cockets_) originaes das exportações britannicas, os quaes deviam ser annexos ao manifesto apresentado á alfandega do porto de entrada. Estatuia o artigo XXIV ácerca da liberdade de commercio, concedida pela Grã Bretanha nos seus portos e mares da Asia aos subditos brazileiros, sobre a base da nação mais favorecida. Occupava-se o artigo XXV das concessões de gratificações (_bounties_) e restituição de direitos (_draw-backs_), para os casos das exportações serem feitas em embarcações brazileiras ou inglezas. Pelo artigo XXVI obrigava-se o Imperio a não restringir o commercio britannico por qualquer monopolio ou privilegio de compra e venda, antes a manter a maior franquia do intercurso domestico, com exclusão dos artigos reservados á Corôa. No artigo XXVII incluia-se a igualdade do tratamento propriamente aduaneiro. Finalmente os dous ultimos artigos marcavam o prazo minimo de quinze annos para a vigencia do tratado, e o maximo de quatro mezes para a troca das ratificações. [Sidenote: Desvantagens dos tratados.] Os effeitos do tratado de 1827, bem como as controversias originadas em varias das suas clausulas, serão opportunamente estudados. Por emquanto bastará lembrar que algumas disposições encerravam germens de futuras divergencias. Pereira Pinto condemna particularmente a manutenção da conservatoria ingleza, apenas abolida em 1844, quando o tratado deixou de estar em vigor; a amplissima liberdade de negociar, prejudicial, diz elle, á nacionalização do commercio, mas que entretanto foi, sob outros aspectos, um enorme beneficio; a desigualdade, com o fito de proteger os estaleiros domesticos e animar a marinha mercante nacional, no modo de regular a nacionalidade dos navios, pois ao passo que se consideravam inglezes os que fossem possuidos, registrados, e navegados segundo as leis da Grã Bretanha, eram reputados brazileiros sómente os construidos no territorio do Brazil, possuidos por Brazileiros, e cujo mestre, e trez quartas partes da tripolação fossem tambem subditos do Imperio; finalmente o estabelecimento de direitos fixos de 15 0/0 para as importações da Inglaterra, quando os direitos aduaneiros cobrados n'essa nação, ainda então proteccionista, não se achavam claramente definidos, entrando apenas o Brazil na cathegoria da nação mais favorecida. Quaesquer favores especiaes concedidos pelo Brazil--os proprios favores geraes eram nocivos por comprometterem a nossa liberdade de trafico e a nossa legislação aduaneira--no momento em que precisava concentrar toda a sua reserva de actividade no desenvolvimento das suas relações mercantis com todo o mundo civilizado, representavam de facto empecilhos áquelle desenvolvimento, restringindo a area das relações. As disposições commerciaes do tratado luso-brazileiro de 1825 foram bastantes, por exemplo, para logo estimular no Reino a construcção de embarcações mercantes e insufflar a navegação para o Brazil, sem o correspondente incremento ultramarino. Verdade é que o annuncio de prosperidade fez desapparecer o desgosto previamente causado pela obra diplomatica em que Sir Charles Stuart serviu de instrumento pouco docil da direcção de Canning. Para juntar á satisfacção mercantil em Portugal a politica no Brazil, mandou o Secretario d'Estado, uma vez ratificado o tratado com o Reino[63], dirigir-se Sir William A' Court ao conde de Porto Santo afim de dissuadir D. João VI de assumir o titulo de Imperador, que lhe fôra officialmente reconhecido pelo Filho. [Sidenote: D. João VI Imperador do Brazil.] O conde de Porto Santo, comquanto inclinado a admittir em these o acerto do conselho de Canning, não achou porem que fosse mais tempo de pôl-o em pratica, porque o abandono do titulo imperial seria infallivelmente attribuido pelo sentimento portuguez a pressão estrangeira. O ministro todavia prometteu que semelhante titulo seria d'ora em diante discretamente usado. A condescendencia de Porto Santo chegou a suscitar duvidas no espirito de Canning sobre a veracidade da opposição levantada a Sir Charles Stuart, quando este plenipotenciario tratára em Lisboa de cumprir a lettra das suas instrucções, que excluiam por completo a hypothese d'essa honraria inane, a que se apegára o debil espirito de auctoridade do Rei de Portugal. A adopção do titulo de Imperador do Brazil não veio no emtanto, como Canning mostrava recear, a soffrer difficuldades por parte das Côrtes européas, tendo aliás fallecido em 1825 aquelle de quem mais se poderia temer a reluctancia, o Imperador Alexandre. O proprio D. João VI falleceu a 10 de Março de 1826, apenas um mez depois que, no Parlamento Britannico, fizera o discurso do throno menção da reconciliação entre Portugal e Brazil e do reconhecimento do Imperio. [Sidenote: Recebimento de Itabayana.] A não ratificação do tratado assignado por Sir Charles Stuart em nome da Inglaterra não retardou entretanto o recebimento official de um representante brazileiro na côrte de Londres. No dia 30 de Janeiro de 1826, na mesma occasião em que o embaixador russo Lieven entregou a sua nova credencial, firmada por Nicolau I, e que o marquez de Palmella depoz nas mãos do Rei da Grã Bretanha uma Carta de Gabinete do seu soberano, o Imperador senior do Brazil, era Gameiro Pessoa, barão de Itabayana e ministro plenipotenciario do Imperador junior D. Pedro I, desde 21 de Outubro[64], recebido por Jorge IV no castello de Windsor. Itabayana não chegava á meta com grande atrazo. Tinham decorrido apenas pouco mais de dous mezes do recebimento do seu collega da Colombia. Com effeito o recebimento dos ministros latino-americanos, ajustado em Dezembro de 1824, começou a ter lugar, a 21 de Novembro do anno immediato, com a audiencia dada ao representante da Colombia. O ministro Hurtado, conta Canning n'uma das suas epistolas, portou-se com gravidade proporcionada ao momento, apenas desgraçando a lingua franceza em que discursou. Canning chama a linguagem do diplomata _the most unlicensed and arbitrary French, which it is possible to imagine_. No mesmo francez, pois que o inglez, sómente o comprehendia, assegurou Hurtado ao monarcha britannico que o seu Governo estava firmemente disposto a cultivar relações pacificas com todo o mundo, especialmente com os novos Estados da America, e nomeadamente com o Brazil, como aquelle que estava mais immediatamente debaixo da protecção de Sua Magestade[65]. IX [Sidenote: O reconhecimento nas outras côrtes da Europa.] A não ser na Russia--para onde foi nomeado encarregado de negocios, em começos de 1825, Luiz de Souza Dias, não seguindo entretanto de Londres para o seu posto por entenderem Brant e Gameiro que era preferivel aguardar o reconhecimento imminente por Portugal e pela Inglaterra, a expôr-se a uma recusa humilhante e quasi justificada na luz do proceder de Alexandre I--o Imperio entreteve agentes diplomaticos nas principaes côrtes européas--Austria, França, Grã Bretanha e Roma--desde pouco tempo depois da Independencia. [Sidenote: A Austria.] Na côrte de Vienna verificámos serem continuas as relações de Telles da Silva com o Chanceller Metternich, e a Embaixada austriaca em Londres dispensou sempre aos nossos enviados a maxima gentileza. O intercurso entre Esterhazy e Neumann e Brant e Gameiro foi invariavelmente, não só amavel conforme cumpria entre gente de boa sociedade, como até affectuoso[66]. Depois do tratado de 29 de Agosto, então, a effusão do barão de Neumann não conheceu limites e tornou-se quasi dithyrambica. A 28 de Novembro recebia o barão de Itabayana a seguinte carta: «Chandos House, ce 28 Nov.--Mon cher Chevalier, J'ai la satisfaction de pouvoir vous annoncer que S. M. T. F. a ratifié le traité et la convention conclus au Rio de Janeiro--et veuillez croire que personne ne se réjouit plus que moi de pouvoir vous en féliciter et appeler enfin Don Pedro--Empereur légitime du Brésil.--Tout à vous, Neumann.» Os serviços prestados em Vienna por Telles da Silva foram devotados e proveitosos. Bastava-lhe ser representante do genro do Imperador d'Austria para se lhe deparar facil entrada na mais alta sociedade e facil accesso junto ao omnipotente Chanceller: elle contava porem, além do seu caracter diplomatico, com parentes em elevadas posições na côrte austriaca, e com o seu proprio tacto, que não lhe faltava, mau grado um temperamento que elle mesmo accusava de colerico. Não era comtudo homem que se esquecesse de cortejar Metternich ou de presentear Gentz. As suas cartas a Gameiro--pois que Londres era o centro dirigente de todas as nossas operações diplomaticas e financeiras--reflectem naturalmente os differentes estadios por que passou a opinião do Governo Austriaco com relação ao reconhecimento do Imperio. Metternich, não ha duvida, teria chamado a si a mediação e tentado fazer a paz, si a Inglaterra por acaso falhasse ou fraquejasse na sua tarefa. Chegou a desejar a presença de Caldeira Brant em Vienna, mas dizendo pouco depois, quando, por hostilidade a Canning mais que tudo, andou favorecendo Portugal contra o Brazil, que era para persuadir Brant a ir ao Rio de Janeiro convencer o Governo Imperial de acceitar o contra-projecto portuguez. A isto respondeu-lhe Telles da Silva com desembaraço, que o Marechal antes quereria levar um projecto dos Turcos aos Gregos do que o projecto de Portugal ao Brazil. Na correspondencia para Londres lamentava entretanto a suspensão dos convites para jantares que estava acostumado a receber do Chanceller, registrava as incivilidades a que andava exposto por parte de membros da Legação Portugueza, e no seu desconsolo chegava a fallar em regressar ao Brazil, por lhe parecer inutil sua permanencia. Tudo isto vimos que veio a modificar-se, volvendo Metternich aos seus sorrisos e Telles da Silva aos seus jantares[67]. O papel ulterior da Austria nas negociações do Rio de Janeiro foi destituido, não de actividade, mas de combatividade. Ha um destino para as nações, como para os individuos, e o destino da Austria na historia da civilização européa entrára a ser tão destituido da pristina importancia, que a consciencia d'esta decadencia irremediavel lhe tolhia os movimentos energicos e reduzia a sua acção á esterilidade sob o ponto de vista do desenvolvimento humano. Os seus movimentos nervosos, quasi puramente instinctivos, nada creavam mais, nem mesmo no sentido da reacção. A Independencia foi reconhecida pelo Chanceller a 27 de Dezembro de 1825, sendo o ministro do Brazil logo recebido officialmente pelo Imperador. O proprio Telles da Silva assignaria com o principe de Metternich o tratado de commercio de 16 de Junho de 1827, vigente por seis annos, nas bases da convenção previa firmada no Rio de Janeiro aos 30 de Junho de 1826. A Austria obteve por aquelle tratado o mesmo tratamento que a Grã Bretanha, a saber, liberdade de commercio e navegação, direitos de importação de 15 0/0, favores relativamente aos direitos de ancoragem e tonelagem, tolerancia religiosa, isenção do serviço militar, etc. Apenas no tocante á determinação da nacionalidade das embarcações, era o tratado mais vantajoso para o Brazil, suspendendo além d'isso provisoriamente a execução da obrigação de serem trez quartas partes dos tripolantes subditos do Brazil. As bases concedidas á Austria formaram tambem os fundamentos dos tratados concluidos com a Prussia a 9 de Julho de 1827, com as Cidades Hanseaticas a 17 de Novembro de 1827, com a Dinamarca a 26 de Abril de 1828, com os Estados Unidos da America a 12 de Dezembro de 1828, com os Paizes Baixos a 20 de Dezembro de 1828, com a Sardenha a 7 de Fevereiro de 1829. A Austria igualmente dava ao Brazil o tratamento da nação mais favorecida, com a differença porem que o maximo das taxas cobradas pelo Imperio sul-americano ficaria estipulado e irreduzivel no tratado com a Inglaterra, modelo dos demais. [Sidenote: A França.] A França não lográra, como vimos, servir de medianeira, e da mesma forma que as outras nações da Santa Alliança teria tido que passar depois da Inglaterra, si não houvesse sobrevindo o incidente da não ratificação dos tratados assignados por Sir Charles Stuart. A sua benevolencia esteve comtudo sempre segura, para o caso que quizessemos appellar directamente para ella, com a equivalente compensação. Não foi insignificante em Pariz o papel diplomatico de Borges de Barros, já tratando de manter e radicar a França em favor do Imperio, para que não embaraçasse muito os bons officios que na questão do reconhecimento a Inglaterra lhe estava prestando, já mesmo solicitando a cooperação do ministerio francez para ser o Imperio garantido pelas grandes Potencias da Europa, e não ficar unicamente preso á amarra ingleza. Nem podiam, dadas as circumstancias, ir além d'esse objectivo os intentos de Borges de Barros, mas era o bastante para enfadar a Grã Bretanha, ciosa de que a França podesse anticipar-se-lhe no reconhecimento, e por conseguinte nas boas graças do Brazil. O ciume de Canning, a que elle deu largas na conferencia de Combe Wood aos 10 de Maio de 1825, foi todavia um estimulo mais para a solicitude do Foreign Office, a qual se viu recompensada com o frio acolhimento imperial á precipitação do agente diplomatico francez, quando ficou decidida a missão Stuart. N'outra emergencia anterior já quizera a França tomar o passo á Grã Bretanha, offerecendo a D. Pedro I, por occasião da rebellião pernambucana de Manoel de Carvalho, os serviços da sua esquadra estacionada no Rio de Janeiro, com o fim de defender o Governo Imperial contra qualquer ataque popular, motivado pela excitação republicana. Sob a capa de salvaguardar os interesses monarchicos no Novo Mundo, pretendia a França assim promover seus interesses politicos e mercantis; mas no Brazil existia, na administração, plena consciencia de que ao Imperio não convinha praticar acto algum que desagradasse a Inglaterra--«potencia, escrevia Carvalho e Mello[68], que mais propendia na Europa a seu favor, a mais interessada na independencia do Continente Americano e a que podia prestar ao Imperio mais promptos e efficazes auxilios.» Pouco depois de assignados por Sir Charles Stuart os tratados com Portugal e com a Inglaterra, annunciou o conde de Gestas ao nosso Ministerio de Estrangeiros achar-se auctorisado «para entrar em negociaçoens relativamente ao reconhecimento do Imperio e para tratar com o Governo Brazileiro da parte do seu Monarcha.» Indicaram-lhe os plenipotenciarios imperiaes o dia 24 de Outubro como data da primeira conferencia, sustando entretanto as negociações ao verificarem que os plenos poderes do encarregado de negocios francez não designavam a cathegoria do Imperador, conforme acontecia á credencial de Sir Charles Stuart, e só o habilitavam para tratar de objectos meramente commerciaes. Propoz comtudo o conde de Gestas que continuassem as conferencias para conclusão de um tratado de commercio, que seria assignado por elle e pelos plenipotenciarios brazileiros e depois remettido para Pariz «afim de alli ser ratificado por S. M. Christianissima, devendo depois voltar revestido d'aquella formalidade, e com os Plenos Poderes exarados em regra, para ser igualmente ratificado por S. M. Imperial.» O Governo Brazileiro annuio á proposta e as negociações proseguiram n'esta intelligencia, «devendo passar-se as competentes Notas Reversaes, para completa legalidade do que vai exposto»[69]. A 8 de Janeiro de 1826 assignava-se no Rio de Janeiro o Tratado de Amizade, Navegação e Commercio entre França e Brazil, a que se seguiram alguns artigos addicionaes e explicativos, assignados a 7 de Junho de 1826[70]. Por esse tratado, firmado pelo conde de Gestas em nome de Carlos X e pelos viscondes de Santo Amaro e Paranaguá em nome do Imperador, a nossa Independencia era reconhecida e regulavam-se a reciprocidade da representação diplomatica e consular, os mutuos direitos dos subditos dos dous Soberanos, a entrega dos desertores, a liberdade do commercio e da navegação (menos a de cabotagem, os monopolios da Corôa e os artigos de contrabando de guerra), as taxas de pharoes e tonelagem, etc.--tudo sobre a base da nação mais favorecida, equivalentes portanto os direitos de importação a 15 0/0 _ad valorem_. D'este tratamento exceptuava-se sempre o que fosse de futuro accordado com Portugal, que podia vir a ser a nação de todas _a mais favorecida_. Pedra Branca apresentou em Pariz ao barão de Damas, ministro de Estrangeiros, sua credencial de Encarregado de Negocios a 11 de Fevereiro de 1826, e a 20 era Itabayana recebido em Londres pelo embaixador francez principe de Polignac. [Sidenote: A Santa-Sé.] Em Roma foi Monsenhor Francisco Corrêa Vidigal o encarregado de alcançar a consagração papal para a nova nação catholica. O enviado imperial chegou á Cidade Eterna quasi sem aviso previo, e valeu-lhe de certo isto o não ser detido em caminho, como aconteceu com o enviado da Colombia, que o embaixador d'Hespanha conseguio fosse parado em Florença e obrigado a sahir de Roma, quando teimou em apresentar-se. O conde de Funchal, embaixador portuguez, tratou tambem de embaraçar por todas as formas a missão de Monsenhor Vidigal, o qual foi recebido pelo Cardeal Secretario d'Estado, mas não officialmente, mau grado o seu caracter ecclesiastico e a sujeição espiritual, de que era portador, da parte do Chefe do enorme Estado sul-americano. Nem mesmo lhe permittiram entabolar negociações. A 19 de Março de 1825 escrevia elle a Gameiro: «Continua o meu interdicto: ainda não disse ao que vim. Espero pela chegada de Lord Stuart, como os Judeus esperão pelo Missia porque creio se decifrará o enigma, e terei o uzo da falla... A minha situação he por extremo dezagradavel.» A Santa Sé, acostumada á liberalidade portugueza em materia de favores religiosos, via com angustia, dizia o nosso enviado, separar-se o Brazil, que era a parte rica da monarchia. Como as circumstancias porem se fossem mostrando favoraveis ao reconhecimento do Imperio, a côrte papal entrou, em Agosto de 1825, quando já eram conhecidos o objecto e quasi o successo da missão Stuart e considerado certo o reconhecimento em qualquer caso pela Inglaterra, a mostrar certo interesse pelas cousas espirituaes do Brazil, chegando Monsenhor Vidigal a ser consultado. Politicamente porem as cousas permaneciam no mesmo pé. A 29 de Setembro ainda elle escrevia a Gameiro: «As nossas missões a Europa foram intempestivas, porque só viemos ser testemunhas occulares da nossa humiliação. Digo de mim principalmente porque na Côrte da Christandade, tenho sido tratado pelo Santissimo Padre Leão 12 com a ultima indifferença: ainda o não vi: e ao seu Ministro huma unica vez, para n'ella m'intimar que não mais lhe aparecesse! Se aqui viêra hum Turco mandado pelo Gram Senhor, de certo seria melhor accolhido, apezar de dettestar o nome Christão por dogma do seu Alcorão. No entanto eu mandado pelo Imperador do Brazil, Principe Catholico, e Soberano de Um povo Christão, sou excluido de aparecer deante do Supremo Jerarcha da Christandade: procedimento appoiado pela França, que acaba de reconhecer a Republica de Hayti. Isto são anomalias politicas: preciso toleral-as com muita resignação.» Roma só queria tratar com o Imperio depois d'este ter recebido todos os sacramentos. Mesmo quando Monsenhor Vidigal annunciou ao Cardeal Secretario d'Estado o reconhecimento por D. João VI, a Santa Sé não se moveu. Esperou que o acontecimento fosse devidamente communicado pelo conde de Funchal ou pelo nuncio em Lisboa, e levou o seu formalismo ao ponto de questionar a validade da credencial do nosso enviado, pelo facto de ter sido assignada por D. Pedro antes da celebração e ratificação do tratado negociado por Sir Charles Stuart. Foi preciso que Vidigal se rebellasse contra esta demasiada exigencia e manifestasse sua profunda contrariedade para ser admittido, no dia 23 de Janeiro de 1826, a entregar suas credenciaes de ministro, ficando d'est'arte reconhecido o Imperio. Uma vez transposto este Rubicon, as relações diplomaticas tornaram-se faceis e correntes. Por Nota de 23 de Outubro de 1826 annunciou o Cardeal Della Somaglia a Monsenhor Vidigal (o qual exerceu suas funcções de plenipotenciario até a abdicação, em 1831) que o Papa enviaria ao Brazil um nuncio de 1.^a classe, recahindo depois a nomeação pontifical em Monsenhor, mais tarde Cardeal Pietro Ostini[71]. Antes d'isso, a 30 de Setembro de 1826, havia Della Somaglia encaminhado o Breve que concedia ao Imperio do Brazil os privilegios da Bulla da Santa Cruzada, nas mesmas condições concedidas em 1816 a todos os Estados dependentes da Corôa Portugueza. Ao reconhecer o Imperio, tinha igualmente a Santa Sé extendido ao Brazil as garantias de que gosava Portugal por virtude da Constituição de Clemente XII (1737) e do Breve «_Inter pr[ae]cipus ministerii nostri partes._» A 15 de Maio de 1827 seguia-se a Bulla creando no Brazil a Ordem de Christo, desligando-a da de Portugal e concedendo-lhe o Padroado das Egrejas e Beneficios do Imperio, sendo os Imperadores do Brazil perpetuos Grão-Mestres. A esta Bulla porem negou a Camara dos Deputados Brazileira o beneplacito por parecer de 17 de Outubro do mesmo anno--assignado, entre outros, por Vergueiro, Feijó, José Clemente, Limpo de Abreu e Bernardo de Vasconcellos--, declarando o Decreto subsequente de 4 de Dezembro de 1827 que o Imperador proveria os beneficios ecclesiasticos em virtude do artigo 102 § 2 da Constituição do Imperio, e não como Padroeiro e Grão Mestre da Ordem de Christo[72]. As instrucções de Carvalho e Mello a Monsenhor Corrêa Vidigal, as quaes acompanharam o Despacho de 28 de Agosto de 1824 e se encontram publicadas na citada obra de Candido Mendes, recommendavam-lhe que celebrasse uma Concordata com a Santa Sé para o estabelecimento dos privilegios do soberano do Brazil como tal, como Protector da Egreja e como Padroeiro das de todos os seus Estados. O Imperador nomearia todos os arcebispos, bispos e outros titulares de beneficios ecclesiasticos, sendo confirmados _pro forma_ pelo Santo Padre os titulares das Sés vagas apresentados pelo monarcha, e erigiria novos bispados, que o Santo Padre confirmaria. Como Grão Mestre da Ordem de Christo gosaria o Imperador dos direitos exercidos na mesma qualidade pelo Rei de Portugal. A Concordata nunca chegou a realizar-se, porque o espirito de regalismo era demasiado vivo e susceptivel entre o mundo politico brazileiro, para permittir a conclusão de um ajuste d'essa ordem. Obtiveram porem solução favoravel muitas das materias incluidas nas instrucções de Vidigal, por exemplo a creação de bispados, o desligamento das ordens de Christo, Aviz e Santiago, sendo o Imperador confirmado no Grão Mestrado por Bulla de 9 de Junho de 1827, etc. Si não se obtiveram para a Egreja Brazileira todos os privilegios inherentes e conferidos á Egreja Lusitana (entre elles um Patriarcha e dous Cardeaes, sendo o primeiro _de jure_ e o outro de graça especial) é porque o Governo Imperial descurou-se de impetrar o necessario Breve. [Sidenote: O reconhecimento nas outras côrtes européas.] Nas principaes côrtes européas os nossos interesses andaram pois entregues desde principio a pessoas competentes para zelal-os. Em Lisboa mesmo foram os assumptos brazileiros confiados a Clemente Alvares de Oliveira Mendes, o qual todavia mais parece haver sido um agente de negocios do que propriamente um agente politico--alguma cousa no genero do major Jorge Antonio Schaeffer, que de Hamburgo remettêra, além de soldados e officiaes, colonos allemães, alliciados por meio de contractos ou engajamentos que o Governo Brazileiro prohibiu em Janeiro de 1824, recommendando-lhe que fosse promovendo a emigração espontanea ou voluntaria, e mandando para instigal-a do Mecklemburgo o capitão Eustaquio Adolpho de Mello Mattos, n'esse tempo em commissão na Europa e que depois do 7 de Abril foi ministro do Brazil em Londres. Reconhecido o Imperio por D. João VI, pela Inglaterra, pela França e pela Austria, é claro que potencia alguma levantaria mais obstaculos á admissão da nova nação soberana no seu gremio; nem mesmo a Russia, onde Nicolau I subira ao throno imperial, e onde o reconhecimento o mais que podia era ser demorado, mas não recusado. A circular expedida por Itabayana ás Legações estrangeiras em Londres--então mais numerosas, porque os Estados menores da Allemanha mantinham seus representantes separados e a Italia estava ainda fragmentada--notificando nos começos de 1826 a assignatura do tratado de 29 de Agosto de 1825 e o reconhecimento por S. M. Fidelissima da Independencia brazileira, foi acolhida sem surpreza e respondida com a maxima cordialidade. A Suecia nem esperou por tanto. A 5 de Janeiro participava o seu ministro em Londres Stivuseld que o Rei da Suecia e Noruega nomeára um Consul Geral Encarregado de Negocios interino no Rio de Janeiro, e accrescentava: «En m'acquittant de cette commission agréable et qui prouve l'empressement du Roi mon Maître de nouer, même avant les notifications d'usage, des relations intimes avec le nouvel Empire, je ne saurais, Monsieur le Baron, que me féliciter d'être le premier organe de ce v[oe]u. Je vous prie, Monsieur le Baron, de vouloir bien porter cette communication, le plustôt que faire se pourra, à la connaissance de Votre Cour.» A 7 de Fevereiro fazia o mesmo ministro suas primeiras aberturas para a celebração de um tratado de commercio. O Conselho Federal Suisso respondia de Lucerna, directamente ao Imperador, a 30 de Janeiro, nos termos de que dá idéa o seguinte paragrapho: «Le Directoire Fédéral reçoit avec une vive gratitude ces ouvertures affectueuses, et pour prouver à Votre Majesté Impériale le haut prix que la Suisse y attache, ainsi que son empressement à y répondre, nous ne voulons point tarder un seul jour de vous offrir, Sire, avec l'hommage de ses loyales félicitations au sujet des grands événemens qui ont amené la reconnaissance de l'Empire Indépendant du Brésil,--l'expression des v[oe]ux les plus sincères pour la gloire et la prospérité du règne de Votre Majesté, pour celles de l'Auguste Dynastie Impériale qu'elle a fondée et pour le bonheur des Peuples soumis à son autorité paternelle. En demandant avec confiance au Gouvernement Impérial de vouloir bien envisager et traiter les Suisses dans ses provinces comme citoyens d'un Etat véritablement ami de la Couronne du Brésil, nous le prions en particulier d'accorder protection et faveur à leur commerce, enfin, comme il existe depuis quelques années non loin de la résidence Impériale une colonie[73] tirée de nos cantons, qui a souffert diverses vicissitudes affligeantes, nous prenons la liberté de recommander instamment ces Suisses, nos malheureux compatriotes, à la sollicitude et aux bontés de Votre Majesté.» Colquhoun, o representante das Republicas Hanseaticas, respondia a 14 de Fevereiro com o officio em que se destaca este trecho: «The undersigned is instructed further to express the eager desire of the Senates to reciprocate with the utmost sincerity these friendly sentiments, and to state, that the Senate of Hamburgh on the 14th December last, and the Senate of Lubeck on the 21st of that month, appointed M^r Fen Brink their Consul General at Rio de Janeiro, enclosing to him letters of Congratulation on their behalf to His Imperial Majesty, and requiring him to solicit an Exequatur in the usual form, thus proving their early and anxious desire to invite the benevolent dispositions of the Emperor of Brazil, and to facilitate and encourage the commercial Intercourse between the Subjects of His Imperial Majesty, and the Citizens of the Hanseatic Republics.» A 15 de Fevereiro communicava o ministro dos Paizes Baixos, Falck, que o seu Soberano nomeava o Consul Geral Brender a Brandis Encarregado de Negocios interino, e ajuntava: «Je suis convaincu que votre auguste cour verra dans cette mesure une preuve non équivoque de notre empressement à établir entre les deux pays des relations, qui ne peuvent manquer de devenir réciproquement avantageuses, et comme une marque ultérieure de ses sentiments personnels de haute estime et d'amitié pour Sa Majesté Impériale, le Roi mon maître, Lui fera présenter par M. Brender les insignes de Grand-Croix de l'ordre du Lion Belgique.» A resposta do conde de Munster, representante do Rei do Hanover, a 18 de Fevereiro de 1826, insere o seguinte periodo: «Les sentiments d'amitié que Sa Majesté a voués à Sa Majesté Brésilienne ne sauraient laisser de doute sur le plaisir avec lequel Elle s'empresse à reconnaître, en sa qualité de Roi de Hanovre, l'indépendance du Brésil et le Titre Impérial pris par Son Auguste Souverain et à manifester en même temps la satisfaction avec laquelle Sa Majesté cultivera les rapports d'amitié réciproque entre ses états héréditaires en Allemagne[74] et l'empire du Brésil.» Maltzahn, ministro da Prussia, respondia a 6 de Março de 1826: «Le Roi, mon auguste Maître, a vu avec plaisir par la note que Votre Excellence m'a fait l'honneur de m'adresser le 16 janvier dernier et que je me suis empressé de transmettre à Berlin, que Sa Majesté l'Empereur du Brésil est animé du désir de cultiver son amitié. Sa Majesté n'attendait que ce témoignage des dispositions amicales de Sa Majesté l'Empereur pour y répondre de son côté avec empressement et il Lui será très agréable d'entretenir avec Votre Auguste Maître les relations d'amitié qui ont si heureusement subsisté entre Elle et l'ancien Souverain du Brésil.» As respostas dos outros Governos eram concebidas em termos analogos, repassados de benevolencia. X [Sidenote: Fallecimento de Canning. Sua indivídualidade.] O prematuro desapparecimento de Canning, em Agosto de 1827, poupou-lhe amargas decepções, porque, das nações latino-americanas por elle introduzidas na vida politica, nenhuma, com excepção do Brazil, se mostrou immediatamente digna da honra que lhes fôra dispensada. Nem commercialmente a America Latina, e ahi não se exceptua o Brazil, tornou-se o fertilissimo campo de actividade, exploração e lucro que Canning devaneava, de harmonia com a maioria dos seus compatriotas. Tambem ás novas nações foi muito sensivel a falta de Canning, porque n'elle perderam um conselheiro interessado, zeloso e seguro, que lhes não furtaria animação, assim como lhes não regatearia admoestações, segundo pode deprehender-se do seguinte periodo de uma carta sua a Granville[75]: «Rejubilou-me erguer esses povos á condição de Estados, mas não os deixarei imaginarem-se muita cousa (_fancy themselves too fine fellows_), como certamente aconteceria si não fossem tratados d'alto quando o merecem (_as they would be apt to do if not snubbed when they deserve it_). Não foi menos sensivel a sua falta á Grã Bretanha, cuja evolução no sentido democratico, poderosa ainda que indirectamente orientada n'esse sentido pelo espirito aberto e progressivo de Canning, não poude ficar suspensa pelos esforços do duque de Wellington e dos _high tories_, durante o curto ministerio que serviu de transição para o gabinete reformista de Lord Grey. Canning, si tivesse vivido, teria precedido Gladstone na sua famosa passagem do campo conservador para o campo liberal: teria certamente sido o organizador da nova Inglaterra, creada pela Reforma de 1832. Um escriptor do valor de Sir George Lewis, o auctor do classico livro sobre as administrações inglezas de 1783 a 1830, e intelligencia cuja sagaz observação é realçada por um profundo conhecimento dos factos de que se occupa, não vacilla em affirmar que nenhum estadista britannico dos tempos modernos deixou no continente da Europa um nome tão identificado com uma politica larga e generosa. Canning foi nada menos do que o agente dissolvente da Santa Alliança dos Reis contra os Povos, ou melhor, o energico reagente que produziu o precipitado de corôas absolutas, depositadas para sempre como sedimento no liquido purificado da corrente popular. A Independencia do Novo Mundo latino-americano, elle a consummou contra a opposição da Europa Continental, ainda mais adversa, si possivel, ao engrandecimento commercial e moral da Grã Bretanha do que ao alastramento das idéas republicanas. E para pôr um remate adequado a tão nobre vida, contribuio mais do que ninguem, mais mesmo do que os Czares russos, empenhados de corpo e alma na absorpção da Turquia, para a final libertação da Grecia, a parte das artes e da philosophia, a sua patria intellectual, porque elle foi um apaixonado da Forma, ou da expressão real, e um cultor das Idéas, ou do fundamento abstracto. O seu estylo plastico--vibrante de ironia e de affeição nas cartas intimas, tumido de originalidade e de força pratica nos papeis officiaes, directo, incisivo e ao mesmo tempo cheio de dignidade nas orações parlamentares--era a expressão de uma intellectualidade facetada e luminosa como um diamante. De qualquer lado que a encaremos, para qualquer lado que a voltemos, ella sempre esparge luz e chama a nossa vista. Canning, fallecido aos 57 annos e tendo tido que dominar condições e circumstancias contrarias, não poude chegar ao zenith da sua influencia politica, mas a sua attracção tanto sobre as massas como sobre a classe directora, e n'aquelle momento ainda quasi exclusivamente directora, foi, não obstante os dissidentes amigos da reacção, verdadeiramente magnetica. O _Times_, o jornal que n'este seculo melhor ha traduzido a media do pensamento inglez, e cuja independencia de linguagem foi sempre tão completa que, no dia immediato ao da morte de Jorge IV, pronunciou com absoluta franqueza no seu editorial que «nunca existira um individuo menos lamentado pelos homens do que o defuncto Rei,» escrevia a 7 de Agosto de 1827, quando Canning agonisava em Chiswick, que nunca a solicitude na Inglaterra fôra mais intensa ou universal pela vida de um homem publico. Esta homenagem da opinião é tão espontanea e foi tão singelamente manifestada, que nenhum outro elogio a poderia encarecer. APPENDICE APPENDICE DOCUMENTO N.^o 1 /# INSTRUCÇÕES PARA SERVIREM DE REGULAMENTO AO SR. MANOEL RODRIGUES GAMEIRO PESSOA NA MISSÃO COM QUE PARTE PARA A CÔRTE DE LONDRES DE ENCARREGADO DE NEGOCIOS DO IMPERIO DO BRAZIL. #/ Tendo S. M. O Imperador Resolvido que Vmce. passasse a residir junto de S. M. Britannica no mesmo caracter de Encarregado de Negocios deste Imperio em que se achava na Côrte de França, por se fazer indispensavel em Londres uma pessoa de provada capacidade acreditada por este Governo, para que não houvesse interrupção no desempenho das funcçoens politicas e commerciaes a cargo do Marechal Felisberto Caldeira Brant que antecedentemente as exercia; e servisse de orgam immediato dos sentimentos constantes de S. M. O Imperador para firmar em bases solidas e decorosas os verdadeiros interesses de ambas as Naçoens, das quaes he sem duvida o principal o Reconhecimento da Independencia deste Imperio, como tudo já foi a Vmce. participado nos meus antecedentes officios, cumpre agora remetter a sua Credencial, e aquellas Instrucçoens mais essenciaes que o Governo de S. M. I. confia da sua dexteridade e intelligencia. 2^o Não cessando o Consul Geral de S. M. Britannica nesta Côrte de representar sobre a detenção do Brigue Beaver em 12 de Janeiro p. p. bem como a admissão no serviço deste Imperio do Tenente Britannico Taylor, qualificado como Desertor da Marinha da sua Nação, e não parecendo sufficientes as explicações que este Ministerio tem dado de ambos aquelles procedimentos, visto ter insistido o sobredito Consul como a Vmce. tem sido constante pelo meu despacho numero 17 de 26 de Novembro ultimo; Deseja S. M. O Imperador que para não soffrer a menor duvida a realidade de Seus Sentimentos em querer condescender com S. M. B. e inteiral-o de sua Franqueza e Amizade, Vmce. se apresente immediatamente a esse Governo como auctorisado para ir tratar expressamente deste assumpto, e depois de fazer uso de todas as razoens produzidas na minha Correspondencia Official com o Consul Britannico, tendentes a demonstrar que o Governo Brazileiro não teve premeditação a desagradar essa Côrte, que mui pelo contrario tem o maior sentimento pelas consequencias que parecem nascer daquelles dois factos, Vmce. fará ver que tem ordem de os desapprovar solemnemente em Nome e da parte de S. M. I., que os considera como um acto de inconsideração do passado Ministerio; dando Vmce. esta satisfação annunciará que S. M. I. em ultima prova da veracidade das protestaçoens feitas e do seu ardor em manter a melhor harmonia com o Governo Britannico, estará promto a dimittir o Tenente Taylor; mas Vmce. empregará todo o seu zelo em ponderar a extensão do sacrificio que S. M. I. fará em dimittir e entregar um Official que tão bom serviço ha prestado ao Imperio, e que procura expiar a sua primeira falta redobrando de actividade e zelo no serviço de uma Nação tão estreitamente ligada em interesses e affeiçoens á sua propria Nação. Exporá pois que nestas circumstancias e na convicção de que S. M. B. não tem em vista levar este caso a um ponto só proprio de dois Governos que acintemente desejassem romper publicamente os meios conciliatorios, Espera o Imperador que S. M. B. generosamente o desembarace da penosa alternativa em que se acha. O meu citado Despacho n. 17 e as inclusas copias da Correspondencia que tem tido logar sobre o Tenente Taylor, e Brigue Beaver, servirão ao seu zelo de subsidio para se regular em tão melindrosa como importante materia. 3^o Dado este passo que muito se lhe recommenda será logo o seu primeiro cuidado procurar ser admittido publicamente como Encarregado de Negocios quando não assente que deva primeiramente instar pelo seu recebimento publico nessa qualidade, antes de desempenhar a commissão acima, com o fundamento de que será mais solemne, e por isso mais ampla e formal a satisfação por Vmce. dada como Agente Publico e Diplomatico. Tambem se valerá para o fim de ser reconhecido diplomaticamente do exemplo da França que acaba de nomear um Encarregado de Negocios para residir junto de S. M. I., não se esquecendo outro sim de observar que consentindo o mesmo Augusto Senhor que o Consul Chamberlain tenha funcçoens diplomaticas nesta Côrte, só para que não soffram as relações de ambos os Paizes, parecia de justa e decorosa reciprocidade que na Côrte de Londres não continuasse a repugnancia de receber e reconhecer os Enviados do Brazil, até mesmo porque este recebimento era o preparatorio de negociaçoens da maior importancia para a propria Inglaterra. 4^o Trabalhará immediatamente em promover o Reconhecimento authentico e formal da Independencia, Integridade, e Dymnastia do Imperio do Brazil, para o qual esse Governo já se acha disposto, dando Vmce. a entender quando julgar preciso que S. M. I. tem na Europa pessoas da sua Confiança com todos os poderes necessarios para tratar deste assumpto com a Potencia ou Potencias que melhor apreço derem aos desejos do Brazil, com tudo Vmce. não nomeará essas pessoas, mas participará opportunamente a estas as intençoens do Governo Britannico, a quem por esta occasião insinuará o quanto seria prejudicial á Inglaterra que outra qualquer Potencia fosse a primeira a tratar com o Imperio do Brazil, e tivesse a prioridade do Reconhecimento. 5^o Os Plenipotenciarios referidos no Artigo antecedente são Vmce e o Marechal Felisberto Caldeira, que partirá brevemente desta Côrte levando os precisos Poderes para ambos; e tanto com elle como com o Encarregado de Negocios em Pariz terá uma correspondencia effectiva, communicando e recebendo todas as noticias que concorrerem ao bom desempenho de suas commissoens. 6^o Para conseguir o desejado Reconhecimento exporá com energia e firmeza os motivos que teve o Brazil.--1^o Para resentir-se da retirada d'El Rei Fidelissimo o Sñr. D. João VI.--2^o Conservar em seu seio o seu Augusto Primogenito.--3^o Recusar o jugo tyrannico que as Côrtes demagogicas de Lisboa preparavam á sua boa fé.--4^o Acclamar por seu Defensor Perpetuo ao Mesmo Augusto Principe.--5^o Separar-se emfim de uma Metropole a que não podia mais permanecer unido senão nominalmente, quando a Politica, os interesses Nacionaes, o resentimento progressivo do Povo, e até a propria Natureza tornavam de facto o Brazil Independente.--6^o O acclamar conseguintemente ao Herdeiro da Monarchia de quem fazia parte, conciliando os principios da Legitimidade com os da Salvação do Estado, e interesses publicos.--7^o Conferindo o Titulo de Imperador, por certa delicadeza com Portugal; por ser conforme ás idéas dos Brazileiros; pela extensão territorial; e finalmente para annexar ao Brazil a cathegoria que lhe deverá competir no futuro na lista das outras Potencias do Continente Americano. Mostrará seguidamente em resposta aos receios que se suscitarem sobre a consolidação do Imperio que esta mesma marcha gradativa, e apparentemente contradictoria com que o Brazil tem chegado ao seu actual estado, he uma prova da prudencia que o tem guiado a tão importante resultado, e demonstra evidentemente quanto deve ser applaudida sua resolução, pois que esgotou todos os recursos para conservar a união com Portugal, e conheceo por experiencia todos os inconvenientes das diversas situações por que passára. Fará ver que nada poderá jamais mudar o sentimento destes Povos em sustentar a sua Independencia e o seu Imperador e Defensor Perpetuo, que por sua parte tem igualmente refletido com madureza sobre os interesses da Nação que Rege e Defende; e jamais retrogradará um só passo da Cathegoria a que está elevado; sendo por isso só calculada a espalhar o azedume e desconfiança toda e qualquer repugnancia da parte das outras Naçoens em reconhecer como legitimo um Governo fundado na Justiça, e na vontade de quatro milhões de habitantes. Insistirá nos esforços que S. M. I. tem feito para suffocar algumas facçoens dispersas que a effervescencia do Seculo tem animado contra os Principios Monarchicos; facçoens estas que poderão porém ganhar forças, ou ao menos mais diuturnidade, se as Potencias da Europa continuando a não coadjuvarem materialmente a S. M. I., levarem a sua indifferença ao ponto de nem se quer prestarem a mera formalidade do Reconhecimento do Imperio; abandonando assim o Imperador a seus proprios recursos, quando tanto interesse têm as ditas Potencias em que se mantenha a Realeza na America. 7^o Além das razoens acima expostas, dos exemplos de Columbia e outros pequenos Estados que já têm sido reconhecidos Independentes, e dos principios de Direito Publico a que póde tambem recorrer, pois o Brazil tem sempre sido coherente com elles, insinuará dextramente que os proprios interesses da Inglaterra pedem este Reconhecimento pois não seria extranho que o Governo Brazileiro tratasse exclusivamente com outra Potencia a este respeito, estipulando-se condiçoens que pudessem affectar os interesses commerciaes da Grã Bretanha neste vasto Imperio, e poderá por esta occasião fazer ver que a Prussia mesmo já fez a iniciativa de um Tratado a que por ora S. M. I. não Julgou necessario responder. 8^o Sendo talvez a amizade existente entre a Inglaterra e o Governo de Portugal um apparente obstaculo ao Reconhecimento por aquella Potencia do Imperio do Brazil; cumpre que Vmce. mostre.--1^o Que a Independencia deste Imperio não foi effeito do Systema Constitucional que regeo Portugal, para que cessado esse Systema tornasse por sua parte o Brazil ao primitivo estado; pois as Côrtes Lisbonenses não fizeram mais que accelerar, por suas injustiças, uma Independencia que já de muito estes povos desejavam, e era consequente do estado de virilidade a que haviam chegado.--2^o Que S. M. Fidelissima he assás illustrado para reconhecer que foi chegada a epocha em que o Brazil, unica colonia do Novo Mundo que estava por constituir-se, havia de entrar na lista das outras Naçoens, muitas das quaes não têm a mesma grandeza territorial, a mesma população e os mesmos recursos.--3^o Que S. M. Fidelissima abandonando o Brazil, ou preferindo-lhe a outra parte da Monarchia, a que então estava unido, em uma epocha tal, como que o tinha deixado Arbitro da sua sorte, e dos melhores meios de firmar a sua grandeza e segurança.--4^o Que tendo estes Povos Acclamado o Seu Filho Primogenito, quando era inevitavel o rompimento com Portugal, mostraram-lhe nesta crise o quanto respeitavam a Casa de Bragança.--5^o Que sabendo S. M. F. não ser nova na historia das Naçoens a divisão destas em ramos de uma mesma Dynastia; e estando finalmente o Imperador prompto a tratar com seu Augusto Pai, debaixo da base do Reconhecimento da Independencia, de tudo quanto ainda puder ser vantajoso a ambas as Naçoens, só resta a S. M. F. tirar partido de tão boas disposiçoens, e por si ou por intervenção de alguma outra Potencia, aproveitar do Brazil o que ainda fôr possivel. 9^o Fará sentir a esse Governo que de algum modo conciliaria a sua delicadeza com os seus verdadeiros interesses servindo de mediador para que Portugal reconheça a Independencia, Integridade, e Dynastia deste Imperio; Mediação que S. M. I. acceitaria de boa vontade, ficando todavia reservadas para deliberação futura as condiçoens que Portugal quizesse propôr. 10^o Fará toda a vigilancia em seguir o fio das intrigas e negociaçoens da Côrte de Lisboa, e seus Agentes, não poupando meio algum de as penetrar, e communicar opportunamente a esta Secretaria de Estado, com os documentos que lhe forem relativos, sendo possivel. 11^o Tudo o mais Confia S. M. Imperial do seu reconhecido zelo, intelligencia e patriotismo, Esperando que continuará a proceder com o maior ardor pelos interesses Nacionaes. Palacio do Rio de Janeiro, 24 de Novembro de 1823. Luiz J^e. de Carvalho e Mello. DOCUMENTO N^o 2 Illmo. e Exmo. Sñr. Nós, abaixo assignados, temos a honra de nos dirigir a V. Ex. para lhe notificarmos, que estamos munidos de Plenos Poderes de S. M. o Imperador do Brazil para conferir, e tratar nesta Corte com o Plenipotenciario ou Plenipotenciarios que S. M. Fidelissima se Dignar nomear afim de pôr termo á discordia existente entre os respectivos Governos, e pela maneira que fôr mais decorosa a ambos os Estados. He tão honrosa e tão benefica a nossa missão que ficamos persuadidos de que V. Ex. terá o maior prazer em leval-a ao conhecimento de S. M. Fidelissima, e de nos participar a resolução do mesmo Augusto Senhor sobre hum objecto que interessa tanto seu Paternal coração. Resta-nos pedir a V. Ex. que haja de aceitar os mui sinceros protestos da nossa alta consideração. Deus guarde a V. Ex. Londres, em 20 de Abril de 1824. _Illmo e Exmo Sñr. Marquez de Palmella._ Felisberto Caldeira Brant, Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa. DOCUMENTO N^o 3 copia da resposta do marquez de Palmella O abaixo assignado recebeo o Officio que os Illmos Snres Felisberto Caldeira Brant e Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa lhe dirigirão em data de 20 de Abril proximo passado, e tendo-o levado, como lhe cumpria, a Real Presença de Sua Magestade, immediatamente recebeo ordem do mesmo Augusto Senhor para transmittir ao Conde de Villa Real, Seo Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario na Corte de Londres, os Poderes necessarios, afim de ouvir, e discutir as proposições que lhe forem dirigidas tendentes a pôr termo a discordia que desgraçadamente existe entre os Reinos de Portugal, e do Brazil; achando-se o mesmo Conde eventualmente authorisado a concluir qualquer ajuste que possa conciliar os verdadeiros interesses, e o decoro de ambas as Partes. Sua Magestade Fidelissima não tem cessado de dar provas dos sinceros dezejos, que o animão de apagar tão fataes dissenções, e de restabelecer a boa harmonia entre dois Paizes, cujos Habitantes são Irmãos e se achão mutuamente ligados por tantos, e tão estreitos vinculos; he de suppôr que estes beneficos dezejos sejão plenamente correspondidos, e que sejão comprovados com factos, como o tem sido os de S. M. Fidelissima: o abaixo assignado concebe essa esperança lisongeira, e não pode deixar de tirar hûa indução favoravel da acertada escolha que S. A. Real o Principe D. Pedro fez das Pessoas aquem confiou o manejo de tão importantes interesses. O abaixo assignado pede a Suas Senhorias queirão aceitar os protestos de sua alta consideração. Lisboa 21 de Maio de 1824. Marquez de Palmella. DOCUMENTOS N^{os} 4 a 7 NÉGOCIATION ENTRE LE PORTUGAL ET LE BRÉSIL[76]. N^o 4 _Première Conférence._ Présens: M. le Comte de Villa Real, M. le Général Brandt, M. le Chevalier Gameiro, M. le Chevalier de Newmann, M. Canning. M. le Plénipotentiaire de Portugal, et MM. les Plénipotentiaires du Brézil, ayant demandé les bons offices des Gouvernements Britannique et Autrichien, à l'effet d'opérer une Réconciliation entre le Portugal et le Brézil, et s'étant réunis à cet effet, en présence de M. Canning, Secrétaire d'État de S. M. Britannique pour les Affaires Étrangères, et de M. le Chevalier de Newmann, Chargé d'affaires de S. M. I. R. et Apostolique auprès de la Cour de Londres, M. de Villa Réal, et MM. les P. P. du Brézil, ont exhibé à la Conférence leurs Pleins Pouvoirs respectifs, et, après les avoir lu, M. de Villa Réal a observé que puisqu'il n'était pas nécessaire, pour le moment, d'échanger ces instruments, il se contentait de protester verbalement contre les Titres du Prince, au nom duquel les Pleins Pouvoirs de MM. les Plénipotentiaires Bréziliens avaient été délivrés. M. de Villa Réal a ensuite demandé aux P. P. Bréziliens, de vouloir bien lui expliquer quelles étaient les propositions qu'ils avaient à faire au Portugal. MM. les Plénipotentiaires Bréziliens ont répondu, qu'ils demandaient du Portugal, la Reconnaissance de l'Indépendance du Brézil, et de la Catégorie Politique. A quoi M. de Villa Réal a observé qu'avant toute autre discussion il y avait trois points sur lesquels il désirait avoir des explications et des assurances: savoir, si MM. les P. P. Bréziliens pouvaient promettre: 1^o La cessation des hostilités de la part du Brézil contre le Portugal; 2^o Le rétablissement des relations de commerce entre les deux pays; 3^o La restitution des propriétés et vaisseaux portugais saisis par les Bréziliens, ou une indemnité équivalente. MM. les P.P. Brésiliens ont répondu, qu'ils n'étaient pas autorisés à donner ces promesses; mais qu'ils pouvaient assurer, que de fait les hostilités avaient été suspendues de la part du Brézil, depuis le mois de Novembre dernier; qu'ils avaient déjà écrit pour presser la continuation de cette suspension; et que la négociation étant à présent ouverte, ils écriraient sans perte de temps à leur Gouvernement sur les deux autres points. MM. les P. P. du Brézil ont de leur côté demandé des explications sur l'expédition qu'on préparait dans les ports du Portugal contre le Brésil: sur quoi M. de Villa Real a répondu, que cette expédition ne mettrait à la voile que dans le cas du renouvellement des hostilités de la part du Brézil, ou de la rupture de la présente négociation; et que de sa part il était disposé à continuer la négociation, dans l'espérance que les trois points susmentionnés seraient admis de la part du Brézil, aussitôt que les communications des P. P. Bréziliens y seront parvenues. Sur quoi la séance a été levée. N^o 5 _Seconde Conférence Brézilienne, le 19 juillet._ Présens: MM. le Comte de Villa Real, Général Brandt, M. le Chevalier Gameiro, le Prince Esterhazy, M. Canning, M. le Chevalier de Newmann. Le Protocole de la dernière séance a été lu et approuvé. MM. les P. P. B. B. déclarent qu'ils ont écrit à leur Cour par la Malle du 14 sur les trois points que M. le comte de Villa Real a suggérés dans la dernière conférence, demandant une prompte réponse et surtout qu'elle soit précédée d'un acte publique concernant la suspension des hostilités; et comme ils pouvaient assurer que tout cela serait accordé immédiatement si l'Indépendance du Brézil était reconnue, ils prient M. le comte de Villa Real de leur déclarer s'il est autorisé de reconnaître l'Indépendance et les nouveaux titres du Brézil. M. de Villa Real a répondu qu'il envisageait les trois points susdits comme préliminaires à toute négociation, que cependant il n'avait pas voulu arrêter la marche de celle-ci, dans l'espoir que ces trois points seraient accordés; et qu'il était par conséquent prêt à continuer cette négociation pourvu qu'on n'exige pas comme condition préalable la reconnaissance de l'Indépendance: S. M. T. F. dans la supposition que cette demande préalable ne serait pas faite ayant consenti à ne pas mettre en avant son droit incontestable de souveraineté sur le Brézil. Sur cela M. Canning a proposé, pour faciliter la marche de la négociation, de rédiger son projet de réconciliation, pour être ensuite pris en considération par les deux parties. Cette idée a été agréé par les P. P. B. B. et M. le comte de Villa Real a déclaré que faute d'autorisation pour la discuter, il s'empresserait de transmettre un tel projet à son Gouvernement. MM. les P. P. B. B. ont demandé la restitution des prisonniers Bréziliens qui se trouvent actuellement en Portugal; et ont déclaré que si M. le comte de Villa Real pouvait consentir à leurs demandes, qu'ils enverraient de suite des bâtimens en Portugal pour amener ces prisonniers au Brézil. M. le Comte de Villa Real a répondu qu'il n'avait pas de pouvoirs suffisants pour accorder cette demande, mais qu'il la transmettrait sans délai à sa Cour. Sur quoi, etc., etc. N^o 6 PROTOCOLE _Conférence Brézilienne, le 9 Août 1824._ Présens: M. le Comte de Villa Real, M. le Général Brandt, M. le Chevalier de Gameiro, M. Canning, le prince Esterhazy, M. le Chevalier de Newmann. Le Protocole de la dernière Conférence a été lu et approuvé. M. de Villa Real a annoncé qu'il avait écrit à Sa Cour á l'égard des sujets Bréziliens détenus en Portugal, et a déclaré que son Gouvernement avait relâché et ordonné la restitution du Vaisseau Brézilien nommé _Jervis_; il a demandé ensuite à Messieurs les Plénipotentiaires Bréziliens s'ils avaient déjà reçu l'autorisation de faire une déclaration sur les trois points mentionnés dans le Protocole de la première séance. MM. les Plénipotentiaires Bréziliens ont répondu, qu'à l'égard de la première question, c'est-à-dire celle relative aux hostilités, ils avaient déjà reçu des assurances positives de leur Gouvernement qu'aucune tentative ne serait faite de la part du Brézil contre les Colonies Portugaises--que sur les deux autres questions ils n'avaient encore aucune explication à donner;--mais qu'ils référaient M. le Plénipotentiaire Portugais à M. Canning pour les réponses que le Gouvernement Britannique pourrait avoir reçu sur ces objets du Gouvernement Brézilien. MM. les Plénipotentiaires du Brézil ont démandé l'insertion au Protocole de la Déclaration suivante: qu'ils continueraient la négociation dans l'espoir qu'Elle terminerait par la reconnaissance de l'Indépendance du Brézil. M. le Plénipotentiaire de Portugal a déclaré qu'il ne pouvait rien promettre qui invaliderait les droits de Souveraineté de Sa Majesté Très Fidèle, mais que l'objet de cette négociation étant une Réconciliation entre le Portugal et le Brézil, il la continuerait d'après les Principes énoncés par Lui dans les Protocoles précédents. M. Canning a présenté à la conférence un Projet de Réconciliation qu'il avait préparé d'après l'offre qu'il en avait fait, à la conférence précédente. M. Canning en a donné copies à MM. les Plénipotentiaires de Portugal, du Brézil et de l'Autriche; mais ce Projet ayant été rédigé seulement comme moyen de faciliter une Réconciliation, il a été convenu de ne pas le mettre au Protocole. M. Canning a ajouté qu'il ne se tenait pas du tout ni à la forme ni à la substance de ce projet, que peut-être en le prenant en plus mûre considération, il y ferait des changements lui-même, et qu'il invitait MM. les Plénipotentiaires de lui faire le plus franchement possible, leurs observations là-dessus. N^o 7 _Conférence Brézilienne les 11 et 12 Août 1824._ Présens: M. Canning, M. le P. Esterhazy, M. de Newmann, M. le Comte de Villa Real, M. le Général Brandt, M. le Chevalier Gameiro. Le Protocole de la dernière séance a été lu et approuvé. M. le Plénipotentiaire du Portugal a annoncé que s'étant adressé à S. E. M. Canning en suite de ce qui a été déclaré par MM. les P. P. B. B. dans la dernière Conférence, a appris avec peine que le Gouvernement Brézilien n'a point accédé aux représentations qui lui ont été adressées par M. Chamberlain d'après l'ordre du Gouvernement Britannique, au sujet des trois points que le Gouvernement Portugais a toujours annoncés comme devant être applanis, et devoir servir de préliminaires à toute négotiation. Le Gouvernement du Brézil n'a pas même indiqué la plus légère intention de vouloir accéder à ces trois points, pas même celle de faire cesser les hostilités, mais il a simplement référé le Gouvernement Britannique aux instructions qu'il enverrait à MM. les P. P. B. B. Le P. Portugais ayant pris sur lui l'immense responsabilité de ne pas insister sur l'admission de ces trois points par MM. les P. P. B. B. dans l'espoir qu'ils seraient accordés, ne peut plus aujourd'hui entretenir cet espoir contre les faits qui ressortent des dernières informations qui sont arrivées de Rio de Janeiro, et des déclarations peu satisfaisantes qui ont été faites par MM. les P. P. B. B. dans la dernière Conférence. Il se voit donc forcé á regret d'attendre de nouvelles instructions de Sa Cour, devant porter à sa connaissance que les représentations qui ont été adressées au Gouvernement de Rio de Janeiro n'ont point été agréées par Lui; quoiqu'elles soient de toute justice, et qu'elles aient été considérées ainsi, non seulement par le Cabinet de Londres, mais aussi par celui de Vienne qui les a fait appuyer auprès du Gouvernement de Rio de Janeiro. MM. les P. P. B. B. ont dit qu'ils n'ont pas répondu à la première demande de M. le P. Port., parce qu'ils étaient chargés de le faire à S. E. M. Canning; la demande primitive ayant été faite au Gouvernement Brézilien par le Consul Général de S. M. Britannique. Qu'aujourd'hui ils pouvaient assurer M. le P. Port., que le Gouvernement Brézilien avait prévenu les désirs des Cours de Londres et d'Autriche, et avait pris la résolution de cesser les hostilités, de discontinuer les séquestres, et de faciliter les relations de commerce entre le Portugal et le Brésil, avec le ménagement qu'il doit avoir pour l'opinion publique, si fortement prononcée contre toute correspondance avec le Portugal, avant la Reconnaissance formelle de l'Indépendance du Brézil. Que ces ménagements sont si nécessaires au maintien de la Royauté dans le nouveau monde, que le Gouvernement Brézilien croit qu'ils seront approuvés par les Cours d'Autriche, et de Londres, ainsi que par le Portugal lui-même. M. le P. Port. a répondu que les assurances de MM. les P. P. B. B. ne reposant pas sur des faits, mais sur des considérations morales, il ne pouvait que les porter à la connaissance de sa Cour, et attendre les instructions. Il répétait en même temps qu'il ne pouvait espérer que les représentations de MM. les P. P. B. B. auraient plus d'effet que celles qui ont déjà été faites par les puissantes interventions de l'Autriche et de l'Angleterre. MM. les P. P. B. B. ont répondu que la demande des deux Cours était faite dans une époque où les négociations n'étaient pas encore ouvertes entre le Brézil et le Portugal. La demande de M. le P. du Portugal ayant été présentée par suite de l'ouverture des négociations, MM. les P. P. B. B. espéraient que cette démarche serait agréée, et que le résultat en serait tout à fait satisfaisant. MM. les P. P. B. B. en se référant à l'invitation contenue dans le Protocole précédent--de faire leurs observations sur le Projet présenté par M. Canning comme moyen de Réconciliation, ont dit, qu'ils adoptent comme le leur ce Projet de Réconciliation, en se réservant le droit de le discuter avec M. le P. Portugais, et de le signer sous _spe rati_; et qu'ils invitent M. le P. Portugais de le transmettre à sa Cour. Le P. Portugais a observé que d'après la déclaration qui est consignée dans ce Protocole, et dans les précédents, il n'est pas autorisé à accepter, ni à transmettre un Projet de Réconciliation entre le Portugal et le Brésil, qui porte atteinte aux droits légitimes de S. M. T. F. sur le Brésil; mais que MM. les P. P. B. B. ayant accepté ce projet comme le leur, il ne peut s'opposer, vu le délai qui en résulterait pour la négociation, à ce qu'il soit transmis par un intermédiaire au Gouvernement de S. M. T. F., auquel il rendra compte de ce qui s'est passé à cet égard, afin de recevoir de sa Cour des ordres ultérieurs. MM. les P. P. B. B. ont ensuite prié MM. les P. P. d'Autriche, et M. Canning de vouloir bien transmettre le projet au Gouvernement Portugais, avec l'invitation à ce Gouvernement d'autoriser le plus tôt possible son Plénipotentiaire à Londres à discuter le susdit Projet. M. Canning a répondu qu'il se prêterait volontiers au désir exprimé par MM. les P. P. B. B., et qu'il transmettrait le Projet á la Cour de Lisbonne ou conjointement avec les P. P. d'Autriche, ou seul, si ces Messieurs ne se trouvaient pas autorisés à prendre part à cette transmission. MM. les P. P. d'Autriche ont déclaré que jusqu'à présent ils s'étaient abstenus de délivrer officiellement aucune opinion depuis l'ouverture de cette négociation, le désir principal de leur Gouvernement ayant été que l'objet important qui avait réuni MM. les P. P. Portugais et Brésiliens, fût principalement considéré par eux comme une affaire de famille, à régler de gré à gré, chacune des parties étant le meilleur juge de son intérêt, et des sacrifices que l'une ou l'autre croira devoir faire à la force des circonstances. Le Gouvernement Autrichien a toujours agi avec le sentiment de la plus parfaite impartialité, en donnant sous une forme amicale et confidentielle, tant au Rio de Janeiro qu'à Lisbonne, les conseils qu'il croyait pouvoir être dans l'intérêt d'un chacun, á l'effet d'opérer une Réconciliation si désirable pour les deux pays. Le Gouvernement Autrichien eût préféré que MM. les P. P. B. B. et P. eussent pu s'entendre à l'amiable, et procéder dans cette négociation sans avoir besoin de recourir constamment aux puissances dont ils ont demandé les bons offices. Mais depuis que cette négociation a acquis un caractère plus officiel qu'elle ne semblait devoir obtenir au premier abord, les P. P. A. A. par le même sentiment d'impartialité qui a guidé leur Gouvernement dans toute cette affaire, croiraient en dévier, s'ils ne déclaraient pas ici que, tout en sentant la nécessité d'un arrangement qui mette fin aux malheureux différents qui existent entre le Portugal et le Brésil, ils n'entendent pas par là rien énoncer qui puisse préjuger ou porter atteinte aux droits du Roi de Portugal--et c'est donc à S. M. T. F. de juger elle-même des meilleurs moyens qui pourraient terminer ces différents. En conséquence de la présente déclaration, et pour répondre à la demande qui vient de leur être adressée par MM. les P. P. B. B., ils ne se croient pas autorisés à prendre part à la transmission au Gouvernement Portugais du Projet de Réconciliation mentionné dans le présent Protocole;--projet qui, d'ailleurs sera, sans leur entremise, porté à la connaissance de ce Gouvernement par le P. Britannique. M. Canning a ajouté, qu'il se chargeait, en conséquence, à lui seul, de transmettre ce Projet,--et qu'il attendrait les réponses qu'il pourrait recevoir du Portugal, pour inviter ces Messieurs à une nouvelle conférence;--mais MM. les P. P. sont tous généralement convenus que dans l'intervalle le manque d'une réunion formelle n'empêcherait pas MM. les P. P. Portugais et B. B. de s'entendre et de se fournir réciproquement des explications propres à faciliter un arrangement final et satisfaisant. Sur quoi, etc., etc. DOCUMENTO N^o 8 PROJECTO DE HUM TRATADO PRELIMINAR ENTRE PORTUGAL E O BRAZIL PROJECTO DE TRATADO *Portugal.* | *Brazil.* | | ARTIGO 1^o. | | O Reino de Portugal e o | Observaçoens (de Brant Imperio do Brazil com os | e Gameiro). limites, que tinhão em Abril | de 1821 são, e ficão sendo | A separação, e independencia para sempre duas Monarquias | da Coroa do Brazil independentes, soberanas, | está tão formal, e expressamente e separadas, nas | ennunciada neste Pessoas dos Monarcas actuaes, | artigo, quanto se póde dezejar. e seos Successores. | | ARTIGO 2^o. | | S. M. Fidelissima em | A renuncia que se contem consequencia desta separação | na 1.^a parte d'este artigo das duas Coroas renuncia | está redigida nos proprios por si, seos herdeiros, | termos das nossas e successores á todos | instrucções, e a eliminação os direitos e pretençoens | do Brazil d'entre os titulos de governo, e propriedade | da Coroa de Portugal foi-nos territorial sobre o Brazil. | suggerida pelo nosso E querendo que esta renuncia | zêlo, e he consequente, e seja a mais plena, | regular. formal e completa, que ser | possa, deixará de ora em | diante de mencionar o Brazil | entre os titulos da Corôa | de Portugal. | | ARTIGO 3^o. | | S. M. Fidelissima em | Eis expresso o reconhecimento virtude d'esta renuncia, | da nova cathegoria reconhece a Seu Augusto | politica do Brazil e do Filho o Sñr. Dom Pedro, | titulo de Imperador. seus herdeiros e successores | por Imperador do Brazil, | e trata com Elle n'esta | qualidade. | | A Inglaterra e Austria ARTIGO 4^o. | consideram esta restituição | como um acto de rigorosa S. M. O Imperador do | justiça pela razão de Brazil se obriga a restituir | não ter existido entre o no estado em que se achar, | Brazil e Portugal hum verdadeiro toda a propriedade pertencente | estado de guerra; aos subditos da Coroa | mórmente desde a epocha de Portugal, que tenha | em que S. M. Fidelissima sido sequestrada no Brazil, | reassumiu a sua antiga bem como os navios portuguezes | authoridade, e mandou suspender com as suas respectivas | as hostilidades em cargas, que tenham | todos os pontos do Brazil sido apresadas pelas forças | occupados por tropas portuguezas. navaes do Imperio, e no | Tanto para condescendermos caso de se ter vendido alguma | com as ditas d'estas presas, restituir-se-ha | potencias como para impormos o preço de taes | á Portugal a obrigação vendas aos seus respectivos | de reparar os damnos donos. | feitos pelas suas tropas no | Brazil, e que importam em | muito mais do que o valor | de taes presas, propuzemos | esta restituição, sem a | restituição promettida no artigo | precedente não teriamos | direito a este acto de | reciprocidade. | ARTIGO 5^o. | | S. M. Fidelissima promette | igualmente restituir | toda a propriedade pertencente | aos subditos, e a | quaesquer corporações do | Brazil, que tenha sido | apprehendida pelas authoridades | portuguezas, e nomeadamente | as alfaias e | valores que se achão em | Portugal, e forão trazidas | pelo Commandante das | tropas portuguezas, e mais | pessoas que evacuarão a | cidade de Bahia em 2 de | Julho de 1823. | | ARTIGO 6^o. | | S. M. Fidelissima promette | Sem a promessa da mencionada outro sim indemnisar | restituição não podiamos a todos os subditos da | pretender esta indemnização, Coroa do Brazil a quem as | e muito soffreria tropas portuguezas tenhão | o nosso patriotismo se causado perdas, e damnos, | o não pretendessemos. sem que as operações militares | o exigissem. O reconhecimento, | e liquidação de taes | perdas serão commettidos | a uma Commissão | mixta, que se instituirá na | cidade do Rio de Janeiro, | logo depois da troca das | rectificações do presente | Tratado. | | ARTIGO 7^o. | | Haverá desde já a mais | Estando as Potencias da sincera amizade, e a mais | Europa accordes no principio generosa correspondencia | de que as metropoles entre os habitantes de ambos | peninsulares devem gozar os paizes. E emquanto | de favores especiaes nos por um tratado especial | novos Estados Americanos, não se regulão as suas relaçoens | era mister previlegiar o commerciaes pagarão | commercio portuguez os generos do Brazil | relativamente ao das outras nas alfandegas de Portugal, | naçoens. Todavia o Brazil e os productos de cultura | ganha mais do que Portugal e industria de Portugal nas | n'esta fixação promissoria alfandegas do Brazil, dez | de direitos: porque por cento de direitos de | os seus generos, que pagavão entrada, e dois por cento | outr'ora huns por outros de direitos de reexportação, | 30 p.^r 0/0 de direitos devendo os direitos chamados | de entrada em Portugal, de Porto serem os | pagarão sómente 10 p.^r 0/0 mesmos no Brazil para os | no intervalo que decorrer navios brazilianos e portuguezes | até o ajuste de hum tratado e vice versa em | definitivo de commercio. Portugal. | | ARTIGO 8^o. | | Não querendo as altas | Este artigo é em tudo partes contratantes retardar | conforme as nossas Instrucçoens, de modo algum as vantagens, | que nos mandão que hão de resultar | mui positivamente dividir do prompto restabelecimento | a negociação em duas partes: da boa correspondencia | notando-se na primeira entre os dois Estados, | a questão do reconhecimento convem em que fiquem | e na segunda reservados para hum subsequente | o mais que occorrer entre tratado definitivo | os dois paizes. todos os mais objectos que | devão ser ajustados entre | ambas as Coroas. | | ARTIGO 9^o. | | As duas altas partes | contractantes convidarão todas | as potencias amigas á | accederem ao presente tratado. | DOCUMENTO N^o 9 PROJECTO DE TRATADO The two parts, European and American of the Portuguese Monarchy, shall be considered as distinct and separate. Brazil shall be governed by his own Institutions. The King of Portugal devolves | The Emperor of Brazil upon His Son Dom | renounces for Himself His Pedro all His Rights in | Right of Succession to the Brazil. | Crown of Portugal. Arrangements shall be made for settling the succession to the Crown of Portugal, after the demise of the present King, according to the fundamental Principles of the Portuguese Monarchy; with such modifications the Cortes, now about to be assembled at Lisbon, may approve. It is understood that all | It is understood that all hostilities on the part of | Brazilian Persons or Property Brazil against the Territories, | seized or detained in Ships, and Subjects | Portugal, shall be forthwith of Portugal, have already | liberated and restored; ceased: and that all seizures | or where restitution of Portuguese Ships | of Property is impossible, and Property, heretofore | that Indemnification shall made, shall be restored or | be made. Brazilian Subjects where restitution is impossible, | in Portugal, if there that Indemnification | be any other than those shall be made. | already mentioned, shall | be at liberty to return to Also that Portuguese | Brazil with all their Property Subjects in Brazil shall be | or to remain in Portugal at liberty either to return | without molestation. to Portugal with all their | Property or to reside in | Brazil without molestation. | Commissioners shall be forthwith named to watch over the execution of the foregoing stipulations relating to Person and Property. Plenipotentiaries shall also be forthwith named to negotiate a commercial Treaty between the two Countries, in which each Country shall be placed by the other at least on the footing of the most favoured nation. The Brazilian Government | The Portuguese Government shall engage not only | shall engage to evacuate not to undertake any expedition | any Port or Place, against other Colonies, | which it may continue to occupy or Settlements, of | on that part of the Portugal, but not to entertain | Continent of America, any Proposition | which constitutes the Brazilian which may be made to | Territory. them for the alienation | from Portugal, or union | with Brazil of any of the | said Colonies or Settlements. | ADDITIONAL ARTICLES Mode of execution of the second Article of the Treaty. Art. 1.--The second article of the present treaty shall be thus executed. Art. 2.--The King of Portugal voluntarily makes over to His Son Dom Pedro all His Rights in Brazil. Art. 3.--The Emperor of Brazil declares his willingness to renounce his personal right of succession to the Crown of Portugal. Art. 4 and secret.--As upon acceptance of the personal renunciation of the Emperor of Brazil Dom Pedro to the Crown of Portugal, the Cortes of Portugal will have to fix upon that one of the children of the Emperor, who shall be called to the succession of that crown at the demise of the present King: it is understood, that the said Cortes may call to that succession the eldest son of the said Emperor of Brazil or the eldest Daughter in failure of male issue. DOCUMENTO N^o 10 Esboço de Hum Acto de Reconciliação entre Portugal e o Brazil Art. 1.^o--As duas Partes Européa, e Americana da Monarchia Portugueza terão para o futuro debaixo da Soberania do Senhor Dom João Sexto, e de seos Legitimos Descendentes, huma Administração respectivamente independente, subsistindo todavia entre ellas perpetua união. Cada huma dellas poderá ter as suas Instituições, e Leys apropriadas ás suas circumstancias particulares. Art. 2.^o--A Successão das duas Corôas de Portugal e do Brazil continuará a ser regulada pelas Leis Fundamentaes da Monarchia. Art. 3.^o--S. M. Fidelissima assumirá o Titulo de Rei de Portugal e dos Algarves, e Imperador do Brazil. S. A. Real o Principe Dom Pedro terá durante a vida de Seo Augusto Pai o Titulo de Imperador Regente do Brazil, como associado ao Governo d'aquelle Imperio. Art. 4.^o--O Soberano residirá para o futuro em Portugal ou no Brazil, segundo as circumstancias o requererem. Aquelle dos dois Paizes em que Elle se não achar residindo, será regido pelo Principe ou Princeza Hereditaria da Corôa, aos quaes para o futuro pertencerá só o Titulo de Regente. ART. 5.^o--Os Tratados Politicos serão os mesmos para ambos os Paizes; mas para cada hum delles poderá o Soberano concluir differentes Tratados de Commercio, adaptados aos seos respectivos interesses. Art. 6.^o--O Soberano delegará ao Imperador Regente ou Principe Regente d'aquelle dos dois Paizes em que não estiver residindo, a faculdade de prover aquelles Empregos que a bôa, e prompta Administração do Estado exigir, e S. M. Fidelissima confirmará por esta vez os Titulos e Cargos honorificos assim como os Empregos concedidos até ao presente no Brazil. Art. 7.^o--A Marinha de Guerra será commum a ambos os Paizes. Art. 8.^o--Estabelecer-se-hão logo por Lei as bases das relaçõens commerciaes, que hão de subsistir para o futuro entre Portugal e o Brazil, devendo os generos, e manufacturas de Lavra, produção ou Industria de hum e outro Paiz transportados directamente em vazos Nacionaes, serem mutuamente recebidos com menores direitos do que houverem de pagar pelos mesmos generos as Naçõens mais favorecidas: de modo a promover-se efficazmente a Industria respectiva de ambos, e devendo particularmente attender-se a favorecer os Vinhos de Portugal por serem o objecto mais consideravel de Exportação deste Reino. Art. 9.^o--A Divida Publica de Portugal havendo sido contrahida para bem commum, e para defeza, e manutenção de ambos os Paizes, será garantida e supportada por ambos, contribuindo cada hum delles para a sua extincção com a parte que se ajustar. Art. 10.^o--Aquelle dos dois Paizes em que se não achar residindo o Soberano, concorrerá annualmente com a somma de........ para o lustre, e sustentação da Caza Real. S. M. Fidelissima deixará agora para o uso do Imperador Regente o gozo das suas propriedades e Dominios particulares no Brazil. Art. 11.^o--Deverão haver sempre Commissarios Portuguezes, e Brazileiros reciprocamente residindo em ambos os Paizes para serem mantidas por meio delles as suas mutuas, e reciprocas obrigaçõens. Art. 12.^o--Os Agentes Diplomaticos nas Côrtes Estrangeiras serão nomeados pelo Soberano, o qual escolherá indistinctamente para esses Empregos Portuguezes, e Brazileiros, os quaes deverão manter correspondencia com ambos os Governos na forma das Instrucções de que forem munidos; e a sua manutenção pezará igualmente sobre os dois Paizes. Art. 13.^o--As Possessõens da Corôa na Azia, na Africa e nas Ilhas adjacentes aos antigos Continentes continuarão a ser consideradas perpetuamente como dependencias da Corôa de Portugal. Art. 14.^o--Cessarão immediatamente todas as hostilidades. As prezas de navios, ou propriedades confiscadas serão restituidas ou indemnisadas pelo Brazil (não podendo neste artigo estipular-se reciprocidade, por quanto S. M. Fidelissima não tem mandado praticar, nem permittido acto algum desta natureza). Art. 15.^o--Nomear-se-hão Commissarios de ambas as Partes para ajustarem n'hum prazo determinado a execução do artigo precedente, assim como dos artigos 8.^o, 9.^o e 10.^o do presente acto de reconciliação. Art. 16.^o--Tanto os Individuos Portuguezes, que se achão no Brazil, como os Brazileiros residentes em Portugal, estarão sempre em perfeita liberdade de continuarem a residir onde se achão ou de regressarem para as suas respectivas Patrias, podendo transportar ou vender, se quizerem, os bens moveis ou immoveis que possuirem. Art. 17.^o--Os Actos legislativos tanto n'hum como no outro Paiz emanarão sempre da Authoridade do Soberano: porém n'aquelle dos dois Paizes, em que o Soberano não residir, poderá o Regente, quando a urgencia das circumstancias o exigir, promulgar Leis, as quaes serão tidas como validas por espaço de hum anno, dentro do qual se deverá procurar a Sancção do Soberano. Art. 18.^o--Huma vez que depois da acceitação final deste Acto, qualquer das duas partes da Monarchia ou das suas Provincias tente desmembrar-se do Estado, S. M. Fidelissima se reserva a faculdade, e o direito de empregar a força para a reduzir á sua devida obediencia. Este Acto de reconciliação será acompanhado da Garantia de todos os Governos que quizerem tomar parte n'elle, para receber desse modo a maior solemnidade de que for susceptivel. _Assignado_: Marquez de Palmella. _Está conforme_: Conde de Villa Real. DOCUMENTO N^o 11 Conférence brésilienne _Protocole de la sixième Séance, le 11 Novembre 1824_ Présens: M. le Comte de Villa Real, le Prince Esterhazy, M. Canning, M. de Neumann, M. le Général Brandt, M. le Chevalier de Gameiro. Monsieur le Plénipotentiaire Portugais a annoncé être chargé par ordre de son Gouvernement, de présenter à MM. les Plénipotentiaires Brésiliens une Esquisse d'un acte de Réconciliation entre le Portugal et le Brésil, et a fait en même temps la déclaration suivante. «Le Plénipotentiaire Portugais, avant de faire la communication dont il est chargé, croit de son devoir de faire quelques observations qui mettront en évidence la conduite modérée et conciliante du Gouvernement Portugais dans toute cette négociation. Il doit rappeler d'abord que les seules bases sur lesquelles Sa Majesté Très Fidèle a consenti à entrer en négociation avec le Gouvernement du Rio de Janeiro étaient la cessation totale de toute sorte d'hostilités de la part de ce Gouvernement, la restitution et l'indemnisation des prises faites sur les Portugais, et enfin le rétablissement du commerce entre les deux pays. Sa Majesté Très Fidèle a déclaré aussi que si l'on accédait à ces trois points de la part du Brésil, il consentirait à entrer en négociations sans exiger la reconnaissance préalable de Sa Souveraineté sur le Brésil, pourvu que de l'autre côté on n'exigerait point la reconnaissance préalable de l'Indépendance du Brésil. «Ces principes reconnus justes par le Cabinet Britannique et par le Cabinet Autrichien, ont été présentés et appuyés par le premier auprès du Gouvernement du Rio de Janeiro; le Cabinet Autrichien les ayant également appuiés aussitôt qu'il en a eu connaissance. Il semblait donc indubitable qu'après de telles démarches le Gouvernement du Rio de Janeiro ne se refuserait pas à les admettre explicitement. Si Sa Majesté Très Fidèle avait décidé retarder la négociation, s'il n'était animé du désir bien sincère d'accélérer au contraire la négociation entre les Deux Pays, il n'aurait eu qu'un motif trop juste d'attendre des assurances positives du Gouvernement du Rio de Janeiro, sur l'admission des bases qui lui avaient été présentées. Cependant, aussitôt qu'il apprit que les Plénipotentiaires Brésiliens étaient arrivés en Angleterre, il nomma un Plénipotentiaire pour entrer en négociations avec eux. On se rappellera sans doute que le Plénipotentiaire Portugais étant encore dans l'incertitude sur la résolution du Gouvernement du Rio de Janeiro, à l'égard des bases qui lui avaient été présentées, et ayant seulement l'espoir qu'elles seraient adoptées par lui, a declaré positivement que l'expédition qui se préparait en Portugal ne mettrait à la voile que dans le cas de la rupture de la négociation, ou du renouvellement, ou continuation des hostilités. «On a vu cependant, dans les premières conférences que MM. les Plénipotentiaires du Brésil ne se conformaient point au principe de mettre de côté la reconnaissance de l'indépendance du Brésil, et d'après cela il aurait peut-être été du devoir du Plénipotentiaire Portugais d'arrêter aussitôt la négociation. Mais tout en maintenant les droits légitimes et incontestables de Son Souverain, le Plénipotentiaire Portugais a encore facilité la marche de la négociation en se persuadant d'après quelques explications d'une nature plus conciliante de MM. les Plénipotentiaires du Brésil, qu'il serait possible de s'entendre avec eux sur les bases d'un arrangement avantageux aux deux Pays, puisque Sa Majesté Très Fidèle, qui avait déjà antérieurement et par un acte spontanée élevé le Brésil à la Catégorie de Royaume, était toujours disposé à lui en confirmer les avantages en lui accordant une administration tout à fait indépendante. C'est lorsque la négociation marchait vers ce but que l'on reçut la nouvelle de la condamnation du Brick Portugais Voador. Elle n'a pu que produire une impression très défavorable dans l'esprit de MM. les Plénipotentiaires d'Angleterre et d'Autriche, et aurait justifié pleinement le Plénipotentiaire Portugais de rompre la négociation. Cependant, voulant toujours montrer à quel point Sa Majesté Très Fidèle portait sa modération, le Plénipotentiaire Portugais a consenti encore à suivre la négociation, lorsque l'on eut connaissance des Réponses peu favorables que le Gouvernement du Rio de Janeiro a faites aux Représentations qui lui furent adressées par ordre du Cabinet Britanique. On observera d'abord que le Ministre du Rio de Janeiro avait répondu aux premières Représentations que M. Chamberlain lui a faites pour l'engager à faire cesser les hostilités contre les Portugais, que le Gouvernement du Rio de Janeiro avait donné toutes les Instructions nécessaires à ses Plénipotentiaires en Angleterre. Mais lorsqu'ils furent interpellés par le Plénipotentiaire Portugais, ils répondirent simplement à la première conférence que les hostilités avaient cessé de fait, et se refusèrent à faire une déclaration positive à cet égard, en ajoutant qu'ils en écriraient de nouveau à leur Gouvernement. Une seconde démarche, plus positive encore que la première ayant été faite par M. Chamberlain auprès du Gouvernement du Rio de Janeiro, auquel il a représenté que ce Gouvernement ne pourrait avec justice ni avec prudence se refuser á l'ouverture qui lui était faite par la mère patrie, on aurait dû croire qu'à la suite d'une intervention aussi puissante il aurait muni les Plénipotentiaires d'instructions satisfaisantes, d'autant plus que le Gouvernement du Rio de Janeiro s'était rapporté de nouveau aux explications que donneraient MM. les Plénipotentiaires Brésiliens. Lorsque ceux-ci furent interpellés ils ont dit seulement: «1^o Quant à la cessation des hostilités, que le Gouvernement du Rio de Janeiro n'attaquerait point les Colonies Portugaises, ce qui ne revient pas à une déclaration positive qu'il ferait cesser toutes sortes d'hostilités contre les Portugais. «2^o Quant au rétablissement des relations de Commerce, MM. les Plénipotentiaires Brésiliens ont déclaré seulement que le Gouvernement du Rio de Janeiro le faciliterait avec les précautions qu'exigeait l'opinion publique au Brésil, ce qui revient à dire que le Commerce direct ne serait point rétabli. «3^o Pour ce qui regarde le séquestre des Propriétés Portugaises, MM. les Plénipotentiaires Brésiliens ont dit qu'il ne serait point continué, quoiqu'il soit connu de tout le monde qu'il n'existait plus alors des Propriétés Portugaises au Brésil. Mais ils n'ont rien déclaré sur l'indemnisation des propriétés qui avaient été séquestrées et n'ont donné aucune explication sur la condamnation du Brick Voador. Condamnation contraire aux principes du Droit des Gens reconnus même parmi les nations les moins civilisées, et d'autant plus extraordinaire qu'elle a été faite au moment où l'on savait que la négociation était ouverte à Londres. «Le Plénipotentiaire Portugais croit inutile d'entrer dans un plus grand développement de ces faits pour mettre en évidence toutes les facilités que le Roi Son Auguste Maître a données pour parvenir à conclure un arrangement qui put réconcilier les deux pays tandis que de la part du Gouvernement du Rio de Janeiro, on n'a insisté que sur un seul point sans même annoncer quelles seraient les concessions qu'il serait disposé à faire pour l'obtenir. «Sa Majesté Très Fidèle aurait pu s'en tenir à ce qu'il a fait jusqu'ici et attendre, avant de faire de nouvelles propositions, que le Prince Royal proposât lui-même les bases d'un accommodement compatible avec la dignité du Roi Son Auguste Père. Mais mettant encore de côté toutes ces considérations et voulant donner une preuve encore plus évidente de sa modération, Sa Majesté a ordonné à son Plénipotentiaire de présenter à MM. les Plénipotentiaires Brésiliens l'esquisse d'un acte de Réconciliation aussi honorable qu'avantageux pour les deux Pays. MM. les Plénipotentiaires de l'Autriche et de l'Angleterre ne pourront que rendre justice à la modération qui règne dans tous les articles du Projet que l'on propose, et à l'esprit de conciliation que Sa Majesté Très Fidèle a fait voir dans tous le cours de cette négociation. C'est dans cette conviction que le Plénipotentiaire Portugais réclame de MM. les Plénipotentiaires d'Autriche et d'Angleterre leur appui efficace en faveur de l'acte de Réconciliation qu'il présente à MM. les Plénipotentiaires Brésiliens.» Sur quoi l'Esquisse de cet acte a été délivrée, et des Copies en ont été données à MM. les Plénipotentiaires de l'Autriche et de la Grande-Bretagne et la séance a été levée. DOCUMENTO N^o 12 _Officio de Caldeira Brant e Gameiro Pessoa a Mr George Canning e ao Principe Esterhazy e barão de Neumann._ Monsieur, Le retard que nous avons éprouvé depuis le 11 Novembre dernier à être invités à une conférence, et la nouvelle du prochain départ d'un des plus distingués Diplomates Anglais (Sir Charles Stuart) qui doit se rendre à Rio-Janeiro, chargé d'une mission spéciale, nous ont fait sentir la nécessité de ne pas tarder plus longtemps à nous expliquer sur le Contre-Projet de Traité présenté par M. le Plénipotentiaire Portugais dans la dernière Conférence, et nous avons pris le parti de le faire au moyen du présent office.--Votre Excellence sait très bien que nous ne nous sommes décidés à entrer en négociation avec le Plénipotentiaire Portugais, et à profiter des bons offices des Deux Hautes Puissances qui ont bien voulu nous les accorder, que sur la seule base de la reconnaissance de l'indépendance absolue et de la souveraineté du Brésil; et comme le Projet de Traité en question est tout à fait contraire à cette base, notre devoir nous prescrit de ne pas l'accepter; ce que nous faisons avec d'autant plus d'assurance, que nous savons que notre Gouvernement a déjà prononcé sur lui un rejet péremptoire et formel, quand le Ministère Portugais, oubliant les égards qui étaient dus aux Cours Médiatrices, l'a porté à sa connaissance par l'entremise d'un agent secret qu'il a envoyé à Rio-Janeiro au mois de Juin dernier.--Nous prions donc Votre Excellence de vouloir bien, de concert avec MM. les Plénipotentiaires Autrichiens, communiquer à M. le Plénipotentiaire Portugais la résolution définitive que nous avons prise de rejeter le Contre-Projet de Traité qu'il nous a présenté. Et comme nous sentons que la dignité du Brésil ne permet pas la continuation d'une négociation déjà trop prolongée, et qui sous les puissants auspices des Cours de Londres et de Vienne n'a pas pu être amenée à une fin honorable pour les deux Pays, nous nous sommes décidés, en outre, à discontinuer la négociation dès à présent.--Mais si les efforts réunis des Deux Hautes Puissances n'ont pas été couronnés d'un complet succès, le Gouvernement Brésilien n'en est pas moins reconnaissant. Et nous nous estimons heureux d'être l'organe des sentiments de vive gratitude dont il est pénétré envers les Deux Cours Médiatrices. En même temps nous vous prions d'agréer nos remerciements personnels et les assurances de la très haute considération avec laquelle nous avons l'honneur d'être, Londres, ce 10 Février 1825. Le Général Brant. Le Chevalier Gameiro. Son Excellence le Très Honorable George Canning, Principal Secrétaire d'Etat au Département des Affaires Étrangères. Nesta mesma conformidade e data se officiou aos Plenipotenciarios Austriacos (o Principe d'Esterhazy, e o Barão de Neumann). DOCUMENTO N^o 12 A _Resposta do Principe Esterhazy e barão de Neumann ao precedente Officio_. Messieurs, Nous avons reçu la Communication en date du 10 décembre que Vous nous avez fait l'honneur de nous adresser, à l'effet de Vous expliquer sur le Contre-projet présenté à la Conférence du 11 Novembre dernier, par M. le Plénipotentiaire Portugais, en suite d'ordre de sa Cour. Si la détermination que Vous avez prise n'a pu manquer de nous causer des vifs régrêts, nous devons croire qu'il Vous aura été impossible de l'éviter. Nous n'avons sous ce point aucune observation à faire; il n'en est pas de mème d'un passage de la dite Communication par lequel vous déclarez que les bons offices des Puissances médiatrices n'ont été acceptés par Vous que sur la base de la reconnaissance et de l'indépendance absolue du Brésil, tandis qu'il a été convenu d'un commun accord que la négociation s'entamerait sans toucher l'objet du droit de souveraineté d'un côté et de l'indépendance de l'autre: s'il avait pu exister le moindre doute sur la position de l'Autriche à cet égard, la déclaration réservée au Protocole du 11 et 12 Août 1824 aurait dû les dissiper. Nous saisissons cette occasion, Messieurs, pour rendre une justice entière à l'esprit de Conciliation que Vous avez déployé dans plus d'une occasion, et nous ne manquerons point de l'exposer sous son véritable jour à notre Auguste Cour. Veuillez agréer l'assurance de notre Considération très distinguée. Chandos House, le 14 Février 1825. Esterhazy, Neumann. A M. le Général BRANT et M. le Chevalier de Gameiro. DOCUMENTOS N^{os} 13, 14, 15 e 16 N^o 13 _Tratado de Paz, e Alliança entre o Senhor D. Pedro I, Imperador do Brazil, e D. João, Rei de Portugal, assignado no Rio de Janeiro em 29 de Agosto de 1825, e ratificado por parte do Brazil em 30 do dito mez, e pela de Portugal em 15 de Novembro do mesmo anno._ Em Nome da Santissima e Indivisivel Trindade, Sua Magestade Fidelissima Tendo constantemente no Seu Real Animo os mais vivos desejos de restabelecer a Paz, Amisade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vinculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpetua alliança, para Conseguir tão importantes fins, Promover a prosperidade geral, e Segurar a existencia politica, e os destinos futuros de Portugal, assim como os do Brazil, e Querendo de uma vez remover todos os obstaculos, que possão impedir a dita Alliança, Concordia, et Felicidade de um, e outro Estado, por seu Diploma de treze de Maio do corrente anno, Reconheceu o Brazil na Cathegoria de Imperio Independente, e separado dos Reinos de Portugal, e Algarves, e a Seu sobre todos muito Amado, e Prezado Filho Dom Pedro por Imperador, Cedendo, e Transferindo de Sua livre Vontade a Soberania do dito Imperio ao Mesmo Seu Filho, e Seus Legitimos Successores, e Tomando sómente, e Reservando para a Sua Pessoa o mesmo Titulo. E estes Augustos Senhores, Acceitando a Mediação de Sua Magestade Britannica para o ajuste de toda a questão incidente á separação dos dous Estados, Tem Nomeado Plenipotenciarios, a saber: Sua Magestade Imperial ao Illustrissimo e Excellentissimo Luiz José de Carvalho e Mello, do Conselho de Estado, Dignitario da Imperial Ordem do Cruzeiro, Commendador das Ordens de Christo, e da Conceição, e Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros; ao Illustrissimo e Excellentissimo Barão de Santo Amaro, Grande do Imperio, do Conselho de Estado, Gentil-Homem da Imperial Camara, Dignitario da Ordem do Cruzeiro, e Commendador das Ordens de Christo, e da Torre e Espada; e ao Illustrissimo e Excellentissimo Francisco Villela Barbosa, do Conselho de Estado, Grão Cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro, Cavalleiro da Ordem de Christo, Coronel do Imperial Corpo de Engenheiros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, e Inspector Geral da Marinha. Sua Magestade Fidelissima ao Illustrissimo e Excellentissimo Cavalheiro Sir Carlos Stuart, Conselheiro Privado de Sua Magestade Britannica, Grão Cruz da Ordem da Torre e Espada, e da Ordem do Banho. E vistos e trocados os Seos Plenos Poderes, convierão em que, na conformidade dos principios expressados n'este Preambulo, se formasse o presente Tratado. Artigo I Sua Magestade Fidelissima Reconhece o Brazil na Cathegoria de Imperio Independente, e Separado dos Reinos de Portugal e Algarves; e a Seo sobre todos muito Amado, e Prezado Filho Dom Pedro por Imperador, Cedendo, e Transferindo de Sua Livre Vontade a Soberania do dito Imperio ao Mesmo Seo Filho, e a Seos Legitimos Successores. Sua Magestade Fidelissima Toma sómente, e Reserva para a sua Pessoa o mesmo Titulo. Artigo II Sua Magestade Imperial, em reconhecimento de Respeito, e Amor a Seo Augusto Pai o Senhor Dom João VI, Annue a que Sua Magestade Fidelissima Tome para a Sua Pessoa o Titulo de Imperador. Artigo III Sua Magestade Imperial Promette não Acceitar proposições de quaesquer Colonias Portuguezas para se reunirem ao Imperio do Brazil. Artigo IV Haverá d'ora em diante Paz e Alliança, e a mais perfeita amizade entre o Imperio do Brazil, e os Reinos de Portugal, e Algarves, com total esquecimento das desavenças passadas entre os Povos respectivos. Artigo V Os Subditos de ambas as Nações, Brazileira, e Portugueza, serão considerados, e tratados nos respectivos Estados como os da Nação mais favorecida e Amiga, e Seos direitos, e propriedades religiosamente guardados e protegidos; ficando entendido que os actuaes possuidores de bens de raiz serão mantidos na posse pacifica dos seus bens. Artigo VI Toda a propriedade de bens de raiz ou moveis, e acções, sequestradas ou confiscadas, pertencentes aos Subditos de Ambos os Soberanos, do Brazil, e Portugal, serão restituidas, assim como os seus rendimentos passados, deduzidas as despezas da Administração, ou seos proprietarios indemnisados reciprocamente pela maneira declarada no Artigo oitavo. Artigo VII Todos as Embarcações, e cargas apresadas, pertencentes aos Subditos de Ambos os Soberanos, serão semelhantemente restituidas, ou seos proprietarios indemnisados. Artigo VIII Huma Commissão nomeada por Ambos os Governos, composta de Brazileiros, e Portuguezes em numero igual, e estabelecida onde os respectivos Governos julgarem por mais conveniente, será encarregada de examinar a materia dos Artigos Sexto e Setimo; entendendo-se que as reclamações deverão ser feitas dentro do prazo de um anno, depois de formada a Commissão, e que no caso de empate nos votos será decidida a questão pelo Representante do Soberano Mediador. Ambos os Governos indicarão os fundos, por onde se hão de pagar as primeiras reclamações liquidas. Artigo IX Todas as reclamações publicas de Governo a Governo serão reciprocamente recebidas, e decididas, ou com a restituição dos objectos reclamados, ou com uma indemnisação do seo justo valor. Para o ajuste destas reclamações, Ambas as Altas Partes Contratantes Convierão em fazer huma Convenção directa, e especial. Artigo X Serão restabelecidas desde logo as relações de Commercio entre Ambas as Nações, Brazileira, e Portugueza, pagando reciprocamente todas as mercadorias quinze por cento de direitos de consumo provisoriamente, ficando os direitos de baldeação e reexportação da mesma fórma, que se praticava antes da separação. Artigo XI A reciproca Troca das Ratificações do presente Tratado se fará na Cidade de Lisboa, dentro do espaço de cinco mezes, ou mais breve, se fôr possivel, contados do dia da assignatura do presente Tratado. Em testemunho do que Nós abaixo assignados, Plenipotenciarios de Sua Magestade Imperial, e de Sua Magestade Fidelissima, em virtude dos nossos respectivos Plenos Poderes, assignamos o presente Tratado com os nossos punhos, e lhe fizemos pôr os Sellos das nossas Armas. Feito na Cidade do Rio de Janeiro, aos vinte e nove dias do mez de Agosto do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e vinte cinco. (Assignados).--L. S. Luiz José de Carvalho e Mello.--L. S. Barão de Santo Amaro.--L. S. Francisco Villela Barbosa.--L. S. Charles Stuart. E sendo-Nos presente o mesmo Tratado, cujo theor fica acima inserido, e sendo bem visto, considerado, e examinado por Nós tudo o que nelle se contem, Tendo, ouvido o Nosso Conselho de Estado, o Approvamos Ratificamos, e Confirmamos assim no todo, como em cada hum dos seos artigos, e estipulações, e pela presente o Damos por firme e valioso para sempre. Promettendo em Fé e Palavra Imperial observal-o, e cumpril-o inviolavelmente, e Fazel-o cumprir e observar por qualquer modo que possa ser. Em testemunho e firmeza do sobredito Fizemos passar a presente Carta por Nós assignada, passada com o Sello Grande das Armas do Imperio, e referendada pelo Nosso Ministro e Secretario de Estado abaixo assignado. Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos trinta dias do mez de Agosto do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e vinte cinco.--Pedro, Imperador, _Com Guarda_.--Luiz José de Carvalho e Mello. N^o 14 _Carta de Lei pela qual El-Rei o Senhor dom João VI manda publicar, e cumprir a Ratificação de Tratado de Amisade, e Alliança de 29 de Agosto de 1825, entre Portugal e o Brazil, dada em Lisboa a 15 de Novembro do dito anno._ Dom João, por graça de Deus, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brazil, e Algarves, etc., etc. Aos Vassallos de todos os Estados dos Meus Reinos e Senhorios, Saude. Faço saber aos que esta Carta de Lei virem: Que pela minha Carta Patente, dada em o dia 13 de Maio do corrente anno, Fui servido tomar em minha alta consideração quanto convinha, e se tornava necessario ao serviço de Deus, e ao bem de todos os povos que a Divina Providencia confiou a Minha Soberana direcção, pôr termo aos males e dissensões que teem occorrido no Brazil, em gravissimo damno e perda, tanto dos seus naturaes, como dos de Portugal e seus dominios, o Meu Paternal desvelo se occupou constantemente de considerar quanto convinha restabelecer a paz, amisade, e boa harmonia entre os povos irmãos, que os vinculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpetua alliança. Para conseguir tão importantes fins, promover a prosperidade geral, e segurar a existencia politica, e os destinos futuros dos Reinos de Portugal, e Algarves, assim como os do Reino do Brazil, que com prazer elevei a essa dignidade, preeminencia, e denominação, por Carta de Lei de 16 de Dezembro de 1815, em consequencia do que me prestarão depois os seus habitantes novo juramento de fidelidade no acto solemne da minha acclamação em a Côrte do Rio de Janeiro: Querendo de uma vez remover todos os obstaculos que pudessem impedir, e oppôr-se a dita alliança, concordia, e felicidade de um e outro Reino, qual pai desvelado que só cura do melhor estabelecimento de seus filhos: Houve por bem ceder, e transmittir em meu sobre todos muito amado, e prezado filho Dom Pedro de Alcantara, Herdeiro, e Successor destes Reinos, Meus direitos sobre aquelle paiz, creando, e reconhecendo sua independencia com o titulo de Imperio, reservando-me todavia o titulo de Imperador do Brazil. Meus designios sobre este tão importante objecto se achão ajustados da maneira que consta do Tratado de amisade, e alliança, assignado em o Rio de Janeiro em o dia 29 de Agosto do presente anno, ratificado por mim no dia de hoje, e que vai ser patente a todos os Meus fieis vassallos, promovendo-se por elle os bens, vantagens e interesses de Meus povos, que é o cuidado mais urgente do Meu paternal coração. Em taes circumstancias, Sou servido assumir o titulo de Imperador do Brazil, reconhecendo o dito Meu sobre todos muito amado, e prezado filho Dom Pedro d'Alcantara, Principe Real de Portugal, e Algarves, com o mesmo titulo tambem de Imperador, e o exercicio de Soberania em todo o Imperio; e Mando que de ora em diante eu assim fique reconhecido com o tratamento correspondente a esta dignidade. Outrosim Ordeno que todas as Leis, Cartas Patentes, e quaesquer diplomas ou titulos, que se costumão expedir em o Meu Real Nome, sejão passados com a formula seguinte:--Dom João, por graça de Deus, Imperador do Brazil e Rei de Portugal e dos Algarves, d'áquem e d'alem mar, em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, etc.--E esta que desde já vai assignada com o titulo de Imperador, e Rei com guarda, se cumprirá tão inteiramente como n'ella se contém, sem duvida ou embargo algum, qualquer que elle seja. Para que mando á Mesa do Desembargo do Paço, etc., etc., Juizes, Magistrados, etc., a quem, e aos quaes o conhecimento d'esta em quaesquer casos pertencer, que a cumprão, guardem, e fação inteira e litteralmente cumprir, e guardar como n'ella se contem, sem hesitações ou interpretações que alterem as disposições d'ella, não obstante quaesquer Leis, Regimentos, Alvarás, Cartas Régias, Assentos intitulados de Côrtes, disposições ou estylos que em contrario se tenhão passado ou introduzido; porque todos, e todas de Meu motu proprio, certa sciencia, Poder Real, pleno e Supremo, Derogo e Hei por derogados, como se d'elles fizesse especial menção em todas as suas partes, não obstante a Ordenação que o contrario determina, a qual tambem Derogo para este effeito sómente, ficando aliás sempre em seu vigor. E ao Doutor João de Mattos e Vasconcellos Barbosa de Magalhães, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceller Mór d'estes Reinos, Mando que a faça publicar na Chancellaria, e que d'ella se remettão cópias a todos os Tribunaes, Cabeças de Comarca, e Villas d'estes Reinos e seus Dominios; registrando-se em todos os lugares onde se costumão registrar similhantes Leis, e mandando-se o original d'ella para a Torre do Tombo. Dada no Palacio de Mafra, aos 15 dias do mez de Novembro, anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1825.--Imperador e Rei. (Com guarda).--José Joaquim de Almeida e Araujo Corrêa de Lacerda. N^o 15 _Carta Patente (a que se refere a Carta de Lei de 15 de Novembro de 1825) pela qual El-Rei o Senhor D. João VI legitimou a Independencia Politica do Imperio do Brazil, resalvando formalmente a successão de S. Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro I a Corôa de Portugal; dada em Lisboa a 13 de Maio de 1825._ D. João, por Graça de Deus, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brazil e Algarves, d'áquem, e d'alem mar, em Africa Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da India, etc., etc. Faço saber aos que a presente Carta Patente virem que, considerando Eu quanto convém, e se torna necessario ao serviço de Deus, e ao bem de todos os povos que a Divina Providencia confiou á Minha Soberana direcção, pôr termo aos males e dissenções que teem occorrido no Brazil, em gravissimo damno, e perda, tanto dos seus naturaes, como dos de Portugal, e seus dominios: e Tendo constantemente no Meu Real animo os mais vivos desejos de restabelecer a paz, amizade, e boa harmonia entre povos irmãos, que os vinculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpetua alliança: para conseguir tão importantes fins, promover a prosperidade geral, e segurar a existencia politica, e os destinos dos Reinos de Portugal, e Algarves, assim como os do Brazil, que com prazer Elevei a essa dignidade, preeminencia, e denominação, por Carta de Lei de 16 de Dezembro de 1815, em consequencia do que me prestarão depois os seus habitantes novo juramento de fidelidade no acto solemne da Minha acclamação em a Côrte do Rio de Janeiro; Querendo de uma vez remover todos os obstaculos que possão impedir, e oppor-se á dita alliança, concordia, e felicidade de um, e outro Reino, qual Rei desvelado, que só cura do melhor estabelecimento de seus filhos: Sou servido, a exemplo do que praticárão os Senhores Reis D. Affonso V, e D. Manoel, Meus Gloriosos predecessores, e outros Soberanos da Europa, ordenar o seguinte: O Reino do Brazil será d'aqui em diante tido, havido, e reconhecido com a denominação de Imperio, em lugar da de Reino, que antes tinha; Consequentemente Tomo, e Estabeleço para Mim, e para os Meus Successores, o titulo, e dignidade de Imperador do Brazil, e Rei de Portugal e Algarves, aos quaes se seguirão os mais titulos inherentes á Corôa destes Reinos. O titulo de Principe ou Princeza Imperial do Brazil, e Real de Portugal e Algarves, será conferido ao Principe ou Princeza, herdeiro ou herdeira das duas Corôas Imperial e Real. A administração, tanto interna como externa, do Imperio do Brazil, será distincta, e separada da administração dos Reinos de Portugal, e Algarves, bem como a destes da daquelle. E por a successão das duas Corôas, Imperial, e Real, directamente pertencer a Meu sobre todos muito amado, e prezado Filho o Principe D. Pedro, nelle, por este Meu Acto, e Carta Patente, Cedo, e Transfiro já de Minha livre vontade o pleno exercicio da Soberania do Imperio do Brazil, para o governar, denominando-se Imperador do Brazil, e o de Rei de Portugal, e Algarves, com a plena Soberania destes dous Reinos, e seus dominios. Sou tambem servido, como Gram-Mestre, Governador, e perpetuo Administrador dos Mestrados, Cavallaria, e Ordens de Nosso Senhor Jesus Christo, de S. Bento de Aviz, e de S. Thiago da Espada, Delegar, como Delego, no dito Meu Filho, Imperador do Brazil, e Principe Real de Portugal, e Algarves, toda a jurisdicção, e poder para conferir os Beneficios da primeira Ordem, e os habitos de todas ellas no dito Imperio. Os naturaes do Reino de Portugal, e seus dominios serão considerados no Imperio do Brazil como Brazileiros, e os naturaes do Imperio do Brazil no Reino de Portugal, e seus dominios, como Portuguezes; conservando sempre Portugal os seus antigos fóros, liberdades, e louvaveis costumes. Para memoria, firmeza, e guarda de todo o referido, Mandei fazer duas Cartas Patentes deste mesmo teor, assignadas por Mim, e selladas com o Meu Sello grande; das quaes uma Mando entregar ao sobredito Meu Filho, Imperador do Brazil, e Principe Real de Portugal, e Algarves, e outra se conservará, e guardará na Torre de Tombo; e valerão ambas como se fossem Cartas passadas pela Chancellaria, posto que por ella não hajão de passar, sem embargo de toda, e qualquer legislação em contrario, que para esse fim Revogo como se della fizesse expressa mensão. Dada no Palacio da Bemposta, aos 13 do mez de Maio de 1825.--El-Rei, _Com Guarda_. N^o 16 _Convenção addicional ao Tratado de Amizade, e Alliança de 29 de Agosto de 1825 entre o Senhor Dom Pedro I Imperador do Brazil, e Dom João VI, Rei de Portugal, assignada no Rio de Janeiro naquella mesma data, e ratificada por parte do Brazil em 30 de Agosto, e pela de Portugal em 15 de Novembro do dito anno._ Em Nome da Santissima e Indivisivel Trindade. Havendo-se estabelecido no Artigo IX do Tratado de paz, e alliança, firmado na data desta, entre Portugal, e o Brazil, que as reclamações publicas de um a outro Governo serião reciprocamente recebidas e decididas, ou com a restituição dos objectos reclamados, ou com uma indemnisação equivalente, convindo-se em que, para o ajuste d'ellas, ambas as Altas Partes Contratantes farião uma Convenção directa, e especial; e, considerando-se depois ser o melhor meio de terminar esta questão o fixar-se, e ajustar-se desde logo em uma quantia certa, ficando extincto todo o direito para as reciprocas, e ulteriores reclamações de ambos os Governos: os abaixo assignados, o Illustrissimo e Excellentissimo Luiz José de Carvalho de Mello, do Conselho de Estado, Dignitario da Imperial Ordem do Cruzeiro, Commendador das Ordens de Christo, e da Conceição, e Ministro, e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros; o Illustrissimo e Excellentissimo Barão de Santo Amaro, Grande do Imperio, do Conselho de Estado, Gentil Homem da Imperial Camara, Dignitario da Imperial Ordem do Cruzeiro, e Commendador das Ordens de Christo, e da Torre, e Espada; o Illustrissimo e Excellentissimo Francisco Villela Barbosa, do Conselho de Estado, Grã Cruz da Imperial Ordem do Cruzeiro, Cavalleiro da Ordem de Christo, Coronel do Imperial Corpo de Engenheiros, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, e Inspector Geral da Marinha, Plenipotenciarios de Sua Magestade o Imperador do Brazil, debaixo da mediação de Sua Magestade Britannica, e Sir Charles Stuart, Conselheiro Privado de Sua Magestade Britannica, Grã Cruz da Ordem da Torre, e Espada, Plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal, e Algarves; convierão, em virtude dos seus plenos poderes respectivos, em os Artigos seguintes: Artigo I Sua Magestade Imperial convem, á vista das reclamações apresentadas de Governo a Governo, em dar ao de Portugal a somma de dous milhões de libras esterlinas; ficando com esta somma extinctas de ambas as partes todas e quaesquer outras reclamações, assim como todo o direito a indemnisações desta natureza. Artigo II Para o pagamento desta quantia toma Sua Magestade Imperial sobre o Thesouro do Brazil o emprestimo que Portugal tem contrahido em Londres no mez de Outubro de mil oitocentos e vinte e tres, pagando o restante, para prefazer os sobreditos dous milhões esterlinos, no prazo de um anno, a quarteis, depois da ratificação, e publicação da presente Convenção. Artigo III Ficão exceptuadas da regra estabelecida no Artigo I desta Convenção as reclamações reciprocas sobre transporte de tropas, e despezas com as mesmas tropas. Para liquidação d'estas reclamações haverá uma Commissão mixta, formada, e regulada pela mesma maneira que se acha estabelecido no Artigo VIII do Tratado de que acima se faz menção. Artigo IV A presente Convenção será ratificada, e a mutua troca das ratificações se fará na Cidade de Lisboa dentro do espaço de cinco mezes, ou mais breve se fôr possivel. Em testemunho do que, nós abaixo assignados, Plenipotenciarios de Sua Magestade El-Rei de Portugal, e de Sua Magestade O Imperador do Brazil, em virtude dos nossos respectivos plenos poderes, assignámos a presente Convenção, e lhe fizemos pôr os Sellos das nossas Armas. Feita na Cidade do Rio de Janeiro, aos 29 dias do mez de Agosto de 1825.--(L. S.) Luiz José de Carvalho e Mello.--(L. S.) Barão de Santo Amaro.--(L. S.) Francisco Villela Barbosa.--(L. S.) Charles Stuart. _Carta Regia pela qual El-Rei o Senhor Dom Pedro IV. Abdicou a Corôa Portugueza a favor da Sua Filha a Senhora Princeza Dona Maria da Gloria, dada no Rio de Janeiro a 2 de Maio de 1826[77]._ Dom Pedro, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'aquem e d'além mar, em Africa Senhor de Guiné, da Conquista, Navegação e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, etc. Faço saber a todos os Meus Subditos Portuguezes, que, sendo incompativel com os interesses do Imperio do Brazil, e os do Reino de Portugal, que Eu continue a ser Rei de Portugal, Algarves, e Seus Dominios, e Querendo facilitar aos ditos Reinos quanto em Mim couber: Hei por bem, de Meu motu proprio, e livre vontade, abdicar, e ceder de todos os indisputaveis, e inauferiveis Direitos que tenho á Corôa da Monarchia Portugueza, e á Soberania dos mesmos Reinos, na pessoa da Minha sobre todas muito amada, prezada, e querida Filha, a Princeza do Gram Pará Dona Maria da Gloria, para que Ella, como Sua Rainha Reinante, os governe independentes d'este Imperio, e pela Constituição que Eu Houve por bem decretar, dar e mandar jurar por Minha Carta de Lei de 29 de Abril do corrente anno; e outrosim Sou Servido declarar que a dita Minha Filha, Rainha Reinante de Portugal, não sahirá do Imperio do Brazil sem que Me conste officialmente que a Constituição foi jurada conforme Eu ordenei, e sem que os Esponsaes do Casamento, que Pretendo fazer-lhe com o Meu muito amado e prezado Irmão, o Infante Dom Miguel, estejão feitos, e o casamento concluido; e esta Minha Abdicação e Cessão não se verificará, se faltar qualquer d'estas duas condições. Pelo que Mando a todas as auctoridades, a que o conhecimento d'esta Minha Carta de Lei pertencer, a fação publicar para que conste a todos os Meus Subditos Portuguezes esta Minha deliberação. A Regencia desses Meus Reinos e Dominios, assim o tenha entendido e a faça imprimir, e publicar do modo mais authentico, para que se cumpra inteiramente o que n'ella se contém, e valerá por Carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não ha de passar, sem embargo da Ordenação em contrario, que sómente para este effeito Hei por bem derogar, ficando aliás em seu vigor, não obstante a falta de referenda, e mais formalidades do estylo que igualmente Sou Servido dispensar. Dada no Palacio do Rio de Janeiro, aos 2 dias do mez de Maio do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1826.--El-Rei, Com Guarda. INDICE I A Europa e o reconhecimento 1 Papel da esquadra na Independencia 2 Aberturas de reconciliação 3 Nomeação de Brant e Gameiro 4 Expedições armadas na Inglaterra 5 Encarregatura de negocios de Hyppolito 6 Instrucções a Gameiro 7 Posição diplomatica do Brazil 9 Justificação da Independencia 10 A mediação ingleza suggerida 11 A Austria igualmente medianeira 12 Canning resolve a questão da mediação ou bons officios 13 Canning como interventor a pedido 14 Benevolencia da Austria 16 Hostilidade da Santa Alliança. A Inglaterra e a Austria em pontos de vista diversos 17 Metternich e a Constituição Brazileira 18 A orientação franceza sob os Bourbons 18 Largos planos de Chateaubriand 19 A França no Novo Mundo 20 Inconvenientes para o partido da reacção de uma solução amigavel do conflicto luso-brazileiro 22 Embaraços creados pelo partido da reacção 23 Evolução liberal na Inglaterra e papel de Canning na politica européa 24 O conservantismo de Lord Castlereagh 25 Castlereagh e a emancipação do Novo Mundo 26 Metternich e o Foreign Office 27 Era Canning um democrata? 28 Canning e Jorge IV 30 Influencia de Canning no partido e sua independencia de opiniões 32 Perfil intellectual e politico de Canning 33 Pitt e Canning 35 A libertação da America Latina 35 II O commercio britannico favoravel ao reconhecimento 37 Differente proceder de Canning para com Portugal e a Hespanha 38 Emancipação das colonias hespanholas da America 39 Emissarios inglezes na America Hespanhola 43 Offerecimento pela Grã Bretanha á Hespanha da sua mediação 44 A doutrina de Monroe e a parte que n'ella cabe a Canning 45 Opportunidade do reconhecimento da America Hespanhola 46 Influxo dos Estados Unidos 47 Canning e as monarchias absolutas 48 Condições de neutralidade no reconhecimento da America Hespanhola 49 Canning entre Portugal e Brazil 50 Interesse de Canning no reconhecimento do Imperio 51 Delongas de Portugal 52 Instabilidade politica no Brazil. Os Andradas e o sentimento liberal 53 Portugal invoca em Londres os antigos tratados de alliança 54 A Chancellaria Brazileira discute o appello portuguez 56 Concessões do Imperio 59 A opinião publica e a suspensão das hostilidades 61 Solidez da Independencia 62 Conveniencia de transferir para Londres a séde das negociações 63 A personalidade do Imperador 65 A fibra militar 67 Os plenipotenciarios brazileiros 67 A questão do reconhecimento 69 A successão da corôa portugueza 70 III Primeiros passos de Brant e Gameiro 73 Carta ao marquez de Palmella 74 Resposta do Governo Portuguez 75 Palmella no ministerio 75 Inclinações francezas de Subserra 76 Desafio de honrarias: o Santo Espirito e a Jarreteira 77 Tergiversação da Côrte de Lisboa 78 Attitude do ministro Villa Real na troca dos plenos poderes 79 A Abrilada 80 Pressa da Inglaterra com relação ao reconhecimento 80 A questão do trafico de escravos desde 1810 81 O Brazil e a escravidão 84 A missão Amherst ao Rio de Janeiro. O trafico e José Bonifacio 85 Instrucções secretas de Brant e Gameiro sobre o trafico 87 A França e a Grã Bretanha na Peninsula Iberica 90 Partido tirado pelos politicos brazileiros das rivalidades internacionaes 91 Acção dos enviados brazileiros junto a Canning 93 Esboço de tratado formulado por Brant e Gameiro 94 Canning e a successão 94 Exigencias previas de Villa Real na primeira conferencia do Foreign Office 94 A suspensão das hostilidades 95 Expedição portugueza ao Rio de Janeiro 95 Segunda conferencia no Foreign Office. Canning assume a tarefa de redigir um projecto de tratado 96 IV Fraqueza dos recursos militares do Reino. Papel glorioso da marinha nacional 98 As prezas de Lord Cochrane 100 Entrevista confidencial de Villa Real com os enviados brazileiros 100 Novas conferencias no Foreign Office. Má vontade da Austria. Juizo de Metternich sobre Canning 102 Projecto de tratado apresentado por George Canning 103 Insistencias de Villa Real e evasivas de Brant e Gameiro 104 Espirito de rebellião no Brazil 105 Aspecto moral da capital brazileira 107 Recusa para a transmissão do projecto Canning 109 Canning transmitte seu proprio projecto de tratado para Lisboa 110 Solicitude de Canning pelas negociações 111 Affazeres da Legação 112 Emprestimo brazileiro prejudicado pela revolução pernambucana de 1824. Esperanças portuguezas. Fuga de Manoel de Carvalho 113 Brant e Gameiro recebem novas instrucções. O armisticio e a successão ao throno portuguez 116 Pretenções portuguezas a suzerania. Vantagens commerciaes offerecidas pelo Brazil 120 Opposição portugueza. Idéas de Palmella. Sympathia de Canning 122 Contra-projecto portuguez 123 Esforços dos enviados brazileiros em favor da paz. Correspondencia entre Brant e Palmella 125 Observações da Chancellaria Brazileira ao projecto de Canning 127 V Communicação official do contra-projecto. Preparativos de guerra 130 Relações commerciaes do Brazil com a Inglaterra. Opposição de Wellington e Eldon ao reconhecimento 131 A questão do pau brazil 133 Opposição da maioria do gabinete e do Rei ás idéas de Canning 134 Reconciliação do Rei com o seu Secretario de Estado 136 Influencía da Santa Alliança em Lisboa. Mudança benevola para com o Brazil na attitude da Austria. Intriga de Metternich 138 Cordialidade de relações entre Esterhazy e Canning. A Santa Alliança e o reconhecimento das republicas hespanholas 139 A Austria abandona Portugal. Palmella e Subserra mandam ao Rio um emissario secreto. O Imperador e as negociações clandestinas 141 Brant e Gameiro exploram o despacho do emissario. Brant preconiza uma guerra economica 143 O Brazil recusa declarar a cessação das hostilidades 144 Desavença entre Villa Real e os enviados brazileiros. Subsequente reconciliação 145 Desunião moral entre Portugal e Brazil. Razões d'este estado de espirito 147 O papel de D. Miguel. Palmella e Subserra 150 Resolução de Canning 152 Bons conselhos de Canning 154 O reconhecimento em França 156 Interesses britannicos na America Latina 159 Palmella e a Santa Alliança. Replica de Canning ao contra-projecto 160 Intrigas francezas em Lisboa. Hyde de Neuville 162 Linguagem de Canning para o Brazil 163 Circular do Governo Portuguez 164 Deliberação de Canning com relação ao reconhecimento das republicas hespanholas. Despeito de Brant e Gameiro 166 Jubilo dos nossos enviados. Missão de Sir Charles Stuart 169 Canning concilia a Austria. Brant e Gameiro rejeitam o contra-projecto 173 Natureza da missão de Sir Charles Stuart 174 Portugal perde a opportunidade de fazer o reconhecimento. Carta de Brant a D. Miguel de Mello 176 Politica pratica da Inglaterra. Dissimulações de Metternich 177 Urgencia do reconhecimento 178 Resposta de D. Miguel de Mello 179 Mudança radical em Metternich 180 Os adversarios de Canning na sua politica latino-americana. A Austria, a França e a Russia 182 VI Sir William A' Court, embaixador em Lisboa 187 Chegada de Sir Charles Stuart a Lisboa. Inicio das negociações 189 Instrucções de Canning 191 As negociações e as potencias continentaes 194 O reconhecimento na Europa e na America Latina 197 A entrevista de Combe Wood 198 A Carta Regia. Partida de Sir Charles para o Rio de Janeiro 199 A Carta Regia julgada em Londres 201 A Inglaterra no caso de mallogro das negociações do Rio 204 Opiniões de Neumann 205 A missão Stuart e a nossa Secretaria de Estrangeiros 207 Partida de Brant para o Brazil. Gameiro e Palmella em Londres 210 Perfil de Palmella. Razões da sua popularidade em Londres 212 Palmella e a Independencia do Brazil 215 Palmella, a demissão de Subserra e a agitação de Hyde de Neuville 218 VII Chegada de Sir Charles Stuart ao Brazil. Acolhimento imperial. Nomeação dos plenipotenciarios brazileiros 223 A situação do Imperio com relação a Buenos Ayres 224 A Inglaterra e a politica platina do Brazil 226 Idéas de Gameiro sobre a questão de Montevidéo 228 Buenos Ayres igualmente solicita a intervenção ingleza 231 As negociações no Rio de Janeiro 232 O tratado e convenção de 29 de Agosto de 1825 240 Ratificação do Tratado e Convenção 245 Palmella e os tratados entre Portugal e Inglaterra 245 Sir Charles Stuart e o tratado de commercio com a Grã Bretanha 247 VIII O tratado luso-brazileiro julgado em Londres 249 O tratado em Portugal 251 O titulo imperial 252 Critica do tratado 253 O tratado no Brazil 254 Defeza do tratado por Sir Charles Stuart 256 Satisfacção de Canning com o tratado 258 Os tratados com a Grã-Bretanha. Sua não ratificação 260 Motivos da não ratificação. Os favores commerciaes 262 O direito de busco 263 A conservatoria Ingleza 266 Os reus de alta traição 267 A publicação dos tratados 268 Canning e Sir Charles Stuart 271 O texto dos tratados 273 Desvantagens dos tratados 277 D. João VI, Imperador do Brazil 279 Recebimento de Itabayana 281 IX O reconhecimento nas outras côrtes da Europa 283 A Austria 283 A França 288 A Santa Sé 293 O reconhecimento nas outras côrtes européas 299 X Fallecimento de Canning. Sua individualidade 306 Appendice 311 Paris.--Typ. H. Garnier, 6, rue des Saints-Pères. 302.2.1901. *Notas:* [1] Vide no Appendice o texto completo das instrucções mandadas a Gameiro (Doc. n^o 1). [2] Augustus Granville Stapleton, _George Canning and his times_, London 1859, pg. 501. [3] _The Greville Memoirs_, vol. 1, pgs 54, 55 e 107. [4] Carta a Sir Charles Bagot, embaixador em S. Petersburgo. No já citado discurso de Plymouth encontra-se o commentario d'aquella phrase nas seguintes palavras: «Senhores, eu penso que o meu coração bate tão pressuroso pelos interesses geraes da humanidade, que eu possuo uma disposição tão benevola para com as outras nações da terra, quanto aquelle que mais alto presa a sua philantropia. Rejubila-me porem confessar que no manejo dos negocios politicos o grande objecto da minha contemplação é o interesse da Inglaterra. [5] Rodrigo Octavio, da Acad. Braz.--_Felisberto Caldeira_, _Chronica dos tempos coloniaes_, Rio de Janeiro, 1900. [6] A. A. de Aguiar, _Vida do Marquez de Barbacena_, Rio de Janeiro, 1896. [7] Vide no Appendice a redacção adoptada, por julgada a mais anodina, da carta a Palmella (Doc. n^o 2). [8] Vide no Appendice, Doc. n^o 3. [9] Annexo XV do Acto final do Congresso de Vienna (1814-15). [10] Pereira Pinto, _Collecção dos Tratados_, Rio, 1864, vol. I, pg. 153. [11] Vide no Appendice o respectivo Protocollo (Doc. n^o 4). [12] O successor de José Bonifacio e de Carneiro de Campos (marquez de Caravellas) na pasta de Estrangeiros foi depois visconde da Cachoeira. [13] Vide Protocollo no Appendice (Doc. n^o 5). [14] Narrativa de serviços no libertar-se o Brazil da dominação portugueza, Londres, 1859. [15] Vide no Appendice os respectivos Protocollos (Doc. n^{os} 6 e 7). [16] Mémoires, Documents et Écrits divers laissés par le Prince de Metternich, Paris, 1881, vol. IV, page 225. [17] Vide no Appendice o texto dos dous projectos--o dos plenipotenciarios brazileiros e o de Canning--que se acham publicados, com bastantes incorrecções, na citada biographia do marquez de Barbacena (Doc. n^{os} 8 e 9). [18] Narrative of a visit to Brazil, Chile, Peru, and the Sandwich Islands during the years 1821, and 1822, London, 1825. [19] Some official Correspondence of George Canning, edited by Ed. J. Stapleton, London, 1887. [20] Despacho de 18 de Setembro de 1824. [21] Vide no Appendice o Doc. n^o 10. [22] Carta particular de 4 de Novembro ao Ministro de Estrangeiros do Brazil, na _Vida do Marquez de Barbacena_. [23] Carta de 7 de Agosto, pgs. 55 a 57 da ob. cit. [24] Despacho de 30 de Outubro de 1824. [25] Vide no Appendice o respectivo Protocollo (Doc. n^o 11). [26] The political life of the Right Honourable George Canning from his acceptance of the seals of the Foreign Department, in September 1822, to the period of his death, in August 1827. London, 1831, vol. II, cap. XI. [27] Carta de Canning a Lord Liverpool de 10 de Outubro de 1824. [28] Sir Charles Stuart foi em 1828 Lord Stuart de Rothesay. [29] Vide no Appendice o Doc. n^o 12, e sob o n^o 12 A a resposta de Esterhazy e Neumann. [30] Este archivo acha-se hoje depositado no Archivo Publico. [31] Some official Correspondence of George Canning. Edited, with notes, by Edward J. Stapleton, London, 1887, vol. 1, pg. 154. [32] Despachos e Correspondencia do Duque de Palmella, colligidos e publicados por J. J. dos Reis e Vasconcellos, Lisboa, 1851, tomo II. [33] Officio do Marquez de Palmella ao Conde de Porto Santo, aos 18 de Maio de 1825. [34] Maria Amalia Vaz de Carvalho, _Vida do Duque de Palmella_, Lisboa, 1898. [35] Notes of conversations with the Duke of Wellington, 1831-51, London, 1888. [36] Depois Lord Goderich e por pouco tempo Primeiro Ministro. [37] Despacho de 18 de Agosto de 1825. [38] Officio secreto de 14 de Setembro de 1825. [39] Despacho de 18 de Agosto de 1825. [40] Despacho cit. de 18 de Agosto. [41] É mister não esquecer que, comquanto seja sempre denominado no livro plenipotenciario britannico para maior clareza da exposição, Sir Charles Stuart agia comtudo n'este assumpto no caracter de plenipotenciario portuguez. [42] Vide no Appendice o Tratado e Convenção de 29 de Agosto, Alvará de 15 de Novembro e Carta Regia de 13 de Maio, reproduzidos da _Collecção_ de Pereira Pinto (Doc. n^{os} 13, 14, 15 e 16). [43] Officio secreto de 30 de Novembro de 1825. [44] As £ 250,000 foram pagas em Londres a 15 de Fevereiro de 1826, tendo D. João VI mandado para este fim ao seu Embaixador um Alvará de Procuração. [45] Despachos do Visconde de Paranaguá de 23 e 25 de Outubro de 1825. [46] Despacho de 3 de Setembro de 1825. [47] Armitage, _History of Brazil_, London, 1836, vol. I pg. 198. [48] 9 de Dezembro de 1825. [49] The Political Life of Canning, vol. III, cap. XV. [50] Os dous convenios não ratificados não figuram naturalmente na collecção dos British and Foreign State Papers, nem apparecem na Collecção dos Tratados de Pereira Pinto, que aliás os menciona na sua noticia historica relativa ao tratado de 1827. [51] 13 de Agosto de 1825. [52] Carta de Canning a Lord Granville, de 6 de Março de 1826. [53] O Diario Fluminense. [54] Canning refere-se á substituição de Sir Charles Stuart por Lord Granville na embaixada de Pariz, a qual o primeiro continuava a ambicionar. [55] Carta cit. de 6 de Março de 1826. [56] A. L. Pereira da Cunha. [57] José Egydio Alvares de Almeida, antigo secretario de D. João VI. [58] Encontra-se o texto nas duas linguas nos _British and Foreign State Papers_, 1826-27, pgs. 609 a 612. [59] Encontra-se o texto nas duas linguas nos _British and Foreign State Papers_, 1826-27, pgs. 1008 a 1025. [60] João Severiano Maciel da Costa. [61] Fernandes Pinheiro. [62] Souza Coutinho. [63] No dia 7 de Setembro de 1825 foi Caldeira Brant (Barbacena) nomeado pelo Imperador seu embaixador em Lisboa, para cumprimentar D. João VI depois da troca das ratificações. Declinou comtudo a honra, temendo que o acolhimento, que viesse a ser-lhe dispensado, não fosse muito cordial em vista do papel que desempenhára nas negociações de Londres. [64] Despacho do visconde de Paranaguá, encarregado interinamente da pasta de Estrangeiros, desde 4 de Outubro, data da sahida de Carvalho e Mello, até 22 de Novembro, data em que entrou para ella o visconde de Santo Amaro. [65] Allusão era aqui feita a um pequeno e serenado conflicto entre o Imperio e a Republica, no qual diz Canning que Bolivar tinha perfeita razão. Versára o conflicto sobre uma expedição de Matto Grosso ao territorio de Chiquitos, no Alto Perú. [66] O seguinte P. S. de uma cartinha de 25 de Junho de 1825, de Neumann a Gameiro, dará uma idéa d'essas relações: «Je vous offre une messe demain à défaut de mieux, car le Prince a pris avec lui l'homme le plus essentiel de l'Ambassade, je veux dire le cuisinier.» [67] A 22 de Janeiro de 1826, depois de effectuado o reconhecimento pela Austria, deu Telles da Silva, já então visconde de Rezende, um esplendido banquete em Vienna, ao qual assistiram o Infante D. Miguel, Metternich, os embaixadores das grandes potencias, quasi todos os ministros estrangeiros e os mais altos dignitarios da Côrte. D. Miguel que, escrevia Rezende a Itabayana, conversou com elle perto de duas horas («enchendome de satisfacção o ver as maneiras urbanas e até a instrucção que S. A. R. tem adquirido») bebeu a saude do Imperador do Brazil «e de todos os bons, fieis e zelosos servidores de Seu Augusto Irmão e verdadeiro amigo.» [68] Despacho de 12 de Março de 1824. [69] Despacho do V. de Paranaguá ao B. de Itabayana, em 14 de Novembro de 1825. [70] Encontra-se o texto nas duas linguas nos _British and Foreign State Papers_, 1825-26, London, 1827. [71] Confirmada esta deliberação por Nota de 11 de Maio de 1827. [72] Candido Mendes, _Direito Civil Ecclesiastico Brazileiro_. [73] A colonia de Nova Friburgo, sobre cujo mallogro encontra-se um interessante capitulo na Viagem de Mathison, atraz citada. [74] O Rei do Hanover era o proprio Jorge IV d'Inglaterra. [75] 11 de Outubro de 1825. [76] A orthographia franceza é textualmente a dos protocollos elaborados e copiados no Foreign Office. [77] Este documento acompanha os anteriores na _Collecção dos Tratados_ de Pereira Pinto, e forma como que o seo ultimo commentario. Servirá aqui de transição para a continuação deste trabalho, sob o titulo: _Do Reconhecimento á Abdicação_ (1825-1831). Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +----------+---------------------+----------------------+ | | Original | Correcção | +----------+---------------------+----------------------+ |#pág. 40| affimára | affirmára | |#pág. 44| indepencia | independencia | |#pág. 103| Projec to tratado | Projecto de tratado | | | apr sentado | apresentado* | |#pág. 125| Iuglaterra | Inglaterra | |#pág. 189| Cbegada | Chegada | |#pág. 197| ??ropa | Europa* | |#pág. 198| restan es | restantes | |#pág. 217| concordanto | concordando | |#pág. 258| ?? Canning | de Canning* | |#pág. 259| do beneficia | do beneficio | |#pág. 264| dos Potencias | das Potencias | |#pág. 294| augustia | angustia | |#pág. 326| négoeiation | négociation | |#pág. 334| Ganeiro | Gameiro | |#pág. 343| ambos as Partes | ambas as Partes | |#pág. 356| xaminado | examinado | |#pág. 356| eouvido | ouvido | |#pág. 360| _o Independencia_ | _a Independencia_ | |#pág. 365| des nossos | dos nossos | |#pág. 371| dos hostilidades | das hostilidades | |#pág. 374| Chales Stuart | Charles Stuart | |#pág. 374| rejetam | rejeitam | |#pág. 376| nos outras | nas outras | | | | | |#nota 9| A nnexo | Annexo | |#nota 58| 1825-1827 | 1826-1827 | +----------+---------------------+----------------------+ * alterações realizadas com base no Índice da obra. Os símbolos de percentagem foram mantidos como surgem na obra original, ou seja, 0/0 e não % como habitual. End of the Project Gutenberg EBook of Historia diplomatica do Brazil, by Manuel de Oliveira Lima *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA DIPLOMATICA DO BRAZIL *** ***** This file should be named 29377-8.txt or 29377-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/9/3/7/29377/ Produced by Adrian Mastronardi, Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by The Internet Archive/Canadian Libraries) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at http://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is in the public domain in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country outside the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org 1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived from the public domain (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg-tm License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than "Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided that - You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." - You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works. - You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. - You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread public domain works in creating the Project Gutenberg-tm collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain "Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email [email protected]. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director [email protected] Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.