A virtude laureada

By Manuel Maria Barbosa du Bocage

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Title: A virtude laureada
       Drama Recitado no Theatro do Salitre

Author: Manoel Maria de Barbosa du Bocage

Release Date: September 5, 2006 [EBook #19189]

Language: Portuguese


*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A VIRTUDE LAUREADA ***




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*A VIRTUDE LAUREADA*,


Drama Recitado no Theatro do Salitre,

Composto, e Dirigido ao Reverendissimo Padre Mestre

Fr. José Marianno Da Conceição Velloso,

_Administrador da Impressão Regia, e Deputado da Junta Económica,
Administrativa, e Litteraria da mesma Impressão, etc. etc._

Por seu muito devedor, e amigo

Manoel Maria de Barbosa du Bocage


Lisboa,
Na Impressão Regia


Anno M.DCCC.V.


Por ordem superior.

     *     *     *     *     *




ADVERTENCIA.

Sería injustiça exigir o desempenho de todos os Preceitos Dramaticaes em
huma composição deste genero, cujo merito essencial he aprazer aos olhos
por meio do espectáculo, e variedade das Scenas.

  _Nudo... occurrit, per se pulcherrima, Virtus._
                        Cardos. Cant. de Tripol.

     *     *     *     *     *


_Ao Reverendissimo Padre Mestre e Senhor Fr. José Marianno da Conceição
Velloso._




*EPISTOLA.*


Qual d'entre as rôtas, náufragas cavernas
Do lenho que se abrio, desfez nas rochas,
Colhe affanoso, deploravel Nauta
Reliquias tenues, com que a vida estêe,
Em erma, ignota praia, a que aboiárão,
E onde a custo o remio propicia antenna:
Tal eu, que da Existencia o Pégo, o Abysmo,
(De que assomão, rebentão, rugem, fervem
Rochedos, Escarcéos, Tufões, e Raios)
Tal eu, que da Existencia o Mar sanhudo
Vi romper meu Baixel, e arremessar-me
A inhóspitos montões de estranha arêa,
Triste recolho os míseros sobêjos,
Com que esvaído alento instaure, esforce,
E avive os dias, que amorteço em mágoas.
   Em ti, constante, desvelado Amigo,
Demando contra a Sorte asylo, e sombra;
Oh das Musas Fautor, de Flora Alumno!
(Rasgado o véo da Alegoria) estende
Ao Metro, que desvale, a Mão, que presta.
Se azas lhe deres, em suave adêjo
De Lysia ao seio, que a Virtude amima,
Della Cultores, voárão meus Versos,
E o Patrio, doce Amor ser-lhe-ha piedoso.


                        _Bocage._

     *     *     *     *     *




*ACTORES.*


  A Sciencia.
  A Hospitalidade.
  A Indigencia.
  A Policia.
  A Libertinagem.
  O Genio Lusitano.

     *     *     *     *     *




*ACTO UNICO.*

Praça magnífica sobre as Margens do Téjo.




*SCENA I.*

_A Sciencia por hum lado, e a Indigencia por outro, com a Hospitalidade._


_Sciencia._

Eu, que elevo os Mortaes, e os esclarêço,
Que méço a Lua, o Sol, que o Mundo abranjo,
Que da vetusta Idade aclaro as sombras,
Que entro por seus arcanos, e revóco
D'entre o pó, d'entre a cinza, d'entre o Nada
Ao Seculo vivente as Eras mortas;
Que dócil fiz o indómito Oceano,
Abysmo de pavor, de bôjo immenso,
Que só por alta Lei não sorve a Terra;
Eu, do grão Jove, Confidente e Imagem,
Que do Fado os Mysterios desarreigo,
E co'a Moral dos Ceos cultivo o Globo;
Eu, a Sciencia, eu Fonte, eu Mãi das Artes,
Que sei desirmanar na Intelligencia
Entes, na fórma iguaes, na especie os mesmos,
Tornando-os entre si tão desconformes,
Qual dista do Selvagem bruto, e fero,
Macio Cidadão, que as Léis polirão,
Ah! não posso impetrar, colher dos Numes
Para os Alumnos meus pavêz sagrado
A teus golpes, Fortuna, inteiro, illeso!
Sem que benigna mão lhe adoce os Fados,
Sem que escaça piedade o chame á vida,
De vigilias mirrado o Sabio morre.
Almas corrompe do Egoismo a peste;
Camões, Homeros na penuria cantão:
Ei-los co'a gloria temperando a sorte;
Sôão prodigios de hum, prodigios de outro;
Férrea Caterva os ouve: admira, e foge.
Só quando o Vate he cinza, o Muito he nada,
Por elles se interéssa o Mundo ingrato;
Na gloria estéril de Epitafio triste
Solidos bens o Barbaro compensa:
Contradictoria Humanidade insana!
No insensivel sepulcro os Sabios honra,
E os Sabios não remio na desventura!
Quaes elles forão diz, não diz, qual fôra:
Nas almas frias o remórso he mudo.
Ai dos Alumnos meus! Soccorre-os, Fado,
Risca do Livro eterno o duro artigo,
Que ao Mérito, ao Saber seus premios veda;
Aquece os Corações no ardor da Gloria,
Fraterniza os Mortaes; onde suspirão,
Os poucos Filhos meus co'a Mãi prosperem,
E onde com seus innumeros sequazes
Colhe triunfos, a Ignorancia gema.


_Indigencia._

Mãi veneravel, teu queixume ouvindo.
Amarga-me da vida o fel em dobro.
A filha tua, a misera Indigencia,
Que muda te escutou piedosas mágoas,
Comtigo vem gemer, carpir comtigo
A moral corrupção, que empesta o Globo.
Plagas e Plagas, entre as Socias minhas,
Entre as mansas Virtudes, hei vagado.
Pela voz da Pureza (a que he de todas
A mais formosa) deprequei o auxilio
De inchado Cortezão, que hum Deos se cria.
Melindre, Candidez, virginea Graça
(Qual flor, em que era orvalho o doce pranto)
Aos olhos do Soberbo expôz seus males.
De gesto accezo, ovante, elle a contempla,
Nem hum momento á dor constrange o vicio:
Em vil proposição, que as Furias dictão,
Profana da Innocencia o casto ouvido,
E em cambio da virtude exige o crime.


_Sciencia._

Ceos! Que infamia! Que horror! Prosegue, ó Filha,
Sucumbio a Innocencia á vil proposta?


_Indigencia._

Não, que nos olhos meus velavão Deoses,
Fautores da Virtude: escuta e folga.
O celeste rubor, que tinge a Aurora,
Sóbe á face gentil, e as rosas brilhão,
Mas súbito tremor branquê-as logo;
Ei-la, d'olhos no Ceo, recúa e geme:
Eu, porém, que no effeito observo a causa,
Ao seductor pestifero arrebato
O objecto divinal, que o torna hum Monstro.


_Sciencia._

Olha o Ceo na Innocencia a imagem sua.


_Indigencia._

Murchas no horror do abominavel caso,
Inda comtudo as esperanças minhas
Levei de lar em lar; devendo a poucos
Piedade accidental, bati cem vezes
Ás surdas portas de sumido Avaro,
(Sumido em subterraneo abysmo de oiro)
Fallára o Monstro, se fallasse a Morte,
O silencio dos túmulos o abrange
Ante o metal (seu Deos), que em férreos Cofres
C'o a vista famalenta o Vil devora
Servos delle (o poder he tal do exemplo!)
Depois de longo espaço, e vans instancias,
C'hum desabrido - Não - me affugentárão.


_Sciencia._

De tudo ha Monstros mil na Especie humana,
Mas todos vence da Avareza o Monstro.


_Indigencia._

Attende ao mais, e adoçarás teu pranto.
Do centro da Impiedade em fim retíro
Os fatigados pés, e os guio aos Campos,
Absorta nas imagens carinhosas,
Com que affagais a idéa, oh aureos Tempos.


_Sciencia._

Se alli não ha Virtude, onde he que existe!


_Indigencia._

Pobre choupana, que forravão colmos,
Humildes lares, que zelava hum Nume,
Attrahem meus olhos, e meu passo animão.
Chego, e curvo Ancião, que alli repousa,
Grande em seu nada, na indigencia rico,
Sorrindo-se, me acolhe, amima, e nutre.
Santa Hospitalidade! Eras a Deosa,
Que o rugoso Varão, madura Esposa,
E imberbe Prole sua, abençoava!
Com milagrosas mãos os parcos fructos
Nas arvores fadadas avultando,
Para os errantes, pálidos Mesquinhos,
Que eterna Providencia lá dirige,
Leda colhias saboroso alento,
E qual outr'hora a hum Deos, incluso no Homem,
Muito do pouco a teu querer surgia.


_Hospitalidade._

Conferio-me esse dom quem té no insecto
Provê, do que lhe cumpre, a tenue vida.
Deixando influxos meus no casto alvergue,
Onde Beneficencia e Paz convivem,
Acompanhar-te quiz ao vasto Emporio
De Lysia, do Universo, á Grão Cidade,
Que espelha os Torreões no vitreo Téjo,
Donde sagradas Leis despede ao Ganges.
O Globo he puro aqui, e aqui parece
Estar inda na Infancia a Natureza,
Bella, serena, candida, innocente:
Principe amado, imitador dos Numes,
Ao Público Baixel menêa o leme;
Numéra os dias seus por Dons, por Graças,
E o Mérito sem susto encara o Throno:
Se o gravame do Sceptro acaso inclina,
He sobre os hombros de Ministros puros,
Dignos do alto esplendor, que sahe da escolha.
Hum delles, cujo nome he caro aos justos,
Que tem, que exerce o Ministerio santo
De velar sobre o público Repouso,
Que encarcéra, agrilhôa, opprime o vicio,
O contagio dos máos aos bons evita,
E em piedoso Recinto abriga, instrue
A Puericia, que em flor dispõe ao fructo,
Luceno, o Zelador dos sãos costumes,
Pai do Infortunio, da Sciencia amigo,
Guarida vos promette, exponde, exponde
Ao Ministro exemplar, meu claro Alumno,
A vossa condição: vereis descer-lhe
Dos olhos Paternaes amavel pranto,
Proveitoso, efficaz, não pranto esteril,
Que momentaneas sensações produzem,
E o Mérito infeliz, qual vírão, deixão.
Em Luceno o favor segue a piedade,
Mortal, que os Immortaes sem custo imita,
E o bem, só porque he bem, desenha, opéra.
Eia, vinde: eu vos guio aos bem fazejos
Lares seus, Lares meus; sereis ditosas,
Oh Sciencia! Oh Penuria: os Ceos o ordenão.




*SCENA II.*

_O Genio da Nação, e as mesmas._


_O Genio da Nação._

Os Ceos o ordenão, sim, vai, guia, oh Deosa,
Essa illustre Infeliz, e a mesma Prole
Ao Magistrado eximio, ao Grande, ao Justo;
Cessem queixumes, esperanças folguem.
Ide, o Genio de Lysia, eu que dos Deoses
Tive alta commissão de olhar por ella,
De engrandecer-lhe, de affinar-lhe a Gloria,
E honralla de opulencia incorruptivel;
Eu, que espontaneo dera o gráo de Nume
Por este, que exercito, augusto emprêgo
De escudar Lysia co' pavêz dos Fados,
Oh Penuria! oh Sciencia! Eu vos abono
Do Ministro sem par, favor, e asylo.


_Sciencia._

O Ceo por ti se exprime: o Ceo não mente;
Oraculo de Jove, eu te obedeço:
Vejo sorrir-se ao longe amigos Fados;
Guia-me, ó Deosa.


_Hospitalidade._

Guío-te á ventura.  (_vão-se._)




*SCENA III.*


_O Genio só._

Tereis o galardão, tereis o loiro
Que á virtude compete, immota, illésa
Entre os duros vaivens de iniqua, sorte:
Desgraçado o Mortal, se o chão não trilha
Por onde a mão de Jove arreiga espinhos,
Que súbito depois converte em flores!...
Mas que ufano Baixel retalha o Téjo![1]
Brincão no tópe flammulas cambiantes,
E cambiante bandeira as ondas varre:
Eis vôa, eis se aproxima!.. Hum quasi monstro,
De aspecto feminil, tigrinas garras,
De trage multicôr, lhe volve o leme!
Que Turba enorme á sua voz marêa!
E o ferro curvo, e negro ao fundo arroja!
Desce a vaso menor a horrivel Furia,
Recolheço-lhe o rosto, os fins lhe alcanço....
Lá vem, lá toca sobre a arêa e salta.
Inimiga dos Ceos![2] és tu, profana!
Sacrilega, fallás, blasfemadôra,
Peste dos Corações, Orgão do Averno!
Vens tambem macular com teus venenos,
Com halito infernal, e atroz systema
Campos, que meu bafejo Elysios torna!


  [1] _Apparece hum Baixel, donde pouco depois desembarca a Libertinagem
  com sequito numeroso._
  [2] _Corre para ella._


_Libertinagem._

Orgão não sou do Averno, o Averno he sonho[1]
Para mim, para os meus, não soffro o jugo,
Que sobre Corações tão férreo péza.
Fantasticos Deveres não me illudem;
O sensivel me attrahe, do ideal não curo,
Só de palpaveis bens fecundo a mente;
O Bando, que allicio, e que prospéro,
Vive em prazeres, em prazeres morre.
Compleição dos Catões, Moral de ferro,
Furia, Libertinagem me nomêa;
Mas o carácter meu destroe meu nome.
Delicias ao teu seio, ó Lysia, trago,
Não crúas oppressões, nem agros males,
Que o Fantasma Razão produz, maquina;
Eu sou a Natureza: ella não manda,
Que o gosto opprimas, que os desejos torças;
As paixões contentar, não he loucura:
Prestar-lhe attenção, vontade, assenso,
He lei, necessidade, e jus dos Entes.
Olha: com sceptro de oiro impéro, ó Lysia;
Franquêa o pensamento a meu systema,
Despe imagens quiméricas e approva,
Que a posse do Universo em ti remate.


  [1] _Sentimentos abominosos da Libertinagem, refutados vigorosamente
  pelo Genio da Nação._


_Genio._

Enganas-te, Perversa, os Ceos a escudão;
De Lysia puro Insenço aos Numes sóbe,
arde em virtude, inflamma-se na Gloria;
Moral, Religião, saudavel Jugo,
Que péza aos Impios, que aos Iniquos péza,
Nunca foi grave a Lysia, Heróe supremo,
Que he na Terra, o que he Jupiter no Olympo,
Aqui, não com violencia, e não com arte,
Mas pelo exemplo morigéra os Lusos,
Só menos, que as Deidades, venturosos.
Não manches estes Ceos, Tartareo Monstro,
Onde jaz da Virtude o trilho impresso.
Eco da Magestade, a voz te aterre
Do zeloso Ministro infatigavel,
Luceno, ao Throno, ás Leis, aos Deoses curvo,
Que, em vínculo fraterno atando os Póvos,
Os vê curvos ao Throno, ás Leis, aos Deoses.
Negreja, a teu pezar, o horror, que doiras,
O Inferno, que não crês, de ti fuméga,
E o Remorso tenaz te róe por dentro.
Este Povo de Heróes, de Irmãos, de Justos,
Teu carácter maldiz, teu nome odêa.
Aparta-te daqui... mas tu repugnas!
Guerreiros da Virtude, e flor da Patria,[1]
Que limpais a Moral de intrusa escória,
Eia, apurai o ardor contra esse Monstro;
A vosso invicto Esforço a Furia cêda,
Do Gremio da Innocencia o Vicio fuja.


  [1] _Sahe Tropa armada, que trava peleja com os sequazes da
  Libertinagem, e os vai destroçando._


_Libertinagem._

Não se alcança de mim victoria facil.


_Genio_

Satéllites da Gloria: Avante, avante:
A Pérfida franquêa, a Palma he vossa.


_Libertinagem._

Colheste contra mim Triunfo inutil:
Lysia perdi, mas senhoreo o Mundo.[1]


  [1] _Embarcão-se tumultuosametne, sempre acossados pela Tropa._




*SCENA IV.*


_O Genio, e Tropa._

Graças, ó Numes, sucumbio a infame.
Heróes, eu vos bemdigo o Marcio fogo,
O rápido valor, que n'hum momento
A melhor das Nações salvou do estrago...[1]
Mas, Deoses, soffrereis, que n'outro clima,
Talvez á infamia sua ignoto ainda,
Sobre o lenho orgulhoso aporte a Fera,
E tóxico respire, e peste exhale:
O sacri1egio pune; hum raio, ó Jove,
Hum raio a torne cinza, hum raio abysme
O ligneo Torreão no equóreo centro[2]
Annuiste-me, oh Deos: He chammas todo!
Lá cabe, lá se desfaz, e o Tejo o sorve.
Vai, Monstro , vai saber, desesperado,
Se he fantasma a Razão, se he sonho o Inferno,
Vai no horrendo tropel dos teus sequazes
De momentanea flamma á flamma eterna;
E eu, ministro dos Ceos, submisso aos Fados,
Vou por mão de hum Mortal encher seus planos.[3]


  [1] _Vai-se a Tropa._
  [2] _Cahe o raio sobre o Baixel da Libertinagem, e o abraza._
  [3] _Vai-se._




*SCENA V.*

Carcere subterraneo, onde estarão os Vicios, e os Crimes agrilhoados,
exprimindo variamente nos géstos a sua desesperação.


_A Policia com Guardas._

Contra os Vicios communs, que pouco empecem,
Exercer correcções não só me he dado.
Velai, Guardas fieis, sobre os Perversos,
Que a Policia commette ao zello vosso,
Até que o raio Némesis dispare
Co'a férrea voz de Tribunal supremo.
Eu dos crimes terror, dos crimes freio,
A supplicio exemplar, que sare a Patria
D'impia contagião, reservo aquelle
De todos o mais duro, o mais funesto,
Que, instrumento servil de atroz vingança,
Tingio vendida mão no sangue alheio.
Ao cutélo de Astréa em vão furtaste
Colo rebelde ás Leis, ó tu, cruento,
Lobo nocturno, que, vibrando as garras,
A mansos Cidadãos oiro, existencia
De mistura usurpavas, sem que ao menos
Tremesse o coração, e as mãos tremessem.
Estes, mais que nenhuns, velar se devem,
Estes nas feias, subterraneas sombras
Para o pavor da Morte a mente ensaiem.
Eu, Luz do bom Luceno, eu Alma, eu Tudo,
Corro, entre-tanto, a suggerir-lhe idéas,
Com que os públicos Bens floreção, medrem.
A Sciencia, e Penuria, antigas Socias,
Em seus Lares por elle ha pouco ouvidas,
O fertil patrocinio lhe implorárão.
Em lagrimas lhes deo penhor singelo
De firme protecção: vós, Indigentes,
Seus effeitos vereis, vereis, ó Sabios,
Que a Mente, e o Coração por vós divido.[1]


  [1] _Vai-se._




*SCENA VI.*

Salão Magestoso da Policia, adornado das Estatuas de varias Virtudes.


_O Genio, e a Hospitalidade._

Eis-me na Estancia da Policia Augusta,
Cultora da Razão, das Leis, do Solio,
A fitubante, a pávida Indigencia,
Que já dos males seus alivio goza,
Por mão do Bemfeitor, que os Ceos inspirão,
Vem co'a Sabedoria honrar seu nome,
De interna Gratidão, sagrar-lhe os cultos;
Mas profundo respeito os pés lhe tolhe,
E o Salão venerando entrar não ousão.




*SCENA ULTIMA.*

Os ditos, e a Policia, que, ouvindo as ultimas palavras, sahe de repente.


_Policia._

Foi sempre este lugar franco á Virtude,
Entrai. [1]


  [1] _Entrão as duas._


_Hospitalidade._

Longe de vós hum vão receio.


_Policia._

Cumpri vosso dever, tecei contentes
De Luceno o louvor. Materia summa
As Virtudes vos dão, que resplandecem
Em brilhantes Estatuas magestosas
Neste brilhante, Magestoso Alcaçar.
Aquella, que risonha os olhos firma,
Como que rosto súpplice attentando,
He a Benevolencia, e diz no affago,
Que alguns, havendo a honra em mais que os lucros,
Ante duro Ministro enfrêão preces,
E só do Compassivo, e só do Affavel
A presença demandão, que os conforte,
Que ao rogo n'hum sorriso o effeito augure,
E não de altiva injúria avilte o rogo.
Esta he Exemplo, est'outra he a Inteireza;
Alli Fidelidade o jaspe anima;
Desinteresse além reluz, e avulta;
Mais perto voluntaria Obediencia
Curva o docil joelho: eis as Virtudes,
Que fórmão, bom Luceno, o teu caracter,
Todas egregias, necessarias todas.


_Sciencia._

Verdade, e Gratidão nos lábios nossos,
Approvão quanto sôa em honra delle.


_Indigencia._

Oh Reinante feliz com taes Vassallos!


_Policia._

Folga, Sciencia, e tu, Penuria, folga:
Dado me he recrear-vos, ser-vos guia
Ao Principe immortal, de quem reflectem
Raios de luz para o Ministro excelso,
Que o seu mór premio tem na Regia Gloria.
Curvai-vos, e admirai o Heróe sublime,
Que Lysia adora, e que adorára o Mundo,
Se o Mundo todo merecesse olhallo.[1]
Vêde a seus pés o Magistrado insigne,
Que nelle se revê, que a bem da Patria
A Grandeza Real submisso implora.


  [1] _Abre-se o fundo do Theatro, apparece o Retratro do Principe R. com
  o Magistrado a seus pés, offerecendo-lhe os Votos mais puros da Nação._


_Hospitalidade._

Quanto a Virtude altêa a Dignidade.


_Sciencia._

Oh Júbilo: Oh Ventura!


_Indigencia._

Eu pasmo, eu tremo.


_Genio. (Dirigindo-se para o retrato do Principe R.)_

Heróe, sacro aos Mortaes, acceito aos Numes,
Olympico Fulgor compõe teus dias;
Os Ceos na minha voz mil dons te abonão,
Com meus olhos teu Povo os Ceos vigião,
O Commercio por ti de fé se nutre;
As Artes, a Virtude, as Leis triunfão;
No Solio, no Poder tens base eterna;
Tua alma sobresahe aos teus Destinos;
E de teu puro arbitrio esse orgão puro,
He digna escolha tua, aos Astros vea
No rasto de oiro, com que o Pólo esmaltas.
Subditos de JOÃO, rendei mil cultos
Ao grão Regente, ao inclyto Carácter,
Que nelle diviniza a especie humana:
A voz da Gratidão se alongue em Vivas,
E cordeal ternura os labios honre.


(CORO.)

  Oh Luso Heróe! Baixaste
  Da Estancia divinal!
  Tu és hum Deos visivel,
  Oh Principe immortal!


FIM.

     *     *     *     *     *




*SONETO.*


Meu ser evaporei na lida insana
  Do tropel de paixões, que me arrastava,
  Ah! cégo eu cria, ah! mísero eu sonhava
  Em mim, quasi immortal, a essencia humana:

De que innumeros sóes a mente ufana
  Existencia fallaz me não doirava!
  Mas eis succumbe a Natureza escrava,
  Ao mal, que a vida em sua origem damna.

Prazeres, socios meus, e meus tyrannos,
  Esta alma, que sedenta em si não coube,
  No abysmo vos sumio dos Desenganos.

Deos... oh Deos! quando a morte a luz me roube,
  Ganhe hum momento o que perdêrão annos,
  Saiba morrer o que viver não souve.

                        _Bocage._

     *     *     *     *     *


*SONETO.*


De peito impenetravel sempre ao susto,
  Lédo entre as armas, a folfar no p'rigo,
  Ó França, teu magnanimo inimigo,
  Por timbre teu não triunfou sem custo.

Ardendo em gloria o coração robusto,
  Onde teve o troféo, teve o jazigo:
  Nelson venceo, venceo por uso antigo;
  Mas da victoria foi desconto injusto.

Bem que nadante a Gallia em rubro lago,
  (Domando a morte quem seus brios doma)
  Crê reparar com isto immenso estrago!

Ah! donde um Nelson cahe, logo outro assoma,
  Assim,de Heróes privando-te Carthago,
  Heróes fervião no teu seio, ó Roma.

                        _Bocage._

     *     *     *     *     *


*SONETO.*


Mãi de Chefes Heróes, de Heróes soldados
  A Gallia  herdou de Roma o genio, a sorte;
  Seus filhos no igneo jogo da Mavorte
  Virão Marcios Leões tremer curvados.

Mas alta Lei dos Penetraes Sagrados
  Baixou, que o fatal impeto reporte:
  Fervendo em raios no Oceano a morte,
  Te obedece, ó Britania, ao mando, aos Fados.

No Continente o Gallo he Deus da guerra;
  O Anglo audaz sobre o pelago iracundo
  Da victoria os pendões, troando, afferra...

Ah! nutrão sempre assim rancor profundo.
  Hum triunfa no mar, outro na terra:
  Se as mãos se derem, que será do Mundo!

                        _Bocage._

     *     *     *     *     *


*SONETO.*


C'hum Diadema de luz no Elysio entrava
  Envolto Nelson em sanguineo manto!
  Lavrou nos Manes desusado espanto,
  E a turba dos Heróes o rodeava.

Grita Alexandre (e nelle os olhos crava)
  Quem hes, que entre immortaes fulguras tanto?
  Sou (lhes diz) quem remio de vil quebranto
  Europa curva, oppressa, e quasi escrava.

Deixei de sangue o pégo rubicundo;
  Troféos em meu sepulcro a Patria arvora;
  Raio ardi sobre o Gallo furibundo...

Nisto de novo o Macedonio chora:
  O que immensa extensão venceo do Mundo,
  Quem vencêra hum só povo inveja agora.

                        _Bocage._

     *     *     *     *     *


_Á Memoria de Ulmia._




*SONETO.*


Quando meu coração de Amor vivia,
  Ufana a liberdade em ver-se escrava,
  E quando para mim se variava
  O Ceo n'um riso, o Ceu n'um ai de Ulmia!

Das escuras Irmans a mais sombria,
  E que mais com seu pêzo o Mundo aggrava,
  Na vista divinal, que me encantava,
  Roubou luz á minha alma, e luz ao dia.

Não mais, Dor, Fado meu, Dor, meu costume,
  Cedo a paz gozarei, que o peito anhéla,
  Nos olhos do meu Bem, do Ceo já lume;

Junto á Nynfa immortal, na Estancia bella,
  Os dias perennaes, que vive hum Nume,
  Irei (Nume em ser seu) viver com Ella.

                        _Bocage._

     *     *     *     *     *


*SONETO.*

  _Il n'est de malheureux que les coeurs détrompés._
                             Voltaire. Merop. Trag.


Em vão, para tecer-me hum ledo engano,
  Filosofo ostentoso industrias cança;
  Diz-me em vão, que exhalando-se a esperança,
  Repousa na apathía o peito humano.

O nauta a soçobrar no Pégo insano
  Vê rir ao longe a cérula bonança;
  A mente esperançosa enfreia, amansa
  Os roncos, e as bravezas do Oceâno.

Se nos míseros cahe da mão dos Fados
  O negro desengano, eillos anciosos,
  E á desesperação, e á furia dados.

Doirai-nos o por-vir, oh Ceos piedosos!
  Justos Ceos! dêm sequer jardins sonhados
  As flores da ventura aos desditosos.

                        _Bocage._

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage, por occasião de se ter dito,
que recebêra o Sagrado Viatico._




*SONETO.*


Depois que a teus ouvidos grata vôa
  Mensagem pura, que ante os Ceos te expia,
  Por mil Sóes, Orbes mil, por Lactea Via
  Jove ao proprio teu lar desce em pessoa:[1]

Colloquio amigo, que entre os Dois resôa,
  Par não soffre em ternura, em energia,
  He d'hum Cysne expirante a melodia,
  He a fraze efficaz d'hum Deos, que trôa:

Consagrados eis são Mortal, e Immenso;
  Fogem subito ao pacto renovado
  Vã lida, torpe invéja, e morbo intenso!

Rasgou-se o véo do nubilo teu Fado;
  Dás fragil myrrha por eterno incenso,
  D'Home és Nume, de Vate és invocado.

                        _De Santos e Silva._


  [1] Contracção de Jehova.

     *     *     *     *     *

_Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage, achando-se o A. molesto._



*SONETO.*


A Musa, que bebeo comtigo alento,
  Que ao lado teu paixões commerciava,
  Os sons, que alegre outr'hora derramava,
  São ais viuvos, que dirige ao vento.

D'entre meus braços te apertar sedento,
  Por vingar o intervallo soluçava,
  Que a mal firme existencia me embargava,
  Sem que podésse olhar-te hum só momento.

Se não pude fartar voraz saudade,
  Inda mádida a face, enternecida
  Chora males do amigo em soledade.

Minha alma em tua dor toda embebida,
  Implora em ais, em pranto aos Ceos piedade,
  Ama doirar-te a tenebrosa vida.

                        _De Pedro José Constancio._

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage._




*SONETO.*


Entre as flores, que as Graças bafejárão,
  Curvas d'Elmano á prepotente Lyra,
  Venus brincando com Adonis gyra,
  Dando-se beijos, que em rosaes cevárão.

Assim contentes horas deslizárão,
  Ao som canoro, que o prazer inspira:
  O Ceo pendente extasiado admira!..
  Té que os Numes d'inveja ao som raivárão.

Dedos torpecem!.. arrebentão cordas!..
  Cumprio-se a voz de hum Deos, cumprio-se a Sorte,
  Em quanto, Eco chorosa, os tons recordas.

C'roai-o, ó Ninfas, pranteai-lhe a morte:
  E ao menos, Jove, que em prazer transbordas,
  Deixa vêllo de cá na etherea Corte.

                        _Do mesmo._

     *     *     *     *     *




*SONETO.*


Pungido pela dor, banhado em pranto,
  Desato, Elmano, minha voz truncada,
  Que de gemer, de suspirar cançada,
  Acha o rouquejo no lugar do canto.

Debalde em pragas mil a voz levanto
  Contra o Cypreste, lúgubre morada,
  Que de funereas Aves carregada,
  Te condensa o pavor, o susto, o espanto.

Para baldar o agoiro, em vão tentára
  Loiros dispôs em mimo esperançoso,
  Que na aridez não vinga a ténue vara.

Rouba-me embora, ó Fado rigoroso,
  Esse que Lysia, o Mundo assoberbára,
  Que o pranto he meu, prantearei saudoso.

                        _Do mesmo._

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage._




*SONETO.*


Embebido na sólida Verdade,
  Zombas dos Impios, que sem pejo ou mêdo,
  Decifrão de Mysterios o segrêdo;
  Trévas a nós, e Luz á Eternidade:

Adoras a Suprema Divindade,
  (Teu futuro Juiz ou tarde ou cêdo)
  Na fé se adóça teu remórso azedo,
  Esp'rando a divinal Tranquillidade.

Loucas Paixões, que fomentaste outr'hora,
  (Feiticeiro Manjar dos flóreos annos,
  Que o Juizo maduro não vigóra)

Esses gostos fataes, gostos mundanos,
  Expiando na dor, que te devora,
  Ganhas hum Deos, e choras os Profanos.

     _Joaquim Antonio Soares de Carvalho._

     *     *     *     *     *




*ELOGIO AO PUBLICO*

_Em nome de huma Actriz da Rua dos Condes._


A Musa, que nas Scenas de Ulysséa,
Não sem gloria, ajustava o métro á Lyra,
De Elmano o só thesoiro (a Sócia mésta
Da quasi muda cinza, aérea sombra)
Inda hum salvé tremente á luz envia,
E dá versos á Patria, ou dá suspiros,
Da nobre Gratidão pelo orgão puro.
Oh Lysia! Escuta os sons, talvez extremos;
Que do seio affanoso, a custo, exhála:
(O Cysne diviniza os sons da Morte)
Ouve, em métro não baixo, ouve alto affecto,
Que me honra o coração, na voz me ferve,
E no Patrio favor a ardencia nutre.
Recente Arvoresinha em chão bravio,
De humor celeste definhando á mingoa,
(E mimosa jámais de hum Sol fágueiro)
Eu para a Terra, para a Mãi pendia,
Que os succos mesquinhava ao tenro Arbusto,
Talvez de produzillo arrependida.
Eis braço, a que apiedou meu ser já murcho,
Me extráhe, propicio, do Terreno avaro,
E em liberal torrão me põe, me arreiga.
Súbito espérta, súbito enverdece
A Planta moribunda, e qual sé, ó Lethes,
Afferrasse a raiz nas margens tuas,
Que das Furias o bafo esteriliza.
Influxo animador me altêa, e fólha;
Hálito ameno de vivaz Favónio
Com macios vaivens me embala os ramos,
Flores me adornão, fructos me atavião:
Os sorrisos da Patria, os mimos della
Estas boninas são, são estes fructos.
Das trévas, e da Morte as Aves feias,
(De atra voz, em que o Fado ás vezes sôa)
Fogem d'entorno a mim, carpindo agouros,
Nas agras, negras furnas vão summir-se;
E na coma louçã gorgêa encantos
Teu Cantor, Primavéra, o vosso, Amores.
Quanto sou, quanto valho, á Lysia devo,
E á Lysia o coração na voz consagro.
Acólhe com ternura, acólhe, ó Patria,
As Offrendas por mim do triste Vate,
Que para te cantar surgio da Morte,
E em ancias balbucía o tom dos Numes:
Honra déste ao Cantor, dá honra ao canto.

                        _Bocage_

     *     *     *     *     *




*ODE*

_Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage._


Do boto engenho a sequidão, e a mingoa
Suppri, vós Amizade, e sentimento,
E a frase ingenua, a Candidez saudosa,
    Tebêos thesouros valhão.

Tinta sempre de negro a Fantasia,
Em vão tactêa o viço dos Prazeres;
As sombras medrão, desaparece o esmalte
    Dos Parnásidos sonhos.

Anciado o coração, palpita, e pede
Amenos quadros, que o vigor lhe abonem;
Mas, o seu oppressor, o Pensamento,
    Se produz, produz lucto,

E como affugentar, banir-lhe as trévas
Se de hum, se de outro lado eu sinto, eu vejo
Duros arremessões, pendentes golpes
    Do meu verdugo, o Fado.

Daqui me aponta a pálida Amizade,
O Amigo, o Vate, o Pensador, o Tudo
(Socio nas ditas, e nas mágoas socio)
    Desviado, e penando.

Dalli me punge o indomito Destino:
Novo Tantalo eu sou! Vejo a Ventura,
Cresce o desejo, esfórços se redobrão,
    Mas não posso abrangella.

Impertinentes, faceis Conselheiros,
Sizudo Aristocrata me pertendem
Systema, e Genio me prohidem; soffro
    Affanoso contraste.

Nos grilhões de hum dever, que me flagélla,
Nem do meu coração disponho livre!
Quantas vezes me vês, Amor, oh quantas!
    Cobiçar-te, e fugir-te

Na varia compressão, no cerco infando
De Pezar, e Pezar conheço o pouco,
Que resiste a Razão, e quanto, e quanto
    Filosofia he futil!

A Sensassão dispotica ensurdece
Da sã Prudencia ao madurado Aviso,
E contra a innata propensão dos Entes
    Politica o que avulta?

Mente quem me disser, que em homens cabe
Não gemer, se Afflicção irrita, e lacera:
Não mais póde o Atilado, o Sapiente,
    Que evitar-se ao naufragio.

Eu, que desde a bemvinda Primavera,
Em que a Luz da Razão dourou meu clima,
Tive sempre comigo, e meus Destinos
    Atinada pelêja.

Votado desde então a Amor, e ás Musas,
Filosofo, os espinhos acamando,
Horas tenho, assim mesmo, em que a meus olhos
    A existencia negreja.

Ditoso tempo aquelle, Elmano, o caro,
Que em amiga união (volvendo a teia
Do Porvir, do passado, e do presente,)
    Nos davamos constancia!

Então (oh! tempos, que valeis saudades)
Amizade interesses enlaçando,
Delicias extrahia ás mãos da sorte,
    Que trovejava inutil.

Então as Nynfas do Pierio esquivo,
Com teus Olympios sons extasiadas,
Folgavão de me ver medrado Alumno,
    Rastear-te, e com gloria.

Ah! bem que nos separa occulta força,
Inda te segue o socio Pensamento:[1]
Se Poder, e Vontade condissessem,
    Moniz fôra comtigo.

Menos agros talvez teus dias forão,
E os turvos dias meus, que enlutão mágoas,
Com doce languidez amenizára
    O Prazer fugidio.

Matiz equivalente a Paraisos,
Variado entre Amor, entre Amizade,
Me enchera o vácuo da existencia ensôssa,
    Que se definha inerte.

Eu amo, eu sou amado, eu lucro, eu gózo;
Mas, aí! que a hum dia de prazer succedem
Dias, e dias de Afflicção teimosa,
    Que o coração me azédão.

Amas, como eu tambem, tambem amado,
Mas avesso Poder te engelha os fructos,
Que já colheste em tempos fortunosos
    De perpétua lembrança!

Cumpria, que a Amizade suppridora
Instantes affagasse amargurados,
Mesmo d'entre os negrumes do Destino
    Tirasse hum riso a furto.

Infelizes de nós, se não restasse
No fundo d'alma, de sofrer cansada,
Divino não sei que, que aos males todos
    Nos torna sobranceiros.

Eia, pois ao porvir se appelle, Elmano,
Fonte de gostos, ideaes amenos,
O Fôlego alargando ao soffrimento,
    Leda Esperança ondêa.

Ella espinhos crueis em flores torna,
Sustenta o fio, e dá sabor á vida;
Retem suicidas mãos, angustias doura,[2]
    Deve ser nosso Numen.

Se dize com Ovidio: "Eu perdi forças,[3]
Perdi côr, e mal cobre a pelle o osso,"
Tambem com elle eu digo: "Immensos males[4]
    A velhice me avanção."

A Aurora do Prazer talvez que enflore,
Ermo invernoso da existencia nossa,
Á Fama vividoura, assombros novos
    Na Lyra então daremos.

            _Por Nuno Alvares Pereira Moniz._


  [1] _Affectus que animi, qui fuit ante manet._
                  Ovid. Trist. lib. 5. Eleg. 2.
  [2] _Me quoque conantem gladio finire dolorem,
       Arguit, injectas continuit que manus._
             Ovid. de Pont. lib. I. Eleg. 6.
  [3] _Nam neque sunt vires, nec qui color ante solebat,
       Vixque habeo tenuem, quae tegat ossa, cutem._
                       Ovid. Tris. lib. 4. Eleg. 6.
  [4] _Me quaque debilisat series immensa laborum,
       Ante meum tempus, cogor et esse senex.
                               Ovid. de Pont.

     *     *     *     *     *


  _Carminibus quaero miserarum oblivia rerum._
                                        Ovid.




*ODE*

_Ao Senhor Nuno Alvares Pereira Moniz_


Já meu estro, Moniz, apenas sólta
    Desmaiadas faiscas;
Em que as frôxas idéas mas se aquecem;
    Elmano do que ha sido
Qual no gésto desdiz, desdiz na mente;
    Diástole tardia
Já da fonte vital me esparge a custo
    O licor circulante,
Que he rosa entre os jasmins de virgem Face,
    Que outr'ora esperto, accezo
De santa Agitação, de Ardor sagrado,
    No cérebro em tumulto
(Estancia então de hum Deos!) me borbolhava.
    Respiração Divina,
Enthusiasmo augusto, alma do Vate!
    Que rápidos portentos,
Portentos em tropel, não déste á Fama,
    Não déste á Natureza,
Á Patria, ao Mundo, a Amor na voz de Elmano!
    Ora, aplanando os sulcos,
Com que a Saturnia mão semblantes lavra,
    A Razão pensadora
Erguia aos graves sons o grave aspecto:
    Ora ao ver-se anteposto
Por deleitosa insânia, a Ella, a Tudo,
    O grato, Cyprio Nume,
Fadava docemente o doce canto
    No Coração de Anália.
Oh extase! oh relampagos da Gloria!
    Faustos momentos de ouro,
Com que meu gráo comprei na Eternidade!
    Do Tempo meu voando,
Do Tempo que anuvião negros Males,
    Brilhais inda em minha alma,
Entre sombrias, áridas Idéas,
    Qual entre Aves escuras,
(Orgãos do Agouro, Interpretes da Morte)
    Requebros annulando,
Das Aves de Cithéra o coro alveja...!
    Mas ah, saudosos Dias,
Vós sois memoria só, não sois influxo!
    Não me reluz comvosco
O Espirito, abysmado em funda trévas,
    Com gasto, debil fio
Prêzo á Materia vil, que rálão Dores!
    Ante meus olhos tristes,
(Que já d'amiga luz se despedírão)
    Sahe de eterna Voragem
Vapor funéreo, que exhalais, oh Fados!
    Eis meu termo negreja,
Eis no Marco fatal meu fim terreno!...
    Mas surgirei nos Astros
Para nunca morrer: com riso impune
    Lá zombarei da sorte.
Moniz! oh puro Amigo: oh Socio! oh Parte
    Do já ditoso Elmano!
Ás Musas, como a mim, suave, e caro!
    De lagrimas, e flores
Honra-me a cinza, o túmulo me adorna,
    Não só longa Amizade,
Novo Sacro Dever te exige extremos:
    Da Lyra minha herdeiro
Menu Nume Fébo, e teu te constitue;
    Fébo apôs mim te augura
Vasto renome, que sobeje[1] aos Evos:
    (He dos Annos vantagem,
Não vantagem do Engenho a precedencia)
    Teu metro magestoso,
Que já, todo fulgor, zoilos deslumbra,
    Teu metro scintilante,
Das virtudes mimoso, acceito ás Graças,
    Turvem saudades: canta
Alguma vez de Elmano, e chora-o sempre,
    E Amor, e Anália o chorem:
Amor, e Anália, meus piedosos Numes.
    Sem, por mim suspirem.

                        _Bocage_


  [1] Em Lucena, e em outros Quinhentistas de summo apreço, vem sobejar
  por exceder.

     *     *     *     *     *


Por largo campo, indómito, e fremente,
    Corre o Nilo espumoso:
Feroz alaga a rápida corrente
    O Egypto fabuloso:

Mas se na grã carreira, ás ondas grato,
Tributo de caudaes rios acceita,
    Soberbo não regeita
Pobre feudo de incógnito regato.

                        _Diniz._ Ode I.

     *     *     *     *     *




*ODE*

_Por occasião da noticia, que grassou no Porto, das melhoras do Senhor
Bocage._

    Cisne de immenso vôo! ave, que rója,
      A medo se abalança aos teus louvores.


D'entre a que, eterna, lá no abysmo estala
Immensa chamma, que accendeo o Immenso,
Tôrva ullulando, á região do dia
    Surge a myrrhada Invéja.

Seu hálito empestado a luz suffóca,
E sécca, e mirra as arvores, as flores;
Dragão, de linguas tres, na dextra arrôcha,
    Alça na outra o facho.

Silvão-lhe horrendas na tostada fronte
Viboras crespas, de que está coalhada;
Nutre nos peitos ávida serpente,
    De insaciavel fome.

Atro veneno a lingua lhe destilla,
A lingua, que de vibora parece:
Vós Górgonas, vós Furias, tu Medusa,
    Não sois mais horrorosas.

De espaço meneando as azas longas,
Demanda vagarosa a Estygia margem;
E alli, prendendo o vôo, descendo á terra,
    Que, ao sentilla, estremece.

Alli em subterranea, em ampla furna,
Desde a infancia dos seculos formada,
Dura, immutavel lei impondo a tudo,
    Reside a Morte horrenda.

Montão enorme de esbulhados ossos,
De crâneos seccos lhe compõem o throno,
Assôma no alto o descarnado Monstro,
    A ferrea fouce em punho.

Voão-lhe em roda Lémures, Espectros,
Jazem-lhe aos pés as lividas Doenças:
O silencio, o pavor, a escuridade
    Alli, perennes, mórão.

Nos quatro cantos de horrorosa estancia
Quatro cyprestes lúgubres se elevão;
Aves sinistras, rouquejando agouros,
    Entre os ramos se aninhão.

Para aqui se encaminha a Invéja tôrpe:
Tremendo, aos pés do throno se apresenta;
Frio terror os membros lhe entorpece
    Ao encarar o Nume:

Mas, assanhando a roedora serpe,
Que no peito lhe pásce, a dor vehemente
Lhe esperta o coração, lhe volve o acôrdo;
    E assim troveja a Furia:

"Deosa, dominadora do Universo,
Cujo imperio vastissimo confina
Co'a muralha da immensa Eternidade:
    Branda meu rogo affaga.

Já vezes mil o tétrico veneno
Das serpes, que me toucão, que alimento,
Fêz em teus lares borbulhar o sangue
    De victimas sem conto,

Serviço não vulgar, que te hei prestado,
Jús me confere a não vulgar indulto:
Vinga-me, ó Deosa, de hum Mortal soberbo,
    Que ousa affrontar-me impune.

Elmano, o caro a Febo, e caro a Lysia,
C'roado ha muito de immurchavel louro,
Sobre o ludibrio meus alçou ufano
    Troféo de eterna dura.

Com pé robusto esmigalhou valente
(Da peçonha mortal nem foi tocado)
Viboras, que arranquei da trança horrenda,
    Para arrojar-lhe ao seio.

Tentei vãmente ennegrecer-lhe a Fama,
Que nivea, e pura os Orbes divagava!
Meus baldados projectos só servirão
    De aviventar-lhe o lustre.

Chusmas de Zoilos, meus fieis Ministros,
Em vão em meu favor as armas tomão:
Relampaguêa o Vate, e nos abysmos
    Baqueão, aterrados.

Myrrhada de pezar, baixei ao Orco,
E alli fui prantear a injúria minha:
Gritos, que então soltei de dor, de raiva,
    Inda nelle retumbão.

Foi-me comtudo balsamo suave
Á dor cruel, que me ralava o peito,
O grato annúncio, de que o Vate odioso
    Roçava o ponto extremo.

Mortifero aneurisma promettia
Romper-lhe antes de muito os nós da vida!
Meu coração folgou, desaffrontado,
    Co'a proxima ventura.

Já com soffregas mãos, tintas em sangue,
No Báratro compunha atróz peçonha,
Para ensopar-lhe as socegadas cinzas
    No tácito jazigo.

Porém, ó Deosa, se, exercendo a Fouce,
O demorado golpe não desfechas,
As, que alimento, gratas esperanças,
    Qual fumo, se esvaecem.

Sim, ás contínuas súpplicas de Lysia,
Como que o Fado a fronte desenruga;
Brado, macio já, como que intenta
    Deferir-lhe propicio.

Ah! e quanto, inda assim oppresso, enfermo,
Quando me affronta, me assoberba Elmano!
Seu Estro sempre o mesmo, sempre em chammas,
    Raios me vibra intensos.

Todos de Lysia abalizados Cisnes
Melifluo canto em seu louvor modúlão;
Rôto ao porvir (mercê de Apollo) o seio,
    Vida fádão-lhe eterna.

E serei, ai de mim! assim calcada,
Sem que possa vingar-me!.." Aqui lhe brótão
As lágrimas em fio, entre soluços
    Suffocada, emmudece.

Depois de curto espaço, a Morte horrenda,
A fronte definada meneando,
Alça a medonha voz, e assim responde
    Á consternada Furia:

"Não te desdenho, ó Filha: do meu throno
Tu és robusto apoio; os teus serviços
A obrigação me impõe de ser-te grata:
    Morrerá quem te affronta"

Disse; e n'astea da Fouce o corpo firma,
Ergue-se, e ensaia para o vôo as azas:
Nos cantos da caverna os negros Mochos
    Soltão da morte o grito.

Eis que estranho clarão, rompendo as trévas,
Súbito inunda a lôbrega morada;
Eis apparece (mortal raio á Invéja)
    Em branca nuvem Lysia.

Brando surriso esmalta-lhe o semblante,
Nos olhos o prazer lhe reverbéra,
Luz-lhe na dextra lâmina de bronze,
    Qual astro, fulgurosa.

Com garbo magestoso a vestidura
Sobraça roçagante; e assim que arrósta
O Nume aterrador, na voz suave
    Taes expressões lhe envia:

"Chorosa, amargurada, longo tempo
Curva ante o Solio do adoravel Fado,
Ferventes rogos, humidos de pranto,
    Fiz subir-lhe á presença.

De Elmano, do meu Vate a vida em risco:
Meu coração materno consternava:
Elle era a gloria minha; ella morrêra,
    Se morresse o meu Vate.

Regeitado, porém, não foi meu rogo:
O Fado para mim sempre benigno,
Risonho me outorgou (mercê não tenue)
    O suspirado indulto.

Eis o Decreto seu:" (e entrega ao Monstro
A lâmina de bronze.) Ao vê-lo a Parca,
Depondo a curva Fouce, inclina a frente,
    E reverente o beija.

"Cumpre-se, ó Lysia, (diz) a Lei do Fado."
Exulta Lysia, e presurosa surge
Da habitação medonha: opácas sombras
    De novo alli se espessão.

Oh que horrendo espectaculo não era
A Invéja furiosa, ardendo em raiva!
Da dextra, da sinistra a serpe, o facho
    Arreméça convulsa.

As melenas, frenéticas, arrepéla,
E de áspides alastra o pavimento;
Na boca, onde as espumas são veneno,
    As maldições lhe fervem.

Torcendo, e retorcendo os vesgos olhos,
Vaguêa delirante a vasta furna:
A Morte, a propria Morte, ao ver-lhe as furias,
    Treme no throno horrendo.

O Fado, contra quem vomita o Monstro
Negra turma de pragas, indignado
Manda ronque o trovão, fuzile o raio,
    E sobre ella desabe.

A Furia, remordendo-se, baquêa,
E no bojo inflammado o Inferno a sorve.
Em tanto a grande Lysia, exultadora
    Vôa a abraçar seu Filho.

     *     *     *     *     *




*EPISTOLA*

_Feita no julgado ultimo periodo de vida do Senhor Manoel Maria de Barbosa
du Bocage._


  EPIGRAFE.

  _Rebus angustis animosus as que
   Fortis appare._
            Horat. Od. 7. liv. 2.


Se póde hum mocho, piador nas selvas
Brancas plumas cobrar, surgir de noite,
E dos pios colher vozes sonóras,
Tendo assumpto sem par, Heróes cantando!
Não sou ave infeliz, odeio as trévas;
Minha essencia mudei; encaro o dia,
O dia, que nasceo na luz d'Elmano.
Ó tu Dominador, de quem domina
No medonho poder d'escuro pégo,
Onde morre o Vulgar, existe o Grande;
Em que ufana de Ti a Eternidade,
Dos limites sahio, mandou soberba
Aos Futuros pasmar, tremer aos Fados;
E nos Livros ao tempo sobranceiros
O teu nome esculpir, dar vida ás letras;
Que sedentas té'li de iguaes talentos,
Sem a mira lançar a mais, ou tanto,
Novo campo não dão a novo entalhe.
Accolhe os versos meus, os meus louvores,
Que o pêjo suffocou; mas cede o pêjo
Á voz da Gratidão, que em mim resôa.
Que inaudito prazer me surge n'alma!..
Elmano, Elmano meu, do Mundo gloria,
Quando penso que os sons adormecidos
Da Lyra (que em temor céde á vontade)
Vão dos Astros romper luzente Espaço,
Indo aos Numes levarão, que he dos Numes
Esta empreza, que os Ceos no seio acolhem,
De que hes justo crédor, que humilde off'reço,
Hade a Jove aprazer, durar em Jove.
Se ao jugo dos Mortaes, se ao Fado, á Morte
Inda liga tua alma a terrea massa,
Se em tormentos, se em ais, se em dor, se em pranto
A substancia languece, que te anima,
E de humano a pensão (dever custoso)
No continuo pular do sangue ardente[1]
Encaras com temor; temor não tenhas!
A morte para o Sabio he gosto, he vida.
Assim o grão Camões, de Lysia esmalte,
E das grandes Nações portento, espanto,
Na desgraça morreo, viveo na morte!
E o Nume atroador de Pólo a Pólo,
Por cem aureos canaes fendendo os ares,
Inda o nome do Heróe espalha ufano,
Inda alentos lhe dá, vida mais nobre.
Quebradas as prizões aos ser terreno,
Que te véda subir de Vate a Nume,
Hade os tubos encher com sôpro estranho,
E teus versos mandar ao Ceo da Gloria.
Não julgues, que se, Heróe, zombas da morte,
Encarando teu mal desdenho o pranto
Hade Lysia chorar, darão os Lusos
Do pranto, que a razão sanar não sabe,
Grossas agoas ao Téjo caudaloso,
Que dos limites seus fugindo irado,
Vá ao Ganges levar, levar ao Nilo
A noticia cruel, que humanos punge:
E Josino (que a vida assás molesta
Nos hombros lhe suppeza alonga os dias
Que, d'Elmano vivendo assim distante,
Hãode o manto roubar á noite escura!)
A tristeza dará da morte o premio.
Revive, Elmano, pois no Ethereo Reino;
Que eu, em quanto tiver vitaes alentos,
Heide em ti prantear d'Amigo a falta,
E de Vate, e de Heróe ceder ao pasmo.

         _José Joaquim Gerardo de Sampaio._


  [1] Alludo ao aneurisma, huma das principaes molestias, que o
  atormentão.

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage, achando-se o A. molesto._




*EPISTOLA.*

    O Sabio não vai todo á sepultura,
    Na memoria dos homens brilha, e dura.
                    _Rim. du Bocag. T. a._


Hum triste, hum infeliz, da Sorte avêssa
Tragando o fel dos ais, o fel da vida,
Saúda hum triste, que abraçar não póde,
Penhóra em letras, mensageiras d'alma,
Os effluvios da candida amizade,
Os saudosos gemidos, que te envia,
Elmano, que em soluços te evapóras,
Que atroppelado pela dor intensa,
Sóltas dos lumes teus acerbo pranto,
Que em vão te banha as faces enlutadas,
Que tenta em vão desenrugar teus Fados.
Mas ah! cobra valor; constancia, Amigo:
Esforçada razão represe as mágoas,
Que a horrenda fantasia, nebulosa
Avulta em quadros, em que tudo he negro.
Se ella dá brilho, se a existencia affaga,
Debuchando na idéa deleitosa
Glorias, prazeres, jubilos, encantos;
Tambem nos males nos accurva a mente
Com duplicados, horridos pavores.
Baldar o sentimento ao corpo afflicto
Não quero, Elmano, que tambem sou homem.
Se Zêno, se Platão sorrindo em ancias,
Não mostrárão na face a côr do medo,
Que erão diremos corações de bronze?
Sentirão, que a desgraça a todos punge;
Porém soffrêrão com tenaz constancia,
Engolfados na sãa Filosofia.
Se qual vivêrão, tal morrêrão lêdos;
Porque não seguiremos os seus passos?
Forão d'outra materia, que não somos?
Forão d'outro talento, que não tenhas?
Quem da convulsa natureza, opressa
Falsêa em parte os horridos embates,
He sobranceiro á morte em gloria firme:
Se tu com ella nos degráos luzentes,
Librado sobre os extasis divinos,
Nectar libaste na Apollinea Mêza;
Porque tremes das soffregas voragens,
Em que se abysma a Natureza toda?
Que saudades do Mundo te acompanhão?
Por quantos males se não comprão ditas,
Que bem qual o relampago se esváem!
Que te valeo na Patria modulando,
Da bocca deslizar thesoiros d'alma;
Ora cantando de Marilia a face,
Aonde se remóça a florea Gnido;
Ora abrazado em ralador ciume,
Praguejando o rival de teus amores;
Detestando a cruel, a fementida;
Ora carpindo a[1] flor cortada em breve,
Que acordava o botão medrando em risos;
Enriquecendo em fim a Patria, o Mundo
Nos vivos quadros da Moral prestante?
Se horrorosos baldões o premio forão;
Se isto se diz viver... se o Mundo he isto...
Não tens que suspirar; esquece a Terra!
Não succumbas ao pêzo da desgraça:
Se te borbulha hum Deos na mente acceza,
Quem 'sta cheio d'hum Deos não teme a Morte.

                  _De Pedro José Constancio._


  [1] Alludo ao Idyllio da Saudade Materna, feito pelo Senhor Bocage.

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._


    _Tu ne cede malis; sed contra audentior ito,
    Quam tua te Fortuna sinet......_
                             Æneid. 6. vers. 95.


He nos revézes que apparece o Sabio,
Que d'hum peito atravéz, que a Dor crucîa,
Reluz hum coração, virtudes todo:
Nunca d'Athenas o lustroso esmalte,
O Mestre da Moral, o Deos dos Sabios,
D'alma heroica mostrou mais nobres rasgos,
Que ao entrar na prizão com rosto alegre,
E ao beber a cicuta airoso, e forte.
De Roma nos Annaes, que o Mundo assombrão,
Não teve cabimento Heróe mais claro,
Que hum Séneca, fiel ás leis sagradas
Da Virtude, e Dever , aos pés calcando
Cruas perseguições, desterro iniquo,
Sobranceiro ao rigor dos Ceos, da Terra.
  Nem sómente entre as horridas refregas
Do procelloso mar, ou nos combates
D'alma forte resumbra ardor valente:
Da virtude he tambem theatro o leito;
Neste mais de huma vez provou-se o Sabio:
Encara com desdem o Sabio a morte,
Certo que a preço tal se merca a vida.
  Temos mui nobre, e remontada Essencia,
Viemos povoar Terraqueo Globo
De mui alto lugar; e a prova, Elmano,
Em nós mesmos se dá, julgando escassa
Humilde habitação, d'arte os portentos,
De Arquitectura, e luxo assombros claros,
Que hum leve sopro esbrôa, esmaga, e prostra;
Não temendo largar tão baixa esfera.
  He das dores crueis o termo a morte!
Entre desgraças mil sempre vagando,
De molestias sem fim alvos constantes;
Bem como acontecer deve aos que aberrão
Do seu clima natal, e estranho habitão.
Só depois de existir puras substancias,
Despidas do grosseiro, e terreo manto,
Gostaremos prazer sadio, estreme.
Filosofia, és tu, quem dás ao Homem
Do sepulcro despir-lhe o medo, o tédio;
Por ti (qual déstro nauta exp'rimentado,
Que rasgado o velame, os mastros rotos,
Co'as ruinas da náo prosegue a rota),
Não succumbe o Mortal da morte á face,
Não lhe desbóta do semblante as côres,
Da constancia o vigor não lhe entorpece
Buido ferro, que centelhas vibra;
Da vida o termo com sorriso encara,
Como se alheio fosse, e não seu termo.
  Genios transcendentaes, que o mundo honrárão,
Não temêrão largar barrenta capa,
Que mesquinha entorpece os vôos d'alma:
Do divino Platão, o Sol da Grecia,
Ouve attento o clamor, no peito o encerra:
"O espirito do Sabio anhéla a morte,
Nella medita, e a quer: sempre que tende
Fóra de si; taes são seus appetites."[1]
Quanto ao summo chegou do fim jaz pérto:
Fructo, que sazonou co'a Primavera,
Do Outono na estação não orna as mezas!
Quanto mais clara resplandece a chamma,
Tanto mais prompta affraca, e se amortece:
Taes os Engenhos; quanto mais sublimes,
Tanto mais breves são; que he perto o Occaso,
D'onde falta o lugar ao crescimento.
  E pois, Elmano, te guindas-te ao cume
Do Horizonte, onde és Sol de Lysia aos Vates,
Cujas centelhas dão calor aos Genios,
Dão brio, dão vigor para ir á gloria,
Postergando montões de vis insectos
De ephemerico ser, d'aspecto ingrato;
Não deves estranhar, que Atropos dura
Se antecipe a cortar-te o fio á vida;
Ella, que sem respeito ao Môço, ao Velho,
Se apraz de encher de lucto, e pranto o Mundo.
  Ah! Se a vozes de dor se move a Parca,
Se do Destino as leis transtornos soffrem,
Verás, Elmano, decorrer teus dias
A par dos de Nestor, Tu, que o semelhas
No mel, que vertem teos divinos labios.
Lysia, desfeita em ais, banhada em pranto,
Ante as aras de hum Deos mil preces sólta
Pela conservação do seu esmalte,
Do seu Genio melhor, da Gloria sua,
E aos de Lysia Filinto une os seus votos.

                   _Fr. Francisco Freire._


  [1] _Sapientes animum tetum in mortem prominere, hoc velle, hoc
       meditari, hoc semper cupidine ferri in exteriora tendentem._
                       Senec. Consol. ad Marciam.

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._




*EPISTOLA.*


Ruindo lá do Bárathro medonho
Lúgubre som, motivador do pranto,
Que as faces mólha de enlutada Lysia,
De ti, ó Vate, reclamava o feudo;
Já lá do Abismo horrendo as furias torpes,
Por ordem de Plutão na terra surgem;
Da vil materia, do que he pó, que he nada,
Opaco manto de endeosados genios,
Rabidas rompem o ordenado todo.
"Murchas esp'ranças mais a mais fraquejem,
Sentimento mortal, tristeza baça
Nos Lusos corações a dor espalhe;
Apenas cinza, o que já foi Elmano."
Esta do Averno a voz, a lei da Morte,
Que ás funeraes Irmans o Monstro intima!
Do Sena pelas margens saborosas,
Pelas praias do Ganges, do Aureo Téjo,
Assustadas de horror as Ninfas clamão;
A lei maldizem, que lhes rouba a gloria,
Carpindo o mimo, que as honrava tanto.
Os alumnos de Apollo ao nume envião
Entre cortados ais, sentidas vozes,
Votos provindos do profundo d'alma,
Quaes os da Gratidão, e os da Verdade:
Co'as mentes cheias de saudade infinda,
Teu nome, ó caro Elmano, a Jove lembrão;
No fogo ardente de sonóros Hymnos,
Escudados da candida amizade,
Da justiça, é dever, da gloria Tua,
Hum Nume Creador, que uniu os Entes,
Hum Deos, hum justo Deos piedoso dobrão.
Eis de repente na brilhante Esfera
Risonho assoma o dia, a noite fóge;
Raia alegre o prazer, somem-se as trévas;
Abrem-se as portas do sulfureo Averno,
E á feia escuridão as Furias tornão.
Esforça-se a razão, estudo, e arte
Das garras a salvar a prêza excelsa:
Angelico tropel ao leito adeja;
Da Sacra Região baixando os vôos
Do Vate aos lares, a melhora guia.
No Olympo os Numes a harmonia prézão,
Affeitos a escutar da terra os Vates.
Oh como de prazer exulta o peito!
E mano, Elmano vive, oh Ceos, oh dita!
Por elle a gloria, e honra em Lysia abundão;
Cisne do Téjo, que trespassa a méta,
Licita a raros de adejar cançados.
Fadem teus dias fortunosos lances.
Praza aos Ceos compassivos, que inda eu possa
Ver-te immune ao mal, que te consterna;
Porque possas tambem dar vida á Fama
De deslizado Heróe, que a cobardia
Pendura nos portaes do Esquecimento;
E as azas desprender em canto altivo,
(Dos Voltaires, Camões, dos Tassos digno)
Em lustres de Varão, que immortalizes.
Virente louro não me cinge a frente;
Tolhem meus gressos as varedas ínvias
Ao bipartido Cume, ao sacro asilo
Dos almos Genios, onde entrar não posso:
A ser-me dado, intrepido verias
Em duravel engaste, em Padrão d'oiro
Ir assomar teu nome além dos Evos;
A ardentes Vates, que o Porvir esconde,
Engenhos como Tu, mover-lhes pasmo;
Mostrar-te como exemplo ás Plagas Lusas,
Disparando o trovão, vibrando os raios,
Imagens vivas, que dão alma ás pedras;
Em quanto as graças em Gertruria bella
Co'os doces folgazões amores brincão;
Quando surge da Estancia a torva invéja,
Ou trilhas sem desdouro o Lacio augusto:
Do filho de Sulmona unindo a cinza,
Fazendo-o reviver com pompa egregia
Em veste alheia; mas tão nobre, e rica,
Que equivale ao valor dos proprios trajes.
Quizera agora ter o dom de Elpino,
Invadir com teu nome a Eternidade......
Mas ah que delirei: oh mente louca!
Não precisas de quem de ti precisa:
Rite, rite de mim, ó grande Elmano
Mas dos desejos não, dos sãos desejos.

  _De João Galvão Mexia de Sousa Mascarenhas._

     *     *     *     *     *


_Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._




*EPISTOLA.*


Vate, que adoro, portentoso Elmano,
Imagem do Saber, do Pindo gloria,
Apollineo Cantor, Cantor divino
Dos Jardins, onde impéra a Natureza;
Escuta os versos meus, escuta os versos,
Que dicta o coração, dicta a amizade.
  Depois, com que pezar o pronuncio!
Que entrei na estancia triste, onde succumbe,
Aos impulsos da Dor, Razão, Constancia,[1]
Diluvio amargo de saudoso pranto,
Me innunda as faces, me consterna o rosto.
  Já mais hum só instante, ó caro Elmano,
Se minóra a tristeza, que me opprime;
Meu activo pezar, minha amargura,
Bem não podem narrar toscas palavras:
Excede a dor humano soffrimento!
Saudades que a minha alma afflicta sente,
Podem-se imaginar; mas não dizer-se.
  Ah quando penso em ti, eu me arrebato:
Futuras producções imaginando,
Não césso de chorar a falta, a perda,
Que as Bellas Letras, Seculos vindouros
Chorarão, como eu, se a morte horrivel
Inda em flor decepar teus caros dias.
  Deste asilo da lúgubre Tristeza,
Onde os dias, ás noites semelhantes,
Eu passo envolto em luto, envolto em pranto,[2]
Te envio tristes ais, ternas lembranças,
Que meu peito fiel a ti consagra;
Escuta-as, se he possivel, (pois o triste,
Com as queixas do triste se consola,)
No meigo coração grato as acolhe;
E conhecendo a dor, que assim me fere,
Pondéra as mágoas, que supporta, e sente
Falmeno, que sem ti vive morrendo.
  Sugeito ao mando teu por lei, por gosto,
Te envio (como amargo talvez util)
O Folheto de meus insulsos versos:
Quem quer escravo ser de teus preceitos,
Sem já mais hesitar, deve cumprillos
Embora o Zoilo vil louco me chame,
E pura sugeição julgue vaidade.[3]
  Adeos, meu caro Elmano, adeos amigo,
Os teus ais, aos meus ais unidos sejão;
Unidos vão soar na azul esfera,
Augurando amizade além da morte.


  [1] Alludindo á exasperação em que o vi lutando, na occasião em que
  excessivas dores muito o atenuavão.
  [2] A grave molestia do Amigo, e o proximo falecimento da minha Mãi, me
  inspirou os tres versos acima, em tudo conformes aos meus sentimentos.

  [3] Já mais me atrevera a enviar o Folheto dos meus insipidos versos a
  tão abalizado Mestre, se a sua determinação me não obrigasse a tanto: as
  desculpas que exijo, e as causas que allego no Prologo do dito Folheto,
  não bastão a evitar a critica, que na verdade merece a publicidade de
  semelhantes Poesias, ás quaes ao presente não dou valor algum.

     *     *     *     *     *




*SONETO.*


Nesta horrivel morada da saudade,
Onde chóro, e lamento o teu Destino,
Dirijo preces mil ao Ser Divino,
Que dicta o coração, dicta a amizade.

Fiel inclinação, pura verdade
Repete ardentes votos de contino:
Tranquillo supportára o mal ferino,
Se podésse escusar-te a Enfermidade.

Quanto fôra feliz, meu caro Elmano,
Se a vida, que te offerto, vida escura,
En teu lugar soffrêra o cruel dano;

Então com gosto olhára a sepultura;
E resgatando o Heróe, alegre, e ufano,
Meus dias entregára á Morte dura.[1]

    _Por Felisberto Ignacio Januario Cordeiro._


  [1] Se os versos dos dous tercetos parecerem affectados, e excessivos;
  para se pensar de modo contrario, baste a lembrança, de que o homem
  verdadeiramente Filosofo, que tem huma existencia triste, e pouco
  interessante, não terá nunca dúvida (sendo possivel) em sacrificar a
  sua vida á duração da dos homens sabios, uteis, e necessarios á
  Republica  das Letras, e á Sociedade Civil.


FIM.





End of the Project Gutenberg EBook of A virtude laureada, by 
Manoel Maria de Barbosa du Bocage

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1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
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receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
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1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
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1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
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If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
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providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
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harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected].  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     [email protected]


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including checks, online payments and credit card donations.
To donate, please visit: http://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


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     http://www.gutenberg.org

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