The Project Gutenberg EBook of Memoria dos feitos macaenses contra os piratas da China, by José Ignacio de Andrade This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Memoria dos feitos macaenses contra os piratas da China e da entrada violenta dos inglezes na cidade de Macáo Author: José Ignacio de Andrade Release Date: May 17, 2011 [EBook #36163] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIA DOS FEITOS MACAENSES *** Produced by Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This book was produced from scanned images of public domain material from the Google Print project.) *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Maio 2011) MEMORIA DOS FEITOS MACAENSES CONTRA OS PIRATAS DA CHINA: E DA ENTRADA VIOLENTA DOS INGLEZES NA CIDADE DE MACÁO: AUCTOR _JOSÉ IGNACIO ANDRADE_. SEGUNDA EDIÇÃO. [Figura] LISBOA: NA TYPOGRAFIA LISBONENSE 1835. Largo de S. Roque N. 12 _A C. Dias_. _Rien ne peut arretêr dans leurs projets nouveaux Ces Portugais ardens qui volent sur les eaux, O' com bien de héros guiderent leur audace! Que de faits immortels ont signalé leur trace!_ Esmenarde, C. V. pg. 26. PROEMIO. Quanto é arriscado escrever feitos gloriosos de homens, que ainda vivem! Não só os seus inimigos, mas tambem os feridos do orgulho, ou da inveja, saírão a vociferar contra a mesma evidencia. Ha quem julgue mais prudente calar as grandes acções dos heroes em sua vida. Mas porque se ha de recusar este premio ás pessoas, que o ganharam a risco da vida e fazenda?[1] Por se temer a mordacidade dos _zoilos_? Eis a fraqueza, que não tenho. Transmittindo a verdade aos vindouros, e dizendo o que fizeram os Portuguezes dignos deste nome; se fôr censurado por alguns, louvarão outros o meu zelo. INTRODUCÇÃO. De todos os espectaculos, que a industria humana tem dado ao mundo nenhum mais admiravel do que a navegação. Entes fracos e mortaes filhos da terra ousaram transportar-se sobre elemento inestavel e perigoso, levantar edificios em cima das aguas, dominar os ventos, e voar ás extremidades do mundo por baixo de Ceos desconhecidos. Mas qual é a sorte do homem? Dotado de coração tão perverso, quanto o espirito é grande; o crime assenta-se ao lado do genio. De todas as invenções sublimes tem os homens abusado. Dos vegetaes extraíram venenos: do ouro a moeda que tudo corrompe. As artes serviram-lhe para multiplicarem os meios de se destruirem. A navegação é, sobre tudo, origem de mortandades; o mar tornou-se campo de carnagem; e as ondas foram ensanguentadas pela guerra. As duas partes do globo oriente, e occidente, terra e mar, são igualmente o theatro das desgraças e crimes do homem: com a differença, que dilatando as vistas e passos ao longo do continente, descobrimos ruinas e despojos do ferro e fogo; campos e ermos incultos; porém o mar sendo tumulo de grande parte da humanidade, nenhum vestigio offerece de tantos estragos. Todos os dias passa o navegador com despejo por cima das ondas, que tem engolido milhares de homens. Quem não desejará voltar aos tempos felizes de ignorancia e parcimonia, em que nossos avós menos grandes, porém menos criminosos, sem industria, mas sem remorsos, viviam pobres e virtuosos, e morriam nos campos que os tinham visto nascer.[2] Á custa das vidas portuguezas formaram os nossos antepassados um estabelecimento na China: os nossos contemporaneos foram de novo obrigados a ensanguentar as ondas para submetter Cam-pau-sai ás leis do imperio; e a usar prudencia consummada além do valor, a fim de livrar Macáo da invasão britanica.==Nada ha mais proveitoso que a historia para adquirir prudencia, (diz Jeronimo Osorio) nem mais poderoso do que ella para despertar virtudes, mais saudavel para sanar as feridas da republica, nem mais aprasivel para o deleitamento da vida. Mas segundo os homens foram sempre, não crêm nunca feitos, quem sahêm álém do seu engenho e posses; nem ha meio que admittam o que sobrepuja os termos de trivial esforço, e usada industria.==Todavia os feitos exarados nesta memoria jámais serão desmentidos; e podem despertar virtudes. A China por nós ha muito tempo ignorada, depois inteiramente desfigurada, e hoje melhor conhecida do que algumas provincias da Europa, é o imperio mais antigo, extenso, e florecente do globo. Pelo ultimo censo, feito no seculo passado, foram avaliados os seus habitantes em duzentos milhões de almas. O rendimento annual sobe a quinhentos milhões de cruzados. Sustenta oitocentos mil soldados, e trezentos mil cavallos, que emprega nas armas, e correios publicos. Ha tempo immemoriavel são os imperadores tambem pontifices do imperio; para que as authoridades civil, e religiosa nunca se achem em conflicto. Adoram um Deus unico; e offerecem-lhe as primicias de um campo lavrado, todos os annos em dia solemne, por suas proprias mãos. Alento exemplar á agricultura, primeira base da independencia e prosperidade nacional. Pela maxima da tolerancia geral seguida no oriente, admittem-se os bonzos de todas as religiões, e deixam-os espalhar os seus desvarios: mas se chegam a amutinar o povo, são logo enforcados. Assim os toleram e os reprimem. O imperador Cham-hi mandou gravar no frontispicio da sua capella:==O Chang-ti não tem principio nem fim: creou e governa tudo: é summamente bom e justo.== Os Chinezes em geral são polidos e virtuosos. O Imperador tem uma só mulher legitima, mas póde segundo as leis do Imperio ter grande numero de amasias. A sorte destas é triste, por viverem encerradas. Pagam com a privação em que vivem da sociedade, a honra de satisfazer ao imperante, a qual devem á formosura, e não ao nascimento, que os Chinezes desapreciam, quando não é accompanhado da virtude. Os Coláos e mandarins letrados são mais estimados no imperio do que os militares. Entre o grande numero dos primeiros ha seis que acompanham a côrte. O coláo mais antigo e de maior merito nomeia os mandarins para todos os empregos superiores, e os manda punir se não cumprem com o seu dever; o segundo cuida nos cultos, e dispõe as ceremonias da côrte; o terceiro é o Ministro da Justiça; o quarto administra a fazenda; o quinto preside no ministerio da guerra, e determina tudo, quando é preciso sustentala; o sexto tem a seu cargo as obras publicas. Ha outros que deliberam com o Imperador sobre os negocios do Estado. Além disso tem censores publicos de officio. Em cada uma provincia ha um Suntó (delegado imperial) com tres mandarins letrados debaixo das suas ordens. O primeiro conhece das causas civis e criminaes; o segundo recebe os tributos; o terceiro mantém a segurança publica. Para chegar a ser mandarim é preciso passar por tres gráos, como os nossos de Bacharel, Licenciado, e Doutor: destes são tirados os coláos. O governo não é despotico como se pensa. Os mandarins oppõem-se aos seus decretos, quando são contrarios ás leis do Estado. Querendo certo Imperador abusar do poder, um mandarim escreveo-lhe pelo modo seguinte:--Senhor sei que me arrisco em offender o vosso amor proprio, mas devo preferir a morte á perda da honra: não posso deixar de vos advertir, que o máo exemplo dado por vós ao Imperio nos lança a todos no abysmo.--O Imperador foi generoso para não se agravar, mas não o foi para mudar de conducta. Todos os mandarins esperaram occasião para lhe mostrar serem dos sentimentos do primeiro. Não tinha o Imperador filhos legitimos, e pelas leis do Estado devem ser chamados á successão do Imperio os bastardos, preferindo sempre o primogenito. O Imperador tinha grande affeição a um dos outros: pretendeu que o reconhecessem, com perjuizo do mais velho. Os mandarins representaram ao Imperador a injustiça que pretendia fazer: este por isso privou alguns dos empregos. Aquelles publicaram um aviso dirigido a todos os mandarins anexos á côrte para se acharem um dia aprazado no logar ordinario. Ahi decidiram em junta que visto o Imperador desprezar as leis do Estado, deviam elles desistir dos seus empregos e ir para suas casas viver como particulares: assim o executaram. O Imperador entrou em seus deveres: mandou aos mandarins que tornassem aos seus empregos, que estava pelo que elles entendiam. Assim obedeceram todos á lei. Os mandarins ganharam nesta occasião honra por sua firmeza, e o Imperador por sua prudencia. O tribunal da historia, para tudo ser conforme, é surdo ás supplicas, ou ameaços dos imperantes. Na sala do tribunal ha um cofre, onde cada historiador lança suas memorias sem as communicar a pessoa alguma. No fim de cada reinado abre-se o deposito, e dos escriptos alli achados formam os annaes do Imperio: Para conhecer o espirito deste tribunal basta o caso seguinte: Tai-te-song, Imperador da dynastia de Tang, rogou ao presidente do tribunal, que lhe mostrasse as memorias que deviam formar a historia do seu reinado. Senhor, deveis saber, que damos conta exacta dos vicios e das virtudes dos Soberanos, e que deixariamos de ser livres se consentissimos no que exigis--O Imperador tornou:--Pois vós que me sois tão obrigado, pretendeis levar á posteridade os meus defeitos?--Com summa dôr os escreverei, mas é tal o dever do meu emprego, que me obriga a levar á posteridade a pretenção, que hoje tivestes de mim.-- Em todos os paizes as leis punem os crimes, na China fazem mais premeiam a virtude. A noticia de uma acção generosa, de uma virtude extremada, assim que se divulga em qualquer provincia, é obrigado o mandarim de policia a participala ao Imperador: este manda logo áquelle subdito um signal, que o distingue no caminho da virtude. O certo é, que os vicios e as virtudes dos povos nascem da sua legislação: esse conhecimento deu talvez motivo a esta boa lei dos Chinezes.--Para fecundar o germen da virtude, os mandarins participam da gloria, ou da vergonha das acções virtuosas ou injustas commettidas em seu governo. A moral, a obediencia ás leis, e o culto ao ente supremo, formam a religião do Estado. O Imperador não é só pontifice, mas tambem o primeiro orador do Imperio. Seus decretos são quasi sempre lições de moral. Subsistem ha mais de quatro mil annos com a mesma forma de governo, as mesmas leis e costumes, sempre estudiosos e apreciadores das letras. Com tudo o povo é idolatra; os letrados deistas, sem acreditarem em revelação alguma, nem na vida eterna. Dados ao estudo das leis, desprezam por ellas os dogmas e ritos de seus bonzos. Em verdade estes são ignorantes, supersticiosos, credulos e ambiciosos de riquezas. A maior parte dos Chinezes observam as seguintes maximas de Confucio. Lembra-te que és homem, a tua natureza é fraca, podes succumbir. Afasta de ti os obstaculos que te embaracem o caminho da virtude. O homem bom occupa-se de suas virtudes: o máo de suas riquezas. Aquelle trata do interesse da patria: este só no seu cuida. Faze aos outros o que desejas te façam: eis a unica lei que te é precisa. O silencio é indispensavel ao sabio; este despreza sempre os rasgos da eloquencia por inuteis; explica-se por suas acções. O ceo falla, mas por que modo nos diz elle ser o Soberano principio de todas as cousas? O seu movimento é a sua linguagem: creou e deu impulso á natureza, e esta como filha sua obedece-lhe e produz. Quando se trata da saude da patria despreza-se o perigo da vida. O ganho do imperante avalia-se pela felicidade publica. Estas poucas regras bastam para se fazer perfeita idéa da moral Chineza. Por morte de Afonso de Albuquerque, em 1515, succedeu-lhe no governo da India Lopo Soares de Albergaria: no principio do anno de 1517, mandou este uma esquadra de nove embarcações commandadas por Fernão Peres de Andrade, levar ao Imperador dos Chinezes o Embaixador Thomé Pires, como El-Rei D. Manoel lhe tinha ordenado. Por motivo de grande temporal arribou a frota a Malaca, e só pôde sair daquelle porto, para estrear as quilhas portuguezas no mar da China, em Junho do mesmo anno. Já os nossos sabiam, pela amisade contrahida em Malaca, com os Chinezes, a que rumo lhe demorava Cantão: foram ás ilhas visinhas daquella cidade por onde enviaram o nosso Embaixador á côrte. Quando alli aportou o nosso Andrade, achou uma frota Chineza destinada a combater os piratas, que infestavam aquelles mares. Sendo Fernão Peres de Andrade benefico e destemido, anniquillava preversos, e attrahia qual iman os discipulos de Confucio. Largou aquelle Imperio deixando nelle as cem trombetas da fama apregoando sua magnanimidade. _Do meu arco possante Hoje o famoso Andrade Alvo será: seu nome triunfante No porto surgirá da Eternidade._[3] Assim que largou de Cantão chegou alli Simão de Andrade, com outros: procederam de forma, que perderam, em credito, tudo quanto Fernão Peres tinha adquirido. Usaram tão grandes violencias, que os Chinezes resolveram tratalos como a piratas. Equiparam grande frota, e cercaram os portuguezes por todos os lados. Se não fôra um temporal, que abrio caminho por onde fugiram, ficariam todos prisioneiros. Depois de tal desar das armas e da honra portugueza, chegou alli Afonso Martins de Mello, ignorando o que se tinha passado. Assim que os mandarins o descobriram reuniram a sua frota para atacalo. Martins de Mello, dizia-lhe, que ia levar paz e não guerra; mas estes só lhe respondiam por bocas de fogo. Travou-se o combate; os nossos succumbiram. Assim que Martins de Mello vio perdidos todos os recursos, cortou a linha inimiga como raio abrazador, e ganhou o mar largo, deixando os Chinezes pasmados de tal audacia. Foi preciso que os portuguezes com seu valor e prudencia, fizessem esquecer aos Chinezes a memoria do immoral Simão, para serem outra vez recebidos em seus portos. Recuperada a boa fé entre as duas nações obtiveram os portuguezes, em recompensa de serviços prestados ao Imperio, o isthmo do Sul na ilha de Macáo, para levantarem casas, debaixo de certas condições; mas fizeram delle uma cidade a que deram o nome da ilha. Foi no anno de 1557, que o Imperador da China concedeu aos portuguezes aforarem aquelle isthmo em premio de terem anniquilado a esquadra do pirata Chang-Silau. Em 1584 prometteram os macaenses obediencia a Filippe II, porém a bandeira portugueza tremulou sempre nas fortalezas de Macáo. Em 1586 recebeu Macáo o titulo de cidade do nome de Deus na China, e todas as liberdades e preeminencias, que tinha a cidade de Evora, cujos foros se confirmaram em 1709. Em 1622 tendo Macáo apenas 80 portuguezes, e alguns cafres, foi atacado por 800 hollandezes: deixaram 500 mortos, e 100 prisioneiros; os restantes fugiram largando em nosso poder 8 bandeiras, armas e bagagens. Antes de fazerem o desembarque, pediram a dois navios inglezes, surtos na bahia, para ajudalos; estes não duvidaram, mas exigiam o fruto de todo o saque. Os hollandezes rejeitaram: julgaram muito excessiva a ambição dos inglezes. De 1557 até 1625 foi Macáo governado pelos capitães de navios do Estado, que todos os annos iam de viagem ao Japão, e faziam escala naquella cidade. Com esses governadores teve prosperidade. Em 1626 foi de Goa para Macáo D. Francisco Mascaranhas para Governador com o titulo de Capitão Geral. Começou no seu governo a desintelligencia com o Senado, e a dissolução praticada pelos Governadores. Este foi grande assassino, grande roubador e forçador cruel das mulheres e filhas dos cidadãos. Levou os macaenses a tal desesperação, que o mataram, a fim de se verem livres de tão horrendo monstro. Em 1641 chegou alli a noticia da feliz aclamação do Senhor D. João IV: os macaenses logo romperam os grilhões de Filippe, e mandaram grande donativo á capital do Rei legitimo. Em 1709 soffreram segundo Verres; Diogo de Pinho Teixeira; chegou a mandar bombardear o Senado, onde ferio e matou, por não consentir em suas prepotencias. Em 1726 chegou a Macáo o Embaixador Alexandre Metello de Sousa Menezes, mandado por El-Rei D. João V. ao Imperador da China. Os moradores daquella cidade cooperaram muito para sustentar-se o decoro nacional naquella embaixada. Em 1747 foi governar Macáo, Antonio José Telles: espantou os algozes do Imperio Chinez por suas crueldades. Levou aquelle estabelecimento aponto de perder-se. Esta cidade celebre pela riqueza de seu trato, illustre pela fama de nossas victorias, é situada na latitude de 22-1/4 gráos ao Nórte do Equador, e 122.° ao Oriente de Lisboa. Seus habitantes pouco distam dos nossos periecios; motivo talvez por que o Padre Antonio Vieira disse: que a espada dos portuguezes tinha chegado, onde não alcançou a penna de Santo Agostinho. Tem de extensão a cidade pouco mais de uma legua. Do lado do Norte é defendida por grossa muralha guarnecida de fortins: e do Sul por tres fortalezas. A de S. Francisco na parte oriental da Praia Grande; a do Bom porto na ponta occidental e a de Sant-Iago que defende a entrada da barra: tem mais entre as primeiras duas, o forte de S. Pedro. No centro a fortaleza do monte domina toda a cidade. Além destas fortalezas tem outra sobre o monte da Sr.^a da Guia, fora dos muros da cidade. As casas são bem edificadas, mas as ruas desiguaes. O porto é bom: podem entrar nelle navios em lastro de oitocentas tonelladas. Tambem podem surgir ao largo náos de 74. A povoação é de 20 mil individuos, a maior parte Chinezes. O Governo é o Senado composto de dois Juizes ordinarios, tres Vereadores, um Procurador, e um Escrivão. O Governador militar ou Capitão Geral, e o Ouvidor, são chamados ao Senado, quando ha negocios politicos, ou de fazenda. Neste caso preside no Senado o Capitão Geral, e tem voto de qualidade. A tudo o que é relativo ao governo municipal preside o Vereador do mez. Os macaenses são tão zelozos das suas liberdades, que até na meza das sessões do Governo tiraram ao Presidente a regalia de ficar isolado no extremo della. Sendo nove os membros, collocaram a meza dentro de uma tribuna de modo, que ficam tres de cada lado; a frente é livre para entrar e sair. Sobre a meza descança um extremo da vara da Justiça, e o outro fica encostado na parede por cima da cabeça do Ministro: um delles (Lazaro da Silva Ferreira) assombrando-se com ella tocou-lhe de proposito para a fazer cair, e mandou-a tirar, dizendo lhe ferira a cabeça. Os Senadores mandaram por-lhe um gancho no extremo, e uma argola na parede para segurar assim a insignia da Justiça. Outro dia o Ministro ao entrar tocou-lhe para caindo lançala fora: ficou surpreso ao ver, que estava segura. O Vereador do mez tirou-o do embaraço dizendo:--Tributamos tão grande respeito a nossos maiores, que não podemos prescindir deste seu costume; e presamos tanto a V. S.^a, que para não o ferir a vara da Justiça mandamo-la segurar. Ha um Bispo, e um Batalhão de naturaes de Goa, commandados por Officiaes macaenses; guarnece as fortalezas, e faz as rondas da cidade. Seus rendimentos são os direitos da Alfandega. As minhas viagens á China deram-me occasião para conhecer os descendentes dos honrados portuguezes, que no tempo do nosso captiveiro debaixo do pezado grilhão dos Filippes tiverão a constancia e valor de conservar illesos os foros nacionaes naquelle canto do mundo. Ainda que logravam a amizade dos Chinezes, só tinham seus braços para se defenderem das nações da Europa, que alli foram atacalos. A historia diz pouco ácerca dos grandes feitos macaenses daquella época.[4] Apenas dessas grandes acções ha hoje pintadas algumas mais notaveis na Sé e Senado de Macáo. Tudo o mais se tem perdido com os heróes, que tão dignos eram de memoria eterna. Em 1808 foram os macaenses atacados por tal forma, que a não terem herdado o valor de seus maiores, de certo succumbiriam[Nota 1^a]. Fui testimunha de feitos mui gloriosos. Os portuguezes nesta época mostraram-se grandes nas armas, e na politica; nas armas pelo valor com que tomaram a grande esquadra de Campau-sai, na politica, pelo bem que se houveram com os Chinezes e Inglezes. Salvaram Macáo de nadar em sangue; acreditaram-se com os primeiros; e foram uteis aos segundos. Deixarei tão nobres acções no esquecimento á maneira de nossos maiores? Não: farei diligencia para as transmittir á posteridade. Se não forem uteis aos presentes, se-lo-hão por certo aos vindouros. Não ha cousa mais capaz de fortalecer nossas almas, do que as proezas de nossos avós. Julgo de obrigação referilas a nossos nétos. Macáo é monumento precioso da gloria portugueza. Fernão Peres de Andrade, foi quem primeiro immortalisou os portuguezes naquella parte do mundo. Ver-se-ha firmado pela mão dos Chinezes, que ainda temos grande consideração naquelle imperio. Contendo esta memoria dois objectos differentes, julguei a proposito lançalos em separado; ainda que um principia antes e acaba depois do outro. Pegaram os macaenses ás mãos com os piratas em 1805: A esquadra ingleza aportou em Macáo a 18 de Setembro de 1808, e saiu a 10 de Dezembro do mesmo anno. O Tratado entre o Governo Chinez e o Macaense, para a completa derrota da esquadra de Cam-pau-sai, foi assignado em 23 de Novembro de 1809, e concluido tão importante negocio em Abril de 1810. Para o leitor vêr sem custo as grandes difficuldades, que em Macáo se venceram, dividirei, esta memoria em duas partes. Tractarei na primeira da extincção dos piratas. Cousas ha nesta parte, que se fossem praticadas em tempos mais tenebrosos, seriam tidas por milagres, sendo só o esforço de almas valorosas que mandaram seus braços com a penna e espada obrar taes prodigios. Na segunda fallarei da invasão dos inglezes em Macáo, da sua e nossa conducta, assim como da politica Chineza, e do final resultado. Em Athenas, eram os famosos oradores quem celebravam os heroes de Salamina; e tinham por ouvintes os Socrates e os Pericles. Eu não tenho os mesmos talentos, e tenho juizes não menos temiveis. Mas em objecto desta natureza a eloquencia consiste em ser sincero. PRIMEIRA PARTE. Ao valor dos Portuguezes deve o Imperio da China ver-se livre dos piratas, que por duas vezes pertenderam dominalo. A primeira foi obra dos Lusitanos do seculo XVI: a segunda de seus descendentes nossos contemporaneos, a tempo que seus irmãos na Patria anniquilavam as aguias do oppressor da Europa. Depois que no seculo XVI os piratas foram destruidos, tentaram formar novo partido; e pouco a pouco engrossaram seu numero e força de modo, que em 1805 estavam senhores de grande esquadra, bem guarnecida de artilheria, e com perto de quarenta mil homens de tripulação. Tendo morrido o Chefe dos piratas ficou sua mulher, não só herdeira do posto, mas tambem da sua audacia no exercicio da piratagem. Assim que tomou posse do commando de tão grande poderio, dividio-o em duas esquadras, e deu o commando dellas a dois parentes do marido, que mais se tinham acreditado debaixo das suas ordens. A primeira e mais possante coube ao celebre _Apócha_, que depois se chamou _Cam-pau-sai_, e onde sempre residio a viuva. _Apau-tai_ foi commandar a segunda, composta de 130 embarcações, e com bandeira preta. Cam-pau-sai, homem forte, ardiloso e emprehendedor, depois de ter ganhado o affecto dos seus, teve arte de dispolos a executar qualquer empreza que imaginasse. Com effeito concebeu projecto tão elevado, que bem se pode comparar com o de Afonso de Albuquerque, quando pertendeu tirar da Meca o corpo do Profeta, e mudar a direcção do rio Nilo, fazendo-o desaguar no mar roxo para anniquilar desse modo os Turcos no Egypto! Cam-pau-sai tentou coroar-se Imperador dos Chinezes, e lançar a dynastia Tartara para o Norte da grande muralha, que a divide da China. Começou a fazer guerra tão atroz, que não só paralisou o commercio maritimo nas costas meredionaes do Imperio, mas tambem fazia desembarques no continente, e arrasava todos os logares por onde passava. Sendo a Cidade de Cantão a mais rica e a mais commerciante, quiz embaraçar alli o negocio com os europeos. Para esse fim veio postar suas forças na emboccadura do rio Tygre, e em todos os canaes que formam as ilhas visinhas de Macáo. Assombrando assim Cam-pau-sai os mares das ilhas da China com seu poder, não se limitou a perseguir seus irmãos Chinezes, tambem se atreveu a insultar os navios da Europa. Vendo o Governo de Macáo o risco em que ficava, rodeado de immensa força inimiga, na estação em que todos os navios da praça se achavam ausentes; mandou a Bengalla fazer um brigue para ficar de guarda costa, em quanto estes não se recolhiam: porque em os piratas sabendo, não haverem navios dentro do porto, que os fossem acommetter, chegavam quasi ao alcance da artilheria das nossas fortalesas, para embaraçarem os mantimentos, que todos os dias entram na Cidade. Deu-se tanta pressa á factura do brigue, que do momento em que se lançou a quilha no Estaleiro, até sair da barra fóra, só mediaram vinte e oito dias! Quando chegou a Macáo estavam os piratas tam destemidos, que o Governo julgou ser insufficiente tão pequena força, para os afastar da Cidade. Comprou mais o navio Arriaga, a que deu o nome de Ulises, e mandou-o armar, abrindo-lhe uma bateria na coberta. Assim que estas duas embarcações começaram a bater os piratas, estes não ousavam aproximar-se dellas. Com tudo ainda faziam damno ao commercio; porque os nossos vasos não podiam entrar nos pequenos canaes, onde elles o interceptavam. Alli podia a esquadra Imperial fazer-lhe algum ataque; mas o respeito devido a Cam-pau-sai, tirava a lembrança de o acommetterem. Passou o anno de 1806, e parte de 1807, sem que os piratas arriscassem entrar em combate com os nossos. Esperavam achalos separados, e em parte onde não se podessem soccorrer; no entanto iam devastando a provincia de Cantão. Meado o anno de 1807 achou o nosso brigue em boa posição para atacalo. Mandou uma divisão commandada por um de seus Capitães mais experimentados, que o fosse combater. Commandava o nosso brigue, o valente e destemido _Pereira Barreto_. Já nesse tempo havia adquirido tam grande credito entre os Chinezes, que lhe chamavam o Tygre do mar.[5] O impavido _Barreto_ tinha valor para investir com toda a esquadra de Cam-pau-sai, quanto mais com uma de suas divisões. Assim que a julgou ao alcance da artilheria, virou sobre ella fez-lhe fogo tão vivo, e estrago tão grande, que todos fugiram deixando a Capitanía ás mãos com o brigue. Vendo o forte _Barreto_, que a artilheria inimiga éra de maior calibre, resolveu abordar o Taó[6]. Deve imaginar-se uma grande lancha dando abordagem a uma Náo. Assim parecia o brigue junto ao Taó, e apenas tinha um quinto da equipagem do navio inimigo. Todavia o forte _Barreto_ dirige a sua embarcação á pôpa do Taó. Quando se lhe botavam os arpéos lançaram os piratas uma balça de fogo dentro da prôa do brigue, que decerto o abrazaria, se o previdente _Barreto_ não corresse a lançala ao mar. A este tempo unem se as embarcações; _Barreto_ é o primeiro que trépa pelo Taó acima, e tão depressa pôde firmar os pés sobre a tolda inimiga, cantou victoria: _Saltando a fará só com lança e espada De quatro centos mouros despejada_[7] _Barreto_ usava de espada colubrina, e manejava de sorte que dos setenta homens, equipagem do brigue, os que poderam subir disseram, que chegando acima, viram a tolda coberta de mutilados! Achou o nosso heroe tão porfiada resistencia, que todos foram mortos porém nenhum vencido, ou aprisionado. Os que pertenderam escapar aos golpes do nosso Marte irado, lançaram-se ao mar. O seu Chefe, vendo-se perdido desceu á camara, pegou em sua mulher pelos cabellos, cortou-lhe a cabeça com o alfange, e sepultou-se no mar com ella.[8] Este combate foi dado perto de Macáo; _Barreto_ conduzio immediatamente a preza ao porto. Os macaenses e muitos estrangeiros, foram logo dar o parabem a tão valente Capitão, e ver o navio inimigo. Ficaram horrorisados da carnagem, porque os piratas só se rendiam com a morte. Haviam seculos, que já se não faziam d'estas proezas; e até nos parecia impossivel, que no tempo de Camões, D. Lourenço de Almeida fosse bastante para debellar em uma Náo da Méca quatro centos mouros. Mas ainda em nossos dias mostra o entendimento supremo, que um portuguez só com seu braço é sufficiente para destruir em um Taó mais de 300 Chinezes. Esta verdade precisa quasi de tanto valor para escrevela, como para obrala, ainda sendo evidente ao escriptor; mas é qualificada pelos habitantes de uma cidade, onde residiam subditos de varias nações. Já o nosso Diniz cantou as victorias de outro Barreto; justo é que tão divino estro sirva para immortalisar os dois. _Lavremos pois, oh! Musa, á gran memoria Com argivo buril padrão sagrado: Morda-se o tempo irado, Que ella eterna fará a clara historia Alma que atraz da fama immenso espaço Corre, veja em meus hymnos Que em vão não sua bellicoso braço._[9] Por feito tão assombroso ficou Macáo em socego. Os piratas retiraram-se para longe, mas sempre fazendo estrago em tudo que podiam vencer. A esquadra imperial com a noticia d'esta victoria animou-se a sair de Cantão e aproximar-se de Macáo, cruzeiro que ella já não ousava fazer com receio dos piratas. A brilhante proeza do invicto _Barreto_ fez desapparecer das ilhas da China aquella praga devastadora: por consequencia o Governo de Macáo mandou recolher as suas embarcações. Sabendo-se na China, que o Sr. D. João VI tinha deixado Portugal para reinar no Brazil; lembraram-se os macaenses de mandar cumprimentar o Rei dos Lusos nas suas possessões do polo antarctico. Apromptaram o navio Ulises, nomeando para ir saudar El-Rei, pelo Senado, ao honrado cidadão Antonio Joaquim de Oliveira Matos; e deram o commando da embarcação ao denodado _Barreto_. Destinando-se aquella enviatura a obsequiar o Chefe dos Lusos, pensaram não ser pequeno mimo fazer-lhe conhecer quem tanto honrava o nome portuguez. Foi o nosso heroe recebido no Brazil, quasi da mesma sorte que os Dias, e os Gamas, recolhendo-se de suas trabalhosas viagens, eram recebidos pelos antigos reis portuguezes. O Sr. D. João VI o elevou de primeiro Tenente a Capitão de Fragata: Premiou os macaenses: deu-lhes distinctivos, que foram assaz estimados, talvez por se esquecerem das altas virtudes de seus maiores, que os despresavam por bons costumes. Affastado Cam-Pau-Sai de Macáo por temer os portuguezes, não esfriou em sua empreza. Começou então a proclamar a todos os do seu partido a tyrannica oppressão, que sofria o imperio, por consentirem no thorono a intrusa dinastia barbara. Demonstrou-lhe quão facil éra depôr aquella, restabelecer a Chineza, e fazer a cada um dos seus regulo do imperio. Tal pericia desenvolveu na piratagem, e na persuasão, que já os seus não duvidavam ser elle o unico capaz de restaurar a dignidade da Patria. Andavam assim de animo affeito á guerra, quando tiveram a feliz noticia, de já não existir em Macáo o _tygre do mar_. Voaram como bando de Açores famintos a devorar tudo quanto podiam encontrar pelas ilhas visinhas de Macáo. Não esperando o Almirante Chinez aquelle infausto encontro, cruzava afoito na bocca do Tyre. Assim que foi descoberto por Cam-pau-sai, carregou sobre elle. Uma divisão imperial de 28 navios de 15 a 20 peças cada um, que não fugio para fazer-lhe frente, ficou prisioneira. Soberbo com essa victoria, começou de novo a investir as embarcações da Europa, e as macaenses. Nesta epoca alguns navios Americanos se poderam escapar ao abrigo das nossas fortalezas. Recolhendo-se de Goa o brigue do _Botelho_, Capitão Manoel José Vianna, foi visto dos piratas; carregaram sobre elle; mas acharam tão grande resistencia naquelle esforçado Capitão, que restando apenas seis homens da sua equipagem, com elles fazia grande estrago ao inimigo. Com tudo o fogo abrandou, pelo cansaço; mas vendo Apautai, que não arreavam bandeira, mandou abordalos. O impavido Vianna ao ver-se rodeado de torres ambulantes e coberto de lanças, longe de esmorecer, tomou em sua alma o espirito de Duarte Pacheco; e á imitação dos nossos _Barretos_, quantos inimigos lhe saltavam na sua embarcação, tantos a sua espada lançava no abysmo. Os Chinezes espantados já não o julgavam homem, mas sim algum ente superior á especie humana. Parecia invulneravel! Com tudo morreu no combate. Mas como? Cançado de matar piratas. _Cem paráos torreados, Donde por boccas mil brota Mavorte; Entre horrorosos brados_ _Em fogo, em fumo, em sangue envolta a morte Zarguchos, flexas, que em chuveiro voam._[10] Tal foi o combate supportado pelo Magnanimo Vianna. Com a sua morte ganharam os piratas tal audacia, que tiveram a ousadia de passar com o navio prisioneiro, e com a bandeira de rasto, á vista de Macáo. A sensação que fez esse triste espectaculo nos moradores daquella cidade é inexplicavel. Juraram não só retomar a sua embarcação, mas tambem dar aos piratas o castigo merecido. Os navios que então se achavam no porto capazes de tal empreza, eram o brigue do _Senado_, e o navio Belisario. O brigue achava-se desarmado, e desaparelhado, assim como o Belisario. Seriam nove horas da manhã, quando se avistou o navio apresado; e antes de anoitecer já os nossos iam no alcance da esquadra inimiga! Como foi possivel obrar tanto em tão pouco tempo? Tudo se deveu á generosidade dos macaenses, e ao estimulo dado pelo incançavel Arriaga. Este digno Ministro, honra dos togados, e columna forte da gloria nacional, não se limitou a ser o primeiro em votar, e concorrer com meios para o desempenho desta empreza. Pesando a importancia da cidade, e o perigo em que ella se achava, resolveu sobre sua defeza penhorar todas as forças sem perdoar as despezas, diligencias ou perigos. Foi com seus braços dar exemplo aos macaenses mais distinctos, que todos trabalharam na promptificação dos navios. Era este varão entre os macaenses bem similhante á alma dos estoicos, espalhada pelo universo. Estava em toda a parte. Seria preciso eloquencia extremada e presencear todos os seus illustres feitos, para elogiar as altas qualidades deste preclaro varão: sem isso não é possivel apparecerem tão brilhantes como foram praticados. Por não haver então em Macáo Official de mar, que se julgasse dextro na politica, ainda que todos sobrepujavam, no valor, deu-se o commando em chefe ao Capitão de artilheria José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa. Sustentou este invicto heroe, em toda a lucta contra os piratas, a dignidade portugueza de modo, que bem se parecia com o primeiro Capitão Lusitano, que aportou naquelle imperio.[Nota 2^a] Theotonio da Silva Braga, commandava o navio Belisario. Caío tão grande tufão na noite seguinte ao dia em que saíram os navios, que se julgava telos submergido. Ao amanhecer subirão os montes, sobranceiros á cidade, anciosos por ver seus campeões; avistaram o brigue do _Botelho_, que tendo surgido em Lantáo prisioneiro, e ficando-lhe abordo os portuguezes restantes do combate, assim que o tufão soprou do Oriente, cortaram as amarras e vieram encalhar na Taipa. Os macaenses exultaram com este successo, e muito mais por avistarem o brigue, e o Belisario, que pela grande pericia de seus officiaes tinha escapado á furia do tufão. Havia tambem uma lorcha armada em guerra[11] commandada por Antonio José Gonçalves Caroxa: mancebo activo e destemido. Era commando de difficil desempenho; por ser a embarcação conductora dos viveres para os nossos, levados por entre os inimigos em frequentes combates. A força da lorcha constava de quatro pedreiros, um obuz de doze, e trinta homens de tripulação. Algumas vezes aconteceu estar encorporada aos nossos navios, quando batiam os piratas. Se o acaso permittia accalmar o vento, nessas occasiões fazia o nosso Caroxa maravilhas extremadas. Desejava Cam-pau-sai encontralo, onde não podessem defendelo os nossos, para mais a salvo descarregar sobre elle seu poder, e seu odio. Teve quem lhe desse dia certo em que a lorcha havia passar por logar, onde Cam-pau-sai podia satisfazer seus desejos. Amanheceu o dia aprasado, e o novo _Aquilles Lusitano_ chegou ao passo, que bem pode nomear-se Cabalão[12]. Achou-o coberto de inimigos: mas julgando urgente o desempenho da sua commissão, tentou abrir caminho. Ainda que a sua tripolação era toda de Chinezes, tinha a sua disciplina: julgou que isso bastava. Os inimigos tentaram rodealo; mas o intrepido Caroxa lançou mãos ao obuz, e como o reparo era de pião, jogava para todos os lados. Aos que se lhe aproximavam cortava-os com metralha; e aos que estavam mais longe passava-os com balas. Mas os navios inimigos eram tantos, que mal podia desbaratar a todos os que lhe vinham ao alcance. Com tudo apezar de ver a maior parte da tripolação morta, não esfriava no empenho de vencer. Não usava render-se, nem fugir; cada vez mais afouto pertendia desembaraçar o passo. Mas os restantes da tripolação vendo passar-lhe as ballas pelo vestido, sem lhe offender o corpo, e irem matar os seus companheiros; por que não lhes succedesse o mesmo, ousaram lançar-se a elle, e amarralo de pés e mãos. Segurando assim o homem, que lhes parecia invulneravel, fugiram para a cidade, onde o entregáram cheios de espanto e de temor, dando por desculpa do seu arrojo, o muito que apreciavam a existencia do seu commandante. Os macaenses receberam o destemido Caroxa com estimação digna dos importantes serviços, que lhes fazia, e do valor com que se immortalisava. Mas o conselheiro Arriaga sobresaía a todos. Tinha maneiras singulares para introduzir heroismo nos homens, que destinava a emprezas arriscadas. O sentimento lugubre, que mostrava pela morte de um marinheiro habil, ou o elogio feito a outro que se distinguia, dava a todos cobiça de se verem acatados e elogiados por elle. Nesta occasião um abraço dado no Caroxa, em nome da patria fortaleceu a alma deste Lusitano de modo, que só elle em sua lorcha, com outra equipagem, se julgava sufficiente para arrostar com todos os piratas. Em verdade, onde as leis são respeitadas, a sociedade é livre: e os homens serão livres em toda a parte, que houver governo justo como era então o de Macáo. Longe de envejar a seus concidadãos as vantagens, grangiadas por sua industria, cuidava com muito desvelo em augmenta-las. Não só deixava de opprimilos; mas assegurava a sua liberdade; bem precioso ao homem, e necessario á sua ventura; tão distante da licença perigosa, como da humiliação servil. O governo providente apenas liga as mãos aos homens para não se offenderem; mas deixa-os trabalhar sem obstaculo para a sua felicidade; sabe que a ignorancia não só deslumbra os homens mas tambem os faz pusillanimes e desgraçados: a razão e a liberdade melhoram o coração e os faz virtuosos e resolutos. Arriaga sabia que a justa destribuição dos premios e das penas é a melhor acção do governo sobre o povo: servio-se destas principaes molas do coração humano, para animar a virtude e o merito; e obrigar o interesse particular a promover o interesse publico. O certo é que a virtude desapparece, quando o vicio é honrado. Algumas vezes lhe ouvi eu que os favores dados á incapacidade, são roubos feitos ao merecimento; e as recompensas dadas a quem bem serve a patria são dividas, que o governo paga por ella. Fui testimunha das bençãos, que lhe lançavam os macaenses pelo muito que se occupava da sua ventura.--Fazia do merecimento dos homens estimação tão justa, que nem á conveniencia, nem ao estado ficava devedor: virtude nos principes difficultosa, e nos ministros rara[13]. Os temerarios, que tinham amarrado o invicto Caroxa, foram excluidos do serviço portuguez. Tomou nova tripolação e continuou a destruir os piratas. Cam-pau-sai vio constantemente frustradas, quantas diligencias fez para o tomar. Logo que amainou o tufão, partiram os nossos em procura do inimigo. Acharam reunidas as esquadras de Cam-pau-sai, e Apau-tai, nos canaes de Wam-poo, em 15 de Septembro de 1809. Assim que avistaram os navios Macaenses, suspenderam, mas os nossos carregaram sobre elles. Cam-pau-sai empenhou-se no combate; fez entrar nelle os seus melhores navios: mas o fogo violento das nossas embarcações fazia-lhe tal estrago, que saindo elles do alcance da nossa artilheria, poucas ficavam em estado de entrar segunda vez no fogo. Com tudo cevados de raiva, e avidos de gloria, a fim de illudir os povos do seu partido, ainda bem uns não se tinham retirado, já outros tomavam o logar vago. Não sendo o Belisario construido para guerra tão violenta, abrio com o impulso da artilheria; tornou-se incapaz de combater: retirou-se. O invito Alcoforado não podendo vencer força tão superior tambem se retirou, mas deixou em cinzas muitas embarcações inimigas. É sempre a guerra origem fecunda de calamidades, vexames, e ruinas para os povos. Appareceu na China o torbulento Cam-pau-sai, para estrago de seus moradores, e vexação dos macaenses. É evidente, que o conquistador, não é só inimigo dos povos, onde recruta; mas tambem se torna flagello do genero humano. Sim a guerra sobrecarrega os povos de impostos, e raras vezes o tumulto dos combates deixa ouvir as supplicas da justiça.[14] Os macaenses tiveram nesta occasião motivo para julgar quão forte éra o inimigo: e Cam-pau-sai a ufania de fazer retirar dois navios portuguezes. Apezar da perda que sofreu, ficou mais altivo, e mais assolador. Exaltou o espirito dos Chinezes de modo, que se levantaram em Cantão partidos de descontentes. O Suntó prevendo a ruina, que ameaçava o Imperio, tratou com o Governo de Macáo para reforçar a esquadra portugueza, e junta com a Chineza cruzar nos mares daquellas ilhas, afim de livrar o commercio das duas cidades, e portos contiguos. O Governo macaense testimunha do vexame em que se achavam os moradores da cidade, e dos gastos que tinham feito em guerra tão dilatada, mal podia convencionar com os Chinezes, por ser a empreza mui dispendiosa. Com tudo o magnanimo Arriaga, a quem nada parecia impossivel decidio o Governo macaense a tratar com o de Cantão, e fez-se a convenção seguinte:[15] O Governo das duas provincias de Cantão e Quang-si, e o de Macáo, igualmente convencidos da precisão, que tem de pôr fim ás invasões dos piratas (os quaes sem temor infestam os mares, que cercam estas duas cidades) de restituirem a publica tranquillidade, e as relações commerciaes, formarão uma guarda costa, combinando a força dos dois governos: para esse fim nomearam os seus plenipotenciarios: Cantão, os mandarins de Nam-hay, Shon-key-chi, de Hiang-sam, Pom, e o da Caza branca, Chu: Macáo ao Conselheiro Arriaga, e ao Procurador do Senado, José Joaquim de Barros; os quaes depois de terem respectivamente communicado os seus plenos poderes, e discutido a materia, concluiram e ajustaram os artigos seguintes: 1.^o Haverá uma guarda costa, de seis navios portuguezes, conbinada com uma esquadra imperial; cruzará seis mezes, desde a bocca do tygre á cidade de Macáo, a fim de embaraçar que os piratas não entrem nos canaes, que até agora tem infestado. 2.^o O Governo chinez obriga-se a contribuir com oitenta mil taés para ajudar o armamento dos navios portuguezes. 3.^o O Governo de Macáo fará logo cruzar os dois navios, que tem armados, e apromptará com brevidade os quatro restantes. 4.^o Ambos os Governos devem ajudar-se em tudo o que for a bem do cruzeiro, o qual não se estenderá além dos pontos determinados. 5.^o As presas seram repartidas entre os dois Governos. 6.^o Quando a expedição finalisar serão restituidos aos macaenses os seus antigos privilegios. 7.^o As partes contractantes obrigam-se a cumprir tudo quanto se estipulou nos mencionados artigos sem alterar cousa alguma, e a consideralos como ratificados em virtude de seus plenos poderes. Macáo 23 de Novembro de 1809. Shou-Key-chi.--Arriaga. Pom.--Chu--Barros. O governo de Macáo observou logo o 3.^o artigo. Arriaga entrou a promover os aprestos dos navios restantes, mas o thesouro do Senado não podia suprir a tão grandes despesas. Arriaga tomou de seus amigos grandes sommas sobre o seu credito: então era valor de sobejo para os negociantes, que lhe offereceram quanto possuiam[16]. Havia na cidade pouca gente para tripolar os navios se não suprissem os prodigios obrados pela gente portugueza. _.....Tornando frio De espanto o ardor immenso do oriente, Que verá tanto obrar tão pouca gente._ Mojatecão, observando e experimentando o valor dos portuguezes em Diu, exclamou:--São dignos de que os sirvam as outras gentes. A fortuna do mundo está em serem poucos.--Em verdade com cem portuguezes, e sete centos manillas e cambojas, se fez á véla a esquadra (seis dias depois da convenção) levando por chefe o destemido Alcoforado, na galera inconquistavel. Luiz Carlos de Miranda commandava a Pala, Anacleto José da Silva o Indiano, Antonio José Gonçalves Caroxa, o brigue do Senado, José Felis dos Remedios o navio S. Miguel, José Alves o Belisario. Nesse mesmo dia attacáram e dispersaram os piratas, que se retiraram para mais longe de Macáo. O governo de Cantão, não foi activo como o dos macaenses; além disso a esquadra chineza nem uma só vez chegou a auxiliar os nossos. Tanto medo tinham de Cam-pau-sai, que nem ao lado dos portuguezes se atreviam acommettelo. O governo de Macáo vendo assombrada toda a provincia de Cantão, pelo grande vulto, que faziam os piratas, resolveu despresar os soccorros da esquadra imperial, e anniquilar só o grande poder de Cam-pau-sai. Mandou pelo chefe Alcoforado intimar-lhe, que se entregasse á obediencia do imperador, promettendo-lhe perdão, e gráo superior na classe mandarina. Entraram os chefes am correspondencia: o nosso pedia ao dos piratas, que viesse a Macáo para tractarem de convenção amigavel: declarando-lhe, que se não conviesse com elle, poria em acção todos os recursos da guerra, e não descançaria sem exterminalo. Campau-sai, respondeu:--Tenho presente a vossa carta: não me assusta. Desejo fazer a paz com os portuguezes, com tanto que não entendam comigo. Quanto a submetter-me ao imperador, jámais o farei, ainda que me assegureis e digais o que quizerdes. Sô não terei duvida no que tenho acima dito. Quando abraceis esse partido, podeis retirar-vos para Macáo, e mandai-mo dizer para não entender com os vasos portuguezes. Esta resposta de Cam-pau-sai, firmada no dia 18 de Dezembro de 1809, foi moderada em razão de ter sido atacado e batido pelos nossos em 11 do mesmo mez. Em quanto estas cousas se passavam entre Alcoforado e Cam-pau-sai, deu o imperador amnistia a todos os piratas, que se lhe entregassem. Apau-tai receando o valor dos nossos, julgou conveniente entregar-se. Concordou com os principaes da sua divisão: rendeu-se com cento e trinta embarcações bem equipadas de homens e de armas. Trahido Cam-pau-sai pelo amigo, que mais estimava, ficou magoado por ver a pouca perseverança dos homens, ainda mesmo os que tem as mais intimas relações de interesse, parentesco e amisade; mas era tal o seu animo, que nenhuma desgraça o intimidava. Mais atrevido ainda mandou apromptar a esquadra do seu commando a fim de concluir seus designios. Alcoforado aproveitou-se da cobardia de Apau-tai, attacou, e fez retirar Cam-pau-sai. Logo depois mandou-lhe dizer, que assim como Apau-tai, o havia abandonado, assim o fariam os outros seus companheiros; e diminuidas assim as suas forças seria obrigado a entregar-se prisioneiro: que era melhor capitular já, alcançando honra e interesse, como lhe tinha promettido e affiançado. A esta segunda instancia respondeu Cam-pau-sai pelo modo seguinte. Hontem recebi uma carta vossa mui persuasiva: conheço o desejo que tendes de me ver em Macáo: fico-vos agradecido por tão singular obsequio e estimação. Estando sobre os mares, como no centro de um reino, no qual empunho o sceptro do poder, e governança para todos os que me obedecem, vivo muito occupado. Não é simples negocio o governo de um reino: eis o motivo por que não cumpro o vosso desejo. Agora todo o meu empenho é restaurar e possuir as terras deste orbe: assim ficarão completos os meus desejos. Digo-vos ingenuamente este é o fim a que me proponho. Tenho muitas embarcações, e mantimentos para longo tempo: nada me falta. Vendo que me estimaes, por isso vos dou a conhecer o meu projecto. Se quizerdes emprestar-me quatro navios para fazer com elles o que me aprouver, mais depressa restaurarei o imperio. Depois dar-vos-ei duas o tres provincias a vosso contento. Asseguro-vos a fidelidade da minha promessa. Se não podeis agora mandar-me os navios seja quando vos convier. Ha muitas pessoas, que me aconselham para render vassalagem a um tartaro! São exortações baldadas. Possuindo esta esquadra com a divisa da bandeira vermelha, farei com ella os maiores esforços para restaurar o imperio. Já mandei apromptar a minha esquadra, para se dirigir á bocca do rio tygre; a fim de bater os imperiaes. Tenho outros assumptos a communicar-vos, porém agora não o posso fazer. Basta o conteudo desta, para viveres na intelligencia do meu firme proposito. Dezembro 26, de 1809. Desenganado Alcoforado de que não conseguia a entrega dos piratas sem fusão de sangue, começou de novo a batelos. Os nossos estavam já tão praticos nos canaes das ilhas da China, que os piratas apenas lhe escapavam nos pequenos rios, onde os nossos vasos não podiam entrar. Cam-pau-sai usou entreter as embarcações portuguezas com alguns Taós, em quanto a dextrava os seus no exercicio da artilharia, tomando por mestres os americanos inglezes, que tinham aprisionado. Era tão sagaz e ardiloso, que nos encobria seus planos com extranho recato. Em 21 de Janeiro de 1810, julgou-se em estado de poder vencer a frota macaense. Pairava esta junto á ilha de Lantáo, quando entraram a levantar do oriente os piratas alinhados em divisões. Nesta occasião obrou o invicto Alcoforado tão grandes prodigios, que só poderam ser cantados antes, pelo nosso Diniz. _A fiel ave, que arma vigilante O grão furor a Jove. Quando sobre os mortaes os raios chove A dextra coruscante, Tão rapida ao rebanho temeroso Não cala, a garra abrindo, das estrellas, Como o varão famoso Sobre as immensas velas Cahe de grande ira armado Treçando denodado A féra espada, e torna em seu estrago O azul oceano em roxo lago._[17] Considere-se uma lagôa com seis leguas de diametro, semeada de ilhas e syrtes, onde apenas Galerno encrepava a superficie das aguas. A esquadra portugueza constando de seis navios, sendo o maior de quatro centas tonelladas, e o mais pequeno de 120: guarnecidos todos com 120 peças de artilheria; e 700 homens. A esquadra inimiga, de 300 vasos, com mil e quinhentas peças de artilheria, e mais de 20:000 homens aguerridos, commandados por chefe valoroso e desesperado. Neste conflicto o famoso Alcoforado, treçando denodado a féra espada mandou atacar. Foi sentelha electrica lançada no coração dos seus companheiros. Dirigiram-se os nossos á vanguarda das columnas inimigas despresando suas hostilidades até chegar a tiro de espingarda. Nessa distancia uma descarga de metralha punha em fugida o navio, que a soffria. Alguns mais destemidos arribavam para sotavento afim de metter os nossos entre dois fogos; manobra que estes concertavam para lançar-lhes a morte por todos os lados. O fumo mal lhes dixava vêr as embarcações portuguezas, cercadas pelas suas. O astuto e bravo pirata, julgava que dividindo os nossos poderia destruilos; e o chefe portuguez julgando ter Marte em cada um de seus companheiros quiz dar a todos motivo para demonstrarem a sua pericia e desmedido valor. Ficaram deste modo os navios macaenses no centro de cada circulo dos piratas: assim os raios despedidos do centro levavam á circumferencia o estrago, o horror, e a morte. As balas da circumferencia, raras vezes acertavam no ponto central: qualquer desmancho nas pontarias fazia com que empregassem as balas nos seus mesmos companheiros. Todos os Commandantes portuguezes adqueriram fama neste dia; mas ha acasos em uma batalha, que fazem uns mais distinctos do que outros. O navio commandado por _Luiz Carlos de Miranda_, na maior força do combate, deu em escôlho: Cam-pau-sai, vendo aquelle navio encalhado, considerou-o em desordem; mandou carregar sobre elle, a ver se podia principiar o seu triunfo por destruilo. Mas o denodado Miranda, vendo perigos por todos os lados, resolveu debellar o inimigo, ou não saír com vida do conflicto. Entre o valor e a desesperação (ultimo sentimento das almas grandes), disse a seus companheiros:--Creio não haver entre nós quem regeite a immortal gloria, que este feliz dia lhe destina: assim faça cada um o seu dever. Mandou empregar a gente da mareação nas baterias, e diffundindo o seu valor em toda a equipagem, fez tão grande estrago no inimigo, que já este não tinha animo para acommettelo. Emquanto debellava os piratas, o fluxo das aguas tirou o navio do escôlho. O Caroxa tambem fez cousas admiraveis. Deparou-lhe o acaso o Taó do pagode.[Nota 3^a] Logo que assomou o deposito do erro, virou sobre elle; e emquanto não o lançou no abismo, não descançou. O templo, os bonzos, os idolos tudo foi submergido no orco. Esta proeza do atrevido Caroxa lançou o espanto e o horror no espirito de todos os piratas. A vista dos seus deuses espedaçados, e levados, á discrição das aguas, tirou-lhes de todo o animo: apenas ousaram largar as velas todas, e por entre syrtes foram abrigar-se na bocca do rio de Hiang-san: logar onde os nossos vazos não podiam entrar. Não ha cores assás vivas para demonstrar a sua confusão na fugida. Cam-pau-sai medío então as forças macaenses ainda mais pelo valor, do que pelo seu atrevimento. Os nossos cantaram victoria! Mas incançaveis na destruição do inimigo, não deixaram de perseguilo até á bocca do rio. Alli formou o previdente Alcoforado apertado bloqueio a Cam-pau-sai. Só o deixou saír para entregar-se. Cam-pau-sai resolveu entregar-se, mas uma das principaes condições éra de ser Miguel de Arriaga fiador de tudo quanto se ajustasse no acto de capitulação; e que só trataria com os imperiaes, estando elle presente. Logo que o Governo de Macáo recebeu esta participação do chefe Alcoforado, remetteo-a ao Suntó, e este dirigio-a ao Imperador. Succedeu nesta occasião um facto, que muita honra faz á memoria do generoso Arriaga. Quando se tratava da entrega dos piratas, chegou a Macáo, um novo _Ouvidor_, e segundo a lei, Arriaga deu-lhe posse do logar. Mas Cam-pau-sai, e os mandarins, logo que o souberam avisaram o Governo de Macáo, não poderem entrar naquella negociação com o Ouvidor novo, mas sim com o antigo; já por saber este melhor daquelle negocio, já porque só com elle Cam-pau-sai capitularia. O Senado e todos os macaenses desejavam o mesmo; pois éra publica a grande reputação, que Arriaga havia entre os Chinezes. Foi completa a vontade geral; e é só em táes occasiões, que padecendo a lei exultam os povos. O Ouvidor Peixoto começou no exercicio das suas funções: mas o famoso Arriaga continuou a tractar deste importante negocio. Em quanto os nossos bloqueavam a esquadra inimiga, e Arriaga ajustava a capitulação com os mandarins, aconteceu outro facto, que muito honra a memoria do invicto Alcoforado. Logo que a frota portugueza saío de Macáo, convidou elle o chefe dos piratas para entrar em Macáo, e tractar alli da sua capitulação: mas Cam-pau-sai confiado em suas forças respondeu pela negativa como fica dito. Agora vendo-se obrigado a fazer o que então recusou, pedio ao nosso Alcoforado a mercê de honralo com uma visita para ter o gosto de o conhecer pessoalmente. Alcoforado mandou apromptar um escaler para satisfazer Cam-pau-sai mas os seus espozeram-lhe ser grande temeridade entregar-se a um pirata. Esta lembrança foi acompanhada da responsabilidade, e isso obrigou Alcoforado a chamar os commandantes das mais embarcações, communicou-lhes o convite de Cam-pau-sai, e a deliberação, que havia tomado. Todos acordaram com os Officiaes do seu navio, menos elle, que fallou da maneira seguinte.--Grande é meu contentamento por ver o empenho, que fazeis para não me arriscar nesta visita; seja por estimardes a minha existencia, ou por julgardes em mim algum prestimo. Confesso-vos, que tão grande é o vosso empenho, quanto mais firme se torna a minha resolução: já porque recusando este convite ficará mui cerceada a nossa reputação já porque seria o primeiro signal de fraqueza da esquadra Macaense: se for traída a minha boa fé, tereis novo incentivo para anniquilardes o inimigo vingando-me. Asseguro-vos que vendo-me Cam-pau-sai, em seu navio, de coração socegado e alma firme, tremerá de vós--Todos o escutavam com attenção: e ás ultimas palavras cada um desejava ser Alcoforado: Mas a gloria de sacrificar-se pela honra da Patria, e pela humanidade, só a ella pertencia, naquella occasião. Despedio-se e partio para a esquadra inimiga. Assim que passou a primeira embarcação da vanguada[Nota 4^a]: _Sonorosas trombetas incitavam Os animos alegres resonando: Dos_ Chinas _os bateis o mar coalhavam, Os toldos pelas aguas arrojando. As bombardas horrisonas bramavam Com as nuves de fumo o sol toldando._[18] Ao chegar Alcoforado ao navio de Cam-pau-sai, veio este recebelo ao portaló, e o conduzio pela mão á camara. Alli trocáram as mais apuradas civilidades. Cam-pau-sai, estudando o modo de obsequiar o nosso heroe, não achou outro mais capaz de lisongear a sua alma, do que offerecer-lhe pela honra, que lhe tinha feito, a liberdade de todos os prisioneiros europeos, que tinha em sua esquadra. O presente foi recebido com demonstrações proprias de captivar o offerente pelas cadêas da amizade. Cam-pau-sai assegurou-lhe, ser então o seu maior empenho não o ter por inimigo; pois havia experimentado o valor dos portuguezes. Demonstrou, que arriscando uma batalha, poderia ter a vantagem de saír do bloqueio com as embarcações mais veleiras, para onde não podessemos incommodalo; porém que a honra daquella visita o tinha penhorado de modo, que estava resolvido a entregar-se com toda a esquadra; vista a promessa que lhe fizera o ministro Arriaga, de quem formava alto conceito, e a quem de boa vontade se rendia. Alcoforado afiançou a promessa do ministro, mostrando-se pesaroso em não depender só delle a capitulação para em tudo a fazer a contento de Cam-pau-sai. Disse mais:--como chefe da esquadra macaense, tenho ordem para destruir a vossa, se tentardes saír daqui: e serei obrigado a fazelo por ser usança portugueza romper as linhas da amizade, quando assim o urgem as precisões do estado. Espero de vós não ter occasião para rompelas. Assim o prometteu Cam-pau-sai; e o nosso Alcoforado, levantou-se: Lembrai-vos de como se despedio Luiz XI, quando visitou o nosso Affonso V;[19] ajuntai-lhe os requintes das ceremonias asiaticas, e julgai da separação destes guerreiros; não querendo ceder um ao outro a primasia em affectos delicados. Com tudo não pôde Alcoforado impedir a Cam-pau-sai, de acompanhalo até ao escaler em que partio para a sua frota. Ao entrar nella salvaram todos os navios, e os marinheiros subiram ás vergas para todos a um tempo lhe darem os emboras. Em quanto os chefes se visitavam cuidava-se em Macáo; no ponto, onde se faria a entrega da esquadra inimiga, visto ser da vontade de Cam-pau-sai, entregala aos portuguezes. Lucas José de Alvarenga, governador militar daquella cidade, obstou a que os macaences tivessem mais esse dia de triunfo. Temeu gente, que estremecia só de ouvir fallar das façanhas portuguezas[20]. Assim foi Arriaga obrigado a concluir este importante negocio fóra de Macáo. Avisou os mondarins, _Chu_, e _Pom_, que viessem ao pagode[21]: ajustaram alli, que o logar do congresso seria na villa de Hiang-san e fizeram aviso aos delegados do imperador para se acharem alli em dia aprazado. Juntaram-se os mandarins do destricto, os mandarins da côrte, e o nosso Arriaga, que foi recebido entre elles com singular distincção. Já o congresso deliberava sobre a capitulação, quando chegou de Macáo a relação do que se tinha passado entre os chefes das esquadras. A ousadia do atrevido Alcoforado não só penhorou Cam-pau-sai, mas tambem os mandarins, que pasmados do que ouviam, ficaram por algum tempo notando o gesto e maneiras com que o magnanimo Arriaga captivava as suas vontades. Tornando o congresso de novo os seus trabalhos, caminhou o negocio com mais rapidez; pois dalli em diante estavam os mandarins quasi sempre de accordo com o nosso ministro. Convieram em mandar a Cam-pau-sai, que viesse com sua esquadra para Chumpin, onde elles se deviam tambem reunir: e ordenaram ao chefe Alcoforado, que levantasse o bloqueio. As ordens foram derigidas a Cam-pau-sai, em direitura, e a José Pinto Alcoforado, pelo governador de Macáo: homem pouco experiente dos costumes chinezes, e cobarde, por isso demorou a ordem do congresso. No dia seguinte recebendo Cam-pau-sai, a que lhe fora dirigida, levantou ancora e principiou a velejar para fora. Alcoforado, ignorando as ordens do congresso, e vendo a esquadra inimiga em movimento, mandou suspender a sua, e manobrar de modo hostil. Cam-pau-sai, percebeu logo haver desintelligencia: ordenou á sua frota, que amainasse e surgisse. Sabendo-se no congresso da imprudencia do timido Alvarenga, dirigio-se Arriaga a Macáo para animalo, e os delegados do imperador tomaram a resolução de ir á esquadra portugueza certificar ao chefe o que se tinha tractado com o ministro. Assim que o nosso Alcaforado vio em sua embarcação dois chinezes de cabaias amarellas, conheceu a gerarquia dos hospedes; por ser côr privativa da familia imperial. Tractou-os com a cortezia devida á civilidade chineza. Rogaram ao chefe portuguez, não compromettesse a palavra de Arriaga, nem a delles, para com o chefe dos piratas, a quem tinham mandado dizer, que velejasse para Chumpin, e a elle Alcaforado, que o deixasse saír; que a inexperiencia do governador, não devia embaraçar a execução dos poderes dados pelo Senado ao ministro Arriaga. Alcoforado respondeu:--aprecío muito a honra, que me fazeis--e desejo, ainda mais, ser-vos util: porém as leis militares entre nós executam-se sem discrepancia. Tenho ordem do governo para bater a esquadra inimiga, se tentar saír, em quanto não houver outra em contrario, não posso deixar de fazelo. Os mandarins tornaram-lhe:--Homem recto e valoroso, conhecemos os serviços que tens feito ao imperio, e á tua nação: não offusques essa gloria deixando outra vez as costas da China cobertas de piratas. Cam-pau-sai ainda tem grandes recursos: não o irrites. Grande parte da provincia de Chin-cheu segue o seu partido: sabes que é povoada de homens marcantes, robustos, e denodados; a gente creada sobre as ondas é audaz, e ardilosa; em pouco tempo equiparão outra esquadra para obrigar-te a levantar o bloqueio; assim apezar do teu valor, e do esforço macaense, teremos guerra eterna. Pedimos-te, pelo que mais estimas, modefiques as ordens que tens, a fim de Cam-pau-sai não desconfiar da nossa palavra.--Nesta occasião chegou a ordem de Macáo, por diligencia de Arriaga, para Alcoforado levantar o bloqueio, e seguir Cam-pau-sai para Chumpin. Mui contentes ficaram os mandarins: partiram satisfeitos para o logar do congresso, onde já acharam o nosso Arriaga. Mandou-se nova ordem a Cam-pau-sai; no dia immediato surgio no logar aprazado. Mandou-se a bordo cumprimentar o chefe dos piratas, e convida-lo a entrar no congresso, onde devia firmar a sua capitulação. Promptamente chegou: ao entrar na salla dos congregados, conheceu por vestiario e gesto, o nosso ministro: dirigio-se a elle e fallou desta maneira. Grandes motivos me fazem render e tractar comvosco da minha capitulação, para entrar na classe dos Coláos, como mo promettestes pelo imperador. Mas confesso-vos, que o principal foi conhecer o fulcro da lavanca destruidora do meu poder. Já vos vi: estou satisfeito. Devo muito á natureza, e á minha assidua applicação; mas em tudo me acho vencido por vós.--E virando-se para os mandarins:--Tendes por experiencia de 14 annos, quão poderoso e vigilante foi o meu sceptro: sabei agora da minha bocca, que o valor portuguez foi quem o destruira. Aqui me tendes em vossa presença: espero que me trateis como a homem livre, e destemido--E tomou assento. Disseram-lhe que para exemplo era preciso castigar alguns dos seus, que fossem mais criminosos.--Para satisfazer a esse requisito, darei os nomes de 14 faccinorosos, que existem na esquadra. Paguem com suas cabeças as atrocidades que fizeram, e eu desaprovei.--Sendo este o unico embaraço que havia, concluio-se o negocio. Cam-pau-sai declarou ter ainda uma divisão de 80 embarcações, que antes de vir attacar a esquadra macaense, tinha mandado para Chin-cheu receber os tributos do anno passado; mas que por aviso seu viriam entregar-se. Ordenadas assim as cousas principaes, tractaram da forma porque se devia repartir a preza; visto são ser o artigo 1.^o da convenção preenchido pelo Governo Chinez; e ter só a esquadra macaense reduzido Cam-pau-sai a capitular. Já o Ministro Arriaga tinha mostrado aos Chinezes, quão valoroso e sensivel éra o seu coração; mas então quiz mostrar-lhe quanto éra liberal. De tudo quanto existia na esquadra de Cam-pau-sai, exigio a melhor parte das bombardas: tudo o mais deixou á disposição do Imperador. Os companheiros de Cam-pau-sai ficaram cidadãos chinezes; elle Coláo do Imperio; e as cabeças dos 14 criminosos, para exemplo dos malevolos, foram espetadas em paos no istmo que devide, a cidade, da ilha de Macáo, onde ficaram até serem consumidas pelo tempo. Concluida a capitulação, disse Cam-pau-sai, ao Conselheiro Arriaga:--Ainda tenho um favor a pedir-vos. Pertendo ir a Macáo, se me concederes licença, para ter o gosto de ver todos os meus vencedores--O Ministro agradeceu: e dissolveu-se o congresso, saindo todos os seus membros cheios de alegria e admiração: Arriaga, da inexplicavel civilidade e sciencia dos mandarins da côrte, ou coláos! Cam-pau-sai, da pessoa, e do espirito de Arriaga! Os coláos! de Cam-pau-sai, e de Arriaga! Tudo lhe parecia prodigioso. Mal podiam capacitar-se de ver livre o imperio do flagelo, que o tinha assolado em 14 annos continuos. Assim que Arriaga entrou na cidade, tractou do triumfo dos heroes macaenses, que éra ao mesmo tempo o seu. A caza deste illustre varão tinha para elles a mesma consideração, que o Capitolio para os romanos. Não foi este triumfo tão aparatoso no exterior como os de Cesar, ou o de D. João de Castro em Goa. Mas os corações de todos os habitantes de Macáo exultavam de prazer até alli nunco visto nem sentido.[Nota 5^a] Em Maio chegou a Cantão a noticia de não querer entregar-se a divisão rebelde, despresando a ordem do seu antigo chefe. Avisou-se a Cam-pau-sai da conducta dos piratas, e Pedio-se-lhe o desempenho da palavra dada no acto da capitulação. Respondeu:--Rebellada a divisão a primeira vez contra a minha ordem não devo mandar-lhe outra. Tenho recurso mais prompto. Dai-me sessenta embarcações das que foram minhas, deixai-mas tripolar com os que já me obedeceram; e se não trouxer os rebeldes dou a minha cabeça. Lembro-me que podeis desconfiar da minha palavra: deixarei em refens o que possuo de mais apreciavel; dois filhos que me deu a natureza. Se sois pai, avaliareis a qualidade do penhor. O Suntó: apezar das demonstrações de firmesa e honrada conducta de Cam-pau-sai, recusou entregar-lhe a esquadra que elle pedia. Mandou apromptar uma frota imperial de perto de duzentas embarcações, e bem equipadas com parte dos instrumentos de guerra que tinham sido de Cam-pau-sai. Saío esta de Cantão e foi encontrar o inimigo. Em pouco tempo veio entrar em Macáo fugida, e derrotada pela divisão rebelde. Chegando esta noticia a Cantão, o Suntó mandou perguntar ao Conselheiro Arriaga, o que deveria fazer ácerca do offerecimento de Cam-pau-sai.--Que se estivesse no seu logar, tornou Arriaga, tinha aceitado os serviços de Cam-pau-sai, logo que elle os offereceu, sem lhe tomar refens; pois esperava delle tudo quanto é proprio de honralo, e de utilisar ao imperio.-- O Suntó com tal resposta, mandou entregar a Cam-pau-sai sessenta embarcações, e tudo quanto pedio. Largou o novo Almirante de Cantão deixando a todos em expectativa. Dirigio-se a Macáo, onde estava tudo prompto para recebelo. Em dia assignalado foram os commandantes da nossa esquadra[Nota 6^a] com os bons moradores da cidade a caza do Ministro Arriaga. Ainda bem o não tinham cumprimentado, annunciou-se a entrada de Cam-pau-sai. Foi conduzido á Sala. Acabadas as civilidades requintadas, segundo o costume Chinez disse:--Deus immortal, estão completos os meus ultimos desejos, vendo e abraçando heroes tão sublimados--Brilhava o jubilo no rosto de todos vendo Marte humilhado em sua presença.--Acha-se neste circulo o valoroso commandante da Lorcha Leão? Desejo conhecelo--Aqui me tendes respondeu o _Caroxa_. Cam-pau-sai caminhou para elle, abraçou-o: e virando-se para o Ministro disse:--Este homem fez mais damno ao meu poder, do que toda a vossa esquadra. Eu fui vencido: mas quem disputando a gloria aos portuguezes dirigidos por vós, ficará victorioso. Cedo vos mostrarei como venço a outra gente. --Tenho conhecido em vossas acções, disse Arriaga, que sois varão assignalado. Agradeço-vos por todos o alto conceito, que de nós fazeis: affirmo-vos ser o maior premio de nossas fadigas, ter-vos elevado á ordem dos Coláos, onde fareis a ventura da vossa patria, e as delicias do Imperador. Imitai os vossos vencedores promptos sempre a dar a vida pela restauração da gloria nacional, pelos seus direitos, e pelos do seu Monarca legitimo. Lembrai-vos de todas as acções que lhes vistes praticar:[Nota 7^a] _E julgareis qual é mais excellente, Se ser do mundo rei, se de tal gente._[22] Se a liberdade, a propriedade, e a segurança são as unicas linhas, que prendem os homens á terra onde habitam, e ao rei; senão ha amor de patria, onde não existem estas vantagens; julgue-se pelo amor dos Portuguezes ao rei e á patria, das qualidades do Senhor D. João VI. Paga o amor que lhe temos usando do seu poder, para oppôr barreiras fortes, e dar remedio ás paixões dos subditos, sem que possamos conhecer as suas proprias paixões.[23] _Do vosso nome um grão Rei Neste reino Lusitano Se poz esta mesma lei: Que diz o seu Pelicano Pela lei, e pela grei_[24] Em todo o tempo, que esteve em Macáo o celebre Cam-pau-sai, foi surprendido pelas maneiras singulares com que o obsequiou o ministro Arriaga: mas foi obrigado a saír de Macáo para em breve desempenhar a sua commissão. Em poucos dias encontrou a divisão rebelde, a quem fez saber que era o Almirante da esquadra imperial pela seguinte: _Procclamão_. Camaradas e amigos, sei que duvidastes da minha ordem: fizestes bem. Lembrastes-vos sem duvida, que era falsa; ou eu ter sido obrigado pela força a escrevela. Não: assignei-a por minha vontade. Se ainda o duvidais, vinde ouvilo da minha bocca. Dir-vos-hei tambem os motivos, que me fizeram render. Neste mundo ha dois caminhos a seguir, o do bem, ou o do mal. Todos desejamos seguir o do bem, mas somos muitas vezes lançados pelo erro em precipicios. Em outro tempo vos aconselhava eu a seguirdes o meu partido; mas então ainda eu não havia encetado o caminho do bem. Hoje conheço que marchava pela estrada do erro, afastado da vontade do maior numero. O imperio tem povoação summamente grande; e o nosso partido a seu respeito é summamente pequeno. Não podeis negar-me, que é preciso haver desmedida ambição nos poucos, que pertendem apossar-se do que é de muitos. Não é conforme ás leis do imperio, nem ás do entendimento supremo. Todos devemos concorrer para a felicidade dos outros homens; e no caminho em que andavamos deivairados, faziamos a sua desgraça[25]. Exposta assim a verdade a vossos olhos, espero não duvideis abraçala; e quando useis tenacidade, em vosso erro, experimentareis pela primeira vez o meu rigor. Os rebeldes não attenderam ás rasões de Cam-pau-sai: julgando-se superiores em força, cresceu, a sua audacia; responderam com despreso. Cam-pau-sai dispoz os seus de tal sorte, que dando sobre os rebeldes, em poucas horas os que não se afundaram, ficaram prisioneiros. Navegou com elles para Macáo; a fim de mostrar ao ministro Arriaga, e a todos os macaenses, a verdade do que lhe havia dito. Entrou alli a divisão rebelde em estado tão deploravel pelo estrago soffrido no combate, que levou muitos dias a concertar para ir a Cantão. Cam-pau-sai largando o nosso porto, dirigio-se á _bocca do tygre_. Alli encontrou o mar cheio de embarcações, que tinham vindo para o levar em triumfo ao Suntó. É inexplicavel o contentamento, que o povo d'aquella cidade teve nessa occasião. O Suntó obsequiou Cam-pau-sai de modo, que se o imperador viesse a Cantão, não haveria mais nada a fazer-lhe para honra-lo. Dirigio á côrte tão grandes recommendações ácerca do novo Almirante, que o imperador mandou, que fosse a Pekim, para ter o gosto de velo. Partio Cam-pau-sai; e foi dando interessante espectaculo a todas as villas e cidades, por onde passava. Todos ambicionavam ver o chefe dos piratas (que tanto havia assustado o throno e o imperio) tornado uma das pessoas mais interessantes ao mesmo imperio. Assim que entrou na capital foi apresentado ao imperador: teve com elle larga conversação: depois houve conselho de estado, em que foi Cam-pau-sai um dos seus membros. Emprego superior aos ministros de Estado. Pode-se julgar por este facto, qual é a politica do Governo Chinez. Já não tinha que temer no mar; com tudo premiou Cam-pau-sai, não só para cumprir o que havia promettido, mas tambem para se approveitar dos seus conhecimentos e qualidades relevantes.[26] É provavel, que em quanto elle for Conselheiro de Estado, não hajam piratas nos mares da China. Tem adquerido tão grande reputação na côrte, que não só os particulares mas tambem o Imperador o tracta com singular distincção. Por mais que sejam plausiveis os motivos da guerra, sempre offende: ainda custando só a vida de um homem, assim mesmo é funesta. A estatua do vencedor é sempre banhada de lagrimas pelos vencidos. Todavia esta guerra foi differente. Obrigados os macaenses por _Ladrões_ a defenderem as vidas e a fazenda, mediram as forças mais pelo valor, do que pelo numero; atacaram e venceram. Castigando malvados, lançaram todos os mais ao seio da patria, nos braços de seus irmãos. Em logar de pranto de vencidos, derramaram lagrimas de prazer trocando trabalhos e miserias por vida socegada. Nesta guerra sempre os nossos attenderam mais á humanidade, do que á vingança: fóra do conflicto das batalhas, não houveram crueldades. Quando o generoso Arriaga exigio, no acto da capitulação, a melhor parte das bombardas de Cam-pau-sai, foi com intento de presentear com ellas ao Senhor D. João VI. Recolhendo-se a Macáo, declarou o seu projecto no Senado que de boa vontade assentio. Já em 1642 o senado de Macáo mandára a El-Rei D. João IV, as bombardas tomadas aos hollandezes, para com ellas romper de todo o jugo dos Filippes. O mesmo senado em 1811 mandou ao Senhor D. João VI, a artilheria tomada aos piratas da China, não só para mostrar-lhe a grande força do inimigo vencido, mas tambem para com ella debellar as falanges de Bonaparte. A cidade de Macáo tinha perdido muitos dos seus privilegios. Os chinezes, esquecidos do que os nossos antepassados tinham feito em beneficio de seus maiores, já começavam a ver os portuguezes com a mesma indifferença, com que olhavam para os outros europeos. Mas a serie de factos brilhantes, paraticados no espaço de cinco annos, fizeram reviver a nossa antiga reputação naquelle imperio. [Figura] _Nota_ (1.^a) Lendo a pagina 253 da relação abbreviada da viagem de La-Perouse, as falsidades alli escriptas em desabono dos Macaenses, não posso deixar de as repelir. Começa dizendo não ter espressões para louvar o Governador de Macáo. A paginas 255 rompe:--De grande importancia seria Macáo a uma nação justa, e que tivesse firmesa e dignidade, contra o Governo Chinez, injusto, oppressor e cobarde! Alli diz que o Governador de Macáo éra optimo, aqui o Governo Portuguez não é digno, nem justo; e o Governo Chinez, é reputado por elle o peior do mundo! Se La Perou-se pertendeu fallar do Governo Portuguez em relação a Macáo, tambem não foi exacto. Que mais poderia fazer El-Rei, ou os seus delegados, do que nomear, para governar Macáo, um homem, que segundo o juizo do mesmo La Perouse, estava prompto a sacrificar-se pela honra da nação? La Perouse, queria achar nos Macaenses firmesa, que desse a todos os europeos liberdade para irem á China quebrar as leis do Imperio como elle mesmo fez desembarcando pelles por contrabando. E atreve-se a dizer que o Governo Chinez é injusto, oppressor e cobarde! Como se poderão avaliar os costumes e o caracter das nações pelo juizo de taes escriptores? A Nação Chineza é independente; não quer ter communicação com os Europeos; renuncía a ganancia do commercio exterior pelo socego do Imperio. Todavia Le Perou-se, e outros europeos queriam achar em Macáo homens que fossem agriolhar em Pekim o mesmo Imperador! Vesse nesta memoria pelos judiciosos discursos dos Mandarins, quão falsas e injustas são as invectivas de La Perouse contra os Chinezes e Macaenses. _Nota_ (2.^a) Quando louvo Fernão Peres de Andrade e outros navegadores e guerreiros, tomo por base a justiça e as suas virtudes. Jámais escreveria este opusculo, se a guerra feita aos piratas não tivesse por fundamento a defesa natural, e o bem estar dos povos constituidos em sociedade. Desta guerra resultou grande beneficio á humanidade. Eu louvo só os Portuguezes que em épocas mais felizes, para nós, se conduziram com valor e dignidade; e os que em nossos dias os imitam. Afonso de Albuquerque foi respeitado ainda mais pelas suas virtudes perfeitas e pela justiça, que praticava, do que pelo extremado valor. _Nota_ (3.^a) Era Cam-pau-sai tão extremoso em ardiz, que não lhe escapou de enredar os seus no fanatismo para mais devotamente chegar aos fins dos seus designios. Logo que os interesseiros bonzos lhe afiançaram o bom resultado da empreza, lançou mão desses instrumentos do erro, que degradam o homem para a classe dos brutos fazendo-os tirar o carro dos conquistadores quasi sempre seus verdugos, mandou erigir-lhe um pagode na maior embarcação, e deu o commando della ao Capitão mais experimentado para defender de todo o risco o templo dos idolos. Aqui temos Cam-pau-sai, pescador dos mares da China feito protector dos bonzos, e reputado seu chefe. Deram passos tão agigantados na estrada da superstituição, que já não faziam guerra nem paz sem consultar o oraculo. Saíam todos os commandantes de seus Taós para irem áquelle onde se achava o pagode incensar os idolos, e ouvir do oraculo o que deviam fazer; isto é o que o chefe dos piratas havia concertado com o principal dos bonzos. Estes delirios julgados propicios aos seus intentos, eram favoraveis aos nossos. Em quanto elles praticavam taes momisses, o valor macaense anniquilava pagode, idolos, bonzos, e supersticiosos. _Nota_ (4.^a) Em quasi todas as circunstancias da vida, foi Alcoforado, digno de eterna memoria: Na guerra fazia maravilhas extremadas; na paz, o juizo de Mr. Arago, dá bem a conhecer o caracter do nosso heroe.[27] Eis como elle o pinta. --Parabens, meu amigo; chegamos a Diely.[28] Dir-te-hei o modo porque fomos hospedados. Ás protestações de amisade cheias de franqueza, a maneiras honestas e frequente agrado, é difficil ajuntar mais polidez, nem mais desvelo para obsequiar-nos. Desde o primeiro dia a generosidade do Governador, mandou á nossa meza, com profusão, os manjares mais delicados. Queria mostrar, dizia elle, o prazer que sentia em brindar os patricios dos maiores sabios do mundo. Jantares sumptuosos, presididos pelas açafroadas bondades do paiz, cobertas de joias; festas encantadoras, onde reinava a galantaria, mais franca e mais activa, faziam desapparecer as horas, que voam nas azas do prazer. O Governador achou ainda outro modo de augmentar as provas da sua generosa affeição: fez acceitar, a quasi todos, presentes; e fingia não lhes dar valor para nos livrar de escrupulos. Chamava-se José Pinto Alcoforado de Azevedo e Souza: mancebo amavel, jovial, e de conhecimentos. O motivo de sua especie de degredo para Timor, pelo que nos deu a entender, procedeu de causas politicas.[29] Ocupou-se com desvelo em felicitar o paiz que lhe foi confiado: a sua administração é doce. Os Rajaz não são aviltados pelo despotismo como succede em Coupang. Pelo contratrio são tratados com amor.-- Já, em outras éras, menores virtudes de outro Souza foram assim cantadas. _Le généreux Souza, qui sut domter l'amour Dans ces climats ardens oú son feu nous dévore, Et q'aprés Scipion la vertu nomme encore._ _Nota_ (5.^a) No dia 3 de Junho de 1810, cantou o honrado e benemerito cidadão José Baptista de Miranda e Lima as virtudes do nosso Arriaga pelo modo seguinte: Á sombra de frondifera oliveira, Por ti, ha tanto tempo, desejada, (Graças ao creador Omnipotente.) Te vejo, cara patria[N1] reclinada. No pelago espaçoso, que te cerca, Ja não vês tremular hostis pendões[N2]. Não ouves rebombar os horisontes[N3] Com horrorosos tiros de canhões[N4]. De salitroso pó[N5] que antes servia Para ao longe mandar lethaes pelouros Se ferreos tubos hoje tu carregas[N6], É só por festejar c'os seus estouros. Centenares de Taós[N7] prenhes de tygres, Que ao pé de ti rasgavam cruelmente[N8] Meninas e donzelas delicadas A teu Pai sujeitou[N9] o Eterno Ente. Teu benefico Pai, o Arriaga[N10] Estes tygres de Hyrcania domou E a frondente oliveira, que te cobre, Cortando mil obstaculos, plantou. Jámais pois riscarão da fantasia[N11] O nome deste Heroe da lusa gente: E agora, que celebras seu triumfo, De verde palma vai cingir-lhe a frente. Da victoria este emblema para ornares, Lindas flores procura designantes D'aquelles predicados appreciaveis, Neste filho de Lisia mui brilhantes. O louro girasol, que sempre segue O planeta, que os outros illumina[N12] Designa a bem notoria lealdade Do nosso Heroe á prole Bragantina. Os rubros amaranthos, que resistem Ao vento, á calma, ao gelo, symbolisam A intrepida constancia nas empresas[N13], Que o nome de Arriaga immortalizam. A candida açucena, que dispende Liberalmente o corceo, de que gosa É symbolo do seu singello peito[N14], Emblema da sua alma generosa. O Lirio, que nascendo d'alta vara, Sendo rei da florida monarquia Para baixo a sublime frente inclina, Sua clemencia designa, e cortezia[N15]. Das mais virtudes symbolos procura N'outros lindos matizes dos jardins; Não te esqueças das rosas rubicundas, Dos junquilhos, dos cravos, dos Jasmins. De ti receba agora esta corôa Bem que inferior ao seu merecimento; Em quanto outra melhor se lhe prepara No reino superior ao firmamento. _Notas de Antonio Francisco de Miranda e Sousa, Deão da Sé de Macáo._ [N1] 1.^a A patria é a cidade de Macáo. [N2] 2.^a As bandeiras vermelhas e pretas das duas columnas inimigas. [N3] ? [N4] 4.^a Mil e oitocentas bombardas de diversos calibres entregou Cam-pau-sai, e mais de mil Apau-tai, chefes dos piratas. [N5] 5.^a Polvora, cuja fabrica Miguel de Arriaga estabeleceu em Macáo em 1809, pelo Boticario J. J. dos Santos. [N6] 6.^a Quando appareceu o retrato de El-Rei, na sala onde se celebrava o triunfo, e onde se achava a nobreza, o clero, e nos seus contornos, a melhor parte do povo da cidade. [N7] 7.^a Embarcações de guerra. Cam-pau-sai entregou 3800 homens, Apautai 2000. [N8] 8.^a Só no canal de Hiangsan mataram mais de 15000 pessoas. [N9] 9.^a Entrega de Cam-pau-sai á benevolencia de Miguel de Arriaga, seu medianeiro para com o imperador da China. [N10] 10.^a Miguel de Arriaga Brum da Silveira, ouvidor de Macáo. [N11] 11.^a O nome de Miguel de Arriaga será lembrado não só na ilha de Macáo mas tambem no imperio da China, pois o Suntó o mandou gravar em seus annaes para haver delle eterna memoria. [N12] 12.^a Grande e indefectivel zelo com que Arriaga trabalhou para dirigir o Senado e o Governador, contra os inglezes, a fim destes não arrebatarem esta cidade á nação portugueza. [N13] 13.^a Contra a inveja, a intriga, e odio de alguns que mofaram da empreza. A constancia de Arriaga foi quem nos deu a victoria. [N14] 14.^a A candura, e inteiresa com que tratou a Cam-pau-sai, e ao Suntó. Só o nosso Arriaga foi capaz de conciliar amizade entre aquelles desavindos. [N15] 15.^a Despresando difficuldades tratou sempre em Macáo os máos, com a mesma clemencia que usava para com os bons, e tudo isso nascia da sua nobreza de coração e das altas e perfeitas virtudes que possuia. Em recompensa de tão relevantes serviços o conservou El-Rei D. João VI, na ouvidoria de Macáo, sem limete de tempo, e d'ahi nasceram seus imfortunios, e sua morte prematura. _Nota_ (6.^a) Entre os nossos heroes não haviam grandes patentes: a mais subida era a do chefe, José Pinto Alcoforado de Azevedo e Sousa: Capitão de artilheria. Em verdade para obrar grandes cousas não são precisos gráos elevados. No tempo dos Andrades, Sousas, Pachecos e outros, que obraram prodigios custosos de crer, por extraordinarios, tambem foram praticados por homens, que sabiam honrar-se com o gráo do seu nome! Para não ser extenso fallei só dos macaenses, que fizeram acções extremadas. Se mencionasse todos os que nos cinco annos da guerra contra os piratas, obraram cousas uteis, faria mui grosso o volume; porque muitos foram elles, e todos merecem elogio. _Nota_ (7.^a) Quando os governos não excitam os homens á gloria, os concidadãos tem em pouco a estimação publica. A maior parte dos homens são como o negociante avaro: se armam não é com esperança de immortalisar seu nome. Unicamente sensiveis ao ganho temem, que o navio se afaste do caminho já sulcado; por este sabem elles não haverem novas terras para descobrir. Com tudo recommendam ao piloto, que se por algum temporal for levado a ilha desconhecida, e obrigado a surgir, não a explore nem reconheça os habitantes: tome agoa e largue as velas ao seu destino sem lhe importar descobertas[30]. Já não ha Zarcos nem Gamas! Sobre os mares deste mundo, unicamente invejosos de honras, empregos, e riquezas poucos homens embarcam a fim de explorar a naturesa[31]. Todavia o governo de Macáo provou o muito que tinha excitado os seus concidadãos á gloria. Estes para merecela, não receberam pensões, arriscaram a vida e prestaram a fazenda. Graças aos macaenses; pela gloria que adqueriram, e pelo desinteresse que mostraram, chegaram a par dos Castros e Albuquerques. SEGUNDA PARTE. INVASÃO DAS TROPAS INGLEZAS EM MACÁO E SUA RETIRADA. PROLOGO DA SEGUNDA PARTE. A Virtude é o nexo da sociedade: e consiste em nos abstermos de fazer mal; não privar pessoa alguma das vantagens que desfructa; dar a cada um o que é devido; e promover a felicidade dos outros em geral. O homem só merece o nome de virtuoso se contribue para a utilidade e segurança da sociedade. A primeira das virtudes sociaes é a humanidade; esta pode considerar-se o centro comum de todas as outras. Ella dá aos entes da especie humana direitos sobre o nosso coração. Sim ella tem por base a sensibilidade, e esse sentimento dispõe-nos a fazer aos outros todo o bem de que as nossas faculdades são capazes. Seus effeitos são o amor, a beneficencia, a liberalidade, a indulgencia, e a piedade. Quando a humanidade reside na sociedade em que vivemos, constitue o amor da patria; isto é, produz a necessaria affeição nacional. A força deve só respeitar-se como virtude; quando defende a sociedade em que vivemos, quando se acha acompanhada de grandeza d'alma, valor, e moderação. A actividade tambem deve entrar na ordem das virtudes sociaes; as quaes tem por objecto o bem da sociedade devem ser efficazes e não inertes como outras quimericas e falsas, introduzidas pela impostura, ou fanatismo. A sociedade só agradece acções proveitosas: só essas merecem a sua estimação e reconhecimento. A justiça é o vinculo da união social; sustenta a balança em equilibrio entre os membros da sociedade; remedeia os males que resultam da differença que a natureza poz entre os homens; e faz servir essa mesma desigualdade ao bem geral. A justiça pelas leis da equiedade e sábia distribuição do premio e do castigo excita a virtude, reprime o vicio, e chama á ordem os que são tentados a obrar contra os entes da sua especie. Taes são as disposições que a sociedade deve exigir dos seus membros; tudo nos mostra a sua utilidade; são necessarias e invariaveis; pois tem por fundamento a natureza e as precisões constantes da especie humana. Faltando a justiça não ha ventura na sociedade; sem ella o estado social torna-se mais desagradavel do que o estado selvagem. É melhor viver só do que rodeado de homens injustos. A temprança é igualmente necessaria: a prudencia nasce da razão ou da experiencia das cousas. A razão eleva o homem ás causas, ensina-lhe a estudar a sua influencia, e a prevêr os effeitos. Sim, a razão compara os objectos, e despoja-os de apparencias falsas; e aproveita-se do preterito, e do futuro para não saír da meta conveniente na occasião opportuna. Do governo humano, activo, justo e prudente, resulta o bem estar da sociedade; o seu maior cuidado é fazer gosar os cidadãos, em paz e socego, o fructo dos seus trabalhos; conservalos exemptos dos vicios internos, e das invasões externas. O Senado de Macáo firme nestes principios, e sabendo quanto os sobrecargas inglezes ambicionavam aquelle nosso estabelecimento, poz-se em guarda contra os que pertendiam esbulha-lo da sua pósse, ou perturbar o socego publico. Aportando alli o Almirante Drury, com ordem de Lord Minto (Governador de Bengalla) para introduzir tropas inglezas em Macáo, ainda que elles diziam ser aquelle procedimento a nosso favor; com tudo o Senado desconfiou do empenho com que pertendiam verificar a offerta. Assim firme em sua resolução, sustentou entre os Chinezes e os britanicos a seguinte correspondencia. SEGUNDA PARTE Assim que o Almirante Drury aportou em Macáo, remeteu uma intimação de Lord Minto, a Bernardo Aleixo (Governador de Macáo)[32] e mandou Robert, (primeiro sobrecarga da companhia) em deputação ao Governador. Robert fallou neste espirito.[33] --Sou mandado pelo Almirante Drury participar-vos, que o seu intento é empregar as forças do seu commando na defeza de Macáo, contra os francezes! A explicação desta medida feita a V. Exc. por Lord Minto dispensa-me de repetir os motivos porque o Governo Britanico assim procede. O Almirante está disposto a conferir com vosco antes do desembarque das tropas: com tudo é preciso que o Senado esteja tambem disposto a cooperar com os inglezes para a segurança desta cidade e do commercio; se o plano proposto não tiver effeito por motivo do Senado, o Almirante, a seu pesar; terá conducta opposta. [Nota: Setembro 11] É para notar o ameaço que faz o sobre carga na primeira entre vista! É grato ao meu coração, tornou Bernardo Aleixo, ver o empenho que tomais em defender as possessões lusitanas: com tudo pela intima alliança dos nossos monarcas, pelas ordens que tenho do Sr. D. João VI, e pelos tratados feitos com os Chinezes, não devo consentir no desembarque das vossas tropas, sem ordem superior. [Nota: Septembro 12.] Não posso duvidar, replicou Drury, da vossa franquesa nem da convicção em que estais da intimidade dos nossos monarcas: sou sensivel á situação em que vos achaes: comtudo previno-vos, que pela grande distancia do logar donde podeis receber ordem superior, não a tereis tão cêdo, como é de meu dever cumprir o que me foi determinado por Lord Minto. Para a conclusão deste negocio desejo ter uma conferencia com vosco. [Nota: Septembro 13.] Não só na primeira participação, mas tambem na primeira replica teve o Senado motivo bastante para desconfiar das intenções britannicas; por tanto officiou ao Almirante pelo modo seguinte:[34] Suppondo-vos certo da razão que me assiste para não alterar as ordens que tenho; devo lisongiarme da vossa persuasão tanto da lealdade no desempenho dos meus deveres, como da certeza em que estou da intima alliança dos nossos monarcas: assim espero que modifiqueis as instruções de Lord Minto, em quanto não chegam ordens do Brazil, ou de Goa. Eu tambem demorarei a participação das vossas intenções ao Governo Chinez: intenções de dificil compreensão a povos altivos e desconfiados. Estimarei a vossa visita, farei tudo para satisfazer-vos, menos consentir no desembarque das vossas tropas. Terei a satisfação de aprender com vosco o modo de tirar a estes povos o receio, que lhe ficou em 1802, e agora renovado pela vossa pretenção.[35] O Imperio da China é o protector desta cidade ha 270 annos; nada mais é preciso para sua defeza. Sendo a coacção origem de disturbios e conhecendo vós a nossa razão, espero que se houver máo resultado na vossa empreza, não o imputareis ao governo de Macáo. [Nota: Setembro 14] Não havendo resposta do Almirante até o dia 16 o Senado intimou um protesto aos sobrecargas, e disse mais: Será infalivel a complicação dos negocios britanicos, se o vosso Almirante tentar contra os ajustes feitos em 1802 pelo Senado com o Governo Chinez, para não admittir auxilio extrangeiro. Sabendo agora pelo Governador de Bengalla, que tendes grande parte nesta empreza, é do meu dever segnificar-vos, que no caso não esperado, de continuarem as mesmas instancias para a admissão das vossas tropas nesta cidade, farei pôr em execução o que no protesto junto declaro. É repugnante o vosso procedimento contra povos fieis e amigos da Caza de Bragança desde a sua restauração. Exijo que o protesto junto com a copia desta carta seja remettido ao Almirante. Não produzindo estes escriptos o effeito desejado, o Senado enviou a participação seguinte ao mandarim de Hiang-san. A dez de Setembro surgiram em frente desta cidade, uma náo, uma fragata, e um brigue da nação ingleza, sendo chefe desta força o Almirante Drury. Trouxe uma carta de Lord Minto, que diz mandar, da parte do seu rei, antigo alliado do nosso, soldados para defenderem esta cidade de alguma invasão franceza. O Almirante assegura não exceder os limites de defesa; porém como o seu desembarque nesta cidade, quebra os tractados deste governo com a celestial dynastia, somos obrigados a fazer-vos este aviso a fim de o levares ao Suntó, em virtude dos mesmos tractados. O Governo de Macáo, animado do ardente desejo de manter as relações politicas e commerciaes, que tem ligado esta cidade com os Chinezes, e varias nações da Europa; e tendo o mesmo empenho em continuar a merecer na opinião das nações, propria e extrangeiras, a consideração de leal e honrado, titulo nunca recusado a este Senado: julgou preciso offerecer ao publico a succinta e franca exposição dos factos acontecidos desde a chegada do Almirante Drury a este porto até hoje, no protesto seguinte. A dez de Setembro de 1808, chegou ao porto desta cidade a frota commandada pelo almirante Drury. A 11 recebi uma carta de Lord Minto, onde refere os desastres de Portugal; e o favor recebido, pelo nosso Rei, de George IV, para conservar as possessões da India e China; e que sendo esta de muita importancia para os inglezes, devia ser guarnecida com as suas tropas. Para esse fim mandava um destacamento a esta cidade, e pedia pelo vinculo de antiga amizade, a sua admissão e necessario arranjo. No mesmo acto disse, que pelos motivos da amizade expendida não deviam obrar de modo, que destruissem a independencia, que deviam querer segurar; nem admittia ser eu violentado a fazer o que não devo. Esperava desta resposta alguma moderação, e mais por saberem, que os chinezes não admittem novidades com que possam julgar menos segura a sua independencia. Com tudo reagiram, mandando intimar pelo chefe da companhia, que se não fossem admittidas as tropas, seria differente o seu procedimento. Firme nos meus principios, e na minha primeira resolução, assegurei-lhe a immutabilidade do meu pensar, e dos habitantes desta cidade, que jámais deram motivo para serem invadidos e atropellados por uma nação, que se dizia alliada: porém que a ter logar aquella intimação ameaçadora, eu me defenderia conforme o direito natural, e os limites desta praça, que sempre fora respeitada por todas as nações costumadas a descançar á sombra da bandeira portugueza. Vendo que os inglezes não socegavam, e que eram baldados os esforços da mais estudada prudencia; querendo salvar a honra, e a paz constrangida pelo nosso mais antigo alliado; não devo demorar por mais tempo a necessaria participação ao governo chinez. Este como protector da cidade fundada por sua concessão em seus dominios, da qual recebe foro a seu contento; prestará com brevidade os socorros precizos. Sou obrigado a participar-lhe todas as circunstancias, não obstante saber quão tristes se tornarão as suas providencias, se o almirante não cessar da sua contumacia. O senado tomará como hostil o procedimento que tiver por fim desembarcar tropas inglezas nesta cidade; declara que se defenderá até o ultimo extremo. Protesta contra taes procedimentos: a responsabilidade recaírá sobre os aggressores. A razão anima os habitantes desta cidade, que tanta honra e gloria tem dado á nação portugueza em sua não interrompida posse. [Nota: Setembro 16] Quem não esperaria moderação nos britannicos, pela leitura daquelle protesto? Retorquiram!--Sendo os offerecimentos liberaes de Lord Minto rejeitados pela desleal conducta do governo macaense[36], e os esforços da nossa parte a fim de livrar esta cidade da invasão franceza, e querendo nós conservar boa intelligencia entre o governo chinez e a nação britannica: somos arrastados pela inexperada conducta dos macaenses a tomar medidas, que podem offender os chinezes; mas o senado responderá por tudo. Achamos-nos levados ao penoso extremo de vos participar, que em breve os soldados inglezes occuparão Maçáo. A nossa tenção, quando chegar esse momento, é desembarcar tambem os marinheiros, e tomar posse da cidade á ponta de bayoneta. Consideraremos qualquer opposição como rebelião directa. Para evitar o conflicto de soldados e marinheiros raivosos, deve o Senado admittir já as tropas britannicas. [Nota: Setembro 19] Foi recebida esta intimação, quando chegava outra dos mandarins do destricto, para não deixar o Senado, desembarcar as tropas inglezas. O governador remetteu-a por copia ao almirante, com a seguinte carta. Agora me foi presente a vossa intimação! Com pesar vejo nella, tratada de infiel a conducta do governo desta cidade por não admittir, contra o seu dever, guarnição ingleza! E que tomareis como acto hostil qualquer resistencia da nossa parte, dando para unico remedio a tantos males, introduzir aqui tropas britannicas! Tenho presente as rasões que vos expuz; extranho caracterisares este governo de mal intencionado no cumprimento dos seus deveres. Confesso que da minha parte os tenho modificado, julgando continuar assim a distincta amizade dos respectivos monarcas. Ponderei em pleno conselho a vossa intimação: sendo bem examinada a ultima parte em que dizeis cesserá o vosso rigor, admittindo-se um destacamento inglez, desejo saber como fareis isso sem nos dar motivo para desconfiar das intenções britannicas; e sem que os chinezes se offendam de tão escandaloso procedimento. Posso assegurar-vos, que elle não só ha de ser prejudicial a Macáo: a companhia ingleza soffrerá tambem os seus effeitos. No dia 20 os sobrecargas Roberts, Patlle, Brameston, Helphinstone, e Baring dirigiram ao governador a carta seguinte.--O protesto de Vossa Excellencia, será apresentado ao almirante, assim como a intimação dos mandarins. Nós sabemos o que elles são: o almirante não fará caso delles. Sendo preciso concluirá este negocio com o Suntó. É memoravel nos annaes macaenses, o dia 20 de Setembro de 1808. Achavam-se ás mãos com os piratas da China, e ameaçados, pelo almirante inglez, de serem atacados á bayoneta. Mas quanto maiores eram as adversidades, mais se engrandecia o animo dos macaenses... Assim que se publicou no Senado a injusta, cruel, e atroz intimação da força ingleza, gritaram todos:--Só depois de morrermos na defesa destes muros levantados por nossos maiores, poderão entrar esses barbaros, que não podendo tomar nossas casas pela hypocrisia, tentam fazelo com ameaços. O capitão mór José Joaquim de Barros, ardendo em lavaredas de amor patriotico, disse para o governador;--Irei para o logar mais arriscado, lá darei a vida na defesa do meu posto--Bernardo Aleixo, consummado em prudencia, não soffreu ser vencido em valor. Dirigio-se ao Ministro Arriaga, dizendo:--Honrado collega, com taes companheiros não serão arrebatados os lares macaenses. Devemos acabar de ter contemplação com homens, que mais parecem inimigos do que alliados. Deixo a minha residencia da praia grande; vou tomar o meu logar na fortaleza do monte, confiado em que ordenareis tudo para conservar o socego publico; e fiquem todos na intelligencia, que ella não se renderá em quanto eu existir. Quem poderá escrever os dons naturaes e do estudo, desenvolvidos pelo magnanimo Arriaga neste conflicto? Soube moderar o valor exaltado que tinha accendido nos peitos macaenses, e persuadilos, que não se offendia em cousa alguma a honra nacional, desembarcando a tropa ingleza, com permissão do Senado; e talvez isso desse novo realce á gloria dos portuguezes; afiançou não ser longa a demora dos inglezes em Macáo. Disse que todos sabiam ter o governo feito, quanto estava ao seu alcance para livrar a cidade da invasão ingleza; mas que em todo esse andamento haviam chegado os negocios a tal extremo, que a julgava necessaria para ensinar os britanicos, pela experiencia, que os macaenses não toleram invasores. Socegaram os animos; deram-se todas as providencias para se effectuar o desembarque sem disturbios. Entregaram-se as fortalezas a pessoas de confiança. O Governador foi para a do monte: e o Capitão mór para a de S. Francisco. Commandava então a guarnição da praça, o Senhor José Ozorio de Castro Cabral e Albuquerque; sempre mereceu elogios do Governo por saber conciliar as qualidades militares com as virtudes civicas. No dia 21 ao romper da alva desembarcaram os Capitães Robertson, e Claulfield, com plenos poderes para tractarem com o Governo de Macáo, ácerca do desembarque da tropa; e levaram a Bernardo Aleixo a carta seguinte. Tive a honra de receber a vossa participação, diz o Almirante, em que me informais da sabia e leal determinação do Senado, em adimittir um destacamento inglez na defesa desta cidade. É grande o meu prazer entrar em Macáo como sincero amigo, e sem quebrar-se a antiga amizade dos nossos monarcas. Affirmo-vos que haveis achar nas tropas britanicas, obediencia e respeito. Quão differente linguagem da que empregou no dia 17! Em quanto os macaenses não cederam á tenacidade britanica, éram infieis; agora que pareciam afrouxar na defesa dos seus direitos, são leaes e sabios! Ver-se-ha mudarem de linguagem em pouco tempo. No mesmo dia os delegados do Almirante, e os do Senado (Bernardo Aleixo, e Miguel de Arriaga) convencionaram nos artigos seguintes. 1.^o As leis do paiz regerão com toda a sua plenitude. 2.^o Os crimes contra os Chinezes, seguirão o julgado estabelecido. 3.^o O destacamento inglez será subordinado ao governo desta cidade, combinando com o Capitão Robertson, em casos extraordinarios. 4.^o Nenhuma outra bandeira será arvorada em Macáo, além da portugueza. 5.^o As munições do destacamento entrarão nos armazens publicos, ás ordens do governo desta cidade. Os inglezes terão permissão para beneficialas. 6.^o Os navios que pelas leis do paiz tem livre entrada neste porto não serão interrompidos, nem registados pelos britanicos: e os navios inglezes ficarão no mesmo estado em que se achavam antes desta convenção. Depois de assignada, o Senado fará diligencia para evitar complicação com o governo chinez. O governo de S. M. Britanica fica responsavel ao Sr. D. João VI, pelas consequencias deste tractado. Desembarcaram as tropas sem tumulto; aquartelaram-se na feitoria de Bernardo Gomes de Lemos, e nas fortalezas da Guia, e do Bom-parto. O Almirante requereu estes dois ultimos quarteis, para não haverem disturbios. Antes de desembarcar as tropas dizia, que ellas guardariam obediencia e respeito, assim que entrou com ellas na cidade, mudou de lingoagem: temeu logo que os britanicos insultassem os Chinezes. A intenção dos sobrecargas e do Almirante, éra de ir pouco a pouco, escondidos na capa da amizade, appossando-se de todas as fortalezas: e exigindo sempre, que o Governo de Macáo avisasse ao de Cantão, que tudo aquillo procedia da intima alliança entre as duas Côroas de Portugal, e Gran-Bertanha. No primeiro de Outubro, pedio o Almirante ao Senado, licença para enviar ao Suntó o tractado feito com o Senado, antes de entrarem as tropas inglezas em Macáo. Já a esse tempo o Suntó estava sciente de tudo quanto se tinha feito em Macáo. No dia 8, começou o almirante, com os seus, a dirigir queixas ao governador, pelos insultos, que faziam os chinezes aos britannicos; e dirigiram-lhe a participação seguinte.--Somos obrigados, com pezar nosso, a representar-vos a necessidade de mettermos o nosso destacamento na fortaleza de monte, a fim de evitar a communicação com os chinezes; por quanto já espancaram alguns officiaes, e esta manhãa insultaram outros de modo, que se não estivessem dentro dos limites do quartel, haveria grande desordem. Se o destacamento se estabelecer na fortaleza do monte, acabar-se-ha a idéa de perigo. Asseguramos-vos a repugnancia com que fazemos esta applicação, mas somos a isso obrigados para evitar males, que podem envolver os nossos governos com o dos chinezes, de quem temos ouvido dizer está fazendo grandes preparativos de guerra. Seria bom, que assim como publicastes a ordem de Goa para receber o nosso destacamento, fizesseis o mesmo á proclamação do vice-rei de Goa. Os inglezes esperavam, sem duvida, achar os macaenses no estado em que os havia descripto o capitão Laperouse: e que Bernardo Aleixo não possuia o talento e virtudes exaradas por aquelle celebre navegador nas paginas da sua viagem. A carta seguinte tirou os inglezes da illusão em que estavam. Não tenho duvida em passar o vosso destacamento para a fortalesa do monte: sendo necessaria para defeza contra os francezes, está nos termos da ordem que recebi de Goa[37]: porém sendo o motivo dessa exigencia evitar a communicação e disputa com os chinezes, estou certo de que na feitoria, onde se acha aquartelada, observada a disciplina que hade usar na fortaleza, conseguirá o mesmo fim sem dar logar a ciumes da parte dos chinezes; causa sem duvida de males maiores do que pretendeis evitar: e de mais, isso não é conforme com o tractado, que fizemos. --A desconfiança do governo chinez tem augmentado pela occupação das fortalezas da Guia, e Bom-parto com tropas britanicas. Assim acrescerá mais em prejuizo do commercio das duas nações, que na união, com os chinezes tem igual parte nesta cidade. A nação britanica não consentirá em plano algum, que destrua esta união: e a mim não é permittido admittir defeza opposta á lealdade, que este governo tem á constituição do imperio, seu protector; e com direito sobre o territorio a que chama parte do mesmo imperio. Ainda que é forte a razão que me assiste, maior será o meu pesar, quando pareça falta de condescendencia da minha vontade prompta em reconhecer os serviços de S. Magestade Britanica, ao S. D. João VI. Elles exigem, que espereis a resposta do governo chinez, aos artigos da nossa convenção, que não pode alterar-se para não sermos obrigados a fazer outra participação. Sería agora passo arriscado, pelo escrupulo dos Chinezes ácerca das intenções britanicas. O Senado já mais deixará de cooperar no que for util á nação britanica. Agora mesmo acaba de pedir aos mandarins do districto, providencias para evitar, que os chinezes insultem os vossos officiaes. Lisongeio-me constar-vos a publicidade que dei á ordem de Goa. Tambem fiz publicar a proclamação segundo o costume deste governo. Vivei na intelligencia, que não esconderei o que vos possa interessar, não offendendo o decóro desta cidade. De 3 a 14 de Outubro recebeu o Senado varios avisos do Mandarin de Hiang-san, aos quaes o procurador, José Joaquim de Barros, respondeu neste espirito.--Eu o procurador da Cidade de Macáo, mandarim de Hao-king, remetto-vos toda a nossa correspondencia com os inglezes, a fim de conheceres a verdade. O Senado remetteu ao Almirante todas as vossas chapas, (avisos) nestas circunstancias é o que podemos fazer.-- O mandarim respondeu:--Pelo que respeita ás cartas do Almirante, ainda que as tenho feito interpretar, não posso entender o seu verdadeiro sentido: espero que o declarareis ao portador desta para minha intelligencia. A ordem do Vice-Rei de Gôa não prevalece contra os tractados existentes do Governo celestial com o vosso Rei. Em quanto ao desasocego dos moradores chinezes em Macáo, depende de vós: fazei com que os inglezes tornem para os seus navios, todos ficarão em perfeita quietação.-- [Nota: Outubro.] No dia 16 remetteu outro aviso. --Sei que fôra apresentada a minha carta aos inglezes para saírem de Macáo, e que responderam terem vindo para defenderem Macáo dos francezes, visto não o poder agora fazer o vosso Rei; e que para saírem precisam que venham soldados portuguezes! É inegavel ser Macáo territorio da China, assim como ter-vo-lo concedido a celestial dynastia, attendendo a virdes de tão longe, e quererdes repousar neste Imperio. Ha perto de tres seculos, não só vos tracta sem differença de seus povos, mas tambem como filhos enchendo-vos de beneficios.[38] Os francezes não costumam insultar as terras deste imperio: quando usassem agora commetter essa injustiça, os inglezes deviam lembrar-se, que temos mandarins de letras e de armas e poderoso exercito para defender-vos, sendo preciso. Exponde estas verdades ao Almirante, e aos sobrecargas, e intimai-lhe de minha parte que embarquem o seu destacamento sem demora.-- No dia 17 sabendo o mesmo mandarim, que os Chinezes emigravam de Macáo assustados pelo ameaço da guerra, mandou outra chapa ao procurador, offerecendo-lhe tropas para auxiliar os portuguezes, e animar os Chinezes a fazerem o trato do costume, para não soffrerem os habitantes da cidade por falta de alimentos. (18 de Outubro.)--Mostrei a vossa chapa de hontem ao Almirante (tornou o procurador ao mandarim) assegurou-me ir a Cantão ultimar este negocio com o Suntó. Desejo que vos empenheis no bom tractamento para com elle, visto ir encarregado de negocio tão importante. No mesmo dia 17, recebeu o Governador a carta seguinte (dos sobrecargas).--Capacitesse V. Exc.^a da grande importancia, que é para as duas nações Portugueza e ingleza, accommodar em breve a desintelligencia, que reina entre nós e os Chinezes. A viagem do Almirante a Cantão, dirige-se a esse fim; mas é preciso que os seus intentos sejam sincenramente narrados ao Suntó. Só o padre Rodrigo o pode fazer como desejamos; assim rogamos a V. Exc. faculdade para elle acompanhar o Almirante. O Governador concedeu a licença pedida. Quando em Macáo se esperava que fossem diminuidas as calamidades, augmentaram. Assim o demonstram os sobrecargas na carta seguinte: basta meditala com reflexão para se conhecerem as intenções britanicas. --Soubemos esta manhãa--ter chegado de Bombaim outro destacamento. O Almirante ordena que desembarque immediatamente. Rogamos a V. Exc., que mande fazer os arranjos necessarios para esse fim. Alcançaremos grandes vantagens se persuadires os chinezes, que são tropas mandadas pelo vosso Rei; e que desembarcadas estas embarcarão as que se acham em terra. Para dar mais força a esta lembrança pode V. Exc. mandar entrar os navios com bandeira portugueza. As objecções dos chinezes são de pouca entidade. Para este segundo desembarque, escusa V. Exc. pedir-lhe venia. Pedimos licença para manifestar a V. Exc. o escandaloso procedimento de alguns macaenses infieis ao Senhor D. João VI; pois enviam aos mandarins representações desfavoraveis aos britanicos. Da sua má conducta nascem os inconvenientes, que temos soffrido. Se V. Exc. não dá remedio a tam grande mal, o Almirante enviará para o Brazil as pessoas suspeitas.[39] Esta carta demonstra bem a protecção levada pelos inglezes a Macáo. 1.^o soberba, 2.^o falsidades, 3.^o arrogancia fraudulenta, 4^o calumnias, 5.^o despotismo horrivel. Bernardo Aleixo usando da sua consumada prudencia, respondeu nestes termos. (Outubro 21.)--Dizeis ter ordem do Almirante para desambarcar tropas novamente chegadas! E desejais, que eu dê a entender aos chinezes, virem da parte do Sr. D. João VI! Nenhuma duvida teria no seu desembarque, se as circunstancias decorridas depois que desembarcaram as primeiras não tivessem de dia em dia complicado mais este negocio com os mandarins. Effeituando-se este segundo desembarque antes de conferir o Almirante com o Suntó, pode transtornar o negocio, e ser funesto ao commercio, já suspenso em Cantão. Accresce ter eu agora recebido, ácerca dessa tropa, protesto, que devo tomar em muita consideração. Esta cidade tem soffrido muito com a vossa expedição; e a meu cargo está vigiar por seus interesses. Não me consta haver aqui morador algum infiel á Caza de Bragança, apesar de ser dever meu cuidar nessa indagação. (Outubro 21.)--No mesmo dia, escreveu o mandarin de Hiang-san, ao procurador de Macáo, neste espirito.--Consta-me chegarem ahi mais tropas inglezas; jámais deveis permittir o seu desembarque. Duvidamos muito dos seus intentos. Se o consentirdes darei parte ao Suntó, de que faltais ao vosso dever. (Outubro.)--De 21 a 28 houveram disturbios entre os inglezes e os chinezes. O procurador representou aos mandarins, que não tinha leis por onde castigasse os chinezes em casos taes; e que para isso exigia providencias.--Aquelles tornaram. Não são precisas leis para castigar crimes, que jámais devem existir neste imperio. Embarquem os inglezes, tudo fica remediado.--Não davam resposta, á exigencia de providencias. (Outubro.)--Em 29 escreveram os sobrecargas ao Governador:--Sabemos com certeza não serem as partecipações de V. Exc. (ácerca do auxilio britanico) expostas ao Suntó como deviam; antes sim pelo contrario. Rogamos a V. Exc. lhe declare o justo procedimento do governo britanico, e que esta declaração seja remettida ao Almirante para elle mesmo a entregar ao Suntó. Extranhamos a repugnancia de V. Exc. em seguir o exemplo do Vice-Rei de Goa, isto é, animar os portuguezes contra os nossos inimigos. Se os moradores desta cidade fossem assim admoestados, desejariam o nosso auxilio em logar de o aborrecer.-- (Outubro 30.)--Entre as difficuldades, que vos apresentei, tornou Bernardo Aleixo, foi uma a complicação com os chinezes. Tenho conhecimento do systema do seu governo por longa experiencia adquirida na pratica; sei os vinculos que os unem a esta cidade; e por isso previ o máo resultado da vossa empreza. Falleivos com franqueza, fui considerado como desaffecto aos vossos projectos. Em 20 do mez passado desclarasteis (ainda que pouco favoravel ao exercicio do meu emprego) ser qual quer opposição do governo chinez, desembaraçada pelo Almirante com o Suntó; agora vejo depender deste governo a ultimação do negocio. O Senado trabalha para que não sejam reputados sinistros os fins da vossa expedição: se tem havido desconfiança nos mandarins, não é motivada por este governo; pois tem patenteado com franqueza a sua correspondencia entre vós e os chinezes. Já vos disse, e agora o repito: dos macaenses, nem um só deixa de respeitar a caza de Bragança, costumada a encher esta cidade de beneficios em honra do seu governo, e gloria de seus moradores. Porém como não lhe seja vedado amar a tranquillidade publica do seu paiz, não deve extranhar-se a cada um chorar a sua desgraça: sem blasfemar da causa, aborrece os effeitos. Os pais de familias lastimam a morte de seus filhos, pelo abandono das amas chinezas--que se retiram. Os infelizes que tem na labutação diaria o seu recurso, lastimam-se pela escacez e carestia dos generos alimentares. Os mais abastados lastimam-se por ver chegar o tempo de fazerem suas negociações, e terem ainda as mercadorias empatadas por falta de gyro, ha cincoenta dias. Até os navios estão ainda por fabricar á mingua de artifices, que tambem fugiram. Os empregados publicos vendo parar o commercio, lastimam-se por saberem, que delle tira o estado rendimento para pagar-lhes. Os mesmos habitantes chinezes, dados ao commercio, tem emigrado e levado até o mais inferior dos seus trastes. Isto era de esperar de homens pacificos ao verem apparatos de guerra. Além disso ameaçados pelos mandarins, que julgam a constituição do imperio atacada pela vossa imprudencia. Á vista do exposto não admira haverem descontentes, que deplorem a sua desgraça, e aspirem ao socego deste fiel estabelecimento, que ha 252 annos tem sempre respeitado as ordens do seu monarcha. Julgai por este quadro se um tal povo necessita de proclamações para ser fiel ao Rei a quem adora? Assim que esta carta foi remetida, mandou o Senado ao procurador, que exigisse do mandarim de Hiang-san, o motivo da queixa dos Inglezes; o que fez pelo modo seguinte.--O chefe da companhia ingleza accusa-vos de não teres enviado as minhas chapas ao Suntó, ou que mandando-as lhes viciastes o texto. Não posso crer teres procedimento alheio do vosso emprego e caracter. Espero que immediatamente apresenteis os originaes ao Suntó: eu envio as copias ao almirante para as conferir com elle, e ficar desse modo illesa a vossa reputação. Os sobrecargas responderam á carta de trinta pelo modo seguinte:--A vossa carta encheu de magoa os nossos corações pelas circunstancias em que se acham os habitantes de Macáo; tudo nasceu da conducta do Senado: se adoptasse o nosso systema, não teria agora de vêr essas lastimas. Os macaenses julgaram a proposito tomar medidas contra a nossa expedição; e fizeram repetidas instancias ao governo chinez, pedindo soccorro contra os hostis procedimentos britannicos: o excessivo ciume dos chinezes, e o manejo do Senado motivaram todos os males.--Em verdade dissemos, que o almirante removeria todos os obstaculos em Cantão; assim aconteceria se o governo de Macáo se unisse cordialmente com o almirante. Os esforços que V. Ex.^a promette fazer em suas applicações ao governo chinez, são para nós de grande importancia. Sabemos que hão-de produzir bom affeito. Estamos persuadidos, que só o governo de Macáo pode remover as presentes difficuldades e miserias. Grande documento é este para augmentar, se é possivel, a honra dos macaenses, pelo valimento que tem com os chinezes. No principio da carta, invectivam os sobrecargas aos macaenses; no fim pedem-lhe misericordia! Era tal a ambição, ou a impudencia daquelles bretões, que diziam em face ao governo de Macáo serem motivadas as calamidades daquella cidade pela ignorancia dos chinezes, e manejo do Senado! Quem não vê provir tudo da tenacidade dos sobrecargas em quererem apossar-se daquelle nosso estabelecimento? Quem poderá capacitar-se de ser aquelle empenho unicamente sustentado para guardar Macáo aos portuguezes? Em pouco sairá o almirante da illusão em que o tinham os sobrecargas. O ultimo paragrafo desta carta merece particular attenção: O governador despresou as argucias do primeiro, e respondeu ao segundo.--Vejo a necessidade que tendes de novo recurso deste governo ao de Cantão: O Senado já enviou uma chapa ao mandarim do destricto, da qual se vos remette copia, e de toda a nossa correspondencia com os chinezes, a vosso respeito. Faço isto para ver se acabam as vossas desconfianças. Nesta intelligencia e com o mesmo desvelo (posto que até agora equivoco) farei novas representações ao governo chinez sempre que me indiqueis a forma de applacar a tormenta, que vos ameaça, pela desconfiança dos mandarins superiores. Á vista do corpo disforme, que tomou este negocio, quem não esperaria moderação nos sobrecargas? A carta seguinte mostra o contrario! [Nota: (Novembro 3.)] --Pertendem ainda quebrar as leis do imperio, introduzindo e descarregando navios britannicos em Macáo.--Em virtude de ordens do almirante, dizem elles, participamos a V. Ex.^a que mande apromptar armazens para depositar nelles os generos vindos em nossas embarcações. Esta medida nasce da oppoção que os chinezes fazem ao auxilio dado por nós a esta cidade. Esperamos que V. Ex.^a não recuse os seus extremosos esforços em nosso beneficio, vendo que os sacrificios do governo de Macáo são bagatela em comparação dos que temos soffrido pelo embargo do commercio britannico (em Cantão) só por usarmos a generosidade de querermos dar segurança a esta cidade: Assim esperamos a ordem para a descarga, sem dilação. Não tenho duvida em prestar a minha condescendencia á vontade do almirante, respondeu Bernardo Aleixo, com tudo sou forçado a dizer o que sendo publico, admira ser por vós ignorado. As leis deste paiz só admittem navios estrangeiros no caso de mera hospitalidade, segundo o direito das gentes. Applica-se aos navios de entrada e saída de Cantão, até poderem seguir o seu destino. Achando-se em iguaes circunstancias, qualquer navio da companhia, não haverá duvida na sua admissão; porém se a descarga, que se pertende fazer em Macáo provem da opposição dos chinezes ao commercio britannico, tenho grande embaraço no cumprimento do meu desejo. Os tractados desta cidade, com o governo chinez, permittem só carregações neste porto vindas em navios portuguezes, ou hespanhoes; se o commercio inglez está prohibido em Cantão, como o poderei admittir em Macáo, sendo dominio chinez, sómente aforado aos portuguezes debaixo de certas condições, que vós, dizendo auxiliar, pretendeis romper? Accresce não haver logar para tão grandes carregações: por falta de gyro, acham-se todos os armazens cheios de generos vindos na monção ultima. Dizeis que são grandes os vossos sacrificios, e os nossos bagatela! Os sacrificios, neste sentido, não devem considerar-se pelo valor das riquezas: por perderes muito não se segue, que não sejam maiores os nossos sacrificios perdendo tudo. Lançais as culpas das vossas perdas sobre nós, e que faremos a vosso respeito? O tempo fará justiça ao nosso procedimento[40]. Agora (apezar de tudo) é tal o meu desvelo em vos servir, que se algum navio se acha em estado de tornar indispensavel a sua descarga, terá os soccorros necessarios como se pratica entre povos civilisados; sem offensa dos laços domicilarios e privativos, sustentados pelo esforço e gloria da Nação Portugueza. Em todo o mez de Novembro houveram disturbios entre os chinezes e os britannicos: aquelles não só maltractavam estes, encontrando-os nas ruas, mas tambem lhe apedrejavam as janallas. Por mais que o procurador do Senado exigisse providencias dos mandarins, a resposta éra sempre a mesma.--Sáiam os britannicos da cidade, e tudo ficará em socego.--Quando os inglezes estavam mais teimosos em descarregar os seus navios em Macáo, baixou a seguinte admoestação do Suntó aos sobre-cargas. Sobre-cargas da companhia ingleza, sabei que a virtude do nosso Imperador se manifesta como o céo, abrange tudo: considerando elle que os reinos da Europa se tem mostrado, ha muito tempo, obedientes e politicos, concedeu aos europeos licença para negociar em Cantão; reputando-vos como individuos da mesma familia. Vós o tendes experimentado, e sabeis, que nunca foi concedido ficardes permanentes na China. Logo não devieis trazer navios cheios de soldados, nem desembarcalos contra as leis do imperio. Macáo é cidade edificada em terreno chinez: a dynastia passada concedeu aos portuguezes estabelecerem-se alli; a presente, em virtude da sua antiga posse, deixou-os ficar como d'antes; porém debaixo de certas condições. A nenhuns outros europeos se concedeu privilegio semilhante! Como pertendeis vós agora persistir em Macáo? Dizeis recear venham os francezes insultar os macaenses! Nunca se attreveram a pertubar as terras deste imperio: e quando venham com muito socego os esperaremos; vindo desfalecidos, e sendo poucos contra muitos, sem batalha ficarão vencidos. Terão a sorte da carne na banca do cosinheiro. Dizeis ser amigos dos Portuguezes e que viesteis ajudalos contra os francezes! Porque não obrasteis este excesso de amizade la na Europa, ou porque não os esperais fora das ilhas da china para os baterdes quando cheguem? Não é justo estares em Macáo quebrantando as leis do imperio, e dissolvendo a união mutua, que deve existir em todos os seus dominios: desse modo perdeis o direito, que haveis á nossa benevolencia. Por ventura não sabeis o que vos é interessante? Podereis existir sem commercio? Por certo não: pois quanto mais depressa embarcardes os soldados, mais cedo se vos abrirão as Alfandegas. Se retardares o seu embarque, não tereis communicação com a terra. Ponderai bem o que vos proponho, e não me incommodeis com mais peditorios.-- Em quanto o governo de Macáo pedia aos mandarins do districto, que o ajudassem a sanear as feridas abertas pelos inglezes, nas leis do imperio, a fim de não se irritar contra elles o Suntó, chegou outra chapa deste, pelo mandarim de Hiangsan, em que dizia:-- Eu o Governador das duas provincias de Cantão e Kuansi, faço saber ao mandarin de Hiang-san, que da entrada dos soldados inglezes em Macáo, são culpados os seus moradores; pois deviam tela embaraçado. Mas examinando o seu antigo, e moderno procedimento, achei serem sempre gratos aos nossos Imperadores; por esse motivo toléro o erro commettido. Ácerca dos navios inglezes, já consultei o Kuam-pu, a fim de lhes permittir descarga, e poderem negociar. Pelo que pertence aos soldados, dei parte ao Imperador; eis a sua resposta:--Se os inglezes tiverem a ousadia de presistirem em sua teima, lançaios fora com o nosso exercito.--Em poucos dias elle marchará sobre Macáo: no entanto recommendai aos portuguezes a segurança da fortaleza do monte. Adverti ao Procurador, que não se fie desses inglezes. Como estes não fossem promptos na execução das ordens do Suntó, augmentou-se a soberba e desconfiança chineza de modo, que julgaram tambem sermos culpados no insulto commettido pelos inglezes. Desembarcarem estes as tropas já não éra a maior offensa: o que mais ferio o orgulho chinez, foi não obedecerem logo ao mando do Imperador. Tomaram os mandarins calor tão ardente, que não deixavam passar um dia sem repetirem intimações para que os inglezes saíssem de Macáo: eis o seu espirito. Senhor Procurador, esses inglezes entrando em Macáo apossaram-se das igrejas e das fortalezas! Em pouco tomarão vossas cazas possuidas ha seculos; depois tirar-vos-hão mulheres e filhos: não podemos soffrer tam grande offensa. Marcham oitenta mil homens sobre os campos de Móa. (proximos á cidade de Macáo) afim de os anniquilar. Despresaram a graça feita pelo Suntó; soffrerão o peso da força, que marcha contra elles. Esses inglezes sendo homens não tem coração humano; conhecem os males que tem feito, e não se arrependem! Desejamos que todos vivam em paz, e somos obrigados a mandar um exercito receando, que nem um só inglez escape á morte! Fazei-lhe conhecer estas verdades, e perguntai-lhe se ainda querem teimar contra a justiça, que os ameaça.--O procurador respondeu:-- --Tenho apresentado as mais essenciaes das vossas chapas aos sobrecargas inglezes; não despresam as graças do Suntó; acham-se promptos para retirar-se; mas não o podem fazer de repente. Os inglezes vieram com designio de nos auxiliar assim julgo ser mal fundada a vossa desconfiança. Não precisamos do vosso exercito; viria fazer maior damno á cidade. Sabeis quaes são as leis que regem este nosso estabelecimento: não deve entrar nelle, nem mesmo aproximar-se ás muralhas desta cidade tropa chineza, sem que a pessa, e é cousa, que ainda me não veio á lembrança. Não é justo imitares aos inglezes: estes diziam vir-nos auxiliar; trouxeram-nos incommodos e perdas.-- É notavel a prudencia e a generosidade do Senado macaense para com os inglezes, quando estes só lhe dirigiam offensas! Ao mesmo tempo enviaram os sobrecargas a Bernardo Aleixo a carta seguinte. --A situação em que nos achamos é triste: temos recommendação do Almirante para evitar hostilidades e fazer tudo quanto possa reconciliar-nos com os chinezes. Se esta recommendação for confirmada aos manderins, por V. Exc. por certo diminuirá o seu rigor para com os inglezes. Nos maiores conflictos apparecia em publico o Magnanimo Arriaga e dava socego a todos. Offereceu-se para convencionar com os mandarins, sobre a retirada da espedição britanica sem efusão de sangue, donde resultou o tratado seguinte. Bernardo Aleixo de Lemos e Faria, Miguel de Arriaga Brun da Silveira, e o commandante das forças britanicas com os sobrecargas da selecta companhia, desejando retirar o destacamento inglez, decorosamente, ajustaram: 1.^o O Ministro Arriaga tractará com os mandarins ácerca da retirada das forças britannicas, ficando o commercio inglez no mesmo estado em que se achava, antes da sua entrada nesta cidade. 2.^o Exigindo este negocio a cooperação do Almirante, Miguel de Arriaga irá a Wampo-o, para se concluir alli do modo mais vantajoso ao vinculo das tres nações. 3.^o Concluido este negocio cessará a prohibição de mantimentos para sustento dos inglezes. 4.^o Os mandarins farão suspender immediatamente a marcha das tropas chinezas dirigidas a esta cidade. [Nota: (Dezembro 11.)] A presente convenção mostra a confiança, que o Ministro Arriaga tinha em domar o orgulho e o rigor dos mandarins. Parece impossivel, que só a politica a firmesa de caracter, e a urbanidade de um homem pudesse conter a justiça chineza, sustentada por 80 mil homens! A carta seguinte dirigida a Bernardo Aleixo, dá bem a conhecer o dominio que Arriaga tinha na vontade dos mandarins. (Dezembro 11)--Depois que assignámos a convenção esta manhã, fui ao pagode, onde me esperavam os mandarins: tive larga discussão com elles a fim de soltar difficuldades proprias a uma nação escrupulosa e desconfiada; todavia consentiram em tudo o que lhes propuz. Além disso capaciteios das boas intenções britannicas (apezar de terem sido más para nós); naquella intelligencia asseguraram-me ficar o commercio inglez no mesmo pé e systema antigo--Despedidos os mandarins; tornou Arriaga á cidade contente por ter concluido negocio tão espinhoso por meios tão honrosos para a nação portugueza, como lisongeiros para o negociador. Sabendo o mandarin de Hiang-san, que o novo governador Lucas José de Alvarenga, instava pela posse do seu emprego, remetteu ao procurador a chapa seguinte. --Da entrada dos inglezes até hoje, tem o antigo governador dirigido bem este negocio; agora constame, que o successor insta para tomar posse e que o Sr. Bernardo Aleixo de Lemos e Faria o pretende fazer: não é conveniente: os inglezes entraram no tempo do seu governo, nelle devem saír. Sabemos que o novo governador veio em navio inglez; quem nos assegura não ter elle correspondencia com esses homens? Não é justo nem conveniente tomar elle agora posse do governo. Em casos extraordinarios nem sempre podem seguir-se as leis ordinarias: quando os inglezes saírem de Macáo e ficarem todos em socego, far-se-ha tudo segundo a lei e os costumes. [Nota: (Dezembro 11 de 1808.)] No mesmo dia partio Miguel de Arriaga, no brigue do Senado, para Wam-poo. Em 24 horas chegou a bocca do rio Tygre: logo que da náo se avistou suspendeu esta e veio ao encontro do brigue. Em 14 de Dezembro, já de volta fez Arriaga, a participação seguinte a Bernardo Aleixo.--Assim que cheguei á falla da náo, fiz saber ao almirante, qual era a minha commissão: respondeu ter já ordenado o embarque das tropas, e que desejava ser grato ás officiosas declarações anteriormente feitas pelo governo de Macáo; pois eram veridicas e rasoaveis. Recebeu-me com a civilidade propria de sua pessoa: disse que esperava do governo de Mocáo o bom serviço de remover qualquer difficuldade, que de novo apparecesse. Despedi-mo-nos com as mesmas ceremonias da entrada, e não querendo elle ceder veio acompanhar-me ao portaló. Logo que o ministro Arriaga concluio a sua negociação com o almirante, dirigio-lhe o governador Bernardo Aleixo de Lemos e Faria a carta seguinte. (Dezembro de 1808.)--Os officios de V. S., de 11 e 14, manifestam o grande trabalho, que teve na conferencia com os mandarins: Pelo contexto dos mesmos se conhece a excessiva applicação e desvelo com que V. S., além dos limites ordinarios, se empenhou em acalmar, com heroico patriotismo, a cruel revolução que ameaçava esta cidade. Com o seu grande zelo e reconhecido talento, fez V. S. o mais importante serviço á patria. Á força de tão efficazes e singulares deligencias _devem os inglezes_ fazer a sua retirada sem effusão de sangue, e os macaenses o socego da cidade. (Dezembro de 1808.)--No dia 16 começou a retirar-se o destacamento britannico; depois de se effeituar o embarque de tudo quanto lhe pertencia, cuidaram logo os sobrecargas em obter licença para desembarcar as suas mercadorias em Cantão. No 1.^o de Janeiro expedio o Suntó a chapa seguinte. --Qu-Hiung-Kuang, Suntó (vice-rei) de Cantão, faz saber a todos os europeos, que por desembarcarem soldados inglezes em Macáo jámais se lhes devia permittir commerciar neste imperio. Com tudo lembrando-nos que o seu rei offerecera tributo ao nosso imperador, relevamos a offensa, que nos fizeram pela sua entrada em Macáo. Agora depois de enviarem os soldados ás suas terras, pedem os sobrecargas, arrependidos, perdão com muita humildade, a fim de se lhes permittir commerciar neste imperio. Conhecendo a misericordía do nosso imperador, cedi ás suas repetidas supplicas, deixando que desembarquem as mercadorias, e possam vendelas nesta cidade. Devem receber esta graça como um beneficio extraordinario. Assim mostramos, que as leis chinezas tem enfraquecido com o tempo: no futuro haverão medidas mais rigorosas. Daqui em diante se algum europeo se atrever a quebrar as leis do imperio será lançado fora para sempre. Assim ficáram os inglezes no mesmo estado em que se achavam antes de tentarem invadir Macáo; perdendo a companhia enormes sommas dispendidas naquella empreza. Tendo demonstrado com os sobrecargas desistiram della, farei ver agora o motivo porque atentaram. A grande influencia de Bonaparte na peninsula, obrigou El-Rei D. João VI, a fechar os portos aos inglezes: esta medida fez julgar aos bretões, que Bonaparte se apossaria de Portugal, assim como o tinha feito da maior parte da Europa. Considirando-nos debaixo do jugo do novo Filippe, seu inimigo, seu inimigo, como havia sido o antigo, praticaram a lição tomada dos hollandezes; isto é pretenderam apossar-se do que ainda tinhamos no Oriente. Sendo os nossos estabelecimentos da Asia, interessantes aos inglezes, não lhes convém possuilos outra nação, que não seja a portugueza, já pela sua antiga alliança, já por não a temerem. Avisaram os agentes da companhia, para guardarem as terras, que nos pertenciam naquella parte do mundo, a fim de não serem tomadas pelos francezes; na esperança de que voltando Portugal á sua independencia, tudo ficaria como dantes; e se não podesse livrar-se do jugo francez, herdarem elles o que haviamos ainda no Oriente. Eis o motivo porque os inglezes invadiram Goa, e Macáo, cidades que immortalisaram sempre o nome portuguez. Accresce a estes successos da Europa, o desejo, que tinham os sobrecargas inglezes de possuirem um estabelecimento na China; julgavam desairoso ao seu poder, haverem os portuguezes na China o que os britannicos não podiam alcançar. Sendo ricos espalharam dinheiro na feira de Cantão, esperando que havendo alguma desintelligencia entre os portuguezes e os chinezes, estes os preferissem. Os lusos soffrem grande critica pelo que praticaram nas suas conquistas em seculos tenebrosos; com tudo são menos culpados do que os inglezes; por quanto estes não são menos violentos em seculo mais illustrado. Veja-se no quadro seguinte a differença de ambição e despotismo das duas nações. --Existe no Oriente imperio immenso, com mais de 100 milhões de homens de castas, côres, e raças differentes: é a India ingleza. A Soberania não pertence á nação; exemplo unico na historia do mundo; é propriedade de uma companhia de negociantes! Viram-se os cartiginezes enriquecidos pelo commercio, conquistaram a Sicilia e a Hespanha; mas a republica, o corpo inteiro da nação, foi quem adquerio pelas armas importantes possessões. Em tempos modernos, a companhia hollandeza adquirio grande esplendor; mas os seus estabelecimentos nas costas da Asia, eram armações fortificadas, e não colonias. A companhia ingleza sem perder o commercio dos portos de mar, estendeu o seu dominio a mais de trezentas leguas pelo interior das terras. As regiões mais ferteis e mais ricas do globo pertencem-lhe como fardos de fazenda amantoados em seus armazens. O chefe, e delegados, ostentam luxo asiatico, e reinam com orgulho. Especulações mercantis elevaram este thesouro de nova especie, que subsiste sem ser mantido como os outros pela gloria dos Principes, respeito dos povos, ou pelo tempo que toléra e consagra nefandas usurpações. As authoridades de tão grandes dominios, podem dizer-se, que são vendidas em leilão, o mais vil inglez, em tendo algumas livras e comprando acções da companhia pode ficar membro desta sociedade, que tem fortalezas, náos, e mais de cem mil soldados; além disso pode vir e dirigir este poder colossal, que tem destruido o imperio do Grão-Mogol, o do Teppo-Sail, e ameaçado algumas vezes o Sofi da Persia e Grande Lama[41]! Os portuguezes combateram na India os sectarios de Mafoma livrando desse modo a seus pacificos habitantes do captiveiro turco; os inglezes servem-se dos braços sarracenos para agrilhoar os mal fadados bramas. Assim vê-se que se nessa época tenebrosa os lusitanos obraram prodigios na India, vingando sobre os turcos os males que lhe haviam soffrido em nossa terra, hoje não desmerecemos na ordem dos nossos maiores; por quanto o Suntó disse:--Nenhuns outros europeos alcançarão (por merito) os privilegios concedidos aos portuguezes.--Os sobrecargas confessaram, que só o Governo de Macáo podia remover as difficuldades e miserias (que elles tinham motivado): o Almirante Drury tambem disse:--Estou muito obrigado ao governo de Macáo pelas suas declarações anteriores; por quanto eram veridicas e justas.--Taes declarações confirmam a dignidade do caracter Luzitano, em todos os tempos e logares. Sabendo-se em Londres a conducta daquelles sobrecargas, foram outros nomeados: chegando a Macáo esconderam o que se havia passado alli em 1808, e fallaram do que viram praticar em 1809, pelo modo seguinte.--As patrioticas applicações e desvelos dos macaenses, adquiriram a esta cidade muitas vantagens; ao governo portuguez gloria; e a todas as nações commerciantes a liberdade dos mares da China[42]. Os povos chinezes congratulam-se com a extincção do inimigo que por mais de 20 annos os havia opprimido, por serem as forças maritimas do imperio insufficientes para destruilo.-- Accrescentarei o que os sobrecargas não poderam escrever: não foi menor a vantagem de Macáo e a gloria da nação portugueza, lançar fora daquella cidade as tropas inglezas, que della se pertendiam apossar. Vendo uma memoria do Sr. Lucas José de Alvarenga, Governador que fôra de Macáo, sou obrigado a contestala para desagravar os macaenses das offensas que alli lhes derige aquella triste e miseravel jactancioso. Imprimio a sua memoria no Rio de Janeiro em 1828, e diz que lhe dera motivo a isso outra impressa em Lisboa em 1824; por se achar nella o seu nome inglorio. Sendo eu quem a escreveu, devo mostrar a razão de não fallar em louvor do Sr. Lucas. Saí de Macáo para Lisboa em janeiro de 1808, e o Sr. Lucas entrou naquella cidade em Setembro do mesmo anno. Tornei a Macáo em Novembro de 1810, já elle tinha saido dalli em Abril desse anno. Querendo recolher factos sobre a extincção dos piratas, a fim de completar o meu opusculo, tomeios das actas do Senado, e das pessoas conspicuas daquella cidade. Haviam em tão pouca conta este cavalheiro, que não se atreveram a confiar-lhe o governo das armas senão depois de fazerem retirar as tropas inglezas, como fica demonstrado, no officio do mandarim de Hiang-san. O Sr. Lucas, a pag. 4 da sua memoria diz serem verdadeiros os factos lançados na que se imprimira em Lisboa; isto é, 1.^o O zelo e a actividade do Ministro Arriaga; 2.^o o valor das pessoas empregadas na esquadra; 3.^o a existencia dos tractados; 4.^o a entrega dos piratas 5.^o a invasão e a retirada das tropas inglezas; mas offende-se do silencio guardado a seu respeito; e julga haver nesse procedimento algum misterio. Assim julga o Sr. Lucas não haver exactidão nesta memoria por não fallar na sua entrada em Macáo, no dia da sua saída, e talvez naquelle em que fôra encontrado na Sé vestido com trajos de mulher. Confesso não ter fallado do Sr. Lucas para não ennodoar um escripto consagrado ás virtudes Luso-Macaenses, com a irregular conducta de tal governador. Como fallaria em louvor de um individuo desprezado não só pela sua conducta, mas tambem pela sua cobardia? O Sr. Lucas por fraco obstou ao mais glorioso triunfo que podiamos obter em recompensa de tantas e tão longas fadigas: obstou que o chefe dos piratas se entregasse com toda a sua esquadra no porto de Macáo. Destas e outras acções do Sr. Lucas devia eu fallar, se escrevesse a historia de Macáo, mas eu apenas me encarreguei de levar á posteridade dois factos dessa historia, a destruição dos piratas, e o desembarque e retirada das tropas britanicas. Não fazendo o Sr. Lucas cousa boa digna de notar-se, julguei fazer mercê ao Sr. Lucas, deixando-o no escuro em que alli se lançou. Sendo este opusculo destinado a louvar as acções dos Luso-Macaenses, não devia apparecer entre elles um brasileiro empenhado em fazer o contrario do que os outros praticavam. Como se fallaria em louvor de um governador, cuja administração foi tempo de martyrio para os macaenses, não só pela falta de caracter do Sr. Lucas, mas tambem pela grande rapina do ouvidor Peixoto? É verdade innegavel ser tudo quanto alli se praticou de maravilhoso, devido ao genio extenso e luminoso de Miguel de Arriaga. Assim o provam as actas do Senado, as cartas de Cam-pau-sai, as de Bernardo Aleixo, e o hymno cantado na presença dos bons Macaenses, pelo benemerito cidadão José Baptista de Lima, no dia em que estes celebraram o triumfo de Miguel de Arriaga pela extincção dos piratas. Quando fallei, em 1824, na 1.^a parte desta memoria, ácerca do bom governo Macaense referime á sua fórma e aos annos em que influio nelle Miguel de Arriaga, e Bernardo Aleixo. Agora vejo, com admiração, o Sr. Lucas arrogar a sí os louvores de outros, quando elle ainda nem ao menos tinha visto Macáo! O Sr. Lucas diz, a paginas 23 de sua memoria:--Sei em ultima analyse que não sei nada, e não sou nada--e a paginas 7 diz:--Tendo eu sido autor de todos os negocios publicos e mui particularmente este, sería bastante para dar idéa do objecto contestado, e da falta de exactidão da memoria impressa em 1824, do espirito, conhecimentos, e fins com que foi escripta.-- O homem que não é nada, e não quer nada pretende roubar a gloria dos que foram alguma cousa; contestar com falsidades, documentos legaes e autenticos. Confessa a veracidade dos factos impressos nesta memoria, e censura o seu autor por não lhe dar a elle o que pertencia a outros! Eis a falta de exactidão encontrada pelo Sr. Lucas: dahi nasce a sua desconfiança ácerca do espirito, conhecimentos e fins com que ella fôra escripta. Póde viver certo de que o espirito foi patriotico; os conhecimentos extraídos, parte das actas do Senado, parte adquerida na presença dos factos; e os fins limitaram-se no gosto de levar á posteridade os factos macaenses. Arriaga, Bernardo Aleixo, Pereira Barreto, Alcoforado, e outros muitos empregados naquella empreza, já o mundo os havia perdido quando tive a honra de publicar pela imprensa as suas virtudes e proezas; o Sr. Lucas não sendo nada e não querendo nada, esperou que elles morressem para denegrir não só as proezas, mas tambem as virtudes daquelles varões illustres! --Não posso deixar passar semelhante expressão, diz o Sr. Lucas a pag. 11, por conter noções erroneas e falsas em perjuizo da honra e da gloria que me provem do resultado de todos os brilhantes feitos na época sómente do meu governo, e cujo brilhantismo principiou com a minha chegada e acabou com a minha retirada!-- Ainda senão vio maior jactancia. O Sr. Lucas chega aponto de alterar a fórma do governo só a fim de roubar a gloria que não lhe pertence. É elle mesmo quem confessa, apesar do roubo que pretende fazer, a paginas 42 da sua memoria, não ter influencia no governo.--O Senado, diz elle, projectou mandar a galera Ulises ao Rio de Janeiro, afim de cumprimentar El-Rei; oppuz-me; com tudo a galera proseguio--Assim destroe o mesmo Sr. Lucas as suas argucias. Em quasi todas as paginas da sua memoria lançou argumentos contra-producentes.--Chegaram os piratas pela sua quantidade e força, diz elle a paginas 43, a dominar os canaes de Wampo-o; então por circunstancias, apesar das ordens superiores que me embaraçavam a fazelo, expedi ordens em Setembro de 1809 para serem batidos. O Sr. Lucas, em seus improvisos desacredita os mesmos a quem pretende elogiar. As ordens superiores referem-se ao Vice-Rei de Goa: porque motivo daria este ordem para não se atacar os piratas? Estaria comprado por elles? Que mais é preciso para saber-se que o Sr. Lucas não cooperara cousa alguma para a destruição dos piratas, elle mesmo confessa que fôra obrigado a mandar ordens para serem batidos os piratas? Em verdade o Senado, de quem Arriaga éra a alma, foi quem o obrigou a mandar aquella ordem; logo fica demonstrado pelo mesmo Sr. Lucas, que o brilhantismo daquella época não lhe pertence, pois até para expedir a ordem para serem batidos os piratas foi obrigado pelo Senado. É certo, diz elle a pag. 46, que um dia depois que recebi parte do commandante da esquadra, em que dava por verificada a entrega de Cam-pau-sai, partio Arriaga para a bocca do rio Tygre, dizendo ír a negocio particular, e é certo que indo, esteve com o cabeça dos piratas; e é certo tambem que este logo se retirou com toda a sua esquadra; e que a entrega se não fez, quando a parte do commandante (Alcoforado) a dava por verificada!-- Que mais se poderia dizer em desabono do Sr. Lucas, do que elle mesmo escreveo? Pois quem diz fizera tudo, não sabendo nada! Quem diz que o brilhantismo de Macáo principiara com a sua chegada alli, e acabara com a sua retirada, confessa que tendo uma esquadra vencedora debaixo das suas ordens, deixara fugir o inimigo depois de se ter já entregado? Então a quem comprou Arriaga na sua viagem á bocca do rio Tigre, ao Chefe da esquadra portugueza, ou ao chefe dos piratas? Compraria ambos? Tudo aquillo é falso; mas quando fosse verdadeiro, provaria que éra Miguel de Arriaga quem predominava em Macáo. Os documentos improvisados pelo Sr. Lucas; e o Officio dirigido ao Vice-rei, são partos do seu estro, quando se achava dominado pelo furor de elogiar-se. O enviado inglez, no Rio de Janeiro, servio-se delles para desacreditar Arriaga, e Bernardo Aleixo na opinião de El-Rei; mas este desmascarou a intriga, premiou os macaenses, e castigou o Vice-rei, por ter mandado a Macáo o Sr. Lucas, que desde então já mais obteve emprego algum. Este cavalheiro além de pretender a gloria alheia, deixa ver na sua memoria o azedume com que a escrevêra! Tentou deprimir os macaenses, e denegrio a sua estirpe. Um brasileiro jámais deve fallar em desabono ácerca de colonias povoadas por degradados; por quanto assim que Pedro Alves Cabral descobrio -----File: 0166.png---\\\\\\-----o Brazil despejaram-se as masmorras de Portugal. Quando nossos maiores chegaram a edificar uma cidade no imperio chinez, os criminozos de todo o reino eram diminutos para domar a sanha dos butecudos e tupinambas nos sertões do Brazil. Timor é o unico presidio que temos além da Taprobana. Só Camões, pelo respeito devido ao genio, obteve ficar em Macáo servindo o emprego de Juiz dos orfãos naquella cidade, rica pela salubridade do clima, pelos alimentos, pela forma do seu governo, e pelas virtudes de seus moradores. O Sr. Lucas não escreveu para fornecer á historia cousas proprias a fazer os homens melhores; pertendeu injuriar os macaenses com despreso da razão e da justiça. As providencias que ele diz foram a Macáo em 1783, são impoliticas e desconcertadas: que outra cousa se poderia esperar de dois theologos no governo de um reino? (Martinho de Mello, e um frade) visões, argucias, e fogueiras. Fallava Martinho de Mello, naquella época, dos incontestaveis direitos que tem a corôa de Portugal sobre Macáo! Que dirá o imperador da China, a quem pagamos fóro? Mas quando assim fosse, quem sustentou ha perto de 300 annos esses direitos? Degradados? Por certo não. Martinho de Mello era tão hospede na historia daquelle paiz, que ignorava haver um decreto feito em 31 de Agosto de 1629, que prohibe a qualquer degredado, que alli se refugie, servir os encargos da cidade, e mesmo de eleger para elles. --O Senado de Macáo, composto de degradados que para alli se refugiam, diz Martinho de Mello, ou de outros similhantes, ignorantissimos em materia de governo, não lhe importa cousa alguma que diga respeito a o decoro nacional, nem ao incontestavel direito da soberania, que Portugal tem áquelle importante dominio!-- Fallar assim a povos residentes na China, não é só grande impolitica mas tambem supina ignorancia das materias de governo. Graças aos generozos macaenses, que despresando as invectivas dos sejanos, tem sempre concorrido para tudo quanto é decoroso e interessante a Portugal. O procedimento daquelle ministro deixa ver que elle tinha mais carencia de luzes e de virtudes, do que os homens a quem offendeu. Nem Martinho de Mello, nem o Sr. Lucas (da viola) jámais poderiam fazer as proezas que em todos os tempos obraram os illustres macaenses. Thomaz Vieira, natural de Macáo, sendo governador daquella cidade em 1627, vendo-a sitiada pelos hollandezes, armou seis pequenas embarcações e foi accommettelos. Abordou uma grande náo, que tomou, fazendo horrivel mortandade no inimigo; os restantes fugiram deixando triumfante o denodado Vieira. Os macaenses sempre honraram e prestaram a Portugal, já fazendo despezas avultadas com os nossos embaixadores ao imperador da China, já mandando generosos presentes á capital do reino luso, já derramando o proprio sangue a fim de limpar as costas da China de piratas, já na defeza dos muros levantados por seus maiores. Os governadores exigentes das providencias, que alli mandou Martinho de Mello, eram similhantes aos que desolaram Macáo em 1626, 1709, 1747, e mesmo ao Sr. Lucas seu elogiador aprol da tyrannia. Para se avaliar dos homens que pedem taes providencias, bastará ler a carta seguinte do Conde de S. Vicente. Tem por objecto responder a El-Rei D. Afonso V, sobre o oitavo que mandava receber, de todos os rendimentos particulares; tributo imposto em 1666 pelo vice-rei Antonio de Mello e Castro. --Sr.: a India ve-se de muito longe, e ouve-se mui tarde: assim não me espanto da fórma com que muitas ordens se expedem, nem do mal com que outros se guardam[43]. Já um grande ministro disse:--A jurisdicção dos Reis de Portugal apenas chega a Santarem; dahi para cima tudo é dos corregedores--Na India a dos vice-reis não chega a tanto; o mais é dos capitães das fortalezas! Os gentios não tem fazendas, os canarins apenas cultivam para comer; assim não ha de quem se receba esse oitavo. Das pedras não se tira mel. Vossa Magestade deve mandar á India quem lhe faça desses impossiveis, que eu não sei mais do que chorar as miserias, que vejo. Se isto vai de mim, venha outro; se nasce dos povos, tenha Vossa Magestade delles piedade. Goa 26 de Janeiro de 1668. Se todos os vice-reis fallassem deste modo aos imperantes, não íriam a Macáo aquellas offenças em logar de providencias; os povos seriam felizes, os portuguezes respeitados, e os Alvarengas mais commedidos. Julgo ter dito quanto basta para fazer arrepender o Sr. Lucas de querer arrogar asi a honra, que não lhe pertence, e de ser ingrato aos macaenses que tanto lhe soffreram. Para o Sr. Lucas avaliar, com mais conhecimento de causa, o espirito e fins com que fora escripta esta memoria, ahi lhe remetto a copia fiel de uma carta que dirigi ao Senado de Macáo em 1826, assim como a sua resposta. _Carta dirigida ao Senado de Macáo._ Senhores, ainda que separado de vós ha doze annos pela distancia immensa da Europa á China, o meu espirito esteve sempre comvosco. Havendo no coração o germen de todas as virtudes, e recebido da natureza alma docil ás suas impressões, jámais poderia esquecer-me das sublimes qualidades que possuis. Deviam ser escriptas por outro Andrade como Jacinto Freire, mas tivesteis a desventura de viverdes em seculo diminuto em escriptores capazes de dar vida ás proezas dos heroes. --Grandes e magnificos foram sem duvida os feitos dos athenienses; mas quanto a mim, diz Salustio, menores do que a fama. Havendo alli muitos e grandes escriptores, as proezas dos athenienses foram celebradas no mundo pelas maiores. Assim o valor dos que as fizeram passa por tal, qual nos seus exagerados escriptos o figuraram esses preclaros engenhos[44]--Em nosso tempo não acontece o mesmo; para o mundo saber das vossas proesas na carreira da gloria servio-se da minha tosca penna. O livro que vos offereço é pequeno em volume, porém grande em seu objecto: basta conter os grandes feitos que praticasteis na extincção dos piratas. Na segunda parte que ficou a imprimir-se em Lisboa ainda alcançasteis mais gloria. Na primeira realçam os vencedores de Cam-pau-sai, na segunda brilha o Senado com a expulsão dos inglezes. Porém não é elle a mesma cousa, o Leal Senado de Macáo, e os cidadãos macaenses? Nesse tempo luctuoso viviam todos animados do mesmo espirito; a todos se ouvia a mesma voz:--Morrer, dizeis, ou mostrar que descendemos dos Castros e dos Almeidas.-- Desculpai, Srs., se desafio a vossa mágoa recordando-vos os illustres collegas, que por longa serie de annos regeram com vosco esta cidade. Julgo-os com direito á minha lembrança e aos vossos elogios. Porque motivo usarão os oradores celebrar só os poderosos? Por que não louvam elles as pessoas abalisadas em merito e virtudes? Se é preciso celebrar sempre os grandes, porque não se lembram tambem dos homens que foram uteis? Não será digno de louvor o magistrado que usando da espada de Astrêa, por muitos annos, o fez com tanta prudencia, que não ferio cidadão algum? Magistrado que havia coração tão sensivel e humano, que não se limitando em fazer a paz e a ventura de uma cidade, pretendia abranger com esses dons á maior parte do mundo? Que abrazado no sancto amor da patria, empenhava quanto possuia para engrandecela e glorificala? Em fim o varão forte que assaltado por intrigas e calumnias de ingratos, capazes de enfraquecer o espirito de Zeno, as supportava de animo tranquillo? Vós sabeis que Miguel de Arriaga possuio estas sublimes qualidades. Quem, Senhores, deixará de louvar o illustre José Joaquim de Barros, quando nesse mesmo recinto, agitando-se a questão se deviam, ou não ter, accesso os inglezes, exclamou.--Voto que não se deixem entrar; desse-me o lugar mais arriscado para defendelo; se a fortuna me for adversa, gostoso darei a vida em honra da Patria[45]. Qual de vós, macaenses, nessa crise perigosa houve differentes sentimentos? Todos repulsasteis o inimigo por modo singular e extraordinario. Do monumento consagrado á vossa memoria, offereci um exemplar ao Sr. D. João VI; dizendo-lhe que certo de em parte alguma depositar melhor as proezas macaenses do que em suas reaes mãos, alli lhe entregava feitos praticados em dias, bem similhantes aos do feliz tempo em que os lusitanos pelo caminho da virtude subiram ao templo da immortalidade. Fiquei satisfeito por saber depois, que El-Rei apreciára o livro, onde se acham exaradas as proezas macaenses; porém será completo o meu gosto se as julgardes levadas á posteridade por maneira digna de vós. Em verdade, Senhores, é preciso ser estupido para não admirar o vosso animo, e barbaro para com o vosso exemplo não sentir o estimulo da virtude. Coimbra, Mattos, Limas, e outros, possuiram virtudes perfeitas: serviram por mais de trinta annos os encargos desta cidade por modo, que nem Focio, ou Aristides o fez melhor em Athenas[46]. Macaenses, se os louvores provém de interesse, devem despresar-se; se a lisonja tenta enganar os poderosos, deve temer-se; porém quando a admiração tributa homenagem á virtude deve estimar-se. Assevero-vos que nesse opusculo liguei sempre a minha alma ás vossas acções; se lhes faltam pensamentos animados, por mingua de genio, tem o grito da verdade, unico preciso para immortalisar-vos. _Resposta._ O Senado recebeo com satisfação a vossa memoria, por ver nella immortalisados os feitos macaenses, na estincção dos piratas, que infestavam o nosso arquipelago. Em verdade vós ornasteis o vosso e o nosso quadro com as flores e bellesas de Camões e dos Andrades. O Senado não perderá occasião, em que vos possa ser util em reconhecimento de tão precioso presente. _Cartorio do Senado, 16 de Novembro de 1826_ FIM. Notas: [1] Sacrifico a minha vida e fortuna á vossa (dizia Cicero ao povo Romano); só exijo em recompensa conserveis a memoria dos meus serviços _Catilinaria IV._ [2] M. Thomas. [3] Diniz Ode XV. [4] O reprehensivel descuido dos nossos auctores agora o pagamos por castigo, ignorando os nossos proprios successos; e sujeitando-nos a crêr, e a estimar delles sómente aquella pequena parte, que nos quizeram contar os inimigos, mais obrigados da dôr, que da verdade. _D. F. M. C. 26._ [5] Era este Illustre Varão de mediana altura, reforçado, largo de ombros, mui cabelludo e tinha olhos amarellos. [6] Navio de 20 bombardas com 300 homens. [7] _Camões, C. X. Est 82_ [8] Por estas acções heroicas, ainda que barbaras, pode julgar-se o valor dos inimigos que tinhamos a vencer. [9] Ode XI. Epodo 4 [10] Ode XV. Dinis. [11] Embarcação de 20 tonelladas. [12] Camões, C. X. Est. 12 e 13. [13] Jacintho F. de Andrade. [14] Cam-pau-sai flagelou as provincias meridionaes do Imperio com repetidos tributos; e saques aos remissos. [15] Foi mui reprehensivel o modo porque obrigaram Arriaga a dacontas do dinheiro, que seus inimigos divulgavam ter elle levado dos cofres publicos, em sua administração; sabendo-se em Macáo, os sacreficios que elle tinha feito em honra da Nação e a bem daquella cidade. Graças eternas sejam dadas á sua memoria. Além de não dever nada aos cofres publicos, (como mostrou a Commissão nomeada para lhe tomar contas) ficou sendo credor de 11 contos de réis; o que foi publico nas gazetas de Macáo. [16] Com especialidade F. A. P. Thovar e Felis José Coimbra. [17] Diuiz Ode 34 [18] Camões, Canto 2, Est. 100. [19] Duarte Nunes de Leão, C. dos reis de Portugal. [20] L. J. de Alvarenga, queixa-se do mysterioso silencio guardado a seu respeito nesta memoria. No fim della direi qual foi o mysterio. [21] No suburbio da cidade. [22] Camões, Canto 1. Est X. [23] Este paragrafo foi composto no dia 9 de Maio de 1824; dia em que o Senhor D. J. VI proclamou aos portuguezes de bordo da Nao Windsor Castle; tomou aquelle asilo para escapar aos malevolos que o tinham cercado desde o dia 30 de Abril. [24] Sá de Miranda. [25] Allud e a uma maxima de confucio. [26] O Imperador observou a seguinte maxima de Confucio.--Respeitos que te levam vantagem por natureza. [27] Promenade autour du monde, em 1817, 1818, 1819, 1820, Carta 68. [28] Cidade portugueza na ilha de Timor. Procedia este contentamento por terem saído de Coupang, cidade hollandeza na parte occidental da mesma ilha aonde Arago e seus companheiros foram mal recebidos. [29] Duarte Pacheco, depois de fazer prodigios na Asia, a inveja, a calumnia e a intriga trouxeram-o da Africa a Lisboa em ferros. Albuquerque, de-pois de immortalisar a nação a que pertencia, foi victima das mesmas furias. Não admira ter Alcoforado em premio de seus ma-Portantes serviços o governo da pestilente ilha de Timor, onde morreu na flor da idade. [30] Como estariam hoje os brazileiros se Pedro Alves Cabral levasse taes ordens. [31] Vede se esses homens que prestaram serviços, para terem patria, recusaram as enormes pensões com que pertendem inchar! [32] No protesto de Bernardo Aleixo se verá o espirito da intimação. [33] Esta correspondencia foi extrahida, por integra, do Senado, mas é dada aqui em espirito. [34] O Governador éra o orgão do Senado. [35] Já em 1802 quizeram os Inglezes abusar dos nossos tractados com o governo Chinez. [36] É notavel o modo civíl e urbano do governo de Macáo, e as maneiras asperas de Roberts, etc. companhia. [37] Tinha chegado na antevespora ordem de Goa para entrarem os inglezes em Macáo! [38] Note-se como fallam os mandarins a nosso respeito. Eis o que prometti na introducção da primeira parte. [39] Admira não dizer que os mandaria para Botany-bay. [40] Bernardo Aleixo apelou para o tempo: esse inflexivel juiz dos homens e das cousas já castigou os seus detractores. [41] M. de Levis. [42] Juizo dos sobrecargas, mandado a Londres. [43] É boa resposta ás providencias de Martinho de Mello. [44] Versão do Sr. J. V. B. Feio. [45] Varão septuagenario. [46] Catão o censor, não possuio tão grande somma de virtudes perfeitas, como havia o benemerito cidadão Felis José Coimbra. Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +----------+----------------------+---------------------------+ | | Original | Correcção | +----------+----------------------+---------------------------+ |#pág. 8| Chang-ti | Cham-hi(*) | |#pág. 12| Tai-te-sang | Tai-te song(*) | |#pág. 12| qualqner | qualquer | |#pág. 13| natueza | natureza | |#pág. 14| Abuquerque | Albuquerque | |#pág. 17| fizerão della | fizerão delle(*) | |#pág. 18| cidadadãos | cidadãos | |#pág. 19| periecios | periecos | |#pág. 25| 1585 | 1805(*) | |#pág. 26| Ciadde | Cidade | |#pág. 29| bribue | brigue(*) | |#pág. 29| Bareto | Barreto | |#pág. 31| argino | argivo(*) | |#pág. 35| Com paráos | Cem paráos(*) | |#pág. 36| illultres | illustres | |#pág. 37| aubiram | subirão(*) | |#pág. 37| tinha | tinhão(*) | |#pág. 42| Wam-pao | Wam-poo(*) | |#pág. 44| para ser | por ser(*) | |#pág. 44| mais | mui(*) | |#pág. 45| formaram | formarão(*) | |#pág. 46| 8^o | 3^o(*) | |#pág. 51| fusão | effusão(*) | |#pág. 56| espedadaçados | espedaçados | |#pág. 56| os velas | as velas | |#pág. 58| Officiciaes | Officiaes | |#pág. 64| a a honra | a honra | |#pág. 65| mercantes | marcantes(*) | |#pág. 65| a Chum-pin | para Chumpin(*) | |#pág. 67| alguns do seus | alguns dos seus | |#pág. 74| snummameute | summamente | |#pág. 75| Cam-paui-sai | Cam-pau-sai | |#pág. 79| pala honra | pela honra | |#pág. 83| nommme | nomme | |#pág. 87| Virtudes | virtudes que possuia(*) | |#pág. 87| fazia | faria(*) | |#pág. 88| habitautes | habitantes | |#pág. 88| tome a agua | tome agoa(*) | |#pág. 88| Gragas | Graças | |#pág. 91| as quaes tem | as que tem(*) | |#pág. 91| reconhcimento | reconhecimento | |#pág. 96| pessoas | possesões(*) | |#pág. 96| Septemero | Septembro | |#pág. 98| vosas tropas | vossas tropas | |#pág. 101| quã o | quão | |#pág. 103| a tractada | tratada(*) | |#pág. 105| presidente | Ministro(*) | |#pág. 105| lares | os lares(*) | |#pág. 106| nos macaenses | nos peitos macaenses(*) | |#pág. 106| a persuadilos | e persuadilos(*) | |#pág. 106| por missão | permissão(*) | |#pág. 106| e afiançou | afiançou(*) | |#pág. 106| Francico | Francisco | |#pág. 107| quebar-se | quebrar-se(*) | |#pág. 109| enentrarem | entrarem | |#pág. 110| qnanto | quanto | |#pág. 110| tortaleza | fortaleza | |#pág. 112| amim | a mim | |#pág. 112| A inda | Ainda | |#pág. 114| respoderam | responderam | |#pág. 114| cencedido | concedido | |#pág. 114| virtudes | virdes(*) | |#pág. 117| fraududulenta | fraudulenta | |#pág. 117| horririvel | horrivel | |#pág. 117| da consumada | da sua consumada(*) | |#pág. 119| foi uma complicação | foi uma a complicação(*) | |#pág. 122| çom elle | com elle | |#pág. 123| o 1.º § acaba no ponto final(*) | |#pág. 130| obedecer | obedecerem(*) | |#pág. 133| Winistro | Ministro | |#pág. 133| innlezes | inglezes | |#pág. 143| miseraravel | miseravel | |#pág. 143| em Lx.a impressa | impressa em Lisboa(*) | |#pág. 144| o Prezidente | o Ministro(*) | |#pág. 147| de que este espirito | de que o espirito(*) | |#pág. 147| adquerida | adqueridos(*) | |#pág. 148| fróma | fórma | |#pág. 149| que elle | que o Sr. Lucas(*) | |#pág. 149| cooperarem | cooperara(*) | |#pág. 149| do que a sua mesma | elle mesmo | | | confissão de que fôra| confessa que fôra(*) | |#pág. 151| encontrado | entregado(*) | |#pág. 151| o Chefe | ao Chefe(*) | |#pág. 151| prova | provaria(*) | |#pág. 152| butucudos Tupinambas | butecudos e tupinambas(*) | |#pág. 152| e o Arcebispo | e um frade(*) | |#pág. 153| e mesmo eleger | e mesmo de eleger(*) | |#pág. 155| Afonso V. | Afonso VI. (*) | |#pág. 155| que outros guardam | com que outros se | | | | guardam(*) | |#pág. 158| Julgo-vos | Julgo-os(*) | |#pág. 161| neste apuzento | neste opusculo(*) | | | | | |#nota 15| oomo | como | |#nota 17| 24 | 34(*) | |#nota 36| civíi | civíl | +----------+----------------------+---------------------------+ (*) Correcções efectuadas com base na errada da obra original. Foram mantidas as variações das palavras "La Perouse", "Le Perou-se", "La Perou-se"... Na página 85, não existe ponto 3º//nota 3. A pontuação foi corrigida de acordo. Exemplo: colocação de pontos finais em vez de vírgulas no final de frases. End of the Project Gutenberg EBook of Memoria dos feitos macaenses contra os piratas da China, by José Ignacio de Andrade *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIA DOS FEITOS MACAENSES *** ***** This file should be named 36163-8.txt or 36163-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/3/6/1/6/36163/ Produced by Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This book was produced from scanned images of public domain material from the Google Print project.) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email [email protected]. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at https://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director [email protected] Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. 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Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: https://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.