Project Gutenberg's Centenario do Revolução de 1820, by Marques Gomes This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Centenario do Revolução de 1820 Integração de Aveiro nesse glorioso movimento Author: Marques Gomes Release Date: April 21, 2008 [EBook #25113] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CENTENARIO DO REVOLUÇÃO DE 1820 *** Produced by Pedro Saborano. A partir da digitalização disponibilizada pela bibRIA. MARQUES GOMES Da Academia das Sciencias de Lisboa * * * * * Centenario do Revolução de 1820 * * * * * Integração de Aveiro nesse glorioso movimento * * * * * (Contribuição da Camara Municipal) 1920 Of. tip. do «Campeão das Provincias» AVEIRO MARQUES GOMES Da Academia das Sciencias de Lisboa * * * * * Centenario do Revolução de 1820 * * * * * Integração de Aveiro nesse glorioso movimento * * * * * (Contribuição da Camara Municipal) 1920 Of. tip. do «Campeão das Provincias» AVEIRO Os trabalhos do sinhedrio portuense que organisou a gloriosa revolução de 24 de agosto de 1820, tinha ramificações em Aveiro. Obteve-as, mezes antes, a alma dessa patriotica agremiação, Manuel Fernandes Tomaz, que mantinha relações de amisade desde o tempo que exerceu aqui o cargo de _superintendente das alfandegas e tabacos_, das comarcas de Aveiro, Coimbra e Leiria, para que foi nomeado em 1805, com Joaquim de Faria Guimarães, negociante de grosso trato em Aveiro e na Figueira, que conseguiu a adesão do coronel de engenharia Luiz Gomes de Carvalho e do desembargador Fernando Afonso Geraldes.[1] Estes, principalmente, eram aqui figuras de destaque. A Luiz Gomes de Carvalho devia Aveiro a abertura da sua barra em 1808 e cujas obras dirigia ainda;[2] Fernando Afonso Geraldes, fidalgo da Casa Real, senhor de terras e comendas e o maior proprietario da comarca, que então compreendia os actuais concelhos de Aveiro, Agueda, Albergaria, Estarreja, Ilhavo, Sever do Vouga e Vagos, era superintendente nas mesmas obras desde 1811.[3] Com as familias Gravito e Barreto estava Manuel Fernandes Tomaz egualmente ligado por laços de velha amisade, era intimo dos desembargadores Francisco Manuel Gravito da Veiga e Lima[4] e de Antonio Barreto Ferraz Vasconcelos[5] que pelos elevados cargos que desempenhavam e relações pessoais que mantinham aqui podiam sêr, e foram, valiosos auxiliares do movimento que se preparava. Segundo as indicações de Manuel Fernandes Tomaz foram os primeiros preparando a adesão da oficialidade de caçadores 10, que desde 1815 tinha o seu quartel em Aveiro. De parte, obtiveram promessa de aderirem ao movimento, dadas determinadas circunstancias, sendo a principal, a oposição que de certo faria o comandante do batalhão, o major Linstow, um oficial inglez, aliás muito estimado e disciplinador. Dois dias depois de levantado o grito de liberdade no Porto, chega a Aveiro, vindo de Lisboa, o marechal de campo Manuel Pamplona Carneiro Rangel, que pela regencia havia sido encarregado do governo militar do Porto e que para ali se dirigia. Sabedor do exito da revolução, vendo que não podia confiar em que Aveiro se conservasse fiel ao governo de Lisboa, atenta a exaltação de espiritos que se principiava a notar em muitos dos seus habitantes, retrocedeu para Coimbra no dia 29, levando comsigo caçadores 10. Em Aveiro ficou apenas uma parte do regimento de milicias e a companhia de veteranos. Ao tempo já o juiz de fóra José de Vasconcelos Teixeira Lebre, havia sido informado do Porto, por Luiz Gomes de Carvalho, que se dirigia para aqui com o batalhão de caçadores 11, o coronel Bernardo de Castro Sepulveda, a fim de auxiliar o pronunciamento da cidade. Com efeito o coronel Correia Sepulveda, que havia sido um dos que mais concorrera para o triunfo da revolução no Porto, fôra encarregado pelo _governo supremo_ de ir levantar o grito por todas as povoações visinhas, obstando ás manobras dos generais da _regencia_. Saiu do Porto no dia 18 e nesse mesmo dia chega á Feira, onde logo se faz o pronunciamento. Ali recebe a noticia de que o marechal Pamplona havia entrado em Aveiro, e a seguir parte para Oliveira d'Azemeis, que se pronuncía tambem, seguindo depois para Angeja, onde pernôita. O que se passou daí em diante descreve-o esse valente caudilho da revolução por esta forma: «No dia seguinte, 30 de agosto, mandei pôr em marcha o batalhão de caçadores n.^o 11, sobre Aveiro, donde já havia saido o marechal Pamplona para Coimbra com o batalhão de caçadores n.^o 10, a quem deu arbitrariamente dois mezes de soldo que tirou da administração do tabaco, da mesma cidade, obrigando-se, com tudo, ao seu pagamento. Entrei, pois, em Aveiro ás dez horas da manhã, ao tempo em que se achava reunida, por minha ordem, a camara, esperando-se ali os ministros da Comarca, a quem de Angeja eu havia oficiado para Agueda, onde estavam. Com assistencia minha se celebrou solénemente o acto do juramento nacional, naquela cidade, concorreram todas as pessoas autorisadas e de representação, e o batalhão de caçadores n.^o 11, com o regimento de milicias, que ali mandei reunir, tornaram mais aparatoso aquele acto, ao qual se seguiram aplausos e repetidos vivas. Não posso deixar de fazer especial, e honrosa menção do desembargador Fernando Afonso Geraldes, então superintendente da barra de Aveiro, e hoje governador das justiças do Porto, o qual bem que estivesse fóra da cidade, em uso de banhos, não faltou, mostrando decidida adesão ao systema constitucional; e do coronel engenheiro Luiz Gomes, que acompanhando-me já, desde Vendas Novas, distrito da Feira, se uniu devéras á nossa causa, e ficou servindo de governador da dita cidade de Aveiro, por esta mesma consideração, e em melindrosas circunstancias, por impedimento do proprietario. Tinha oficiado ao ex.^mo Bispo, que estando fóra da cidade, prometeu mandar o seu juramento por escrito ao Supremo-governo, aderindo desde logo á justa causa. Aos ministros da comarca expedi ordens para que as expedissem a todos os concelhos sob o juramento nacional, e depositos. Daqui participei ao Supremo-governo as providencias que tinha dado, e que tomava as necessarias medidas para ir segurar em Coimbra um passo tão interessante como central, e de grandes recursos, donde tinha apenas saido o marechal Pamplona, deixando ali o batalhão de caçadores n.^o 10, e se esperava o regimento de infantaria n.^o 22, comandado pelo seu ilustre chefe, o coronel Manuel Pinto da Silveira, que tão gloriosamente soube conduzil-o á primeira voz do grande brado nacional. No dia 31 passei revista ao regimento de milicias de Aveiro, marchando logo para a Palhaça, e mandando de Aveiro para a Vila da Feira o batalhão de caçadores n.^o 11. Da Palhaça expedi ordens a todos os capitães mores do partido do Porto, entre Aveiro e Coimbra, a fim de indemnisal-os da perda que havia causado o marechal Pamplona, queimando no correio de Aveiro todos os oficios que lhes tinham sido enviados do Porto pelo Supremo-governo do reino.»[6] Do acto de juramento a que se refere Sepulveda lavrou-se o respectivo auto no Livro das vereações e ordens da camara de Aveiro, que teve comêço em 19 de Maio de 1817. Tem este titulo, que é a unica parte legivel: _Auto da Camara Geral--Vereação extraordinaria de 30 de Agosto de 1820._ Tudo o mais está riscado, lendo-se ainda assim, a custo, das cento e vinte assinaturas que o firmam, as de Bernardo de Castro Sepulveda (é a primeira) de José de Vasconcelos Teixeira Lebre, Manuel José de Freitas, João Nepomuceno da Silva, Manuel Sebastião de Morais, Fernando Afonso Geraldes, Luiz Gomes de Carvalho, Antonio José Gravito da Veiga e Lima, tenente-coronel de milicia de Oliveira de Azemeis; João Rangel de Quadros, Dionisio de Moura Coutinho, capitão-mór de Esgueira; Miguel Rangel de Quadros, capitão-mór de Aveiro; Francisco Rodrigues de Figueiredo, capitão-mór de Eixo; Antonio Rangel de Quadros, Francisco Antonio de Castro, Joaquim Antonio Rodrigues Galhardo, capitão de fragata; Alexandre Ferreira da Cunha, Gabriel Lopes de Morais Picado de Figueiredo Balacó, Manuel José Alves Ribeiro, capitão de veteranos; Francisco José de Oliveira, cirurgião-ajudante de caçadores 10; Joaquim Antonio Placido, cidadão advogado; José Lucas de Sousa da Silveira, José Pereira da Cunha, cidadão medico do partido da Camara; Basilio de Oliveira Camossa, sargento-mór de Malta; fr. Justiniano da Costa, Manuel Rodrigues Tavares de Araujo Taborda, Antonio Dias Ladeira de Castro, Joaquim Leite de Faria, Bento José Mendes Guimarães, José Antonio Rezende, Agostinho de Sousa Lopes, Evaristo Luiz de Morais, padre José Bernardo Mascarenhas, João Antonio Moniz, Francisco Tomé Marques Gomes, fr. Joaquim Xavier de Campos, fr. João Ribeiro Guimarães, Antonio Nuno Cabral Montes, Guardião do Convento de Santo Antonio, e Prior dos Carmelitas descalços[7]. É tradição que foi aparatoso e muito concorrido o acto do pronunciamento, e viva a animação entre o povo que enchia o largo fronteiro ao edificio dos Paços do concelho, ou seja o adro da antiga egreja de S. Miguel, demolida em 1835. Duma das janelas soltou o juiz de fóra vivas entusiasticos, vibrantemente correspondidos, e com a bandeira da cidade desfraldada leu esta proclamação de Sepulveda: Portuguezes:--Eis-ahi cumpridos os vossos votos; eis ahi franqueada a vereda que erriçavam os gumes atropeladores da vossa liberdade! Foram escutados vossos murmurios, foram segundados vossos desejos, e a mascara que acobertava o despotismo caíu á mão do esforço, da prudencia e da constancia! Em vão a hydra da devassidão, do vicio e da tyrannia multiplicava as gargantas auri-sedentas e torpes; debalde a corrupção devastava com seu bafo pestilente os arrancos da honra, que se esforçava em salvar ás bordas do abysmo em que balançava; nada póde embargar o impeto varonil e virtuoso do amor da patria; a patria é salva! Despotas! Traidores das virtudes! Corruptos adoradores da escravidão. Volvei os olhos á razão, que vão assentar-se na séde inflexivel da justiça e julgar imparcial vossos delictos. Lá surgirá a verdade, tão pura como a luz, através da impostura, do velipendio e da intriga. Portuguezes! Tomae a balança desenganadora da rasão e da justiça, vossas obrigações, vossos deveres para com a soberania e vassalagem; chamae a legisladores vossos, não os codigos que a cubiça e interesse particular e a malversão enredára, senão os direitos indeleveis que a natureza gravára no coração humano com caracteres que debalde a força, a argucia ou o sophisma tentará apagar. Vigiae cuidadosos os vossos interesses, vossa segurança. Taes devem ser os vossos e taes são os meus sinceros votos. Eu d'esta gloria só fico contente, Que a minha patria amei, e a minha gente. _Bernardo Correia de Castro e Sapulveda_, coronel do regimento de infantaria n.^o 18. Á noite apareceu a cidade iluminada; foi expontanea esta manifestação, pois não houve para isso o costumado pregão para que todos iluminassem as suas casas. Identicas manifestações houve e com não menos entusiasmo, quando em fins de setembro aqui esteve de passagem para Lisboa a comissão delegada da Junta provisional, que vinda de Ovar em barco, desembarcou no Cais da Alfandega indo hospedar-se nos Paços do concelho onde lhe foi oferecido um lauto banquete. Desta comissão existe no Arquivo municipal, transcrita a fl. 183 v. do Livro de registo das leis, provisões e mais ordens, etc, n.^o 4, que teve começo em 14 de Setembro de 1808, este documento: «Circular para os Corregedores das Comarcas deste Partido e tres Provincias do Norte. A Junta Provisoria do Governo Supremo pela sua Comissão estabelecida nesta cidade sobremaneira magoada dos escandalosos excessos frequentemente praticados na administração da Justiça, de mistura com o maior desmazelo nos artigos mais importantes della, seguindo-se d'aqui a imediata opressão dos Povos, a falta de cumprimento das Leis estabelecidas e o detrimento da felicidade da Nação que é alvo principal, e o maior empenho do Governo, é servida de recomendar a Vossa mercê, que assim no Juizo dessa cabeça da Comarca, como nos mais da sua correição faça imediatamente regular a sobre dita Administração da Justiça de modo que desapareçam tão perniciosos abusos e se evitem para o futuro motivos de queixumes a tal respeito; o que comunico a Vossa mercê para sua inteligencia e execução debaixo da mais efectiva responsabilidade. Deus Guarde a Vossa mercê. Porto e Secretaria da Comissão da Junta do Governo, 15 de Sbro de 1820. _José Maria Xavier de Araujo_,--Senhor Corregedor de Aveiro.» A seguir encontra-se no mesmo livro este outro documento relativo á manutenção do socêgo publico: «Ordem que se expede do Juiso da Correição desta Comarca de Aveiro dirigida ao Meritissimo Senhor Juiz de Fóra da Cidade de Aveiro para se cumprir. O Doutor Rodrigo Sarmento de Vasconcellos e Castro, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real, do Desembargo de Sua Magestade Fidelissima que Deus guarde, seu Corregedor em Alçada nesta Comarca de Aveiro, etc. Faço saber ao Meritissimo Senhor Doutor Juiz de Fóra da cidade de Aveiro, ou quem seu muito nobre Cargo ocupar, em como sendo-lhe esta apresentada indo por mim assignada e selada com as Armas Reaes desta Correição, e Chancelaria d'ella a cumpra; e em seu cumprimento lhe faço outro sim saber em como com data de quatorze de corrente acabo de receber as mais terminantes, e positivas ordens do Meritissimo Desembargador José Joaquim de Almeida Correia de Lacerda, encarregado da Policia nas tres Provincias do Norte em que me determina faça todos os esforços para manter os Povos desta Comarca na paz e bôa ordem, fazendo-lhes saber, que da subordinação, e respeito ás Authoridades constituidas depende a sua segurança pessoal e fruição dos seus bens, e para que possamos obter estes grandes fins, e darem se com prontidão as providencias necessarias é de primeira necessidade, que Vossa mercê me informe immediatamente do espirito publico dos Povos da sua Jurisdição, e me comunique todo e qualquer incidente por mais insignificante que pareça tendente a perturbar a ordem estabelecida, e o socego publico, logo que aconteça, assim como manterá comigo uma correspondencia semanal sobre os referidos objectos ainda mesmo não havendo novidade, para eu de tudo poder informar o dito Meritissimo Desembargador Encarregado da Policia, cada oito dias como sou obrigado, o que espero do seu zelo poder informar e patriotismo assim execute pelo que fica responsavel, e advirto-lhe que toda a falta que houver a farei presente ao dito Encarregado da Policia. Ao Expediente dará recibo da sua entrega e lhe fará pagar o contado á margem não o demorando. Dada neste logar de Agueda aos vinte de Setembro de mil oito centos e vinte. E eu Manuel Ferreira da Cunha e Sousa subscrevi.--Rodrigo Sarmento de Vasconcellos e Castro--logar do sello das Armas--_Manuel Ferreira da Cunha e Sousa._»--(Livro citado a fls. 183). Um outro documento da epoca e, esse, de muito mais importancia, se encontra no Arquivo municipal, é esta Ordem da Intendencia geral de policia: «No meio do mais universal contentamento e dos mais expressivos aplausos, e do mais geral, e unanime regosijo publico, a par da maior e mais perfeita tranquilidade, que póde imaginar-se, se verificou nesta capital em o dia primeiro do corrente, a magestosa instalação da Junta Provisoria do Governo Supremo de Reino, que tendo sido formada na cidade do Porto em o memoravel dia vinte e quatro de Agosto, reconhecida e obedecida desde então em grande parte do Reino, se uniu finalmente em um só corpo com o Governo interino estabelecido nesta cidade desde o dia quinze de Setembro precedente. Comunicando a Vossa mercê a noticia deste tão solene como fausto acontecimento convem juntamente preveni-lo de que á Policia importa têr em vista nas presentes circunstancias para que prosiga e prospere como é interesse de todos, a grande e magnifica obra dos nossos melhoramentos publicos. O Governo Supremo do Reino, firmado inabalavelmente na ligitimidade que lhe conferiram os votos unanimes de toda esta virtuosa Nação, e como incontroversamente tem provado a serie admiravel dos acontecimentos desde o primeiro momento da sua instalação, deve sêr o centro a que se dirijam todos os ideais do nosso reconhecimento, do nosso respeito, e da nossa obediencia. A conservação immutavel do culto, e das homenagens devidas á Religião Santa, que temos a fortuna de professar, pura desde a origem da Monarquia ha tantos seculos; a fidelidade constante ao Nosso Augusto Soberano e Senhor D. João Sexto, que felizmente ocupa o Trono d'esta Monarquia, e a convocação das Cortes para formarem a Constituição que regulando os direitos e abrigações de todos ha de estabelecer sobre bases solidas os nossos futuros destinos; eis aqui os principios da eterna Justiça que tem proclamado solemnemente a junta Provisória do Governo Supremo do Reino. Unamo-nos pois, com a mais inteira dedicação, não menos que com a firmeza que nasce da convicção á voz do Governo, pelo qual se anunciou o voto, que bem depressa os acontecimentos verificarão sêr o de toda a Nação sem descordancia. Aos Megistrados quaisquer que sejam as suas funções, mas com especialidade áqueles que tem a seu cargo os cuidados da Policia cabe uma grande parte dos meios que devem servir a consolidar o grandioso Edificio da nossa comum prosperidade, e se eu vou recordar a Vossa mercê estes mesmos meios não é certamente porque tenha a menor duvida em que haja diversidade de sentimentos a respeito de um acontecimento cujo rapido, e quasi simultaneo desenvolvimento com a prodigiosa circunstancia de não ter ocorrido em parte alguma o menor desastre, sobejamente tem provado ao Universo, que todos tinhamos uma só opinião, a da certeza dolorosa dos males, com a precisão extrema de remedio deles, é porque nesta maravilhosa epoca tudo é importante, e nada se deve omitir, do que possa prestar apoio á solidez das instituições. Respeitar e fazer que todos respeitem a Santidade das Leis, encaminhar suavemente os espiritos para serem mantidos com perseverança os principios proclamados pelo Governo Supremo do Reino, com a mais escrupulosa atenção sobre a tranquilidade publica para que em parte alguma seja alterada com tumultos; dirigir os costumes para a pratica dos habitos socegados proprios da perfeição de cada um, e os sentimentos do Amor do Nosso Augusto Soberano, e da Patria; prevenir cuidadosamente os delictos para que não haja necessidade de puni-los; e administrar finalmente prompta e imparcial justiça a todos, são por certo os deveres principais da Policia; desta instituição destinada a proteger a Ordem, vigiar na defeza da propriedade dos cidadãos, na conservação dos bons costumes, no respeito á Religião, e na segurança do Estado; que em logar de comprimir as ideias haverá deixar livres cuidando sómente de embaraçar os estravios do Espirito, que escandalisarão os costumes, ou perturbarão a paz publica e que longe de violar, deverá ser constante defensora dos de todos. Tal é em resumo o fim principal das funções que Vossa mercê tem a preencher n'essa Comarca relativamente a esta Intendencia Geral de Policia e taes são tambem as obrigações das Justiças Territoriais da mesma Comarca: comunique-lhes Vossa mercê logo tudo que fica referido, incumba-lhes que lhe dirijam promptamente as devidas participações de todos os sucessos que de qualquer sorte respeitem ao estado de espirito publico, e necessidades ocorrentes, como em muitas ordens anteriores tem sido tantas vezes recomendado por esta Intendencia. Informe-me Vossa mercê regularmente de tudo, por que só nas comunicações contheudas na correspondencia dos Magistrados com a Policia Geral do Reino, que tem de buscar-se dos factos de que sucessivamente deva informar o Governo Supremo. Deus guarde a Vossa mercê--Lisboa quatro de Outubro de mil oito centos e vinte. _João de Matos Vasconcellos Barbosa de Magalhães._ Senhor Doutor Corregedor da Comarca de Aveiro.» O documento que acaba de lêr-se e que se conservou inedito até agora, foi mortalha do funcionario que o firma. «Por portaria de 6 de outubro, escreve o sr. José d'Arriaga, foi encarregado da Intendencia geral de policia o membro da Junta provisional Filipe Ferreira de Araujo e Castro, para nesta qualidade propôr pessoalmente, e haver logo resolução, sobre tudo que julgasse conveniente para a mais pontual observancia da lei, e regulamentos de policia, dando egualmente as providencias mais acertadas para o bom andamento da causa revolucionaria. Fícou por esta forma suspensa, emquanto as côrtes não resolvessem outra coisa, a comissão que tinha pelo antigo governo o _desembargador do paço_, João de Matos Vasconcelos Barbosa de Magalhães e os desembargadores seus ajudantes»[8]. Araujo e Castro comunicou a sua nomeação de intendente geral de policia ao corregedor desta comarca, em 9 de outubro.[9] Em 10 de Novembro publicou a folha oficial, com data de 31 de outubro, as instruções que deviam regular a eleição de deputados das côrtes extraordinarias e constituintes. Eram indirectas fazendo-se a daqueles na casa da Camara da cabeça da comarca e as dos eleitores nas de cada um dos concelhos. Tinham voto todos os chefes de familia e adotava-se o censo de 1801, que dava á comarca de Aveiro 87:560 habitantes, que elegeria por isso 3 deputados. O numero de eleitores ficava assim distribuido pelos diferentes concelhos que então a compunham: Aveiro 6; Agueda de Cima 1; Aguieira 1; Anadia 1; Angeja 1; Arada 1; Avelãs de Caminho 1; Avelãs de Cima 1; Assequins 1; Barrô 1; Bemposta 5; Brunhido 1; Casal d'Alvaro 1; Sever 1; Esgueira 2; Couto de Esteves 1; Fermedo 1; Ferreiros 1; Frossos 1; Ilhavo 3; S. Lourenço de Bairro 1; Oliveira do Bairro 1; Ois de Bairro 1: Paredes 1; Prestimo 1; Recardães 1; Segadães 1; Serem 1; Sorães 1; Sôsa 2; Trofa 1; Vagos 2; Mira 2; Vouga 2. A eleição do primeiro grau devia têr logar em 26 de Novembro, e no dia 3 de Dezembro a de deputados, sendo o numero destes, quanto ao continente, de noventa e um. A lei eleitoral, isto é tais instruções não agradaram geralmente, dando pretexto ás manifestações de 11 de novembro que obrigaram o governo a reforma-las, adoptando as contidas na Constituição de 1815, com as indispensaveis modificações, ás circunstancias especiais do nosso paiz. Em 22 de novembro promulgavam-se novas instruções. Em cada comarca haveria uma junta eleitoral composta dos eleitores representantes das paroquias, os quais se deviam reunir na cabeça da comarca afim de nomearem os eleitores que tinham de concorrer á capital da provincia para ali elegerem os deputados. A provincia da Beira, de que fazia parte a comarca de Aveiro, elegia 29 deputados dando esta para issso 9 eleitores. O primeiro dia de eleições foi o de 10 de dezembro e estas fizeram-se com tranquilidade e no geral com diminuta concorrencia de eleitores. Os eleitos, porem, não deixaram nada a desejar; elegeu-se o que havia de mais liberal e talentoso no paiz. Pela provincia da Beira sairam eleitos deputados: Proprietarios Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas; Antonio Camello Fortes de Pina; Antonio José Ferreira de Sousa; Antonio Maria Osorio Cabral; Antonio Pinheiro de Azevedo e Silva; barão de Molellos (Francisco de Paula Vieira da Silva Tovar) Bernardo Antonio de Figueiredo; *Bispo de Aveiro (D. Manuel Pacheco de Rezende)*; Bispo de Beja (D. Luiz da Cunha de Abreu e Melo); Bispo de Castelo Branco (D. Joaquim José de Miranda Coutinho); Bispo de Lamego (D. João Antonio Binet Pincio); Bispo de Vizeu (D. Francisco Alexandre Lobo); Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato; Izidoro José dos Santos; João de Figueiredo; José de Gouveia Osorio; *José Homem de Correia Teles*; José Joaquim de Faria; José Joaquim Ferreira de Moura; José Maria de Sousa e Almeida; José de Melo e Castro de Abreu; José Pedro da Costa Ribeiro Teixeira; José Ribeiro Saraiva; José Vaz Correia de Seabra da Silva Pereira; Manuel Fernandes Tomaz; Manuel Paes de Sande e Castro; Manuel de Serpa Machado; Pedro José Lopes de Almeida; Thomé Rodrigues Sobral. _Substitutos_ Alexandre Thomaz de Morais Sarmento; Caetano Rodrigues de Macedo; Agostinho de Mendonça Falcão; Manuel de Vasconcelos Pereira de Melo; José Taveira Pimentel de Carvalho; José de Napoles Teles de Menezes e Bourbon; Joaquim de Castro da Fonseca; João Pereira da Silva Sousa e Menezes; Bispo do Porto (D. João de Magalhães Avelar); Guilherme Henrique de Carvalho. Os nomes em normando são dos dois deputados com que a eleição de provincia distinguiram a comarca de Aveiro, e foi verdadeiramente distinta a escolha. O bispo de Aveiro D. Manuel Pacheco de Rezende, lidima gloria do episcopado dentão, era aqui estimadissimo pelos seus actos de evangelica caridade que de continuo praticava e que Castilho mais tarde, a proposito de haver sido perseguido como liberal seu irmão o dr. Augusto Frederico de Castilho, paroco de Castanheira do Vouga, em 1829 glorificou por esta forma: «Bom velho, que ás virtudes cristãs reunia as virtudes civicas, que debaixo dos olhos desconfiados de um governo suspeitoso mandava o pão quotidiano aos que o governo martirisava nas prisões, sobre cujas cãs sagradas caíu um pouco de oprobio e de perseguição.[10] José Homem Correia Teles esse, já ao tempo era considerado como jurisconsulto notavel, sendo por isso muito consultado na sua casa de Estarreja como advogado. As suas obras _Theoria da interpelação das leis e ensaio sobre a natureza do censo consignativo_, publicada em 1815, e a _Doutrina das acções acomodadas ao fôro de Portugal_, que saiu em 1819, tornaram-o sobejamente conhecido, sendo muito consideradas e apreciadas pelos competentes. Tais eram os representantes da comarca de Aveiro no Congresso constituinte. Este inaugurou as suas sessões em 24 de janeiro de 1821, na do dia 30 foi Correia Teles eleito vogal da Comissão de legislação e negada ao Bispo de Aveiro a licença que havia pedido para retardar a sua comparencia no Congresso motivada pelo seu estado de saude. Nesse sentido foi expedida esta comunicação para o Bispo de Aveiro: «Ex.^mo e Revd.^mo Senhor--As Côrtes Gerais e Extraordinarias da Nação Purtugueza, não podendo conceder a V. Ex.^a a licença que pediu para demorar por algum tempo a sua reunião ao Congresso Nacional: Mandam participar a V. Ex.^a que deve quanto antes reunir-se a este Congresso Nacional para com ele cooperar nos seus arduos trabalhos. Deus guarde a V. Ex.^a. Paço das Côrtes em 30 de janeiro de 1821--_João Batista Felgueiras_».[11] Os padecimentos do bondoso prelado agravaram-se de forma que teve de pedir então para ser dispensado de exercer as funções de deputado, o que lhe foi concedido por esta ordem: «Para o Bispo de Aveiro: Ex.^mo e Revd.^mo Senhor--Havendo V. Ex.^a verificado perante as Côrtes Gerais e Extraordinarias da Nação Portugueza a impossibilidade absoluta em que se acha de satisfazer as obrigações de deputado neste soberano Congresso: Mandam as Cortes participar a V. Ex.^a que aceitam com pesar a sua legitima escusa. Deus Guarde a V. Ex.^a. Paço das Côrtes em 28 de fevereiro de 1821.--_João Baptista Felgueiras_.» Eleita pelo Congresso (30 de janeiro de 1821) a Regencia que ficou substituindo a _Junta provisional do governo supremo do reino_ a Camara de Aveiro apressou-se a felicitar os seus membros como consta do Livro das vereações onde se encontram transcritos estes oficios: «Ill.^mo e Ex.^mo Sr.--O senado da Camara de Aveiro, por si e em nome dos habitantes da mesma cidade e sua comarca, tem admirado em gostoso silencio os quasi milagrosos esforços que a protectora Mão do Omnipotente tem obrado e continua a obrar pela Nação Portugueza. E justissimamente animados dos mais puros e sinceros sentimentos de gratidão e respeito para com V. Ex.^as primeiros regeneradores da patria e que estão agora governando este reino tão digno e sabiamente Real e Respeitavel Nome de Sua Magestade Fidelissima, que Deus Guarde, e pelo acertado voto da Augusta Assembleia, representante da Nação tem a honra de felicitar, muito cordeal e respeitosamente, e de dirigir-lhes por este modo, com o maior acatamento e submissão, a rectificação dos protestos de sua distinta estima, e constante adhesão e devida obediencia.--Deus Guarde a V. Ex.^as como todos os portuguezes desejamos e havemos de mister. Aveiro, em Camara de 17 de Março de 1921.--Ill.^mos e Ex.^mos Snrs. Presidente e Membros da Regencia do Reino--_José de Vasconcelos Teixeira Lemos_, _Bernardo Barreto Feio_, _Antonio Rangel de Quadros_, _João Chrisostomo Gravito da Veiga e Lima_, _Manuel Sebastião de Morais Sarmento_.» «Tendo sido presentes á Regencia do Reino as expressões respeitosas com que a Camara dessa cidade a felicita e congratula pela sua instalação e exercicio no poder executivo, pelas côrtes gerais e extraordinarias da nação manifestando-lhe as mais nobres disposições em beneficio da causa publica: ao seu regosijo e contentamento pelo desenvolvimento dos votos gerais e unanimes de toda a nação para o grande e glorioso fim da sua regeneração politica, de que ella tanto carecia; me manda louvar e agradecer da maneira mais particular e expressiva estes puros sentimentos de adhesão á grande causa em que todos os bons portuguezes se acham empenhados; fazendo-se muito credora da estima publica a Camara dessa cidade, pela firmeza e lealdade com que protesta manter-se nas actuais circunstancias politicas da nação, cuja fortuna se acha pendente das acertadas e sabias disposições das côrtes gerais: o que de ordem da mesma Regencia participo a Vossas Mercês--Deus Guarde a Vossas Mercês.--Palacio da Regencia em 26 de Março de 1821. _Joaquim Pedro Gonçalves de Oliveira_--Senhor Juiz de fóra, vereadores e mais oficiais da Camara da cidade de Aveiro.» Votadas pelo Congresso, 9 de Março de 1821, as bases da constituição, foi a noticia agradavelmente recebida em Aveiro. O seu juramento realisou-se aqui em 29 de março, havendo por essa ocasião, alem dum solene Te-Deum, diferentes demonstrações de publico regosijo, como iluminações, fogos de artificio, etc. Do juramento foi lavrado o competente auto, que foi reduzido a cinzas na sessão da Camara de 13 de Setembro de 1823, em cumprimento de um oficio da secretaria de Estado dos Negocios do Reino, de 21 de agosto desse ano. Dele não resta copia, mas da acta dessa sessão ha esta declaração que cumpre registar: «Antonio José das Neves o escrevi e declaro que no Auto do juramento prestado pela Camara se inclue o do Ex.^mo e Revd.^mo Bispo desta cidade e das autoridades civis, militares e eclesiasticas, dito escrivão o declarei, assim como que mais assinaram os juramentos prestados pelos oficiais do Juizo Geral desta cidade, pelo Administrador do correio Antonio Rangel de Quadros, pelo subdelegado do Fisico-Mór Luiz Cipriano Coelho de Magalhães, pelos Possuidores de bens da Corôa, e por Pedro de Sousa Brandão como Escrivão Proprietario do Juizo da Provedoria, que tudo neste acto apareceu por termos recolhidos no Arquivo e assignaram os Oficios da Camara.»[12] As bases da constituição e a lei de 11 de Outubro de 1822 que ordenou o juramento da Constituição, foi tudo aspado no livro da Legislação e depois tambem queimado na referida sessão, mas nem por isso aquelas deixam de encontrar-se fielmente transcritas no _Livro do registo das leis e provisões_ de fl. 106 a 209, que se guarda no Arquivo da Camara. O juramento prestado pela força militar, esse, teve logar dias depois, em 10 de abril, formando para isso em grande parada o batalhão de Caçadores 10 no «Campo do arvoredo junto do convento de Santo Antonio estando presente o coronel reformado de cavalaria Francisco Couceiro da Costa, os tres magistrados da cidade, varias patentes militares, Nobresa e imenso Povo» como o comunicou ao Congresso o comandante do referido batalhão, tenente-coronel Antonio d'Azevedo e Cunha. Da mesma comunicação, que foi lida na sessão do Congresso de 24 de abril, consta, que em seguida á parada houve na egreja do convento de Jesus missa solene e _Te-Deum_, «A egreja, diz o documento, estava tão ricamente aceada, que patenteava os generosos sentimentos de nascimento e virtudes de que é dotada a respeitavel Prioresa daquele mosteiro, e na capela-mór do lado do Evangelho se achava colocada debaixo de um docel a efigie do nosso Augusto e adorado Soberano o Senhor D. João VI. Logo que entrámos na egreja a orquestra, colocada em decente coreto, executou uma excelente peça de musica, regida pelo Mestre do Batalhão. Foi o celebrante da missa o respeitavel doutor Manuel Rodrigues d'Araujo Taborda, Vigario Geral. Foi incensado o retrato e em frente dele e no fim da missa prestou juramento ás bases da constituição a oficialidade sobre um missal ali colocado».[13] As festas sucediam-se; na sessão da camara de 2 de maio foi presente uma Ordem da Regencia, datada de 28 de abril comunicando que o Rei havia aprovado a Constituição que as Cortes fizeram, prometendo voltar ao continente, e que por isso mandasse «publicar imediatamente tão plausivel noticia e cantar _O Himno Te-Deum Laudamos_ e pôr luminarias por tres dias consecutivos.» A ordem foi fielmente cumprida; nesse mesmo dia publicou-se a nova por meio de bando, que percorreu as ruas da cidade que á noite apareceram iluminadas, repicaram os sinos e lançaram-se foguetes. Para a celebração do _Te-Deum_ escolheu a Camara o dia 6 resolvendo convidar por cartas o bispo, e o clero, o governador militar, o marechal de Campo D. Romão, que estava residindo na cidade, as autoridades civis e o comandante de Caçadores para as devidas descargas de alegria acabado de cantar que fosse o _Te-Deum_.[14] O primeiro aniversario da Revolução de 24 de Agosto, não obstante a má vontade de muitos que já pensavam na restauração do absolutismo, foi tambem festivamente celebrado, como o resolveu a Camara na sua sessão de 22 de Agosto de 1821, deliberando: «Por sêr o dia 24 do corrente, dia do Aniversario da Nossa Restauração Politica, determinaram que no dito dia houvessem repiques de sinos, fogo artificial e iluminação na casa desta Camara e as mais manifestações de alegria em memoria de tão feliz acontecimento, fazendo-se esta determinação publica por pregões nesta cidade, na certeza de que todos os moradores com a maior satisfação iluminarão suas fronteiras na noite do dito dia».[15] O ciclo das festas e com elas o periodo aureo da Revolução fechou com o juramento da Coustituição no dia 3 de Novembro de 1822.[16] No dia 4 de Novembro de 1821 encerraram as côrtes as suas sessões; e, nelas não foram inteiramente postos de parte os interesses de Aveiro, tais como as obras da Barra, mas cujos resultados se não fizeram sentir em virtude da mudança operada no regimen politico do paiz em 1823. Notas finais Discurso proferido por Antonio Barreto Ferraz de Vasconcelos em homenagem a Manuel Fernandes Tomaz.[17] _Meus Senhores_; Pela segunda vez me arrojo a erguer a minha voz neste recinto, e desta como da vez primeira, um penoso destino me obriga a memorar objectos tristes; recordações dolorosas; pouco mais de um mez tem decorrido depois que esta patriotica sociedade destinou uma extraordinaria sessão para honrar a memoria do tenente general Gomes Freire, e dos outros primeiros e ilustres martires da liberdade nacional; quem diria que tão depressa a mesma sociedade, fiel aos puros sentimentos de patriotismo que a animam, seria forçado a destinar outra sessão para lamentar a perda do primeiro restaurador da mesma liberdade! quem diria que tão depressa seriamos condenados a chorar a morte de outra ilustre vitima do mais ardente, com o mais puro amor da Patria? quem diria que tão depressa seria objeto do nosso pranto, como de nossa eterna saudade, Manuel Fernandes Thomaz, o patriota por excelencia, que como os primeiros meditou, mas com mais felicidade desenvolveu, e com ainda mais sabedoria consumou o projecto heroico da nossa regeneração politica? oh! fatal condição da natureza humana! como rapidos se apinhôam os motivos de dôr e de aflição! a troco de poucos fugitivos instantes de prazer e de alegria, somos condenados a seculos de pezar e de amargura, e do berço até ao sepulchro leves sorrisos da fortuna mal podem matizar o luctuoso quadro de desgraças, companheiras inseparaveis desta vida mortal e transitoria. Não suspeiteis, senhores, que eu me anime a interromper o silencio da dôr que deviso em vossos semblantes com estudadas expressões duma eloquencia affectada: penetrado até ao intimo da mesma alma pelo doloroso sentimento da perda fatal que hoje lamentamos, como poderia, ainda que os talentos me ajudassem, escolher frases, corrigir periodos, ordenar em fim um discurso correto e bem tecido? como poderia conservar o espirito assás liberto quando por todos poros verte sangue o coração? seja pois este o que hoje fale, e não receio que os vossos o não compreendam. Se para celebrar a memoria de Manuel Fernandes Thomaz fosse preciso enumerar todas as virtudes morais e civicas, todas as brilhantes qualidades do coração e do espirito, de cujo complexo era formado seu heroico carater, fôra por certo esta uma empreza, senão impossivel, por extremo dificil, e que ainda os maiores engenhos mal poderiam desempenhar; felizmente porém cada uma delas é tão relevante, foi por ele possuida em grau tão eminente, que por si só basta para formar seu elogio, restando sómente dificuldade na escolha: entre elas eu preferirei como fonte de todas as outras a inalteravel constancia, a nobre coragem civil que formava a base do caracter deste grande homem: esta rara virtude cuja salutar afluencia nos excita, em qualquer circunstancia da vida social, a sacrificar voluntariamente a segurança da propria existencia, nessa reputação, nessas mesmas esperanças e em fim todas as vantagens sociais: esta virtude, digo, é aquela sem a qual todas as outras ou morrem ou são inuteis: e na verdade, senhores, como ou de que proveito será conceber ideias, formar planos uteis e generosos, se não houver constancia para as meditar, para os desenvolver, para os ultimar? e como sem os nobres esforços da coragem civil, desprezar os incomodos, afrontar os perigos que por todos os lados ameaçam as emprezas heroicas, quanto mais sublimes tanto mais arriscadas para os seus autores? quem poderia lisongear-se de obter e de conservar um partido que apoie e que auxilie os seus planos se, em vez de ser firme e constante na sua opinião, seguir a todo o momento a opinião de cada um? Todas as mais virtudes são certamente muito apreciaveis, dignas da maior estimação e respeito; mas nenhuma melhor do que esta póde por seus saudaveis efeitos sêr mais util nem mais transcendente (e se não me engano) a nobre constancia, e a esforçada coragem civil e militar são as que melhor prestar e na realidade tem prestado a todas as nações os mais assignalados serviços, e tanto duma como doutra especie de coragem offerece a historia exemplares tão admiraveis que hesito em conceder a qualquer delas a preferencia: e com efeito, senhores, o guerreiro intrepido que á frente de um valoroso exercito defende e salva a Nação dos inimigos estranhos, merece grande louvor, alcança gloria excelsa; mas não menos a alcança e com justa razão a merece o cidadão virtuoso que no segredo do seu gabinete medita, prepara, e desenvolve os meios de salvar a Patria dos inimigos domesticos, tanto ou mais perigosos que os estranhos: se o generoso Camillo, quando já se contava o preço vil dum infame tratado, derrota e afugenta os Gallos, e resgata o Capitolio pelo unico modo que convinha a um povo destinado a dominar o mundo, Cicero por efeito da sua coragem salva a republica e o estado das perfidas machinações de Catilina: se o africano Scipião arrazando Carthago livra Roma de uma fraudolusa e importuna rival, o ilustre Catão defende palmo a palmo contra as usurpações de Cesar a liberdade da Patria: se Henrique IV, á força de armas, e ainda mais á força de beneficios, salva a França da ruina que lhe preparava a anarchia das guerras civis, Sully, com nobre audacia, rasgando á vista do seu Rei a promessa de um casamento impolitico e desegual, poupa á Nação, poupa ao Monarcha o tardio arrependimento de uma acção vergonhosa e indecente: e sem mendigar exemplos estranhos, se João I conquista á ponta da espada a independencia de Portugal na memoravel batalha de 14 de agosto de 1385, Manuel Fernandes Thomaz proclama e consegue a liberdade da Patria no faustissimo dia 24 de de agosto de 1820. Mas acaso foi só nesta gloriosa época, nesta assombrosa crise que ele deu provas da mais rigoroza constancia, da mais denodada coragem? São Senhores, a natureza não obra regularmente prodigiosa, e um tão maravilhoso resultado não podia sêr efeito das combinações fortuitas de espirito vulgar e posilanime: se a vida inteira de Manuel Fernandes Thomás não fosse um exemplar perfeito da mais forte constancia, e da mais corajosa firmeza, talvez nós ainda hoje seriamos escravos; tarde raiaria para nós a aurora da liberdade. Manuel Fernandes Tomás, havia desde os primeiros anos abraçado a profissão das letras para a qual uma particular affeição, e uma favoravel disposição de espirito efficazmente o impelliam: habituado pela experiencia dos primeiros logares, e ainda mais pelos seus talentos, e assiduos estudos para subir aos mais elevados empregos da magistratura, era já antes d'isso conhecido, e occupava um logar distincto entre os literatos, e illustres portuguezes, pela produção de uma obra, que só podem dignamente apreciar aquelles que, forçados pela sua profissão ou emprego a investigar o confuso labyrinto da nossa legislação, depois de trabalhos penosos e sempre inuteis, tem de confessar por fim que ignoram a maior parte de seus dispersos elementos: uma compilação perfeita d'esta confusa legislação, que só poderia obter-se á custa de um trabalho insano, de uma perseverança inaudita, era capaz de assombrar o animo mais arrojado que até recearia emprehendel-a: Fernandes Thomás não só a emprehende, mas corajosamente a termina; dando já com este ensaio um não pequeno indicio d'aquella firmeza e constancia de que posteriormente deu provas tão decisivas: nomeado Membro da Relação do Porto, occupando n'esta um logar importante e distinto, repartia os poucos momentos que lhe sobravam das laboriosas fadigas do seu emprego entre o estudo das sciencias, e a conversação de poucos mas bem escolhidos amigos: d'alli observava e lamentava em segredo os males que então opprimiam a nossa Patria, victima dos caprichos de um Governo tyrannico e absurdo: alentava-o comtudo a esperança de que seus membros, reflectindo alguma vez seriamente sobre a profunda miseria, que por toda a parte se descobria, e que claramente mostrava mais que ligeiros symptomas d'uma violenta crise, na qual os mesmos Governantes fossem sacrificados, acordariam finalmente do estupido lethargo em que parecia estavam submergidos, e quando não fosse pelo bem e interesse geral, pelo seu particular interesse, adoptariam medidas coherentes e adequadas á penosa situação dos Povos: porem vãs esperanças, inuteis desejos de uma alma benefica, d'um coração patriotico! Um espirito de vertigem se havia apossado do inerte Governo; elle presidia ás suas deliberações; e de precipicio em precipicio, de tyrannia em tyrannia, o conduzia como pela mão até ás bordas do abysmo, em que com elle se ia despenhar a Nação inteira: medidas absurdas ou oppressivas e uma activa espionagem, vil instrumento de uma insidiosa policia, e fraco apoio da arbitrariedade e despotismo, eis aqui as cautelas, eis aqui os remedios com que o tyranico Governo pretendia curar os males, e reparar as desgraças dos Povos. Foi n'esta calamitosa época que raiou o sempre infausto dia 18 de outubro de 1817, em que esta cidade viu com terror e espanto consumar um dos mais horrorosos mysterios da iniquidade, e de que a nossa historia não fornecia exemplo: os gemidos das innocentes victimas sacrificadas por mãos da mais atroz perfidia, e choradas por todos os bons Portuguezes, penetraram o coração de Manuel Fernandes Thomás; e este decisivo testemunho da barbaridade de nossos oppressores lhe deu a conhecer que com elles não podia haver esperanças do allivio a nossos males, e que a Patria estava em perigo de cair por momentos no pelago de desgraças que lhe preparava a anarchia: desde então concebe o generoso projecto de salvar a Nação; a principio só; depois com poucos e fieis amigos medita, consulta, e prepara os meios de o conseguir; investiga os animos; interroga a opinião publica; espreita attento a occasião; e logo que esta se lhe mostra opportuna, proclama ousadamente a liberdade da Patria, e a Patria é livre. Deixo, senhores, á vossa illustrada meditação calcular os esforços de constancia e de coragem que seria mister empregar para conceber, dirigir, e felizmente ultimar tão importante como arriscada empreza: foram por certo muitos e extraordinarios; mas nem por isso ficaram exhauridas as suas forças; o valente campeão, armado de egual se não maior constancia, se offerece impavido a novas luctas das quaes colhe novos trophéos, e canta de novo a victoria. Toda a mudança de um governo qualquer é sempre acompanhada de comoções mais ou menos violentas; e a consolidação das novas instituições politicas é obra summamente difficil e complicada; se os autores d'ella acaso não possuem uma destreza completa, e sobretudo uma vigorosa constancia e firmeza de caracter, arriscam-se a ver baldados todos os seus esforços, prostrado n'um momento por terra todo o fructo de seus mallogrados trabalhos: a ambição e o interesse; o amor proprio e a vaidade, o orgulho e a vingança; todas as paixões emfim, todos os vicios são outros tantos inimigos que disfarçados com a mascara da vil hypocrisia fazem surda mas incessante guerra, e todos procuram (cada um a seu modo) derribar o edificio mal construido: a mesma Religião santa, este presente celeste que deve ligar os homens com os vinculos do mais puro e do mais fraternal amor, serve de pretexto ás vezes para acender entre elles o facho da discordia; e homens vis, fanaticos, impostores, que ou a desconhecem ou a profanam, ousam invocar o nome de um Deus de paz para excitar os furores d'uma encarniçada guerra: tambem que gloria, que louvor não me tecem os sabios pilotos que dirigindo habilmente o leme, levam a não do Estado a salvamento, e combatida por tão medonhas borrascas, conseguem abrigal-a em seguro porto? que gloria por tanto, que louvor não merece Manuel Fernandes Thomás? se a admiravel obra da nossa Regeneração politica tem avançado tão tranquilamente, e com assombro de nacionaes e estrangeiros, tem chegado sem desastre ao ponto em que hoje com prazer a contemplamos, a quem se deve tão extraordinario prodigio? muito por certo ao brioso caracter da magnanima Nação Portugueza; muito sem duvida ás paternas intenções do nosso bom Rei; mas muito tambem aos talentos, á constancia e á firmeza de Manuel Fernandes Thomás: Membro do Governo, ministro de Estado, representante da Nação, elle se nos apresenta sempre como um rochedo immovel, aonde o furor das paixões, a intriga dos partidos vem inutilmente bater: calumniado e detrahido pelo orgão de um escriptor venal e sem pudor, castiga a calunia com o desprezo que ella só merece, e fitos sempre os olhos no bem do Povo, na salvação da Patria, alenta e conforta os amigos, confunde e aterra os inimigos pelo poderoso ascendente d'um superior, e mais ainda pela sua extraordinaria constancia e força de caracter: se a torpe ambição, o sordido interesse e outras vis paixões cautelosamente disfarçados procuram a furto introduzir-se no santuario das Leis, e surprehender as decisões do soberano Congresso, alli mesmo combatidas pela imperiosa voz da razão e da justiça, de que Fernandes Thomás era o digno órgão, eram forçadas a desamparar o campo, a precipitar a fuga: nós todos o ouvimos, e oh magoa! não mais o ouviremos! Nas occasiões mais importantes, quando se discutiam objectos que por sua transcendencia envolviam a fortuna e a salvação da Patria, era então que a sua voz, seus gestos offereciam uma apparencia solemne e mais que humana: seu estilo conciso, energico e fulminante, admirava e confundia; e arrebatado pelos impulsos de um zelo ardente, de um verdadeiro patriotismo, cada palavra era uma sentença, cada periodo um discurso. Mas não é dado á fraca natureza humana resistir muito tempo a tão excessivas fadigas, que o temperamento mais forte e a saude mais robusta poderiam apenas supportar: infelizmente a de Fernandes Thomás era debil e arruinada, e só o extraordinario vigor do seu espirito é que o sustinha no meio de tantos e tão complicados trabalhos: uma molestia chronica e rebelde de que Fernandes Thomás pouco e mal cuidava, pois só cuidava bem dos interesses da Patria atacou com violencia um corpo já exhausto e por extremo enfraquecido; e os funestos symptomas que desde os seus principios mostrou fizeram conceber aos que o cercavam tristes receios de que a sua familia, os seus amigos, e a liberdade nacional teriam de chorar em breve a perda do seu protector, do seu guia e do seu esforçado campeão: desde logo todos os Portuguezes... sim; todos os Portuguezes (porque alguns poucos homens vis e degenerados não são Portuguezes), toda a Nação em fim e com ella o seu digno Chefe, com interesse e inquietação se informam do estado e dos progressos do mal, com ancia e terror espreitam o successo d'esta temivel lucta; só Fernandes Thomás, que melhor do que os outros conhecia a malignidade da molestia e previa o seu fatal resultado, conservava no meio da geral desolação a mesma tranquilidade, o mesmo socego de espirito, a mesma firmeza que o caracterizavam, e bem que em outras mui difficeis circunstancias elle tivesse já dado repetidas provas da mais inimitavel constancia, nunca melhor do que então mostrou o subido ponto em que possuia esta sublime virtude: firme nos seus principios, forte pelo testemunho d'uma consciencia pura, encara impavido os horrores da morte; soffre resignado os tormentos, as dôres d'um mal violento e insoffrivel; e se por poucos momentos este lhe deixa algum pequeno e mal seguro repouso, todos emprega em consolar sua desamparada familia, em confortar seus amigos, e sobre tudo em lhe dirigir conselhos a bem dos interesses da Patria: oh nobre firmeza de caracter! oh constancia sem par! a liberdade da Patria, objecto continuo de seus incessantes desvelos, ainda nos ultimos instantes da vida, nos ultimos paroxysmos da morte, lhe occupa inteiramente o pensamento, e o derradeiro suspiro exhalado nos braços da Religião e da amizade, é pela Patria, pela gloria, e pela liberdade da Nação. Vinde, fanaticos imbecis, que para denegrir a obra magestosa da nossa Regeneração procuraes denegrir os seus autores, vinde e aproximae-vos do leito de dôr em que repousa o homem justo; vinde e a vosso pezar reconhecereis que no tremendo instante em que, cerradas as esperanças da vida, vão para sempre abrir-se as portas da eternidade, mal póde o perverso e o criminoso affectar a tranquillidade da inocencia; vinde... mas não: apartae-vos para longe d'este logar sagrado; não empesteis com vosso halito envenenado o alcaçar do patriotismo; um muro de bronze vos separe para sempre d'elle; Fernandes Thomás, ainda que agonisante, reconhecendo em vós seus inimigos, reconheceria n'estes os inimigos da Patria e a funesta lembrança de que só existis para lhe preparar ferros e ruinas, tornaria por extremo doloroso os seus ultimos instantes. E tu, oh alma heroica e generosa, lá n'essa habitação dos justos, n'esse logar sublime a que tuas esclarecidas virtudes te elevaram, digna-te acolher benigna os sinceros votos de admiração e de respeito que hoje te offerta uma escolhida porção de teus compatriotas; digna-te abençoar propicia a frondosa arvore da liberdade que entre nós plantas-te; digna-te derramar sobre os Portuguezes do velho e do novo mundo o espirito de concordia, de união e de amor, de que tanto carecem para consolidar o feliz systema constitucional que nos legaste; digna-te inspirar e avivar sempre a lembrança dos exemplos que deixaste a todos nós e particularmente aos teus amigos e a teus socios regeneradores: possam estes, possam todos os que presidem aos destinos do reino-unido nunca perder da memoria os dictames dos teus saudaveis conselhos: possam elles marchar sempre constantes pelo caminho da razão e da justiça; pelo caminho que lhe indica uma Constituição sábia; pelo caminho em fim que lhe deixaste traçado: possam elles, cerrando os ouvidos ás perfidas suggestões de infames calumniadores, refrear as intrigas dos partidos, debellar os odios das parcialidades, e reunindo em um só corpo os dispersos membros da familia portugueza pelos suaves vinculos de reciproco amar, de reciprocos interesses, formar de toda ella uma impenetravel barreira contra a força ou contra as machinações do estrangeiro: possam finalmente todos os Portuguezes até á mais remota posteridade verdadeiramente dizer e a todo o momento exclamar: somos livres: os trabalhos de Fernandes Thomaz não foram baldados: abençoemos a sua memoria. Discursos e poesias funebres recitadas a 27 de Novembro de 1822 na sessão extraordinaria da Sociedade literaria patriotica celebrada para prantear a dôr, e orfandade dos Portuguezes na morte de Manuel Fernandes Tomaz, primeiro dos Regeneradores da Patria. Lisboa. Typographia Rollandiana. Ano de 1822. Antonio Barreto Ferraz de Vasconcelos, ministro da justiça em 1834 e Visconde da Granja, como fica dito, deputado nas legislaturas 1834-1836 e 1838-1840 foi nomeado Par do Reino por carta regia de 3 de maio de 1842 tomando assento na respectiva camara em 11 de Julho de 1842. Faleceu em 28 de abril de 1861, sucedendo-lhe no pariato seu filho Casimiro Barreto Ferraz a quem sucedeu seu bisneto, sr. Casimiro Barreto Ferraz Sachetti Taveira, bacharel formado em direito e governador civil de Aveiro em 1907, que tomou assento na respectiva camara em 11 de Julho de 1908. Luiz Gomes de Carvalho _Vid. pag. 3_ A parte importante que este distincto engenheiro teve na abertura da Barra de Aveiro foi pela primeira vez, posta em destaque por Antonio Feliciano de Castilho no seu poema _A faustissima exaltação de sua magestade fidelissima o senhor D. João VI ao throno_ (Lisboa--Na Imprensa regia: ano de 1818). Escreveu o poeta: «Arduas fadigas, derramadas sommas Ao Vouga nunca destruir podérão A barreira, que entrada ao mar tolhia Em Teus dias, Senhor, um Genio grande, (O preceito foi Teu, é Tua a gloria (33) As cadeias quebrou, que o Rio atavão. Surge, e bramando presurosso corre, Chega ao Tridente do feroz Neptuno, Corre a braçar a graciosa Thetis: Nem mais soberbo discorria outr'ora Pelos campos Ideos o vasto Xanto, Quando amou de Neera o lindo rosto. Não fuja aos versos meus, á fama, á gloria O nome d'Oudinot, que o sabio Plano Deo qual déste tambem, qual desempenhas Engenhoso Carvalho em nossos dias». (33) «Em Outubro de 1803 Oudinot foi chamado a Lisboa, para ir á Ilha da Madeira em Serviço, onde faleceu em Fevereiro de 1807, e por Aviso de 10 de Desembro de 1803 foi Carvalho encarregado inteiramente das Obras da Barra d'Aveiro, e do Porto, as quais presentemente está dirigindo. (34) V. 139.--A nova Barra d'Aveiro foi effectivamente aberta defronte d'Aveiro no dia 3 d'Abril de 1808: a Barra velha estava entupida, e vagava errante pelas areias de Mira, 4 leguas para o Sul d'Aveiro: Carvalho abriu esta Barra no 5.º anno da ausencia d'Oudinot; e o 2.º depois da sua morte; por esta Nota se julgará o que cabe a cada um da gloria d'ésta empreza memoravel.--Por Avisos de 1810, 1811, 1812, etc., expedidos pela mesma Secretaria aos ditos Desembargador, e Tenente Coronel, se ordenárão as reedificações, limpeza, e ampliações no Caes antigo d'Aveiro para maior comodidade da Navegação, Comercio, e belleza da Cidade, e tudo pela mesma Repartição das Obras da Barra, e Ria d'Aveiro. E por Aviso de 6 de Junho Sua Magestade Aprova, e manda levantar na Barra d'Aveiro uma pyramide de baliza, farol, e monumento, ordenando ao Director, e superintendente a sua execução.--Portaria de 27 de Janeiro de 1813. Nomeou-se Piloto Mór da Barra d'Aveiro um dos mais acreditados da Foz do Douro. Acha-se provida de catraios, viradores, anchorotes, e de tudo quanto é necessario para o Serviço das Embarcações, que demandarem este Porto. Fernando Afonso Geraldes _Vid. pag. 4_ Sem duvida, como galardão dos serviços que prestou á revolução, foi nomeado por Portaria da Regencia, de 22 de Março de 1821, para suceder a Ayres Pinto de Souza no cargo de Governador das Justiças da Relação e Casa do Porto, nomeação que agradeceu em carta dirigida ao Presidente do Congresso que foi lida na sessão de 3 de Abril e «ouvida com agrado».--_Diario das Cortes gerais e extraordinarias da nação portugueza_--Paginas 432. Fernando Afonso Geraldes, foi, pelo seu casamento com D. Maria Joana de Bourbon de Melo Sampaio Pereira de Figueiredo, senhor da Casa da Graciosa, hoje representada pelo seu segundo neto sr. Marquez da Graciosa. [1] Referindo-se á organisação do sinhedrio, escreve o sr. José de Arriaga: «Cada socio encarregar-se-ia, por meio das suas relações, de procurar adeptos entre os homens mais respeitaveis e importantes de todas as classes sociais e entre as primeiras autoridades do reino». (Historia da Revolução portugueza de 1820. Tomo I, pag. 653). [2] Vide _Notas finais_. [3] Idem. [4] Gravito, enforcado no Porto em 7 de Maio de 1829 por haver tomado parte em Aveiro na revolução de 16 de Maio de 1828, quando Manuel Fernandes Tomaz, morreu (19 de novembro de 1822) foi um dos que conduziu o seu cadaver, de casa para a egreja de Santa Catarina, onde foi sepultado. «Era já noite, escreve o sr. José d'Arriaga, quando apareceu o feretro; acompanhavam-n'o Ferreira Borges, Moura Silva Cardoso, que levava a chave do caixão, Sepulveda, Xavier de Araujo, João Maria da Cunha Sotto-Maior, Hermano José Braamcamp e Francisco _Gravito da Veiga e Lima_ (Historia da Revolução Portugueza de 1820 4.º vol., pag. 134). [5] Entre as muitas manifestações de pesar pela morte de Manuel Fernandes Tomaz em Lisboa e provincias, realisou-se naquela cidade, na _Sociedade patriotica nacional_, a 27 de novembro, uma sessão extraordinaria em que tomaram parte diferentes oradores. Um destes foi Garrett, que então iniciou a sua brilhantissima carreira, e outro o futuro titular da pasta da justiça no primeiro ministerio da rainha D. Maria II, visconde da Granja, ilustre filho de Aveiro, Antonio Barreto Ferraz de Vasconcelos e que segundo a opinião do sr. José d'Arriaga foi quem proferiu o melhor discurso de toda esta sessão, e quem fez o desenho mais completo deste grande vulto da nossa historia. (_Historia da Revolução de 1820_, 4.º vol., pag. 144.--Este discurso encontra-se na integra nas _Notas finais_.) [6] Memoria das Providencias e Operações, a bem da Regeneração Nacional, que o Brigadeiro Bernardo Correia de Castro e Sepulveda, então Coronel Comandante do Regimento de Infantaria n.^o 18, praticou em o dia 24 de agosto de 1820, etc. (Pag. 6). (_Biblioteca Nacional de Lisboa. Obras varias fl. 33, 34_) [7] Junto das ultimas assinaturas ha esta cóta: «Aspado em cumprimento da Ordem da Secretaria de Estado dos Negocios do Reino de 21 de Agosto de 1830 e do termo da Vereação neste Liv., a fls. 208 v. Neves». Esta vereação realisou-se em 13 de Setembro de 1823, vindo assim narrado o facto na respectiva acta: «N'esta por virtude do oficio da Secretaria de Estado dos Negocios do Reino datada de 21 de Agosto proximo passado que manda aspar nos livros do Arquivo das camaras todos os registos dos documentos que obrigarão os oficiais das camaras a prometer e jurar obediencia ás Instituições politicas, opressivas e ilegais, fazendo reduzir a cinzas os originais d'onde foram extraidos tais transumptos; assim se cumpriu neste mesmo acto, e logo se aspou todo o Auto da Camara do dia trinta de Agosto do ano de mil oito centos e vinte, por conter o juramento á Junta Provisional, e obediencia ás Cortes e á Constituição que ficam incluido o oficio incerto no Auto que assim o determinou, cujo Auto se acha neste Livro desde fl. 87 v. a 92, e fica de forma que se não póde lêr. [8] Historia da Revolução portugueza de 1820--Segundo volume--pag. 339. [9] Livro de registo citado, fl. 135. [10] _Cartas biograficas ao povo_, no «Nacional» de 20 de janeiro de 1835. [11] Diario das Côrtes gerais e extraordinarias da nação portugueza, pag. 12. [12] Livro das Vereações citado a fl. 289. [13] _Diario das cortes geraes e extraordinarias da nação portuguesa_, pag. 656. [14] Livro das vereações fl. 114v. [15] Livro das vereações fl. 123 [16] Com relação a este facto ha no Livro das vereações (fls. 155 e 164) estas referencias: Sessão de 30 de Outubro de 1822. ............................................... «N'esta conferenciaram sobre o juramento da Constituição da Monarchia Portugueza no dia tres do corrente, na Igreja cathedral d'esta cidade, escreverem-se cartas de participação aos chefes compreendidos no art. 1.º do Decreto de 11 do corrente, determinaram o ornato da cathedral, e que se lançassem pregões para se iluminar no dito dia esta cidade, e esta casa da Camara, para o que se lançassem pregões.» Sessão de 8 de Janeiro de 1823. «N'esta proposeram os vereadores Francisco Thomé Marques Gomes e Bento José Mendes Guimarães, se lhes tomassem a declaração que os seus votos foram, o pagar-se a despeza que se fez com a função do juramento da Constituição no dia tres de Novembro, pelos membros deste senado visto que o dito não podia suprir a estas despesas não só pelo alcance em que se acha, mas tambem por se não gastar o rendimento deste Senado se não em utilidade publica, por isso confirmavão o seu voto, e diziam que repartida a mesma despeza, queriam pagar o que lhe pertencesse.» [17] Vide pag. 4 Do auctor Centenario da Guerra Peninsular--1808-1909 _Contribuição da Camara Municipal de Aveiro para a sua historia_ Notas e documentos AVEIRO 1808 End of Project Gutenberg's Centenario do Revolução de 1820, by Marques Gomes *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CENTENARIO DO REVOLUÇÃO DE 1820 *** ***** This file should be named 25113-8.txt or 25113-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/2/5/1/1/25113/ Produced by Pedro Saborano. 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