Obras posthumas

By Nicolau Tolentino

Project Gutenberg's Obras posthumas, by Nicolau Tolentino de Almeida

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Title: Obras posthumas

Author: Nicolau Tolentino de Almeida

Release Date: July 3, 2011 [EBook #36608]

Language: Portuguese


*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OBRAS POSTHUMAS ***




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OBRAS

POSTHUMAS

DE

NICOLÁO TOLENTINO

DE ALMEIDA.



LISBOA, 1828.

NA TYPOGRAPHIA ROLLANDIANA.

_Com Licença da Meza do Desembargo
do Paço._




_A Sua Alteza._


SONETO I.


Tornai, tornai, Senhor, ao Tejo undoso,
  Vinde honrar-lhe outra vez a clara enchente,
  E deixai que ajoelhe entre a mais gente
  Hum protegido humilde, e respeitoso.

Não leva a vossos pés rogo teimoso
  De importuno cansado pertendente;
  Vem beijar-vos a mão humildemente,
  A mão augusta que o fará ditoso.

Pois foi por Vós benignamente ouvido,
  Não vai fazer em pertenções estudo,
  Vai só mostrar-vos que he agradecido.

Ante Vós ajoelha humilde, e mudo:
  Mostrai-lhe que inda he Vosso protegido;
  Que se isto lhe ficou, ficou-lhe tudo.




_A Sua Alteza.­_


SONETO II.


Qual naufrago, Senhor, que foi alçado
  Por mão piedosa d'entre as ondas frias,
  Tal eu de antigas duras agonias
  Por vossas Reaes mãos fui resgatado:

Pois vencestes as teimas do meu fado,
  E já vejo raiar dourados dias,
  Deixai que possa em minhas poesias
  O vosso Augusto Nome ser cantado.

Não he digna de vós minha escriptura,
  Nem harmonia, nem estilo a adoça;
  Mas valha-lhe, Senhor, vontade pura.

Principe excelso, consentí que eu possa
  Fazer inda maior minha ventura,
  Contando ao mundo que foi obra Vossa.




_Sahindo Conselheiro da Fazenda o Illustrissimo, e Excellentissimo
Senhor D. Diogo de Noronha_.


SONETO III.


Nem sempre em verdes annos a imprudencia
  Produz irregular procedimento:
  N­em sempre encontra o humano entendimento
  Só perto do sepulcro a sã prudencia.

Em Vós não esperou a Providencia
  Que longas cans vos dêm merecimento:
  Em Vós mostrou que estudos, e talento
  Valem mais do que a larga experiencia.

Os eruditos velhos Conselheiros,
  Depois que o vosso voto alli for dado,
  Serão de Vós eternos pregoeiros:

E dirão que deveis ser escutado
  Onde os Ministros vossos companheiros
  Não sejão da Fazenda, mas do Estado.




_Aos leques mui pequenos, chamados Marotinhos._

SONETO IV.[1]


Fofo colchão, as plumas bem erguidas,
  E sobre os hombros nas jucundas frentes
  De enrolado cabello anneis pendentes,
  Longos chorões, bellezas estendidas,

Era esta das­ matronas presumidas
  A moda, que trazião bem contentes;
  Rião-se dellas as modestas gentes
  Vendo pequenas poupas esquecidas.

Nisto a gentil Madama aperaltada,
  Grande auctora de trastes exquisitos,
  Nova moda lhe inventa abandalhada.

Reprova-lhe aureos leques com mil ditos.
  Eis senão quando (oh moda endiabrada!)
  Abanão-se com azas de mosquitos.




_O cruel disfarce._

SONETO V.


Sem murmurar padecerei callado
  Cumprindo o teu preceito violento:
  Faltava a envenenar o meu tormento
  Dever ser por mim mesmo disfarçado.

De trazer o semblante socegado
  Farei o inculpavel fingimento:
  Nos olhos mostrarei contentamento,
  Tendo hum punhal no coração cravado.

Este peito onde nunca engano viste,
  Que não sabe a vil arte de affectar-se,
  Onde a verdade, e a intacta fé­ existe,

Martyr do amor, e do infiel disfarce,
  Nas tuas adoraveis mãos desiste
  Té dos tristes direitos de quei­xar-se!




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Visconde de Ponte de Lima,
Secretario de Estado_.


SONETO VI.


A longa cabelleira branquejando,
  Encostado no braço de hum Tenente,
  Cercado de infeliz chorosa gente
  Hia passando o velho venerando.[2]

Geraes repostas para o lado dando:
 «Sim Senhor; Bem me lembra; Brevemente;»
  Na praguejada mão omnipotente
  Nunca lidos papeis hia aceitando.

Mas eu que já esperava altas mudanças,
  Melhor tempo aguardei, e na algibeira
  Metti a Petiçã­o, e as esperanças.

Chegou, Senhor Visconde, a _viradeira_:
  Soltai-me a mim tambem destas crianças,
  Onde tenho o meu Forte da Junqueira.




_Fazendo Annos a Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza de
Angeja._


SONETO VII.


Senhora, ha muito tempo pertendia
  Ser do vosso favor patrocinado:
  Mil vezes vos quiz dar este recado;
  Porém sempre o respeito me impedia.

Chegou em fim o venturoso dia
  A fazer beneficios destinado:
  Vou neste privilegio confiado;
  Que a não ser isso não me atreveria:

Vou pedir que descendo da Cadeira,
  Onde explico os crueis Quintilianos,
  Me ensineis a tomar melhor carreira.

Que em mim ponhais os olhos soberanos,
  E que me chegue em fim a _viradeira_[3]
  No faustissimo dia destes annos.




_Aos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde d­e
Avintes._


SONETO VIII.


A varonil idade florecente
  Vos tece, illustre Heróe, annos dourados­
  Para serem á Patria consagrados;
  Pois sois de Almeidas claro descendente.

Sobre as terras, e mares do Oriente
  Inda vejo os trofeos alevantados:
  Vejo beber mil corpos aboiados
  Do turvo Gange a fervida corrente.

No difficil caminho d'honra, e gloria
  Por ferro, e fogo a seus bons Reis servindo,
  Vos deixão por doutrina a sua historia.

Forão diante o duro passo abrindo:
  Entrai, Senhor, no Templo da Memoria,
  Os­ bons Avós, e o illustre Pai seguindo.




_Estando nas Caldas_.


SONETO IX.


Por mais que vos alongue olhos cansados,
  Olhos ha tanto tempo descontentes,
  Não vedes mais que pallidos doentes
  Por mãos estranhas n'agoa sustentados.

Quantas vezes ficastes magoados
  Por ver ir entre as fervidas correntes
  Envolvidas mil lagrimas ardentes
  Do que em vão quer alçar braços mirrados!

Vistas são estas de bem pouco gosto;
  Poré­m bem pagos ficareis hum dia
  Quando virdes de Arminda o lindo rosto.

E o pranto, que atégora vos cahia
  De lastima, d'auzencia, e de desgosto,
  Ella o fará correr; mas de alegria.




_A huns Annos._


SONETO X.


Foi este o dia em que a teus pés baixárão
  Venus, e as lindas Graças innocentes,
  E em torno do aureo berço reverentes
  Ao som de alegres hymnos te embalárão.

Aos teus olhos gentís communicárão
  Cruel poder de conquistar as gentes:
  Mil suspiros, mil lagrimas ardentes
  A muitos corações prognosticárão.

Dérão-te huma alma heroica, hum nobre peito:
  Dérão-te discrição, e formosura,
  Dons a que o mundo está mui pouco afeito.

Mas, oh humana sorte, triste, escura!
  Para na terra nada haver perfeito,
  Dérão-te hum coração de pedra dura.




_Ao disfarce das Mulheres._


SONETO XI.


Vens debalde, oh bellissima perjura,
  C'o lindo rosto em lagrimas banhado:
  Já fui por ti mil vezes enganado,
  E sempre me affectaste essa ternura.

Esse alvo peito, que he de neve pura,
  Mas de aço, e fino bronze temperado,
  Encobre hum coração refalseado,
  Hum coração de viva rocha dura.

Em vão trabalhas, se enganar-me queres,
  Vejo correr com animo sereno
  Esse pranto em que fundas teus poderes:

Mal inventado ardil: ardil pequeno:
  Tu mesma me ensinaste, que as mulheres
  Misturão com as lagrimas veneno.




_A huma Camponeza._

SONETO XII.


Não morão em palacios estucados
  Almas singelas, almas extremosas:
  Nutrem da Corte as damas enganosas
  Em tenros peitos corações dobrados.

Venhão por longos mares conquistados
  As Indianas sedas preciosas:
  Cubrão-lhe as carnes alvas, e mimosas
  Ricos vestidos em Paris bordados.

São isto effeitos da arte, e da ventura:
  Estimo mais que toda a vã grandeza
  Hum limpo coração, huma alma pura.

Não na Corte; das serras na aspereza
  Fui achar innocencia, e formosura,
  Sagrados dons da simples Natureza.




_A huma Dama interesseira._


SONETO XIII.


Podião ser felices meus amores
  Quando por ouro o amor se não vendia:
  Já de palavras Nize desconfia,
  Só crê ou em dinheiro, ou em penhores.

Vio-me assaltado d'ancias, e temores
  Quando na porta irada mão batia:
  Por costume infeliz ella sabia
  Que era algum dos cansados acredores.

Forão-se os dias bemaventurados,
  Em que só almas grandes, peitos nobres,
  Erão do Deus de amor agazalhados:

Negro destino hoje preside aos pobres:
  Poz termo a bella Nize aos seus agrados,
  Vendo esta bolça condemnada a cobres.




_Ao faustissimo dia da Inauguração da Estatua Equestre­ d'El-Rey
Fidelissimo o Senhor D. José I._


SONETO XIV.


Em quanto o Reino cheio de ternura
  Ao grande Bemfeitor te ha consagrado,
  E respeita aos teus pés ajoelhado
  O Rey Augusto de quem és figura:

Em quanto os que me vencem em ventura
  Abrindo o antigo cofre chapeado,
  Mandão de prata, e d'ouro recamado
  Entretecer a rica vestidura:

Eu que não tenho desta louçania,
  De outra sem pejo sahirei composto,
  Que não cede á mais fina pedraria.

São ternissimas lagrimas de gosto:
  Nem infama o triunfo deste dia
  Quem põe por gala o coração no rosto.




_Descripção de­ Badajoz._


SONETO XV.


Passei o Rio, que tornou atraz,
  Se acaso he certo o que Camões nos diz,
  Em cuja ponte hum bando de Aguazis
  Registrão tudo quanto a gente traz.

Segue-se hum largo, em frente delle jaz
  Longa fileira de baiucas vís:
  Cigarro acezo, fumo no nariz,
  He como a companhia alli se faz.

A cidade por dentro he fraca rez,
  As moças põem mantilhas, e andão sós,
  Tem boa cara; mas não tem bons pés.

Isto, coifas de prata, e de retroz,
  E a cada canto hum sórdido Marquez,
  Foi tudo quanto vi em Badajoz.




_Á Serenissima Princeza entrando no banho._


SONETO XVI.


Nynfas do Téjo já por mim cantadas,­
  Nossa Augusta Princeza esta presente;
  Pedí-lhe, que honre a placida corrente,
  E as agoas ficaráõ mais prateadas.

Diante de seus pés ajoelhadas
  Em justo acatamento reverente,
  Serenem vossas mãos a clara enchente,
  E as frias agoas corrão temperadas.

Sobre as ondas as frentes levantando,
  Ao tempo que as douradas tranças bellas
  Brandamente lhe fordes enxugando,

Dizei-lhe, que sustento Irmãas donzellas,
  Outras viuvas; e ide-lhe lembrando,
  Que o bem que me fizer he feito a ellas.




_Levantando-se o Author da meza de hum Grande por serem horas de ir para
a Aula._


SONETO XVII.


Não tomando em desprezo o escuro estado
  Em que me poz Fortuna, e Natureza,
  Olhastes sem horror minha baixeza,
  E fizestes sentar-me ao vosso lado.

Então de ingrata obrigação chamado
  Deixei á força a companhia, e a meza,
  E inda cheio de ideias de grandeza
  Vim dar por thema hum Verbo conjugado.

Não sei com dous oppostos conformar-me;
  Soffrem-me os Grandes, sou taful, e moço,
  Não sei a _Senhor Mestre_ costumar-me.

Taes extremos, Senhor, unir não posso;
  De dous genios não sou: mandai fechar-me
  Ou a minha Aula, ou o Palacio vosso.




_Ao Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva chegando o A. á quinta das
Lapas._


SONETO XVIII.


Hum triste fatigado caminhante
  Chega a Vós, Illustrissimo Penalva:
  Co'a mão na espada a augusta Casa salva
  Segundo as leis de cavalleiro andante.

Sobre ronceiro fraco Rocinante,
  Que pesca a dente encontradiça malva
  Por duras rochas, por areia calva
  Cem vezes pronta morte vio diante.

Cuidando achar aqui melhores fados,
  Aos pés de outro Rocim, por novo caso,
  Quasi que vio seus dias acabados.

Quiz correr junto a Vós sobre o Pegaso:
  Cahio, e por sinal colheis regados
  Do sangue seu os louros do Parnaso.




_Descripção de hum Peralta amaltezado._

SONETO XIX.[4]


Hum vulto cuja fórma desconsola
  Pelo muito que mostra o pouco sizo,
  E que pela pobreza do juizo
  Mil trastes exquisitos desenrola:

Chapeo que bem carrega hum mariola,
  E que ainda aos sizudos causa rizo,
  Cazaqui­nha cortada de improvizo,
  Fivela que lhe vem de sola a sola:

Espantalho que em praça nunca falta
  Sem ter occupação nem má, nem boa,
  Que apenas moça vê logo lhe salta:

Eis-aqui, sem medir qualquer pessoa,
  Breve quadro de hum mi­sero Peralta,
  Que affecta de Maltez cá em Lisboa.




_Aos Annos do Serenissimo Principe Nosso Senhor._


SONETO XX.


Foi este, Alto Senhor, o santo dia,
  O Ceo o concedeo, o Ceo que he justo
  Afflicto o Povo, posto em dôr, e em susto
  Com lagrimas ardentes lho pedia.

O fertil Ganges nas entranhas cria
  Offertas para Vós, Principe Augusto,
  E ajoelhado na praia o Povo adusto
  Rico thesouro a vossos pés envia.

Ao Reino tecereis dias dourados,
  Sem precizar que os Fastos Lusitanos
  Vos contem as acções dos Reis passados.

Ponde os olhos nos vivos Soberanos,
  Estudai-lhe as doutrinas, e os cuidados,
  E a patria acclamará os vossos Annos.




_A hum Leigo Arrabido vesgo, despedido da Meza do S. C. P. Silva, por
tomar a melhor pera da Meza. He o de que se trata nas Decimas, Tom. II.
pag. 178_, Ferio sacrilega espada.


SONETO XXI.


O vesgo monstro que co'a gente ralha
  E de manhãa a todos atravessa,
  A cuja hirsuta sordida cabeça
  Nunca chegou juizo, nem navalha;

Que os gazeos olhos pela meza espalha
  Por ver se ha mais comer que tire, ou peça,
  Entrando nelle com tal fome, e pressa
  Qual faminto frizão em branda palha;

Por crimes de alta gula, e pouco sizo,
  De meza bem servida, mas severa,
  Foi n'hum dia lançado de improviso.

Hoje chorando o seu perdão espera:
  Perdêrão dous glotões o Paraiso,
  O antigo por maçãa, este por pera.




_Aos toucados altos._


SONETO XXII.[5]


Foi ao Manique hum homem accusado
  Por contrabandos ter; elle sciente
  Chama a quadrilha, corre diligente,
  Entra, busca, e não acha o Malsinado.

Acha a mulher, que tinha por toucado
  A torre de Belem: ella que o sente,
  Banhada em pranto, desmaiada a frente,
  Prostra por terra o corpo delicado.

C'o boléo se esbandalha a mata espessa,
  Sahem della esguiões, cassas lavradas,
  E de belbute trinta e huma peça,

Fivelas, espadins, rendas bordadas:
  Até tinha escondido na cabeça
  O marido, e tres arcas encouradas.




_Mettendo a ridiculo humas contradanças_.


SONETO XXIII.


N'huma tremula s­ala mal armada
  Com placas velhas, e papel pintado;
  Clamava já o povo alvoroçado
  Que fosse a Favorita começada.

Guincha em venal rabeca desgrudada
  De velho musico o arco estuporado:
  Cadeia, grita hum muito suado,
  Olhem que vai a contradança errada.

Ne­rvoso chispo, saborosas frutas
  He fazenda que alli nunca governa:
  Aquellas bocas andão sempre enxutas.

Nunca mais alli tórno a fazer perna:
  Quanto mais val o ir com quatro trutas
  Fazer huma função n'huma taberna.




_Por occasião de estranharem ao Author hum sonho que a ninguem
offendia._


SONETO XXIV.


Atiça, ó moço, a moribunda chama
  Dessa faminta, sordida candêa,
  E encostado á parede cabecêa,
  Posta de guarda ao pé da minha cama.

Se o sono, que em meus olhos se derrama,
  E os languidos sentidos me encadêa,
  Tentar com sonhos esta pobre idéa,
  Em altos gritos por meu nome chama:

Assenta-me na cara essas mãos frias:
  Pois ves o fructo, que sonhando tiro,
  Corta em raiz traidores fantasias.

Contra os sonhos desde hoje me conspiro:
  Se ao primeiro me dizem heresias,
  Em sonhando outros pregão-me hum tiro!




_Á moda dos chapeos maiores da marca._


SONETO XXV.


Amigos, e Senhor meu, de França, ou Malta
  Hum chapeo mande vir a toda a pressa;
  A cópa que me ajuste na cabeça;
  Mas as abas na fórma a mais peralta.

A detraz que me fique muito alta,
  A prezilha, e botão pequena peça:
  Estimarei que disto não se esqueça;
  Que a demora me faz bastante falta.

Gostei muito do invento, he bem traçado,
  Porque vi no Loreto hum certo dia
  Muito povo a correr para o Chiado,

Para ver hum Senhor, quem tal diria:
  C'hum chapeo de tal fórma desmarcado
  Que nem a gente a pé passar podia.




_Ás fivelas chamadas a la Chartre._


SONETO XXVI.


Oh quantos Mexicanos patacões,
  Mareados talheres já sem par,
  Á tonta Avó o neto vai furtar
  De mofentos­ decrepitos caixões:

Fundidos em quadrados fivelões
  Para á Chartres o neto passear,
  Traz nos pés a baixela singular
  Que podia servir em correões.

Capitão Vento-Sul, rico Hollandez,
  Que de prata subtil pequenos Ós
  Servem só de fivelas nos teus pés,

Vem admirar-te, vendo que entre nós
  Traz o pobre peralta Portuguez
  Por fivelas molduras de tremós.




_A huma Velha presumida._


SONETO XXVII.


Debalde sobre a face encarquilhada
  Pendendo louros bugres emprestados,
  Dás inda ao louco amor teus vãos cuidados,
  Em carmins enganosos confiada.

Postiça formosura, em vão comprada,
  Não torna atraz os annos apressados:
  Nem alvos dentes de marfim talhados,
  Tornão em nova a tremula queixada.

De ti no mesmo tempo que do Gama
  Cantou mil bens a Deosa Trombeteira,
  A que os baixos Poetas chamão Fama:

Porém sempre ficaste em boa esteira;
  Porque, se já não prestas para dama,
  Inda serves mui bem como terceira.




_Aos Annos de huma formosa Dama._


SONETO XXVIII.


Deixai, Pastores, na montanha os gados,
  Vinde ao sitio melhor desta campina
  Beijar a mão á bella, e peregrina
  Deidade tutelar dos nossos prados:

Vinde offertar-lhe aos annos celebrados
  O cravo, a roza, a angelica, a bonina;
  E ao mais suave som da flauta fina
  Decantar seus illustres predicados.

Mas já a cercão pastores, e pastoras;
  Huma lhe beija a mão, outra o vestido;
  Elles a coroão de vistosas flores,

E em doces vozes todo o rancho unido
  Canta que ella he a Deosa dos Amores;
  Pois tem no rosto as settas d­e Cupido.




_A Sua Alteza._


SONETO XXIX.


Nesta cansada triste poesia
  Vedes, Senhor, hum novo pertendente,
  Que aborrece o que estima toda a gente,
  Que he ter no mundo cargos, e valia.

Sobre alto throno ha annos que regia
  De docil povo turba obediente:
  Mas quer antes sentar-se humildemente
  N'hum banco da Real Secretaria;

Qual modesto Capucho reverendo,
  Que em fim de Guardiania triennal
  Passa a Porteiro as chaves recebendo.

Em mim conheço vocação igual:
  E co'a mesma humildade hoje pertendo
  Passar de Mestre a ser Official.




_A hum Padre Guardião._


SONETO XXX.


Meu Padre Guardião, que exemplarmente
  Regeis essa Capucha Sociedade,
  Que munida do véo da Santidade
  Passa como não passa a mais da gente:

Vós que á força de braço omnipotente
  Fazeis tremer do inferno a potestade,
  E aos exorcismos só de hum vosso Frade
  Se explica o Demo em Portuguez corrente:

Logo que dessa estola o forte escudo
  Buscar esbelta Nynfa, que atacada
  Seja d'algum Demonio surdo, ou mudo,

Mandai dos Márques conte a trapalhada:[6]
  Pois só elle, que foi o que urdio tudo,
  Sabe quem commetteo a velhacada.




_Em louvor de Caporalini, Actor do Theatro de S. Carlos._


SONETO XXXI.


No grão Theatro vejo sempre enchentes:
  As cans annosas, os cabellos louros,
  Illustradas nações, barbaros Mouros,
  Todos da tua voz ficão pendentes.

Que importa que não deixem descendentes
  Teus ex-virís deshabitados couros;
  Que importa que tu roubes aos vindouros
  Se enriqueces, se encantas os presentes?

Não he traição ao sexo feminino;
  He só razão quem te elogia, e preza,
  Comico Mestre, Musico divino.

Oh nação de harmonia, e de crueza!
  O teu ferro nem sempre he assassino:
  Não i­nsultou, honrou a natureza.




_Achando-se o Author prezo dos bellos olhos de Marcia._


SONETO XXXII.


Eu vi a Marcia bella, vi Cupido
  Com arco, settas, e cruel aljava,
  Com impeto sahir de donde estava,
  E voar para mim enfurecido.

Fugí; bradei: porém não fui ouvido;
  E o tyranno Rapaz que me buscava,
  Com huma, e outra setta me atirava,
  Até de todo me deixar rendido.

Atou-me as mãos com asperas cadeias,
  Sem o mover o sangue que corria
  Do roto coração, das rotas veias.

Antes, com frio rizo me dizia:
 «E não sabias tu, que Amor receias,
  Que nos olhos de Marcia Amor vivia?»




_Sobre a Ingratidão de huma Dama._


SONETO XXXIII.


Coração, de que gemes, de que choras?
  Que parece tens odio á propria vida!
  Se perdeste teu bem, foi mão perdida,
  Com te pôr a morrer nada melhoras.

Eu bem sei­ que a belleza a quem adoras,
  Foi-te ingrata, e cruel, foi fementida;
  Mas que esperavas tu, se he lei sabida
  O mudar-se a Mulher todas as horas.

Socega, Coração, deixa a tristeza;
  Quem te mandou querer com fé tão pura,
  Quem te mandou mostrar tanta firmeza!

Erraste, tem paciencia, em fim procura
  Não fazer por Mulher jámais fineza,
  Acharás mais amor, maior ventura.




CANTIGAS

_Feitas nas Caldas com o Estribilho:_


  _Negras tristezas,
  Adeos, adeos._

Não ha nas Caldas­
Melancolia,
Dão alegria
Os ares seus.
  _Negras tristezas,
  Adeos, adeos._

Sara-me a terra,
E não as agoas:
Não curão magoas
Os banhos seus.
  _Negras &c._

Huns lindos olhos,
Que o dia aclárão,
Afugentárão
Os males meus.
  _Negras &c._

Brandos­ sorrizos
A furto dados
Fazem dourados
Os dias meus.
  _Negras &c._

Se entra nos banhos
Marilia bella,
Entra com ella
O cego Deos.
  _Negras &c._

Alli tempéra
Nas agoas puras
As pontas duras
Dos ferros seus.
  _Negras &c._

Enxuga as tranças
Da Nynfa loura,
E nellas doura
Os farpões seus.
  _Negras &c._

Caldas ditosas
Teu nome cresça,
Alça a cabeça
Até­ os Ceos.
  _Negras &c._

O pobre Anfriso,
Que estas calçadas
Deixou regadas
Dos olhos seus,
  _Negras &c._

Hoje em triunfo
De seus pezares
Levanta altares
De Gnido ao Deos.
  _Negras &c._




ENDECHAS.



No sacro Templo
  Que Amor habita
  Minha alma afflicta
  Fui immolar.

Na ruiva flamma
  Que silva ardendo
  A mão detendo
  Jurei-te amar.

Fumoso sangue,
  Mal findo o voto,
  Do peito roto
  Vi gotejar.

D'alma opprimida
  A insana pena
  Causou-lhe El­ena
  Que soube amar.

N­os fidos peitos
  O morto lume
  Negro Ciume
  Hia ateiar.

Vulcano féro
  Ante Mavorte
  O rival forte
  Não póde olhar.

Dos desprezados,
  Que soffrem tanto,
  O rouco pranto
  Feria o ar.

Aqui jaz Delio
  Terno, e vencido.
  Sem de Cupido
  Premio alcançar:

Que Dafne esquiva,
  Com triste agouro,
  Em verde louro
  Vio transformar.

Pan segue a Nynfa,
  Que tanto adora;
  Seu fado chora
  Vendo-a mudar.

De tenras cannas
  Amor lhe manda,
  Que a frauta branda
  Vá fabricar.

Cercada Dido
  De angustias fêas,
  Ah falso Eneas!
  Se ouve bradar.

Seus lindos olhos
  Frouxos erravão;
  Em vão buscavão
  O vago mar.

Subtís enredos
  De acerbo dano
  Bifronte engano
  Eu vi tramar.

Por Thisbe bella,
  Que busca errante,
  Pyramo amante
  Vai acabar.

Conhece a amada
  O infeliz erro,
  Ousa impio ferro
  Em si cravar.

Serve-lhe a terra
  De duro leito,
  Vê-s­e-lhe o peito
  Inda arquejar:

As pardas sombras;
  Que Amor mistura,
  Na Estyge escura
  Vão aportar:

Desenrugando
  A crespa fronte,
  Lédo Acheronte
  As foi buscar.

E eu combatido
  De mil pezares
  Vou pelos ares
  A suspirar.

Sei ser-te amante
  Sem premios vivo,
  Este o motivo
  Do meu penar.

Vês mil exemplos,
  E jámais pensas
  Que póde offensas
  Amor vingar.

Ah! sê piedosa:
  As­ cruas penas
  Torne serenas
  Teu brando olhar.




_Em dia dos annos do Illustrissimo Principal Almeida._


Por mais que esse sangue honrado
Vos inspire os pondonores
De merecer os louvores
E não querer ser louvado,
Este dia he consagrado
A elogios soberanos:
Sem vir enfeitar enganos
Com mão venal, e fingida,
Em contar a minha vida
Louvarei os vossos annos.

Tecêrão-me em baixo estado
A Fortuna, e a Natureza:
Entre os­ braços da Pobreza
Fui desde o berço lançado.
Pelas vossas mãos alçado
Quebrei da desgraça o fio:

Se da crua fome, e frio
Livro o Pai­, livro os Irmãos,
He obra das vossas mãos,
E faz o vosso elogio.[7]




MOTE.


_Olhos de Lize, olhos bellos,
Olhos para mim fataes,
Que hum vosso girar sómente
Me faz temer mil rivaes._




GLOZA.


Da alva Lize os brancos dentes,
O rosto affavel, e brando,
A boca, donde em fallando
Ficamos todos pendentes,
Nos lizos hombros patentes
Soltos os longos cabellos
Não são causa dos desvellos­,
Nem das ancias em que vivo:
Vós sois, vós sois o motivo,
Olhos de Lize, olhos bellos.

Vós sois os meus vencedores,
E sois gloria do vencido:­
De vós me atira Cupido
Mil farpados passadores.
Se vence o Deus dos Amores,
Vós as armas lhe emprestais.
Que ternos saudosos ais,
Que pranto em vão derramado,
Me não tendes vós custado,
Olhos para mim fataes!

Se o rosto ao Ceo levantado
Alçais as pestanas pretas,
Logo de brilhantes setas
Vejo todo o ar cruzado.
Cupido, que tem jurado
Crua guerra á humana gente,
Das nuas costas pendente
Dura aljava, e passadores,
Fará conquistas menores
Que hum vosso girar sómente.

Quando desses claros lumes
Sahem as chammas brilhantes;
De mil rendidos amantes
Ouço saudosos queixumes.
Não chameis loucos ciumes,
Ó Lize, os que em mim causaes:
Do poder de huns olhos taes
Quem ha que livrar-se possa,
Se a menor perfeição vossa
Me faz temer mil rivaes?




MOTE.


_Tu teimas em desprezar-me,
Eu teimo em te idolatrar,
Juntarei teima com teima,
Teimando te hei de abrandar._




GLOZA.


De ser comigo piedosa
Não dás, Marilia, esperanças:
Inda, cruel, não te cansas
De ser esquiva, e teimosa!
Que importa, ó Ninfa formosa,
Vir neste pégo arriscar-me,
De mergulho ao mar lançar-me,
E os livres peixes colher-te;
Se quanto eu teimo em querer-te,
Tu teimas em desprezar-me?

C'os olhos ao Ceo erguidos,
Ou postos nos longos mares,
Por ti encho os vagos ares
De mil saudosos gemidos:
Nos rochedos desabridos,
Que em vão bate o rouco mar,
Devorando o meu pezar,
Já que de ouvi­-lo te cansas,
Sem premio, sem esperanças
Eu teimo em te idolatrar.

Teimando, se mal não penso,
Hei de abrandar teus rigores;
Porque assim como em amores,
Tambem em teimas te venço.
Juro pelo Sol intenso,
Que a prumo estas rochas queima,
Que mais do que eu ninguem teima.
São as causas desiguais:
Mas por vêr quem teima mais,
Juntarei teima com teima.

Se alva fonte murmurando
Gasta em torno os duros seixos,
E vai dos annosos freixos
As raizes escarnando:
Se duras rochas quebrando
Vai c'o tempo o bravo mar:
Se bronzes póde cortar
Mordente lima teimosa:
Tambem eu, Ninfa formosa,
Teimando te hei de abrandar.




MOTE.


_Não sei que quer a desgraça,
Que atraz de mim corre tanto:
Hei de parar, e mostrar-lhe
Que de ve-la não me espanto._




GLOZA.


Não sei que outro mal profundo
Inda a desgraça me guarda,
Se me tirou em Anarda
O que tem de bom o mundo!
Foi este golpe tão fundo,
Que outro não tem que me faça:
Se em levar-me o gesto, e a graça
De huns olhos, por quem vivia,
Me fez quanto mal podia,
Não sei que quer a desgraça!

Debalde outros gostos pintas,
Amor, para cativar-me:
Já não tornas a enganar-me,
Por mais, e mais que me mintas.
Inda tens as settas tintas,
Inda enxugo inutil pranto:
Ao teu venenoso encanto
Novas victimas procura;
E dá-lhe dessa ventura,
Que atraz de mim corre tanto.

Fizeste, ó desgraça, hum erro
Em vires do Amor valer-te:
Como ha de elle socorrer-te,
Se eu já conheço o seu ferro?­
Á sua voz o ouvido cerro:
Custou-me sangue o escapar-lhe:
E para melhor provar-lhe,
Que eu já sou dos seus cortados,
Sinaes inda mal fechados
Hei de parar, e mostrar-lhe.

Tu só me déste hum desgosto,
Outro já não pódes dar-me:
Já agora sempre has de achar-me
A mesma alma, e o mesmo rosto,
Se em ferros por ti for posto,
Verás que ao som delles canto;
Se envolta em sanguineo manto
Me pões a morte diante,
Notarás no meu semblante,
Que de ve-la não me espanto.




MOTE.

_Os meus olhos a chorar._




GLOZA.


Pranto inutil são os meios
Das pessoas desgraçadas:
Pagai, lagrimas cansadas,
Pagai delictos alheios.
Já que de ouro cofres cheios
Nunca pude a Nize dar,
Já que devo em fim pagar
Culpa, que só tem meus fados,
Fiquem sempre condemnados
Os meus olhos a chorar.




MOTE.

_Já disse tudo a Cupido._




GLOZA.


Na vossa ­gentil figura
Mil dões natureza pôz:
Todos cuidão que sois vós
A Deosa da Formosura.
Venus mil vinganças jura,
Vendo o seu culto esquecido:
Vai de settas o ar ferido.
Senhora, andai cuidadosa,
Que a louca Deosa invejosa
Já disse tudo a Cupido.




MOTE.

_Distancias, e saudades._




GLOZA.


As nodosas carvalheiras,
Que assombrão hermas estradas;
Altas rochas, penduradas
Sobre medonhas ribeiras;
Duras, íngremes ladeiras,
Escuras concavidades;
São as tristes soledades,
A quem meu cansado peito
Conta o mal, que lhe tem feito
Distancias, e saudades.




MOTE.


_Cantarei alegres penas,
Que cercão meu coração._




GLOZA.


Que eu cante alegre me ordenas?
Que cruel, que dura Lei!
Porém obedecerei,
Cantarei alegres penas:
Por todo o modo envenenas
A minha infeliz paixão;
Tu déras valor á acção
De eu affectar alegrias,
Se visses as agonias
Que cercão meu coração.




MOTE.


_Nada no mundo figura,
Quem não chega a ter amor._




GLOZA.


Deos de Amor, sempre a ventura
De tuas mãos pendente vi:
Tu pódes tudo; sem ti
Nada no mundo figura.
Recolhe da terra dura
Fructo immenso o Lavrador;
Mas occulto dissabor
No fundo da alma lhe diz,
Que não chega a ser feliz
Quem não chega a ter amor.




MOTE.


_Amor para me prender
Os teus olhos me mostrou._




GLOZA.


Mil bellezas me fez vêr,
Porque alguma me rendesse,
Não sabia o que fizesse
Amor, para me prender.
Mil laços me foi tecer,
Laços vãos, que em vão me armou;
Provadas settas tirou,
Que hia em veneno ensopando;
Porém só me rendi quando
Os teus olhos me mostrou.




MOTE.


_A minha felicidade._




GLOZA.


Cesse, ó Nize, o teu rigor:
Esse odio injusto reprime:
Perdem o nome de crime
Os crimes que faz amor.
Torne ao seu antigo ardor
A nossa antiga amizade:
Adoça a rigoridade
Do penoso estado meu,
E faze c'hum riso teu
A minha felicidade.




MOTE.


_Quem adora occultamente
Sem declarar seu amor
Sente mil ancias no peito,
Vive cercado de dôr._




GLOZA.


Por que barbara razão
Hum justo amor se reprime,
E ha de julgar-se por crime
Pôr na boca o coração?
Claros olhos ferir vão
Hum coração innocente;
Nem ao triste se consente
Dar sinaes de seu cuidado!
Deoses! quanto he desgraçado
Quem adora occultamente!

No peito a chamma accendida
As entranhas lhe abrazou;
Mas da ingrata, que a ateou,
He crime ser percebida.
Se deita sangue a ferida
Á vista do matador,
Vejão de que nova dôr
Sente o triste a alma cortada,
Fallando co'a sua Amada
Sem declarar seu amor!

Arde em hum fogo escondido:
Pois­ se conta o seu cuidado,
Além de ser desgraçado,
Chamão-lhe em cima atrevido.
Até quasi tem perdido
De olhar o livre direito;
Vive sempre contrafeito;
E entre mil contrarios posto,
Mostra alegria no rosto,
Sente mil ancias no peito.

Busca alegres companhias,
Por curar o mal que sente:
Entra a ingrata de repente,
Despertão-se as­ cinzas frias.
Ternas Arias, Synfonias,
Tudo aviva o seu amor;
Mas dos fados o rigor
Tem sobre elle taes poderes,
Que no meio dos prazeres
Vive cercado de dôr.




MOTE.


_Nos olhos o amor explico
Que trago no coração;
Que não se póde occultar
No peito a doce paixão._




GLOZA.


Mandas-me, ó Anarda, em vão
Os olhos meus reprimir;
Que elles sempre hão de seguir
O impulso do coração.
Sem querer sinaes daráõ
Do affecto, que não publíco:
Co'a boca, que mortifico,
Que importa que o não revele,
Se eu, por mais que me acautele,
Nos olhos o amor explico?

Amor os faz descuidados:
Em vão, Anarda, os abaxo;­
Pois dahi a pouco os acho
Outra vez nos teus pregados.
Trazellos mais castigados
Não está­ na minha mão:
Esta continua omissão,
Este erro, como tu dizes,
He hum fructo das raizes,
Que trago no coração.

De que serve olhar a medo,
E fallar acautelado,
Se hum suspiro descuidado
Vem descobrir o segredo?
Este artificio, este enredo
Pouco poderá durar:
Meus olhos me hão de entregar;
Que hum amor na alma arraigado
He como hum fogo ateado,
Que se não póde occultar.

Tempo, e arte tenho posto
Para disfarçar-me em tudo:
Mas sae-me perdido o estudo,
Em vendo o teu lindo rosto.
Disfarça-se mal hum gosto,
Que nasce do coração:
Tambem tu dessa lição
Talvez­ que bem não sahiras,
Se assim como eu sentiras
No peito a doce paixão:




MOTE.


_Por passos sem esperança,
Onde me leva o dezejo?_




GLOZA.


Vão pensamento, descança,
Reconhece as forças minhas:
Tu não sabes, que caminhas
Por passos sem esperança?
Junto da corrente mansa
Me pões do dourado Tejo:
Cá de longe o si­tio vejo:
Mas não devo hum passo dar,
Que eu não mereço chegar
Onde me leva o dezejo.




MOTE.


_Eu já tenho exp'rimentado
As minhas inclinações._




GLOZA.


Que nunca teu doce agrado
De amizade simples passa,
Por minha grande desgraça
Eu já tenho exp'rimentado.
Antes odio declarado,
Que estas equivocações!
Quero as ternas espressões
De que as almas se alimentão:
Com menos não se contentão
As minhas inclinações.




_Ao mesmo Mote outra_


GLOZA.


Senhora, eu tenho encontrado
No teu amor mil intrigas:
Não preciso que mo digas,
Eu já tenho exp'rimentado.
São premios do meu cuidado
Enganos, e ingratidões;
E por occultas razões
São, inda que mo não dizes,
Tão justas, como infelizes,
As­ minhas inclinações.




MOTE.


_Ouvi, ó Senhora, ouvi
Os suspiros de huma voz,
Que quando por vós suspira,
Aspira sómente a vós._




GLOZA.


Chegou finalmente a hora
De saberdes quem vos ama:
Rebente esta antiga chama,
Que ardeo occulta atégora.
Amar callando, Senhora,
Assaz o fiz atéqui:
As ancias, que padeci,
Sejão finalmente expostas...
Ah! não me volteis as costas:
Ouví­, ó Senhora, ouví.

Perdei huma vez o horror
A ouvir ternos gemidos;
Nunca ferírão ouvidos
Brandas palavras de Amor.
Que hora, e que sitio melhor,
Do que este em que estamos sós?
Que culpa, que crime atroz
Temeis que ante vós farão
As queixas de hum coração,
Os suspiros de huma voz?­

Meu coração vos adora;
Sem saber o conquistais:
Estas ancias, estes ais
São obra vossa, ó Senhora.
Em segredo amou até­gora;
De amor vive; amor respira;
E se vós, depondo a ira,
Lhe prometteis compaixão,
Que melhor occasião,
Que quando por vós suspira?

Nelle, Senhora, não posso
Nutrir estranha paixão:
Em fim este coração
Foi feito para ser vosso:
Para encher-se de alvoroço
Basta ouvir a vossa voz:
Passa indiff'rente, e veloz
Por mil bellezas, que admira,
Nada o enche, a nada aspira­,
Aspira sómente a vós.




MOTE.


_Hei de amar-te até á morte,
Quer tu me queiras, quer não:
Serei no amor desgraçado;
Mas com discreta eleição._




GLOZA.


Não fujo, pódes rasgar
Este peito desgraçado;
Que o teu gesto retratado
Has de, cruel, nelle achar.
Posto que veja roubar
Á Parca a tesoura forte,
E dar-me na vida córte,
Inda ouvirás, que te digo:
«Ingrata, não me desdigo,
Hei de amar-te até á morte.»

Vem, Amor, auctorizar
O sagrado juramento
De até ao final alento
Firmemente te adorar.
De joelhos, no Altar
Co'a devida submissão
Resoluto ponho a mão;
Juro nas settas tremendas
De te amar, quer tu me offendas,
Quer tu me queiras, quer não.

Amor co'as mãos apressadas
Ergue dos olhos a venda,
E pasma da jura horrenda,
Que assusta as aras sagradas.
«Eis as correntes pezadas,
Que te esperão,» diz irado.
Eu as acceito humilhado,
«Não, ó Deos, não esmoreço
C'os ferros, posto conheço
Serei no amor desgraçado.»

A Liberdade ultrajada
Lança-me a revez a vista;
Risca-me da honrada lista,
E chama-me escravo irada.
Não crimines indignada
Esta nobre sujeição.
Arrastro o ferreo grilhão;
Mas por quem? Por Nize bella.
Ah! sim te deixo por ella;
Mas com discreta eleição.




MOTE.

_Toda a Mulher he perjura._




GLOZA.


Triste solitario freixo,
Mais triste do que eras d'antes,
Conta, conta aos caminhantes
A razão com que eu me queixo.
Em teu tronco escrita deixo
Minha funesta aventura:
Reconta esta historia dura,
Por que veja quem a ler,
Que depois de Armida o ser
Toda a Mulher he perjura.




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva._


Illustrissimo Penalva,
Já que me dais protecção,
Sentido na occasião,
Porque bem sabeis que he calva.
Se o vosso braço me salva
Das­ criança­s pertinazes,
Se a poder das vossas frazes
Meu duro grilhão se corta,
Por triunfo á vossa porta
Pendurarei dous rapazes.




MOTE.

_De mil suspiros que eu dou._




GLOZA.


Parto em fim desesperado,
E sem que o motivo conte
Vou a estranho horizonte
Chorar o meu triste fado.
Já vejo o laço quebrado
Que a ventura me forjou;
E como Nize o quebrou,
Conservando os olhos seccos,
Ao menos não ouça os éccos
De mil suspiros que eu dou.




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva._


Hontem soube o que podia
Estilo suave, e brando:
E quanto podeis fallando
Eu o vi na Academia.
Nas almas fogo accendia
Vossa discreta Oração.
Sobre a minha pertensão
Vos peço que assim oreis,
E que ao Principe falleis
Como fallais á Nação.




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde._


Mandais-me que os versos traga
Que na almofada fallárão;
Porque os outros vos ficárão
Nas mãos da Illustre Arriaga.
Essa honra he huma paga,
Que elles nunca merecêrão:
Se os seus olhos se puzerão
Sobre tão baixa escritura,
Devo essa grande ventura
Ás illustres mãos que os dérão.

Mas he do meu triste fado
Tão teimosa a crueldade,
Que até na felicidade
Vejo que sou desgraçado:
Pois devi­eis cautelado
Segurar a occasião:
Fingindo que errava a mão,
Entre mil papeis diversos
Podieis em vez dos Versos
Dar-lhe a minha petição.




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde._


Assisti á Sagração,
Acto, Senhor, dos mais serios,
Que envolve augustos Mysterios
Da nossa Religião.
Lembrou-me crismar-me então
Por ser acto Episcopal;
Por permittir acção tal
Que outro appellido se tome;
Lembrou-me trocar o nome
De Mestre em Official.

Busquei as horas melhores,
E encommendei-me á fortuna;
Cheguei, e para a Tribuna
Tinhão já ido os Senhores.
Pelos frios corredores
O bom Lima me encaminha;­
Foi-me pôr na tal portinha
Onde os pertendentes vão
Pôr os joelhos no chão,
E os olhos na Rainha.

Co'a cabeça estopetada,
Como quem dorme sem cama,
Roto fumo, e alguma lama
Sobre a casaca encarnada,
Vi o tal que grita, e brada,
Quer na Sala, quer na rua.
Por mais que trabalha, e sua,
Guarda-roupa he louca idéa:
Como ha de guardar a alhêa
Quem trata tão mal da sua?

Ao pé a figura rara
Do pardo Cardeal astuto,
Que para cumprir o luto
Lhe basta mostrar a cara.
Dos dous na justiça clara
Grandes fundamentos acho;
Mas fujo mais para baixo,
E dispenso amigos taes,
Por não ficarmos iguaes
Na justiça, e no despacho.




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, quando
morreo o Pai do Author._


Peito de tanta bondade
De bom Pai o nome preza;
Levou-me hum a Natureza;
Mas deixou-me outro a piedade.
Amparai minha orfandade,
Porque a vossos pés me humilho:
Se não me abrís outro trilho,
Tal a minha estrada vai­,
Que irão co'a vida do Pai
As esperanças do Filho.




_Vagando hum Officio que o A. pertendia._


Jaz o defunto enterrado:
E agora saber intento,
Se a caso no testamento
Me ficou algum legado.
A vossos pés ajoelhado
Ponho em vós minha esperança:
Tenho Parte, e não descansa;
E nesta causa infeliz­,
Se não fordes o juiz,
Perderei de certo a herança.




_Ao Doutor Joaquim Ignacio Seixas, Medico das Caldas._


Meu Doutor, bem sei que quer
Que eu venha ás Ave-Marias;
Mas olhe: ha huns certos dias
Em que isto não póde ser.
Dona Antonia Xavier
(Que o Ceo por seculos guarde)
Faz annos, e eu esta tarde
Perco á Medicina o medo:
N'outros dias virei cedo;
Mas neste, ha de ser bem tarde.




DECIMA.


_A hum Prégador celebre (Fr. João Jacintho) estando jantando com o A._


Se deste potente vinho
Não cerceias as rações,
Temo que nos teus Sermões
Allegues só São Martinho.
Se lhe dás largo caminho
Pelo teu fecundo peito
Seu fatal magico effeito
Deixando-te a tres de fundo,
Te fará ser o segundo
Que diga: _sempre me deito_.[8]




_Carta a Lourenço da Mota, Official da Secretaria._


Amigo Lourenço: Se tu não sabes o que he não ter dinheiro, eu to
explico: Abaixo de Estupores he o maior mal do mundo, principalmente
para quem herdou Irmãas sem nenhum rendimento, e com muito bom estomago.

Por vêr se aligeirava esta carga, empenhei-me em hum milhão para lhes
comprar tenças, e em outro para lhas assentar; mas como as não cobrão,
morrem de fome, e depois que são ricas, tornão-se a mim, e dellas
aprendo o que são lucros cessantes, e damnos emergentes. Cuidei que
tinha mettido huma lança em Africa, e vejo que a metti em mim mesmo; e
arde agora a vela pelas duas pontas.

Tu que tens bom coração, e que estás ao pé do Senhor Marquez, que o tem
melhor, pede-lhe por caridade o despacho dessa petição.

Não te assustem os tres annos; porque ainda mal que ouço que no de 93
não tiverão cabimento. Pede-lhe que já que me livrou de crianças, me
livre tambem de velhas, gado ainda mais impertinente, e que se não
contenta com figuras de Rhetorica. Interessa-te pelo teu Nicoláo, Amigo,
e Collega, e sabe que, se lhe não mandas as Portarias, terás a vergonha
de o vêr andar pelas outras. Recomenda-se á tua efficacia.


O teu fiel Amigo

_N. T._





Peço que mates a fome
A este meu povo immenso,
E peço-te, meu Lourenço,
Pelo Santo do teu Nome.
Por hum bom serviço tome
A paga das taes tencinhas.
Pois teve as carnes mesquinhas
Em vivas brazas vermelhas,
Em louvor das suas grelhas
Peço me livres das minhas.

Com esta tenho enviado
Tres cartas, segundo penso,
Ao meu amigo Lourenço:
Nem reposta, nem mandado.
A dôr de que estou tomado
Sim desejo allivialla:
Mas a tua mais me aballa,
E parece mais intensa:
Pois eu sim fico sem Tença;
Porém tu estás sem falla.




_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde,
andando o A. na pertenção de ser Official da Secretaria de Estado._


DECIMA.


Senhor, venho perguntar
Quando ides ficar no Paço:
Para que á força de braço
Lanceis esta náo ao mar.
Sabe montes aplanar
Vossa discreta portia:
E pinta-me a fantasia,
A qual nem sempre me engana,
Que só na Vossa semana
Me ha de chegar o meu dia.




_Ao Juiz do Crime de Andaluz, dando-lhe este parte que estava para
casar, e mostrando-lhe versos, que fizera á Noiva. He o de que trata o
soneto 33, Tom. I. pag. 35._


M­anoel, muda o cuidado,
Abafa essa chamma ardente:
Não falla hum são a hum doente;
Falla-te outro exp'ri­mentado.

Já servi ao Deos do engano,
Fórte com forças alheias.
Passei nas suas cadeias
Apoz hum anno outro anno.

Prometteo-me alto favor;
Mas sabe, pois que começas,
Que o que tive das promessas
Forão lagrimas, e dôr.

Não te deixes enganar
Do rosto brando, e sereno:
Tempéra em riso o veneno;
Afaga para matar.

Com mil modos attractivos
Chama a cega, e incauta gente:
Lança-lhe dura corrente,
E escarnece dos cativos.

Como trata os infelizes,
Que andou outr'ora amimando,
Meu peito to está mostrando
Nesta frescas cicatrizes.

Até em cousas de peta
Quer mostrar o seu rigor:
Faz entrar n'hum prosador
A mania de poeta.

Mas esses laços que trazes,
Dom desse Deos inimigo,
Talvez que sejão castigo
D'outras prizões, que tu fazes.

Fere a muitos tua mão,
Inda que tanto a reprimes,
E vens a pagar teus crimes
Com pena de Talião.




MEMORIAL


_A Suas Altezas._


Se os Principes nos são dados
Para geral beneficio,
E se o seu mais digno officio
He ouvir os desgraçados:

Ouví minha desventura,
E consentí que esta vez
Se lastime a vossos pés
Hum queixoso da ventura.

Sahirem humildes ais
De hum peito singelo, e aberto,
He o direito mais certo,
Quando os Juizes são tais.

Fundadas sobre a verdade
As minhas supplicas vão:
Não peço por ambição,
Peço por necessidade.

Em mim o cuidado cae
De Irmãs postas em pobreza:
A piedade, e a natureza
Me fazem Irmão, e Pae.

Olhos em pranto banhados,
Que eu sem dôr não posso ver,
Vos fazem agora ler
Estes versos mal limados.

São tristes Orfãs donzellas,
E merecem suas dôres
Que vós, Augustos Senhores,
Hajais piedade dellas.

Por mais esforços que eu faça
Como hei de dar-lhe favor,
Se o seu triste bemfeitor
Vive na mesma desgraça?

Da miseria as tirareis,
Se eu da miseria sahir:
Sobre muitos vai cahir
O favor que me fazeis.

Vós, ó Augusta Princeza,
Em quem o Ceo quiz juntar
O melhor que pódem dar
A fortuna, a natureza,

Tende dó de seu lamento;
E dai a mão favoravel
A hum sexo respeitavel,
De que vós sois ornamento.

A petição que vos faço
Não he de facil indulto;
Para pouco, fora insulto
Valer-me do Vosso braço.

Não he facil, mas he justa:
E será bem despachada,
Se huma vez apresentada
For por Vós á Irmã Augusta.

Principes, tende piedade:
Ponde a meus queixumes pausa:
Protegei na minha causa
A causa da humanidade.

O que de Tito se diz,
Hum Rei Vosso Avô dizia;
Chamava perdido o dia,
Se não fez alguem feliz.

Motivo de tristes ais
Quaesquer mãos o pódem dar;
Más venturas emendar
Só pertence a mãos Reais.

Dos homens, inda que ingratos,
Ouve Deos os rogos justos:
Vós, ó Pri­ncipes Augustos,
Sois na terra os seus retratos.

Mas já o tempo opportuno
Apressa as azas escassas,
E não devo ás mais desgraças
Ajuntar a de importuno.

Acabe a triste escriptura,
Digna por tal de piedade:
Eu dei-lhe pranto, e verdade,
Vós podeis dar-lhe ventura.




_No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de
Villa Verde._


Não venho dourar enganos;
A vida não he louvor;
Pois tambem vivem Tyrannos:
Eu venho, illustre Senhor
Louvar obras, e não annos.

De homem commum não se exime
Quem não tem virtudes claras:
He pouco fugir do crime:
Consagrão-se as almas raras
A trabalho mais sublime;

A trabalho heroico: e creio
Pelo provado aforismo,
Que em sãos Filosofos leio,
Que o verdadeiro heroismo
He fazer o bem alheio.

Taes trabalhos honra dão
Á digna mão que os procura:
Não amo Heróes da ambição:
Buscão a sua ventura;
Vós buscais a da Nação.

Serem por vós levantados
Os talentos esquecidos;
Do triste os ais desprezados
Serem aos Reaes Ouvidos
Pelas vossas mãos levados;

De quem a vós se a­colheo,
Remediar o queixume;
Ter como proprio o mal seu;
He este o vosso costume,
E o genio que o Ceo vos deo.

E o Throno aos Povos propicio,
Que vigia em seu favor,
Fez-lhe o geral beneficio
De mandar, que em vós, Senhor,
O que he genio fosse Officio.

Parti­o Offi­cios pezados
Com quem os servisse bem:
São projectos acertados:
Quem do Throno o sangue tem,
Tenha tambem os cuidados.

Dai aos gratos Lusitanos
Longo tempo Mão segura
Contra injustiças, e enganos;
E seja a sua ventura
O louvor dos vossos Annos.

Mas, Senhor, moços Poetas
Vinguem meus esforços vãos:
Musas zombão de Jarretas:
Pedem-me as tremulas mãos,
Mais do que Lyra, muletas.

Fogosos Vates emprehendão
Altos vôos neste dia:
Musas com Musas contendão:
Sáião Odes á porfia;
E queira Deos que se entendão.




QUINTILHAS


_Em louvor de hu­ma Senhora._


Lyra minha, rouca lyra,
Hoje afinada consente,
Que a tremula mão te fira:
Cante huma só vez contente
Quem por costume suspira.

Louvemos Anarda bella;
Eu vejo aos astros subir
Meus versos em honra della,
E possa quem os ouvir
Adora-la antes de vê-la.

Já lédo as vozes desato:
Ouve, ó Nynfa, os teus louvores:
Não pertendo ser-te grato
Traçando com vivas cores
Teu angelico retrato.

Permitte, Anarda piedosa,
Que se farte o meu desejo
N'outra empreza mais gloriosa;
Que o menor dom que em ti vejo,
He o dom de ser formosa.

Rubra boca, os olhos bel­los,
Que brandamente movidos,
São de Amor agudos zelos;
Sobre alvo collo es­parzídos
Louros ondados cabellos;

Braço airoso, a mão de neve;
Proporcionada cintura;
Eis a tua copia breve:
Porém vôa a formosura
Nas azas do tempo leve.

Outros bens mais duradouros
Não são á tua alma esquivos,
Bens que nos annos vindouros
Valem mais que huns olhos vivos,
Que huns soltos cabellos louros.

A destruir a belleza
A curva velhice corre:
Nada conserva firmeza;
Só a virtude não morre:
Vence as leis da Natureza.

Tu, que prezas a verdade;
Que tratas falsos sujeitos
Só com a côr de amizade,
E para os sinceros peitos
Mostras ter sinceridade;

Tu, que os enganos deslizas;
Que sabes vencer desgostos;
Que a lisonja ufana pizas;
Que não vês sómente os rostos;
Que até corações divizas;

Tu, que da seria prudencia
Segues os dictames puros;
Que tens amado a innocencia,
E nos conselhos maduros
Mostras de idade experiencia;

Teu nome eterno ha de ser
Estampado entre as estrellas;
Has de as mais Nynfas vencer,
Que sómente em serem bellas
Fundão todo o seu poder.

Amão a fofa vaidade;
Dos homens a seu sabor
Prendem a solta vontade:
Trazem nos olhos amor,
No coração falsidade.

Muitas fingem desprezar
Finezas de amante rude;
Fingem os sabios amar:
Não o fazem por virtude,
Querem talentos mostrar.

De que serve huma alma pura,
Se os pezados membros cobre
Rota humilde vestidura?
Nada val hum peito nobre
N'huma grosseira figura.

Corpo esbelto, onde ajustado
Brilha, cheio de ouro immenso,
Curto fraque afrancezado;
Cheiroso, candido lenço;
O cabello apolvilhado;

Jocosas palavras ôcas;
Estes os dons relevantes,
Que deixão de vencer poucas
Das que fingem ser amantes,
E não passão de ser loucas.

Tu tens outro entendimento:
És sempre igual: não te vales
Das côres do fingimento:
Quer séria, quer rindo falles,
Não fundas torres no vento.

Rís da baixa adulação,
Mal que os teus ouvidos toca
A contrafeita expressão:
Conheces na falsa boca
O enganoso coração.

Ver sobre molle tapete,
Curvando as pernas, e os braços,
Peralta de alto topete,
Com destros miudos passos,
Dançar Francez minuete;

Vê-lo nutrindo esperanças
Entre agradaveis parceiras,
Fazer rapidas mudanças,
Torcendo as mãos nas ligeiras
Buliçosas contradanças;

Fervente rebeca ouvir,
Que infunde vivos prazeres,
Jámais te faz distrahir;
Pois antes dos Sabios queres
Sabios conceitos ouvir.

Só te vejo attenta em quanto
Ouves palavras discretas;
As Musas estimas tanto,
Que até dos tristes Poetas
Te commove o triste pranto.

Conheces seu duro mal;
Que sempre tributão fé
A coração desleal:
Que por isso em todos he
A tristeza natural.

Que ás Nynfas endurecidas
Lhes não causão terno effeito;
Que triunfão das fingidas,
Guardando dentro do peito
Inda frescas as feridas.

Porém já que ouzei fallar
De Amor nas sanguineas reixas,
Vou a lyra pendurar:
Não quero com minhas queixas
Teus louvores misturar.

Tu dirás que não tens parte
No meu mal cruento, e fero;
Que vou tristezas lembrar-te;
Dirás que affligir-te quero,
Quando desejo louvar-te.

Não te deves admirar:
Sei que em vão me estou queixando;
Mas quem sente o seu pezar,
Se principia cantando,
Sempre acaba a suspirar.




QUIXOTADA.


Espicaça esse animal,
Companheiro Sancho Pança,
Entremos em Portugal,
E vamos molhar a lança
A pró do triste Pombal.

Poetas principiantes,
Já estou em circo raso:
Tambem Apollo he Cervantes,
Tambem cria no Parnaso
Seus cavalleiros andantes.

Não vos chamo, ó sujo rancho,
Que até os versos errais;
Em tal sangue as mãos não mancho:
Para vós, e outros que taes
Sobeja a espada do Sancho.

Sobre vós carrego a mão,
Sobre vós, ó folhas velhas,
Que dais n'hum homem no chão,
Sem vos lembrar, que entre ovelhas
He fraqueza ser leão.

Essa boca enganadora,
Que he hoje da maldição,
Mil vezes se poz outra hora
Sobre a praguejada mão,
E lhe chamou bemfeitora.

Pois já que vós sois assim,
Povo revoltoso, e ingrato,
Hoje castigar-vos vim:
Ireis pelo pó do gato,
Nem esp'reis quartel em mim.

Santo Téjo, o curso enfreia,
E montando rochas duras
Torna atraz a clara veia:
Conta novas aventuras
Á formosa Dulcineia.

Nova guerra o mundo veja,
Guerra em que pouco se arrisca:
Serão armas na peleja,
Provado fuzil, e isca,
Secca, espinhosa carqueja.

Irmão Sancho, põe-te a pé,
Põe essas Rimas a prumo,
Principio á obra se dê,
Tolde o ar o negro fumo
Deste novo Auto da Fé.

Queima essas Satyras frias,
Faltas de sizo, e conselho:
Queima prosas, e poesias:
Acabe o cansado velho
Em paz os seus tristes dias.

Porém poupa sempre alguma
Das raras que tem sabor:
Das outras nem deixes huma,
Dessas que tudo he rancor,
E poesia nenhuma.

Em tanto as­ armas pendura:
Mas se houver desassizados,
Que queirão guerra mais dura,
Da minha lança cortados
Descerão á sepultura.

Já nuvens de fumo vejo:
Já chamma brilhante o arreda:
Já se farta o meu desejo;
Já da viva lavareda
Dá o clarão sobre o Tejo.

Essas cinzas denegridas,
Que ao velho poupão mil magoas,
Leve-as o Téjo envolvidas,
Fiquem no fundo das aguas
Para sempre submergidas.

Vês, Sancho, do nome meu
Como vôa a clara fama?
Nem viva alma appareceo
A apagar a voraz chamma,
Ninguem, ninguem se atreveo!

Vês como ajuda o destino.
A hum bom cavalleiro andante?
Não precizei de aço fino,
Nem de pés de Rocinante,
Nem de elmo de Mambrino.

Ó tu que alçaste a viseira
Forcejando os nervos velhos,
E para ver a fogueira
Limpaste os olhos vermelhos
Na felpuda cabelleira:

Abaixa a proa huma vez,
Chega a Dulcinea bella,
E dize posto a seus pés:
«Formosissima Donzella,
Eu sou hum triste Marquez,

«Que fugindo a hum povo inteiro,
A quem mettêra em furor
Minha privança, e dinheiro,
Vim achar mantenedor
Em teu nobre cavalleiro.

«Disse este povo malvado,
Que eu tinha o reino extorquido;
Que era gatuno afamado,
E que em jogos de partido
Tinha com todos levado;

«Que no Tabaco levava
Hum quinhão avantajado;
Que o Sabão não me escapava;
E que sem ser Deputado
Nas Companhias entrava.

«Das minhas Leis murmuravão:
E os seus pequenos juizos
Tão pouco o ponto tocavão,
Que sempre me erão precisos
Assentos que as declaravão.

«Té na lingoa sem motivo
Dérão criticos revezes:
Fiz nella estudo excessivo,
Bebi nos bons Portuguezes
_Monopolio_, e _respectivo_.

«Disse mais o povo insano,
Que perdi de Roma o trilho;
Que fui Sultão soberano;
Que andei cazando meu filho
Segundo o rito Othomano.

«Mas toda a maldade he sua:
Vêm riquezas, e palacio,
Comem-se de inveja crua:
São huns novos cães de Horacio
Ladrando debalde á lua.

«Já se me dá pouco, ou nada
Da sua guerra pequena:
Tenho gente em campo armada,
Tenho Mendoça co'a penna,
E Dom Quixote co'a espada.»

Es­ta falla, ou outra igual
Acabada, meu Marquez,
Faze rev'rencia formal,
E arrastra os gotozos pés
Para a villa do Pombal.

Nella vive descansado,
Porque as aguas vão serenas;
Sempre Ministro de Estado,
Mandando cousas pequenas
No teu Lopes encostado.

Junto á Estatua vil canalha
Desprende as lingoas tyrannas:
E se esta rude gentalha
Arrancar com mãos profanas
A carrancuda medalha:

Armas em ouro gravadas
Ser-te-hão por mim erigidas,
E por ti mesmo traçadas,
Em sangue humano tingidas,
E com mil leis penduradas.




ODE


_Offerecida a SS. MAGESTADES, no dia da Acclamação da Rainha N.
Senhora._


A vida escura em que a natureza, e a fortuna me lançárão tão longe dos
Reaes pés de VV. MAGESTADES; o medo justo de mandar huma voz fraca, e
desconhecida aos ouvidos de Reis, prenderião hoje a minha lingoa
temerosa, se o amor da Patria, e o gosto de a ver feliz, dando-me novo
espirito, me não puzessem na boca esta lingoagem, de huma alma singela,
estes versos sem arte dictados pelo amor respeitoso, e que em lugar de
enganosa, e enfeitada poesia, descobrem unicamente os sentimentos de hum
coração fiel, onde VV. MAGESTADES reinão Soberanamente.

Neste Throno, a que poucos Monarcas sobem, tem a Nação Portugueza
collocado a VV. MAGESTADES por aquelle talento de agradar, dom do Ceo,
precioso, e raro na Sagrada Pessoa dos Reis, que querem (como VV.
MAGESTADES conseguírão) ser acclamados pela alegria publica, e pela
torrente de lagrimas, com que hum povo inteiro, transportado de gosto,
levantava ás estrellas os Augustos Nomes de seus novos Reis. Eu vi,
Senhores, este grande espectaculo; foi huma scena de ternura, que
arrancaria lagrimas ainda a hum coração que não fosse Portuguez. Vi
soldados velhos, que endurecidos ao frio, e á calma, queimados com o
fogo da polvora, annunciavão hum coração de ferro, banharem pela
primeira vez de lagrimas ternissimas aquelles honrados rostos, aquellas
cerradas feridas, que recebêrão pela Patria, e que tornarião a abrir com
gosto, se o felicissimo Reinado de VV. MAGESTADES não estivesse
destinado á paz, e á felicidade dos seus povos; era preciso ser
insensivel para que no meio de hum povo entregue á doce, e tumultuosa
desordem, que cansa a alegria excessiva, se conservasse a minha alma na
sua situação ordinaria; prendeo nella huma faisca do fogo sublime, que
eu vi atear nos corações Portuguezes: a alta idéa das Virtudes de VV.
MAGESTADES, a multidão de beneficios com que vemos dourados os dias do
seu faustissimo Reinado, huma longa serie de felicidades aberta no
futuro diante dos meus olhos, me levarião a través do povo, e das armas
ao Throno dos Reis, onde á face do Ceo, e dos homens me desentranhasse
em gritos de alegria, e mostrasse nesta especie de delirio, que o
coração de VV. MAGESTADES não trabalha para ingratos; mas o profundo, e
sagrado respeito, que pôde suffocar em mim este impeto de ternura, não
pôde fazer callar-me; levado da invencivel força do amor, e do
reconhecimento, me atrevo a pôr na Real presença de VV. MAGESTADES
grandes cousas em máos versos; ponho a simples verdade, ponho os votos
da Nação, e algumas das muitas acções de piedade com que VV. MAGESTADES
tem mandado contentes os que levão por valia a razão, ou as desgraças.
Se VV. MAGESTADES do alto do Throno se dignarem lançar os olhos sobre
estes humildes versos, reconheceráõ nelles não o Estro que faz Poetas,
mas o que faz vassallos amantes de seus Soberanos. Estro sublime, e que
deve tocar mais no coração dos Monarcas, do que o das Odes famosas de
Pindaro, e de Horacio, cheias da mais bella poesia; mas filhas da arte,
e da lisonja, e onde não fuzila aquella luz de verdade, que dará logo
nos Reaes olhos de VV. MAGESTADES, se eu tiver a incomparavel honra de
que este papel seja apresentado diante do Augusto, e Respeitavel Throno
dos Pais da Patria, dos Amigos, dos Bemfeitores, dos Reis adorados da
felicissima, e sempre fiel Nação Portugueza.




ODE.


    Das virtudes guiados
Subí ao alto Throno, oh Reis Augustos;
    Nem sempre esquivos fados
Se nos hão de mostrar surdos, e injustos:
    Abrem vasto thesouro,
E nos mandão por Vós a Idade de Ouro.

    Do Rei aos Ceos erguido
O Reino, e o coração tendes herdado,
    Benigno, enternecido,
De mil virtudes solidas dotado;
    Por genio piedoso,
E digno em fim de tempo mais ditoso.

    Da Eterna Providencia
Os beneficos raios fuzilárão;
    Já se estima a innocencia,
Já os tempos de Ferro se abrandárão,
    Já vem o ar talhando
A Piedade, e a Justiça os braços dando.

    Com subita alegria
Tornai a ver os conhecidos lares,
    Tornai a ver o dia,
Vós que habitastes horridos lugares,
    Lugares deshumanos
Onde passastes dez, e outros dez annos.

    Do chão desentranhados
Vinde jurar os novos Reis felizes:
    Nos pulsos descarnados
Mostrai ao Povo as roxas cicatrizes,
    E os grilhões inda quentes
Na praça triunfal deixai pendentes.

    Que lagrimas levaste,
Patrio Téjo, na tua escura veia
    Quando turvo passaste!
E as ondas, que quebravas sobre a areia,
    Que cinzas que regárão!
Que triste sangue para o mar levárão!

    Mas torna, oh manso Téjo,
Torna a volver corrente prateada:
    Já taes males não vejo:
E até já foge a nuvem carregada,
    Que á triste Lusa terra
Promettia fatal, e pronta guerra.

    De pelouro violento
Não vê cahir o exangue companheiro;
    E dorme ao som do vento
Em campo aberto o molle pegureiro;
    O lavrador cantando
Em paz herdados campos vai cortando.

    Da sorte das batalhas
Livrai, Piedosos Reis, os Portuguezes;
    Pendurem duras malhas,
E os temperados lucidos arnezes
    Os ardidos soldados
Das lagrimosas Mãis em vão chamados.

    Que dias florecentes
Ao vosso fiel povo preparastes!
    Quando com mãos prudentes
O pezo dos negocios espalhastes
    Sobre os hombros robustos
De Ministros inteiros, sabios, justos.

    Gemêo maniatado
Longo tempo o infeliz merecimento;
    Mas já, o collo alçado,
Sacode o negro pó do esquecimento,
    E a virtude innocente
De illustres palmas lhe coroa a frente.

    Já vingadas seráõ
Do vil tutor as timidas donzellas;
    Já não erguem em vão
As mãos, e os tristes olhos ás estrellas;
    Nua de falsidade
Aos ouvidos dos Reis chega a verdade.

    Mil louvores lhe cantão,
O limpo coração pondo no rosto:
    E n'alma lhe levantão
Novo Throno, sobre ella melhor posto,
    Que entre espessas falanges,
Que sobre ouro, ou perolas do Ganges.

    Novos Reis Soberanos,
Que hoje as rédeas tomais do Reino vosso,
    Os Fastos Lusitanos
Dirão de Vós o que eu dizer não posso:
    Vossa Augusta Memoria
Abrirá largo campo á longa Historia.

    Sem trabalho podeis
Fazer feliz a gente Portugueza,
    Seguindo as santas leis,
Que n'alma vos gravou a Natureza,
    A rara humanidade
A incorrupta Justiça, a sã Verdade.




_No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de
Angeja._


ODE


A rouca Lyra, Musa, temperemos,
    Cordas de ouro lhe ponho:
O triste Boticario em paz deixemos,
    E o Gamaõ enfadonho;
Inspira-me huma vez sonoros hinos,
Que Apollo julgue deste dia dinos.

Ensina-me a louvar do Illustre Angeja
    Talentos sup'riores;
Que soffreo os­ assaltos d'alta inveja,
    Como soffre os louvores;
Cuja alma não conhece vís mudanças,
Ou corrão tempestades, ou bonanças.

Sem temor estalar o raio ouvia,
    Que ao perto fuzilava;
O recto coração tendo por guia,
    Seguro caminhava;
Em vão medonha tempestade freme,
Seu grande coração só crimes teme.

Ao pé do Throno Augusto em fim chamado
    Venceo a crua inveja;
Quem no Conselho o poz dos Reis ao lado
    Não foi sangue de Angeja,
Não foi de Hespanha antigo Filhamento,
Foi sã justiça, foi merecimento.

Não revolvo a Real Genealogia
    De Henrique, e de Fernando;
Os sãos louvores deste grande dia
    De ti mesmo tirando,
Só louvarei com paternaes façanhas
Quem seu nome dever a mãos estranhas.

Vias correr teus dias socegados­
    Nutrindo esse alto esp'rito
No que ficou dos seculos dourados
    Em prosa, ou verso escrito;
Recolhendo na próvida memoria
De estranhos Reis, e de teus Reis a historia.

Outras vezes rasgando á vasta terra
    Seu peito cavernoso,
Ou descobrindo quanto o mar encerra
    De raro, e precioso,
Profundavas com seria madureza
Os segredos da occulta natureza.

De tão doces estudos arrancado
    Por mais altos destinos,
Da Lusa gente, e de seus Reis chamado
    A empregos de ti dinos,
Sacrificas aos novos Soberanos
De maduro saber teus cheios annos.

Permitta o Ceo que em taes trabalhos vivas
    Claro nome estendendo;
E que as douradas horas fugitivas,
    As azas encolhendo,
Fação que o tempo demorando o passo
Sinta a fouce cahir do frouxo braço.

Que cem vezes raiando este bom dia
    O Oriente esclareça;
Que imperturbavel solida alegria
    Com elle te amanheça;
Que em naturaes ternissimos affetos
A mão te beijem Netos de teus Netos.

Mas deixa, ó Musa, a frouxa poesia
    Para assumptos menores;
Não profanem de Angeja a gloria, e o dia
    Importunos louvores;
Pois inda que soubesses dirigi-los,
Quer merece-los; mas não quer ouvi-los.

Engana-te o dezejo, que te inspira,
    Reconhece o teu erro;
Se vês, que só ajustão nesta lyra
    Negras cordas de ferro,
Não torças, não, teu misero fadario:
Torna ao Gamão, e ao triste Boticario.




ODE


_Ao Senhor D. Domingos de Assís Mascarenhas._



    Clio huma setta tira
Da aljava de ouro, que pelo ar vazio
    Longe correndo fira
Junto ao Mondego saudoso rio:
Alli em torno ás suas margens vôe,
E por feliz tres vezes o apregôe.

    As claras aguas regão
Plantas bellas, fecundas, generosas:
    Com desvelo se empregão
Em cultiva-las mãos industriosas:
Quão doces fructos, quão cheirosas flores
De taes aguas, taes plantas, taes cultores:

    Ergue, illustre Mondego,
Ergue tua cabeça sobre as agoas:
    Assás no fundo pégo
Choraste hum tempo tuas tristes magoas.
Olha teus campos como esmalta agor­a
Em formosa união Pomona, e Flora.

    Ó seio de candura,
Mascarenhas, Tu és o alvo, a méta,
    Que anciosa procura
Da minha Clio a empennada setta.
Tu na alma paz, na sanguinosa guerra
Pódes ornar a tua, e alheia terra.

    Mas boa sorte mude
Meu dito, e a outra parte te não chame
    E onde tanta virtude
Tem a raiz, os fructos seus derrame;
Nem menos tempo o Sol illustre, e aquente
A quem o vio desde o seu claro oriente.

    Porém, se he ordenado
Da Providencia sabia, santa, eterna,
    Christão peito humilhado
Adora o Summo Ser que assim governa:
Antes se goza, e dentro n'alma estima
Que Astro tão bello alegre mais d'hum clima.

    Entre tanto diffunde
Na Patria tua luz copiosa, e clara;
   Que, se logo confunde
Os fracos olhos, depois guia, e aclara.
Arda ante incertos pés (e gritem vicios)
Alta tocha, que mostre os precipicios.

    Constancia! que guardado
Está o galardão a teus suores,
    Onde em cume estrellado
Vibra o Templo da Gloria resplandores.
Dalli olhos não tires; que ao trabalho
He doce viração, he fresco orvalho.

    Tu, e esse Coro illustre
De mancebos Heróes, que se obrigárão
    A dar ao mundo lustre,
Quando o alto sangue dos Avós herdárão;
Concebei novo fogo, e novo brio
Ouvindo onde vos chama a minha Clio.

    Oh, se alguem me puzesse
Nas margens do Mondego claro, e frio:
    Certo me não vencesse
Cysne de Dirce sobre o patrio rio.
Alli tão docemente vos cantára,
Que a ouvir-me feras, montes abalára.

    Mas engenho ir recusa
Onde ir Amor, e Gratidão me incita:
    Nescia, se o esperas, Musa!
Não corre lasso pé 'strada infinita.
Almas illustres, havereis sómente
O dom sincero de hum dezejo ardente.

    Só mal sonora rima,
Que sem veia forjou saudade, e zelo,
    Leráõ o amavel Lima,
O sabio Castro, e o profundo Mello,
Pedras, que tu mal soffres, ó Lisboa,
Faltarem tanto tempo á tua c'roa.




_Em louvor da Saude._


ODE.


Não procura palacios sumptuozos
    A brilhante Saude;
O seu rosto agradavel, e rizonho,
    Até aos Reis se esconde:
Ella faz com que seja venturozo
    O roto Peregrino,
Se entre a negra gadelha, lhe apparece
    Hum semblante sádio.
O Captivo Remeiro fatigado,
    Do ardente Sol não fuja:
Em ferros envolvido o duro corpo,
    Trabalhe o dia inteiro:
O queimado semblante ande banhando
    De violento suor:
Apressado mastigue, e poucas vezes,
    O corrupto biscoito:
Mas tenha o rosto alegre, e socegado
    Entre as duras prizões,
Se á pallida doença não tem visto
    O macilento aspeito;
Se com braço membrudo, e vigorozo
    Força o remo pezado.
Inda sinto inflammar-me em teus louvores,
    Oh Saude aprazivel!
Tu és Filha do Ceo, Mãi da alegria,
    Dom de Deus Piedoso.
Se os miseros mortaes expõem a vida
    Por danozas riquezas;
Por ellas que farião, se servissem
    De te fazer propicia?­
Filha do Ceo benigno, se te déras
    Por ouro, ou fina prata,
Eu não temêra as tempestuosas ondas
    Do fervido oceano:
Nos occultos sertões iria entrando
    Co'a mesma côr no rosto;
Não me assustára o dente venenozo
    Da enroscada serpente;
Do fertil oriente nos outeiros
    Cavaria anciozo,
Por ver se das entranhas te trazia
    Abundantes thesouros.
Mas a bella Saude, he dom celeste;
    Com ouro não se compra:
Ella foge dos impios, que se assentão
    A saborozas mezas;
Que adormecem em leitos guarnecidos
    De preciosas sedas;
E vai guardar, com próvido cuidado,
    O simples Pescador,
Que sobre ásperas rochas, sem abrigo
    Aos rigorozos tempos,
Vai nutrindo no corpo mal vestido
    Hum coração sincero;
Que humilde sabe erguer ao Ceo piedozo
    As innocentes mãos.


FIM.




INDICE.


SONETOS.


_A Sua Alteza_      Pag. 3. 4. 31.

_Sahindo Conselheiro da Fazenda o Illustrissimo, e Excellentissimo
Senhor D. Diogo de Noronha_      5.

_Aos leques mui pequenos, chamados Marotinhos_      6.

_O cruel Disfarce_      7.

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Visconde de Ponte de
Lima, Secretario de Estado_      8.

_Fazendo annos a Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza
de Angeja_      9.

_Aos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de
Avintes_      10.

_Estando nas Caldas_      11.

_A huns Annos_     12.

_Ao Disfarce das Mulheres_      13.

_A huma Camponeza_      14.

_A huma Dama interesseira_      15.

_Ao faustissimo dia da Inauguração da Estatua Equestre d'El-Rei
Fidelissimo o Senhor D. José I._      16.

_Descripção de Badajoz_      17.

_Á Serenissima Princeza entrando no banho_      18.

_Levantando-se o Author da meza de hum Grande por serem horas de ir para
a Aula_      19.

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva, chegando
o Author á Quinta das Lapas_      20.

_Descripção de hum Peralta amaltezado_      21.

_Aos Annos do Serenissimo Principe N. Senhor_      22.

_A hum Leigo Arrabido vesgo_      23.

_Aos Toucados altos_      24.

_Mettendo a ridiculo humas Contradanças_      25.

_Por occasião de estranharem ao Author hum sonho que a ninguem offendia_
26.

_Á moda dos Chapéos maiores da marca_      27.

_Ás Fivelas chamadas_ à la Chartre      28.

_A huma Velha presumida_      29.

_Aos Annos de huma formosa Dama_      30.

_A hum Padre Guardião_      32.

_Em louvor de Caporalini, Actor do Theatro de S. Carlos_      33.

_Achando-se o Author prezo dos bellos olhos de Marcia_      34.

_Sobre a Ingratidão de huma Dama_      35.

CANTIGAS _feitas nas Caldas_      36.

ENDECHAS      39.




DECIMAS


_Em dia dos annos do Illustrissimo Principal Almeida_      45.

Mote: _Olhos de Lize, olhos bellos, &c._      47.

Mote: _Tu teimas em desprezar-me, &c._      50.

Mote: _Não sei que quer a desgraçada, &c._      53.

Mote: _Os meus olhos a chorar_      56.

Mote: _Já disse tudo a Cupido_      57.

Mote: _Distancias, e saudades_      58.

Mote: _Cantarei alegres penas, &c._      59.

Mote: _Nada no mundo figura, &c._      60.

Mote: _Amor para me prender, &c._      61.

Mote: _A minha felicidade_      62.

Mote: _Quem adora occultamente &c._      63.

Mote: _Nos olhos o amor explico, &c._      66.

Mote: _Por passos sem esperança, &c._      69.

Mote: _Eu já tenho exp'rimentado &c._      70. 71.

Mote: _Ouvi, ó Senhora, ouvi, &c._      72.

Mote: _Hei de amar-te até á morte, &c._      75.

Mote: _Toda a Mulher he perjura_      78.

Mote: _De mil suspiros que eu dou_      80.

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva_      79. 81.

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde_      82.
84. 87. 94.

_Vagando hum Officio que o A. pertendia_      88.

_Ao Doutor Joaquim Ignacio Seixas, Medico das Caldas_      89.

_A hum Pregador celebre_      90.

_Carta a Lourenço da Mota, Official da Secretaria_      91.




QUADRAS.


_Ao Juiz do Crime de Andaluz_      95.

_Memorial a Suas Altezas_      98.




QUINTILHAS.


_No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de
Villa Verde_      103.

_Em louvor de huma Senhora_      106.

_Quixotada._      114.




ODES.


_A SS. MAGESTADES, no dia da Acclamação da Rainha N. Senhora_      122.

_No dia dos Annos do Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de
Angeja_      132.

_Ao Senhor D. Domingos de Assís Mascarenhas_      137.

_Em louvor da Saude_      142.





Notas:

[1] _Duvidoso._

[2] _O Marquez de Pombal._

[3] _Tem allusão ao Soneto VI._

[4] _Duvidoso._

[5] _Duvidoso._

[6] _Os Márques comprárão em Lisboa humas casas a certo homem da mesma
por preço exorbitante: feita a escritura, e passado o dinheiro em
cartuxos, voltou brevemente o vendedor dizendo que indo em casa a contar
os cartuxos achára cobre, e não ouro. Quem compra por preço tal, parece
que não faz tenção de pagar: Quem vende por tal preço, parece ter
demasiada cubiça. Todos estavão em boa reputação._

[7] _Estas Decimas fez o A. em agradecimento de ser provido pelo
Principal, então Director dos Estudos, na Cadeira de Rhetorica, de que
depois se queixou tanto._

[8] _Outro Pregador tendo bebido demasiado, chegou ao pulpito, e só
pronunciou estas palavras:_ Sempre me deito.





End of Project Gutenberg's Obras posthumas, by Nicolau Tolentino de Almeida

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK OBRAS POSTHUMAS ***

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Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
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