Um brado contra as monterias de cerco aos Lobos na Provincia do Alemtejo

By Mira

The Project Gutenberg EBook of Um brado contra as monterias de cerco aos
Lobos na Provincia do Alemtejo, by José Paulo de Mira

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Title: Um brado contra as monterias de cerco aos Lobos na Provincia do Alemtejo

Author: José Paulo de Mira

Release Date: June 5, 2009 [EBook #29039]

Language: Portuguese


*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK UM BRADO CONTRA AS MONTERIAS ***




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                       UM BRADO CONTRA AS MONTERIAS
                                    DE
                              CERCO AOS LOBOS
                                    NA
                           PROVINCIA DO ALENTEJO

                                    POR

                             JOSÉ PAULO DE MIRA




                                   EVORA
                  Typ. de F. C. Bravo--Rua de Aviz 23 e 25
                                   1875




                       UM BRADO CONTRA AS MONTERIAS
                                    DE
                              CERCO AOS LOBOS
                                    NA
                           PROVINCIA DO ALENTEJO

                                    POR

                             JOSÉ PAULO DE MIRA




                                   EVORA
                  Typ. de F. C. Bravo--Rua de Aviz 23 e 25
                                   1875




UM BRADO CONTRA AS MONTERIAS
DE
CERCO AOS LOBOS NA PROVINCIA DO ALENTEJO


E por quem? por quem foi antigamente um grande enthuziasta dellas... mas
por isso mesmo, pela grande pratica e experiencia que tem do objecto, é
agora contrario a ellas, desde que carecem os meios de que antigamente
se dispunha para a boa ordem, execução e resultado dellas. Fallo pela
experiencia não só por ter assistido a muitas, como tãobem por ter
planeado e derigido não poucas, tãobem por que revendo os planos
antigos, aonde encontrei alguns muito bem elaborados, em outros tive de
emendar o local da partida de alguns pontos, por isso que se deve ter em
vista a qualidade do terreno a percorrer com relação aos outros pontos,
por uns terem de atravessar terreno dobrado muito matagoso e ribeiras a
atravessar, quando outros pontos teem só terreno plano sem ribeiras e
matto fraco. Alem disto tãobem tive de mudar o centro de algumas
montarias, porque estes devem ser em uma bacia, donde o cerco geral,
quando chegue ás bandeiras, se possa vêr todo de um lado ao outro
fronteiro, não ficando parte alguma do cordão em cóva funda donde se não
possa observar o bello aspecto do cerco, todo por igual, porque é então
difficultoso poder se conter o povo nestas cóvas sem que corrão para as
alturas a presencear o que se passa, e então se matta, para depois
irem contar etc. Tãobem se deve ter em vista que estes centros do cerco
não tenhão matto muito forte, pelo perigo que ha dos caçadores atirarem
direito uns aos outros sem se vêrem, mas sim ser o terreno de charneca
ou matto curto e sufficiente a que os lobos vão para ali de vontade
julgando poderem-se esconder ou acoutar. Isto era quando ainda havia os
elementos proprios de que se dispunha, e depois na tranzição de faltarem
estes até ao completo acazo da boa ou má execução dellas.

Invoca-se na actualidade montarias de cerco, só lembrados do bom exito
que ellas antigamente produzião, mas não se lembrão que isso é
impossível agora por faltarem os meios de que então se dispunha, e da
submissão a que os povos estavão custumados a obdecerem ás authoridades
fossem ellas quaes fossem.

Antigamente era a gente das povoações e dos montes sujeitos ás
ordenanças, avizados pelos cabos para comparecerem no dia e local, aonde
se mandavão reunir, e então ali o alferes ou patente superior dellas
mandava fazer a chamada, e todos aquelles que tinhão sido avizado e não
compareciam sem motivo justificado erão depois presos na cadêa os dias
que o sargento-mór ou capitão lhes marcava. Alem disto todos os
milicianos concorriam ás monterias debaixo das ordens dos seus
superiores, e estes responsaveis em fazer cumprir as ordens que recebião
para executar sobre o plano da monteria no seu ponto a percorrer, e
tãobem erão castigados os milicianos que não comparecião. Tãobem
igualmente ia a tropa de linha, (e principalmente aqui os de cavallaria)
indo seu piquete com superior para cada um dos pontos marcados ás ordens
do director d'aquelle ponto, para o coadjuvar no seu bom desempenho, e
mesmo prender algum transgressor ás ordens por este mandada, etc.

Todos os diversos directores de cada um dos pontos erão obrigados a
fazer conduzir, até ao centro do cerco ao local aonde estivesse a
authoridade superior directora daquella monteria, toda a caça morta pela
gente do seu ponto, de rapoza incluzivé para cima; e só então depois de
findada a monteria e todo o resultado ali reunido é que a auctoridade
superior dava a ordem para cada um dos caçadores poder retirar e dispor
daquillo que matou. Com todos estes elementos de ordem e sujeição, e
marchando todos á mesma hora, cada um dos diversos pontos, que para isso
se escolhião de proposito os sitios das diversas reuniões o mais
uniformes possiveis para todos terem a mesma distancia a percorrer; e
marchando logo destes sitios não só para diante, mas sim para os dois
lados a dar logo as mãos (ou encontrar) os visinhos dos outros pontos
que tão bem fazião outro tanto; assim mesmo era ás vezes difficultozo de
vir sempre um grande cordão de gente em boa ordem, sem que por qualquer
motivo (como passagem de ribeiras, etc.) se não despegasse mais ou
menos, principalmente em quanto não chegavão a meio caminho, que então
já o cordão principiava a vir mais junto e depois a filas dobradas. Por
isso mesmo quando dirigia algumas era necessario ter comigo tres ou mais
criados a cavallo, e quando estando no centro observava pelo som dos
tiros que algum dos pontos vinha muito adiantado aos outros do lado
opposto, tinha de mandar correr fogo ia a tempo e horas a avizar o
director de um para demorar mais a marcha, assim como a outro para a
abreviar afim de todos chegarem ás primeiras bandeiras brancas quasi ao
mesmo tempo, local este aonde estavão collocadas as esperas, e depois de
todos terem chegado ao dito local então se dava o signal, para marcharem
até ás bandeiras vermelhas, aonde só entravão os caçadores das esperas a
acabar de matar alguma couza. Ora isto era observado quando ainda havia
taes quaes elementos de ordem.

Posteriormente nas ultimas monterias que derigi, (sempre a pedido da
authoridade superior) além da gente avisada por ella officialmente pelos
administradores de concelho, regedores etc., escrevia eu particularmente
a todos os amigos lavradores de todas as diversas freguezias a
empenhal-os particularmente para coadjuvarem o bom desempenho daquelle
serviço por si e pelos seus subordinados; ia de vespera para o local do
centro a colocar as duas ordens de bandeiras e no dia designado logo
pela manhã ia ao sitio aonde se mandava reunir os esperadores, e
marchava então com elles, a collocal-os convenientemente em roda das
primeiras bandeiras, e não aonde cada um se queria ir pôr de espéra,
porque assim podia mais facilmente haver uma desgraça de se atirar em
direcção a outro sem se saber de tal; além da ajuda dos criados para
irem avizar os diversos pontos para chegarem todos quasi ao mesmo tempo,
ia eu pessoalmente correr e observar a maneira como vinha a maior parte
do cordão, e o que observava então? Grande parte dos lavradores (a quem
a monteria interessaava directamente) encontrava-os em grupos, ou
merendando e despejando as borrachas com grande gritaria de ancia, ou
vinhão reunidos pelas estradas tratando e conversando nos seus negocios
(menos no objecto da monteria) quando não vinhão esperimentando qual das
suas cavalgaduras andava ou corria melhor, muito mais adiantados do que
o cordão; e quando os admoestava para darem o exemplo, ás vezes me
responderão que tinhão ido para se divertirem. Ora isto era em couza que
directamente lhes interessava a elles na maior parte, por isso com que
direito podião exigir do sapateiro (por exemplo) que fosse pelo mato
rasgar o seu fato, quando a elle os lobos não lhe ião a caza comer a
alcofa, as sovélas e o seról!!... Felizmente com esta ainda que pequena
ordem sempre se matou algum lobo, e não houve desgraça de gente morta
a lamentar; desde então vendo a impossibilidade de conseguir a boa
ordem e subordinação nas monterias de cerco, desisti de ser influente
dellas e a algumas outras a que assisti posteriormente como mero curiozo
vi sempre a desarmonia que em todas se dava, nunca chegando o cordão a
tempo uns dos outros; sendo alias delle donde depende o bom exito, vindo
alguns pontos com mais de uma hora de adiantamento aos outros, fugindo
os lobos pela abertura ou vacuo que havia de uns aos outros, cada um
fazia o que queria, cada qual ia pôr-se de espera onde bem lhe parecia,
e o resultado quasi sempre era não se matar lobo algum, ainda que fossem
vistos alguns, mas só sim se matava muita caça, que era o principal
ponto de se juntar muita gente com essas vistas.

Deixei afinal, de ir a ellas mesmo como particular pela impressão
desagradavel, que me cauzava tanta desordem, e sem vêr geito algum de
tal se poder remediar; o não haver muitas desgraças a lamentar por todos
atirarem sem ordem é isso devido ao acazo ou Providencia Divina;
antigamente ninguem ia para as esperas senão os caçadores escolhidos
para isso em todas as freguezias, e ião munidos de uma cedula
destribuida pela authoridade apresentar-se ao director da monteria, para
este os collocar convenientemente no sitio destinado; presentemente vai
para as esperas quem quer, pôr-se aonde lhe parece, e cada um faz o que
lhe apraz; antigamente quando algum director dos diversos pontos ouvia
atirar na sua frente sem ser no local das bandeiras brancas, ia ou
mandava logo lá obrigar essa pessoa a encorporar-se no cordão;
presentemente que cada um faz o que quer e principalmente depois de
estarem vulgarisadas as espingardas de dois cannos, vão certos curiosos
com um canno da espingarda atacado de bala, e o outro de chumbo
adiantados do cordão fazendo, esperas parciaes a que chamão esperas
falsas, não atiram senão de frente ou mesmo enquilhado de cara a
algum lobo que vem recolhendo ao centro da monteria, fazendo fugir este
para traz ou para os lados, e indo rompêr o cordão para traz por ás
vezes ainda vir este com intervalos de uns aos outros, como tãobem
atirão á caça miuda que lhe apparece, fazendo do cordão seus cães que
lhe espantão a caça para elles se irem divertindo.

Na monteria de cerco por mais bem calculada que seja das distancias dos
diversos raios ao centro que os pontos teem a percorrer, e por mais bem
dadas as ordens para todos cumprirem, com a falta dos elementos que
antigamente havia de que então se dispunha, é agora prezentemente
impossivel executar-se o seu plano á risca, e por isso muito duvidozo
senão ineficaz o resultado. Estas monterias não se podem fazer de
inverno por cauza das ribeiras cheias (ainda que o dia não amanhecesse
chuvozo) por ter infallivelmente o cordão de se partir em ir procurar
sitio de as poder atravessar; tãobem se não podem fazer de verão por
cauza do grande calor; e ter o cordão de se partir em procura de agua em
algum poço para então a gente beber etc. Por isso geralmente para se
evitar estes dois inconvenientes estava em uzo fazerem-se na primavera;
assim mesmo nesta occasião teem muitos inconvenientes. Varios lavradores
que eu conhecia e que não erão apaixonados de caça, quando erão avizados
para irem ou mandarem os criados a estas monterias como ainda era em
tempo de andarem com a sementeira do tremez, não querião perder um dia
bom de sementeira, e então não ião, nem mandavão os criados, e ás vezes
para que os visinhos não dissessem que não mandavão ninguem, mandavam
então o rapaz ou velho que guardava as bestas comparecer ao sitio da
partida, com ordem de no meio da batida ficarem-se para traz e voltar
para o monte; quando depois sabião do resultado da monteria (que quasi
sempre era nenhum) dizião que tinha sido por mal dirigida, mas nunca
por mal executada; que era a principal cauza de cada um presentemente
fazer o que quer.

Estas monterias de certo tãobem teem outros inconvenientes; a fazerem-se
em domingo ou dia santo, alem de ter de se ouvir missa ao nascer do sol,
tendo de antemão todos os Parochos annunciado nas freguesias a missa
para aquella hora, por ser uma hora geralmente mais certa, nunca o
cordão pode logo marchar em boa ordem, visto que umas freguezias ficão
muito mais distantes do local de principiar a batida, do que outras;
alem disto, nem todos os lavradores podem nesse dia santo, obrigar os
seus criados a comparecer áquelle trabalho, e só vão os apaixonados de
caça; a fazerem-se em dia não sanctiticado, quantos jornaes de trabalho
senão perdem nesse dia?

Eu já assisti a uma calculada em 5 mil pessoas, mas geralmente quasi
todas se calculavão por 2 ou 3 mil pouco mais ou menos, por conseguinte
consideremos com pouca diferença pelo menos em mil, os jornaes perdidos
e vejão por quanto ficão um ou outro lobo que se consegue matar, quando
agora pela maior parte das vezes se não mata nenhum!!! alem disto não
fica so aqui o prejuizo; com que direito hade ir um cordão de gente
unida, e afinal de filas dobradas ou triplicadas, passar por cima das
cearas que estão, semeadas que por via de regra naquelle terreno do
cerco a maior parte dellas são centeios, e por conseguinte naquela época
da primavera já estão encanados ou espigados, e por isso os tenho visto
ficar todos de rasto?! Aonde está aqui o direito de propriedade que o
codigo civil quer manter? como se combina o tempo defezo para a caça
poder criar, e se permitte a monteria de cerco a que pouca ou nenhuma
caça escapa, principalmente do meio do cerco em diante, quando o cordão
vem já todo unido? para isso antes não prohibir o tempo de se caçar,
porque morre mais caça em um só dia de monteria de cerco,
(principalmente se está de algum calor) do que se caçasse livremente em
todos os mezes prohibidos. A caça escapa ao caçador ficando acamada ás
vezes na distancia de um a dois metros, não dando ás vezes o cheiro
della ao cão, e se acazo se levanta pode escapar ao tiro e já fica
livre, mas não acontece o mesmo na monteria de cerco porque forçosamente
hade ser levantada, e senão morre aos primeiros tiros não escapa dos
segundos ou vae morrer ao cordão fronteiro, as perdizes pela maior parte
são apanhadas á mão já cançadas, ou a pau, ou a dente de cão etc. nada
escapa de caça, e é o fim porque agora no tempo de se prohibir o caçar,
grande parte dos caçadores instão com os lavradores, para estes pedirem
e alcançarem licença da authoridade superior, para nestes mezes de
março e abril, fazerem monteria aos lobos, mas a verdadeira causa é de
irem só caçar á caça miuda, com o pretexto da monteria aos lobos;
pergunto eu agora aonde estiverão todo o anno escondidos os lobos que só
agora se queixão delles aparecerem e perseguirem os gados?
desenganemo-nos e fallemos claro, o principal fim das monterias de cerco
nesta epoca, é para sofismar o tempo defezo para se ir caçar a caça
miuda; porque não se lembrão ou requerem estas monterias em setembro e
outubro, ou mesmo em janeiro e fevereiro não estando as ribeiras cheias,
porque nestes mezes não prejudicão tanto a agricultura nem se complica
com a vedação?!

Se á pouco forão menos mal suceddidos, na monteria que fizerão no
districto de Beja no dia 7 de março, e que conta o Diario Popular do dia
20 terem ali morto 6 lobos, fique esta para desconto das outras que teem
feito aonde não teem matado nenhum, ou quando muito um só. Lá memo
confessa a descripção da monteria, que mais se matarão se os povos do
lado da ribeira de Alvito, cançados de esperar pelo atrazo em que vinhão
os do Torrão, não tivessem debandado antes de se cerrar o circulo, e
nisto confirma todas as minhas asserções de longa pratica, na falta
de boa ordem.

Do contrario me admiraria eu, se podesse ter sido executada em boa ordem
como é o indispensavel, para o bom exito; se houvesse agora os elementos
de ordem antigos, podião nessa monteria terem-se matado mais de 20 lobos
a que atirarão, tudo por falta de ordem no cordão do cerco, como tambem
por que as esperas se colocavão aonde queriam, e algumas começarão logo
em atirar á caça miuda, o que nunca foi em tempo algum permittido; sei
destas couzas por me serem logo narradas por cartas de pessoas
fidedignas. Tãobem nessa occasião da monteria mandei um lobo bom para o
Muzeu Nacional, não porque fosse lá morto na monteria nem no terreno
destinado para ella, mas sim por gente das Alcaçovas que de caminho o
matarão na Quinta do Duque, aonde poucos dias antes tinham atirado a
tres e os tinham errado, mas desta vez cahio um na sorte de ser morto.

Se prezentemente se podesse dispôr dos meios com que antigamente se
contava, então nestas monterias de cerco não deveria agora escapar lobo
algum, por isso que os campos desde 1834 para cá, estão muito mais
limpos de mato, com o grande augmento de agricultura, e limpeza dos
arvoredos de montado, o que facilita a que o cordão podesse vir agora em
boa ordem, avistando-se uns aos outros, o que antigamente não succedia,
porque havia leguas de matto forte pegado, e debaixo dos montados o
matto pegava com a rama do arvoredo; assim mesmo a boa ordem era tal, e
todos empenhados no cumprimento dos seus deveres, que apezar da
difficuldade do terreno tão matagozo, sempre se conseguia maior ou menor
resultado. Em uma monteria que se fez no districto d'Evora na serra de
Alpedreira, no tempo do Brigadeiro Cairo, a que assistio quasi todo o
regimento de cavallaria n.º 5 (á qual não pude assisar, mas
contarão-me logo) juntarão-se no monte da serra, centro da dita
monteria?42 Lobos, 5 Javalis, 6 Corsos, 600 Rapozas, 10 Gatos cravos, e
varios outros bichos menores; agora presentemente aquelle mesmo terreno
da serra de Alpedreira está tão limpo, que até poucos coelhos tem.

Posteriormente a outra monteria (a que eu assisti) no mesmo local e
plano, juntaram-se?22 lobos, 3 Javalis, 2 Corsos, 212 Rapozas, 4 Gatos
cravos, 6 ditos bravos, 4 Teixugos, e varios outros bichos menores, de
que me não recordo o numero por não lhe ligar nesse tempo importancia,
nunca me lembrando o ter de fallar em tal: dahi então começou o periodo
de faltarem os elementos de ordem e sujeição, de que dantes se dispunha
para taes monterias; por isso ao passo que o terreno se facilitava para
melhor desempenho, o resultado cada vez era peior, até chegar a ser
quasi sempre nullo, tudo isto devido á falta de ordem no cordão e em
tudo o mais, porque ainda que o cordão venha em tal ou qual boa ordem em
varios pontos, como nos outros não succéda o mesmo, por ali fogem os
lobos em sentindo tal ou qual fraqueza em um ponto, visto que os lobos
correm legoas de uma parte a outra em procura de qualquer descuido, por
isso que são muito desconfiados, presentido, e astuciozos, o que não
succede á outra caça.

Já me teem objectado que havendo ainda tropa, porque se não requesitava
agora esta, a vêr se se conseguia a mesma boa ordem antiga; pelo amôr de
Deus!! nem pensar em tal. No momento em que qualquer soldado
dezembainhasse a espada, para dar uma pranchada em quem desobedeceu ou
respondeu mal, no mesmo instante todos os mais paisanos viravam logo as
armas contra elle, tomando o partido do delinquente, e então sabe Deus
até que ponto chegaria a desordem, com tal gente insobordinada e armada,
é melhor saber prevenir, do que arriscar a tal conflicto depois de tanta
desmoralização social.

Como tenho sido severo em desaprovar na actualidade as monterias de
cerco, deverei agora ao menos propôr algum alvitre que julgue mais
adquado, para de alguma maneira substituir estas. Antes julgo mais
preferivel e exequivel, toda e qualquer batida parcial com esperas
colocadas no local proprio, porque desta maneira não se estragam as
cearas de cada um, e só sim se batia o mato destinado a tal batida ou
monteria parcial, aonde se presumia ou sabia de estarem os lobos ali
escondidos. Estas monterias parciaes, podiam ser feitas nos mezes de
setembro e outubro, ou nos mezes de janeiro e fevereiro, porque não era
o cordão da batida obrigado a passar ribeiras, e podiam ser feitas
officialmente com a presença do administrador do concelho, e isto em
todos os concelhos quatro vezes por anno, sendo o local e dia escolhidos
por elle (mas nunca nos mezes da prohibição da caça). Podiam sim dois ou
mais administradores, combinarem entre si o local commum aonde
collocarem suas esperas, e baterem naquella direcção de uma e outra
parte os matos que cada um tinha a percorrer, e que se ligavam de um com
outro concelho.

Acho preferível as batidas ou monterias parciaes, porque estas podem-se
fazer em todo e qualquer tempo, até mesmo nos mezes de março abril e
maio, aonde não estiver em vigor o tempo defeso de se caçar á caça
miuda, porque se pode escolher sitio adquado a isso, aonde só hajam
matos donde se supõe ou se sabe dos lobos estarem escondidos, não
havendo nesse sitio escolhido cearas a espesinhar, ou ribeiras a passar
principalmente sendo de inverno, o que não acontece ás monterias de
cerco, porque forçozamente teem de se espesinhar as cearas e passar as
ribeiras, e por isso de se partir ou desunir o cordão como já deixei
espendido. Tambem teem a vantagem de se incommodar pouca gente, v. g.
uma freguezia ou quando muito um concelho, e quando por qualquer
inconveniente inesperado, não se pode levar a effeito nesse dia
marcado, e se tem de espassar para outro v. g. por mudança repentina de
tempo que obste á execução, de repente se pode mandar contra ordem, e
desavizar; o que não acontece nas monterias de cerco, por ser preciso
ser isso combinado com muita antecipação, e ter de se avisar muita gente
dos diversos sitios que concorrem a ellas, e quando haja qualquer
transtorno para ellas se executarem, ainda que da authoridade superior
dimane a ordem de contra avizo, a todos os diversos administradores dos
concelhos, estes não teem tempo repentinamente em rameficar esse contra
aviso, pelas diversas freguezias, principalmente as do campo.

Estas batidas parciaes e em que é possivel haver mais ordem, dão ás
vezes o mesmo ou melhor resultado comparativamente, do que as montarias
de cerco presentemente, o caso tambem está em serem bem planeadas e
executadas; mas sempre se consegue o fim de não encommodar tanta gente,
nem prejudicar as cearas de cada um, e guardar o tempo defeso:

Eu por mim á dois annos nas minhas herdades da Fragosa até á de
Mórjoanes, fiz com os meus criados, e de alguns lavradores visinhos,
varias batidas neste sentido, e conseguimos matar 9 lobos, e em uma só
destas batidas mataram-se 4. Para isto concorreu o plano de não deixar
atirar á caça miuda os batedores, coloquei com antecedencia as esperas,
e a certa hora marcada pelo relogio mandei lançar no principio da batida
uns foguetes, e logo em seguida marcharem os criados a cavallo nas
pontas, mais adiantados e gritando, e os outros no centro com businas,
outros com pistolas atirando tiros de polvora secca, gritando sempre, e
andando para diante de pressa sem cessar. Com este meio os lobos teem de
vir correndo direitos ás esperas, e não teem tempo de vir de vagar e
adiantados, observando de cabeço em cabeço o que lhe está na frente,
divizando as esperas que menos cautelosas estão mais descobertas, e
por isso como desconfiados entrão então a tomar os ventos das que estão
escondidas, e teem tempo de se irem safando para os lados, ou para onde
lhe não cheira de estarem esperas; o que quasi sempre succede com a
morosidade do cordão ou batedores, vindo atirando á caça miuda, e
divertindo-se. Este alvitre é bom resultado consegui-o eu, bem vejo
porque era feito só com os criados que deixaram o trabalho, para irem
áquelle serviço que se lhes marcava, e a maneira como, e tambem porque
no meio da batida, mandei lançar ao ar segunda porção de foguetes, o que
concorre para que os lobos e rapozas venham logo correndo ás esperas,
não tendo vagar de vir observando nada, por isso que os proprios cães de
caça, costumados em acudir aos tiros do caçador, pela maior parte,
quando ouvem o rugido dos foguetos, e o estalar das bombas no ar, fogem
espantados, com muita mais razão os lobos fogem espavoridos, por não
estarem acostumados a ouvirem tal. Alem deste alvitre, como tambem não
deixava atirar nas esperas ás rapozas, nem aos javalis que ali tenho
para divertimento proprio, passavam estes pelas esperas sem serem
atirados, e por este motivo os lobos não ouvindo tiros naquelle local,
ião descuidadamente cahir aos tiros das esperas.

Alem deste alvitre de batidas parciaes, o verdadeiro plano, que julgo
efficaz na actualidade a seguir, era o da recompensa a quem matasse os
lobos; mas isto em toda a provincia, em todos os districtos, e em todos
os concelhos, a mesma paga igual. Não entro na apreciação donde deveria
sahir o fundo da despeza especial para isso, porque as authoridades
superiores ou concelhos de districto melhor o avaliarião; só lembro que
me parecia que em todas as camaras deveria haver uma verba especial,
destinada a estes pagamentos, e que deveria haver um camarista
encarregado desse serviço, a quem os caçadores ou portadores das
pelles ainda frescaes, as fossem entregar e receber a recompensa de
2 libras ou nove mil réis por cada uma; a pelle deveria ser marcada com
um ferro em braza, e no fim do anno o presidente e mais camaristas,
tomariam as contas desta despeza apresentando-se as pelles que se
pagarão, e então na presença de todos se rasgavão e inutilizavão,
mandando-se enterrar, lavrando-se uma acta do contheudo; mas isto
deveria ser feito em todas as camaras dos diversos districtos, para não
virem pesar só áquella donde se pagasse. A paga das duas libras, devia
ser pelos lobos adultos, ou mesmo dos novos já crescidos, desde o 1.º de
setembro em diante, por que aos novos em criação, se pagaria a meia
libra por cada um; o mesmo se deveria usar para com as rapozas, pagando
cada uma destas a 1:500 réis, e as criações a 500 réis cada uma pequena,
até ao 1.º de setembro.

Á proporção que os lobos e raposas fossem diminuindo, assim se deveria
ir augmentando o preço da paga por cada objecto, para estimular mais a
curiosidade de se alcançarem, porque na realidade ninguem trata de pôr
os meios de matar izoladamente os lobos ás esperas, porque as camaras
que antigamente pagavão 4:000 réis por cada lobo, ha muitos annos que
não pagam nada, por isso tenho ouvido dizer a muitos caçadores do campo,
que levam horas e horas de madrugada e ao anoutecer, ás esperas dos
coelhos e lebres, que antes querem matar esta caça para comer ou vender,
do que um lobo, (salvo se pelo acazo se lhe vem parar de diante) porque
perdem dias de andar de montes em montes, a pedir esmolas pelos
lavradores, porque já nas camaras não pagão nada, e só ainda aqui em
Evora, mas para isso é preciso um attestado do Parocho e do regedor, em
que prove que foi morto neste concelho. Ora sendo bem pagos em todas as
camaras indistinctamente sem estorvo algum, quantos caçadores já velhos
e pouco capazes de trabalhar, não perderião noutes de luar ás esperas
nas encruzilhadas das estradas, ou sitios mais seguidos por elles, e
mesmo de verão ao beber da agua, ou levarem para o mato algum animal
morto, e esperar que elles o viessem comer, em logar de esperarem a caça
miuda?

Pois se de inverno no tempo da montanheira nos sitios aonde ha os
javardos, ha caçadores que levão noutes e noutes seguidas, com grandes
geadas frio e chuva á espera dos javardos, porque não farão o mesmo aos
lobos se fossem bem remunerados para isso?!. Muita gente ignora o grande
trabalho que ha ás vezes para se tirar uma ninhada de lobinhos, porque
as mães em desconfiando ou lhe cheirando o rasto de gente la ter andado
para o pé donde os teem, mudão-os frequentes vezes para sitio diverso, e
para isto teem ás vezes os caçadores ou os homens acostumados a procurar
e tirar taes ninhadas, de dormir e ficar muitas noutes no mato, para
ouvirem de noute para que lado os paes uivão, chamando-se um ao outro.

Tãobem approvava que os lobos e rapozas que fossem mortos, (no cazo de
se fazerem as monterias parciaes officialmente,) se pagassem por metade
do preço estipulado, do que aquelle por que são os outros mortos
particularmente.

Concluo em preferir na actualidade, o systema de boa paga generalizada
por todas as partes, a todos outros alvitres, por ser mais proficuo e
menos vexatorio; e quem se quizer divertir á caça que vá quando quizer;
menos no tempo prohibido.

Não me demove a este queixume o galardão de ver isto adoptado, pois só o
lembro para conhecimento de cauza a quem compete, para se quizer pôr-lhe
os meios adquádos, estes ou outros quaesquer. Eu cá por mim estou em
estado de já me não aproveitar de couza alguma, por isso fallo (como
sempre) desapaixonadamente, e não poderei ser taxado de punir pelo tempo
defêso da caça meuda, para proveito meu, por isso que á mais de 40
annos não caço a esta caça, e só sim á caça grossa; ou aos pombos bravos
com armação, no seu tempo proprio, e que é caça de arribação. Emquanto a
lobos, que os matem d'esta ou d'aquella outra maneira, ou que os deixam
de matar, para mim é o mesmo, e não tenho medo delles, porque em
apparecendo nas minhas propriedades, sei extinguil-os sem vexar ou
encommodar ninguem.

Evora, 22 de março de 1875.

                                                     José Paulo de Mira.





End of the Project Gutenberg EBook of Um brado contra as monterias de cerco
aos Lobos na Provincia do Alemtejo, by José Paulo de Mira

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