Relatorio de uma viagem ás terras do Changamira

By Joaquim Carlos Paiva de Andrada

The Project Gutenberg EBook of Relatorio de uma viagem ás terras do
Changamira, by Joaquim Carlos Paiva de Andrada

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: Relatorio de uma viagem ás terras do Changamira

Author: Joaquim Carlos Paiva de Andrada

Release Date: October 7, 2010 [EBook #34040]

Language: Portuguese


*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK RELATORIA DE UMA VIAGEM--CHANGAMIRA ***




Produced by Pedro Saborano




    Notas de transcrição:

    O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso
    em 1886. Foi mantida a grafia usada nessa edição, tendo sido
    corrigidos apenas pequenos erros tipográficos que não alteram
    a interpretação do texto, e que por isso não foram assinalados.

    No livro há algumas referências a um mapa, que acompanhava a edição
    original. Não foi possível localizar uma cópia desse mapa para
    acompanhar esta edição digital.


                                RELATORIO

                                 DE  UMA

                      VIAGEM ÁS TERRAS DO CHANGAMIRA

                                   POR

                     JOAQUIM CARLOS  PAIVA DE ANDRADA

                           CAPITÃO DE ARTILHERIA




                                  LISBOA
                             IMPRENSA NACIONAL
                                   1886






                                RELATORIO

                                 DE  UMA

                      VIAGEM ÁS TERRAS DO CHANGAMIRA

                                   POR

                     JOAQUIM CARLOS  PAIVA DE ANDRADA

                           CAPITÃO DE ARTILHERIA




                                  LISBOA
                             IMPRENSA NACIONAL
                                   1886




RELATORIO


Quando regressei a Gouveia, da viagem que fiz ás terras de Gungunhana,
julguei conveniente não partir para Manica sem conferenciar com Manuel
Antonio de Sousa que tinha ido a Moçambique, e que, demorado de semana
para semana em Quelimane, só chegou a Gouveia no dia 17 de agosto.

N'esse mesmo dia chegaram tambem ahi uns pretos vindos de Manica,
dizendo que acabavam de apparecer em Macequece uns landins perguntando
por fazendas minhas que deviam ali estar, e que só por se acharem bem
guardadas e por ter a gente do paiz assegurado que taes fazendas não
existiam, é que provavelmente os landins não roubaram algumas.

Não vi n'esta noticia motivo que me impedisse a partida para Macequece,
mas em attenção á opinião de Manuel Antonio e de um principe ou grande
de Manica, meu antigo guia n'essa terra, que ha algum tempo esperava
Manuel Antonio em Gouveia, resolvi não ir para Manica, sem ter
conhecimento do resultado da missão que Gungunhana tinha enviado a
Lisboa, e aproveitar o tempo da demora forçada para visitar um paiz a
que me referi no relatorio da viagem ás terras dos landins, e onde de
facto importava com mais urgencia chegar do que á antiga feira
portugueza de Manica, objectivo principal da missão de que fui
encarregado.

........................................................................

Por estes motivos, resolvi partir sem demora n'esta direcção.




I

Viagem de Gouveia a Changamira e regresso a Gouveia


[Nota lateral: Fome no paiz.] Uma circumstancia tornava extremamente
difficil a realisação d'esta viagem; a falta de chuvas tinha motivado a
perda das colheitas de mantimento, milho, mapira, mechoeira e nachenin,
e a fome era quasi geral em toda a Africa austral. Os homens na
Gorongosa, no Barue, por toda a parte, andavam espalhados pelo mato a
grandes distancias para apanhar fructos e raizes, que traziam ás
povoações para matar a fome ás mulheres e ás creanças, o que muitas
vezes não conseguiam, morrendo muita gente por falta de alimento. N'este
relatorio só desejo tratar do que importa ser conhecido para basear
trabalhos futuros; não fallarei portanto das miserias que fui
presenceando, nem das extraordinarias difficuldades que encontrei em
mover-me com umas oitenta cargas n'um paiz que se achava em tão
desgraçadas condições.

[Nota lateral: Relatorio e mapa de Mauch] De todos os nomes que me eram
conhecidos pela leitura do relatorio de Mauch e do mappa que o
acompanha, apenas o de Caterere me era tambem citado em Gouveia, e como
ahi havia bastante gente que conhecia o paiz que eu queria visitar, logo
suppuz que Mauch teria mal escripto os nomes que foi ouvindo, e esperei
ir achando no progresso da viagem a equivalencia entre os nomes de Mauch
e os que me indicavam em Gouveia. Foi portanto para as terras do regulo
ou mambo Caterere que primeiro me dirigi.

[Nota lateral: Viagem pelo Barue] Entre estas terras e Gouveia está
apenas comprehendido o antigo reino do Barue. Como é já sabido, o rio
Inhandue, que banha Gouveia, separa o Barue do praso Gorongosa, e como
se vê no mappa junto, o rio Caurese, importante e caudaloso affluente do
Aruenha, separa o Barue da terra de Caterere que se chama Guessa. O
Barue, na parte exactamente comprehendida entre Gouveia e a povoação do
Caterere, acha-se despovoado e não havia caminho aberto n'essa direcção;
por isso, parti de Gouveia dirigindo-me mais para o norte até á aringa
de Inhangona, e d'ahi voltando para sudoeste segui para a aringa de
Tumbura indicada no mappa, quasi na fronteira do Barue e na latitude da
povoação do Caterere. Tendo partido de Gouveia em 26 de agosto, só
cheguei á aringa de Tumbura em 5 de setembro.

Esta viagem por caminho que se abra directo, o que se obtem logo que
tres ou quatro filas de carregadores ou cypaes por elle tenham passado,
e em condições normaes, póde ser feita em tres dias.

[Nota lateral: Do Tumbira á aringa do Bonga, capitão do Caterere.] Tinha
combinado com Manuel Antonio que esperaria na aringa de Tumbura que um
dos capitães d'elle Manuel Antonio fosse adiante com um presente da sua
parte ao Caterere, avisando-o da minha visita de amisade, e que só
depois da volta do emissario é que eu saíria do Barue para Guessa; mas
como o mencionado capitão, que devia ter-se juntado a mim poucos dias
depois da minha partida de Gouveia, não apparecesse; como por
informações obtidas na localidade eu soubesse que podia passar do Barue
directamente para a terra de Inhachiranga, atravessando o Aruenha a
jusante da foz do Caurese, ponto onde termina a terra de Guessa, e me
fosse assegurado por um homem de Inhachiranga que se achava em Tumbura,
que a terra era curiosa de visitar pelas lavagens de oiro que ahi faziam
e que encontraria n'ella o melhor acolhimento; como ainda mais eu
quizesse quanto possivel evitar a perda de tempo, resolvi arranjar
carregadores em Tumbura que me levassem a Inhachiranga, para ahi,
aproveitando o tempo com o estudo do paiz, esperar o capitão de Manuel
Antonio que devia ir ao Caterere annunciar a minha visita.

Parti no dia 10 de setembro, mas os carregadores e guias, em logar de me
levarem directamente ao Aruenha, ou, o que a isso teria equivalido, pelo
caminho que trouxe na volta, indicado no mappa, o que apenas atravessa a
ponta não habitada da terra de Guessa, comprehendida entre o Caurese e o
Aruenha, talvez com a idea de encurtar duas ou tres horas de serviço,
levaram-me por caminho um pouco mais ao sul, que me conduziu ao Caurese
em altura tal que, ao atravessar o rio, me achei de surpreza junto á
aringa de um capitão do Caterere chamado Bonga.

[Nota lateral: Rio Caurese.] O Caurese tem aqui uns 50 metros de largo e
excellente agua com approximadamente uma altura media de 1 metro em toda
a largura do leito que é de areia. Tem porém de espaço a espaço grandes
rochas, e o rio até á foz é absolutamento improprio para a navegação.
Vi-o na estiagem e tendo havido grande secca. No tempo das chuvas
engrossa muito, e mesmo em seguida a um só dia de grande chuva não dá
passagem a vau.

Foi no dia 11 de setembro que cheguei á aringa do Bonga. Os carregadores
de Tumbura, a quem eu nada tinha que dar de comer, não podendo por preço
algum comprar-lhes mantimento, voltaram para trás, ficando em um
acampamento junto á aringa com os _motores_ (cargas) e os meus muleques.

Como era de esperar, o chefe da aringa, logo que eu passei por ella, e
não me achava em condições de seguir com os carregadores que trouxe do
Barue, não me facilitou a marcha, para diante, apesar de eu lhe dizer
que ia só até Inhachiranga para ahi esperar o capitão que devia
preceder-me na visita que eu desejava fazer ao Caterere, o instou muito
para que não saisse de Guessa sem primeiro ir visitar o mambo. Vi-me
assim moralmente obrigado a ir á povoação do Caterere, para onde parti
no dia 12, seguindo o caminho indicado no mappa.

[Nota lateral: Visita ao Caterere.] Tendo, ao chegar proximo da povoação
na tarde do dia 13, feito avisar o mambo da minha visita, cheguei na
madrugada do dia 14 á aringa que se chama de Inharichinga. A primeira
entrevista com o mambo Caterere ou Gutuqui, foi logo muito cordial.
Dei-lhe alguns presentes de pouco volume e peso que commigo tinha
levado, como colares de coral, espelhos, barretes, camisas, pannos
ricos, explicando-lhe que só ali me achava para satisfazer aos desejos
do seu capitão Bonga, pois desejava ter sido precedido por um capitão de
Manuel Antonio, que trazia um bom presente de fazendas e um recado de
amisade de seu amo. Por varias vezes Caterere me disse que Manuel
Antonio lhe viria fazer guerra, e que o trataria como tratou ao Macombe,
rei do Barue. Procurei fazer desapparecer esta idéa, repetindo-lhe que
pelo contrario Manuel Antonio lhe mandava um presente de amisade, e
explicando-lhe que o Rei de quem Manuel Antonio era subdito, não queria
guerra, mas amisade, não só com Caterere, como com todos os regulos
visinhos, e que para estreitar relações de amisade eu a todos tencionava
visitar. Durante o dia fez-me Caterere repetidas visitas á palhota onde
fiquei, e aconselhou-me a que, em logar de ir para Inhachiranga na
margem esquerda do Aruenha, fosse para uma povoação de um Camunda, na
margem direita e portanto ainda da terra de Caterere, podendo eu d'ahi
ir ver os logares proximos onde gentes de Guessa e das terras vizinhas
costumam lavar ouro.

Levava commigo uma das armas _Winchester express_ pertencentes ao
districto de Manica. O mambo quando a viu pediu-me para lh'a explicar, e
como estas armas são muito certeiras e permittem um tiro muito rapido,
fiz da porta da aringa, em seguida e em differentes direcções, fogo
contra delgados troncos de arvores a grandes distancias, ficando o mambo
muito admirado quando foi junto ás arvores ver o resultado dos tiros.
Cito esta circumstancia para acrescentar que, apesar de eu ter ido só
com tres muleques e estar morando na aringa, vieram pouco depois dizer
ao mambo que a gente das proximas povoações tinha fugido ao ouvir os
tiros, suppondo que era guerra!

A aringa do Caterere é pequena, e muito fracamente construida; tem
proximo uns montes de rochas que a commandam completamente.

Com as repetidas perguntas que a varios fiz a respeito da passagem de
Mauch por estas terras, ha uns vinte annos, convenci-me que ninguem tem
idéa d'este viajante.

A latitude de 17° 30' 30", que achei para esta aringa, concorda com a
posição em que Mauch a poz na sua carta.

Não parece que o paiz tenha sido visitado por estrangeiros, e não
conhece esta gente senão Tete, Sena e sobretudo o nome de Gouveia.
Empregam varias palavras portuguezas. Estranhei ouvir-lhes dizer quando
fallavam commigo: _senhor_, pois que os nossos pretos nas cidades, e os
proprios brancos fallando de outro branco com os pretos, fazem uso da
palavra _mosungo_.

Não vi entrar preto algum na minha palhota ou na do mambo sem que
primeiro dissesse: _licença_, palavra que parece de uso commum, não só
em Guessa, como nas outras terras onde depois estive.

Recebi do Caterere muitas informações ácerca dos mambos e campos de oiro
que me ficavam para a frente; soube tambem que da aringa a Manica são
cinco dias de caminho, havendo apenas entre as duas terras a de Munhama,
que se atravessa em dois dias. Não se passa pelo Aruangua, o que prova
que este rio nasce a leste do caminho seguido.

Não consentiu o mambo que eu partisse sem ser seu hospede durante uma
noite. Na madrugada do dia 15 voltei ao meu acampamento no Caurese, onde
cheguei na manhã seguinte; vindo com um grande do mambo, que me
acompanhou para communicar as ordens do Caterere e facilitar o
transporte das cargas para a margem do Aruenha.

[Nota lateral: Partida do Caurese para o Aruenha ou antes Quenha.] No
dia 17 parti de junto da aringa do Bonga para a margem do Aruenha, onde
cheguei, com duas horas de passeio junto á aringa de Camunda, pequena
povoação rodeada de fraca estacaria, fazendo o acampamento a jusante
d'esta aringa.

O rio tem aqui uns 100 metros de largura, mas a agua corre por varios
braços serpenteando na areia, não cobrindo todo o leito. Informaram-me
de que o rio, bastante ainda para jusante da foz do Caurese, tem varias
rochas que lhe atravessam o leito; penso porém, que será navegavel vindo
do Zambeze até pelo menos á affluencia do rio Mazoc. Rio Aruenha ou
antes Luenha. Já nas minhas viagens pelo Zambeze para Tete, tinha notado
que os pretos chamam Luenha ao rio que em as nossas cartas chamamos
Aruenha, e que afflue no Zambeze em Massangano, onde está construida a
celebre e vergonhosa aringa do Inhaúde ou do Bonga. No mappa do
Levingstone tambem este rio tem o nome de Luenya. É tambem Luenha o
unico nome que agora lhe ouvi dar, e parece-me preferivel adoptar esta
designação, não só por ser a verdadeira, mas porque melhor se distingue
de Aruangua; e são dois nomes que como rios ou commandos militares do
districto de Manica muitas vezes haverá a citar reunidos.

[Nota lateral: Ouro no Luenha.] Nos dias 18 e 19 fui com gente da
povoação de Camunda, ver os logares onde costumam lavar oiro no rio. Os
terrenos em que n'esta altura corre o Luenha não são auriferos, e o oiro
só se encontra, renovado todos os annos depois das cheias, nas pequenas
porções de areia que fica retida entre as grandes rochas que atravessam
o rio. Os pretos e pretas, que lavam admiravelmente com a batea, podem
com utilidade extrahir o oiro que cada anno é retido nos mesmos logares,
e assim o fazem ha seculos, mas o lavar estas areias, por causa da sua
pequena quantidade, embora sejam relativamente ricas, nunca poderia
pagar a uma companhia europêa. É muito provavel que no proprio leito,
atraz d'estas _barras_, onde ha profundidade de agua e onde os pretos
nunca lavam, haja accumulado de ha seculos oiro mais grosso, e quando o
paiz esteja frequentado pelos brancos, é provavel que venha a
proceder-se a trabalhos n'estes logares com bons resultados, mas é claro
que a pesquiza do oiro para os que primeiro cheguem será muito mais
interessante nos proprios terrenos d'onde o oiro é annualmente arrancado
e arrastado pelas aguas.

[Nota lateral: Rio Mupa.] Na visita que fiz á _Massanga_, ou foz do
Caurese vi que o rio Mupa não é um affluente do Caurese como está
marcado na carta de Mauch mas, um pouco mais abaixo, directamente
affluente do Luenha.

[Nota lateral: Mambo Schomali de Mauch.] Descobri, emquanto estava
n'este acampamento do Luenha, quem era o mambo Schomali, que Mauch cita
como sendo o chefe das terras que constituem a parte mais rica dos
Campos do Imperador Guilherme.

É um pequeno mambo da terra de Macaha, chamado Machamare. Já de ha muito
tinha conhecimento do nome da terra e de outros nomes do mambo, que
tambem se chama Chibinda e Inhaúbinda. Serviu-me de confirmação á
equivalencia entre o nome de Machamare e o de Schomali o encontrar nos
dois rios Inhamussice e Munhoque, dois rios auriferos da terra de
Macaha, os equivalentes aos rios Iantsitsi e Noke da carta de Mauch.
Achei interessante que os pretos que lavavam n'um logar ou _barra_ do
Luenha chamado Biriuide, me dissessem, que todo o oiro que até ali
chegava era proveniente do rio Inhamussice, precisando a proveniencia do
oiro, quando o Luenha no seu vasto curso drena um paiz muito extenso e
recebe muitos outros affluentes. Por esta indicação é de suppôr que as
areias do Luenha acima da affluencia do Inhamussice não tenham oiro
algum, tornando evidente que é por este affluente que os _diggers_ devem
subir nas suas pesquizas.

Pouco depois de chegar a este acampamento do Luenha, vi que nada me
aconselhava a que ahi me demorasse e procurei arranjar carregadores para
continuar na viagem.

[Nota lateral: Chegada do capitão Bastião e de Gurupira.] No dia 19 de
setembro, com o capitão Bastião, de Manuel Antonio, encarregado dos
presentes para o Caterere, chegou ao acampamento vindo de Gouveia, onde
tinha ido visitar Manuel Antonio, o filho grande do mambo Motoco, chefe
relativamente poderoso da terra da Builha, situada alem, a sudoeste, da
região a que Mauch deu o nome do seu imperador. Como não via
possibilidade de achar, no logar onde estava, carregadores, e me
constasse que na terra de Motoco e terras proximas havia algum
mantimento, pedi a este filho do Motoco, chamado Gurupira, que me
mandasse os necessarios carregadores e que acompanhasse um dos meus
muleques, a quem entreguei fazendas, na compra de mantimento que deveria
ser mandado para a terra de Macaha. Gurupira disse-me que elle era
justamente casado com uma filha do mambo Machamare, deu-me informações
sobre a Macaha e indicou-me a povoação de Chibanda, filho do mambo,
situada na ponta de terra entre o Inhamussice e o seu affluente
Munhague, como bom logar para acampamento, e foi para ahi que combinamos
eu partiria, e seria mandado o mantimento que fosse comprado.

Na tarde do dia 22 apareceram-me no acampamento uns cem homens armados,
seguidos por um pandoro ou leão.

[Nota lateral: Pandoros.] Os pandoros, que eu já tinha visto nas terras
do districto de Tete, que ha no Mazoe, que havia no reino do Barue e que
ha nas terras de todos os pequenos mambos d'esta região, são uns homens,
que se escondem de vez em quando dizendo que vão para o mato e se
transformam em leões, que mesmo quando se acham na fórma de homens estão
quasi sempre a rugir, e que vivem á custa dos mambos e dos povos
impondo-se-lhes como entes sobrenaturaes. Os mambos nada fazem sem os
consultar. A superstição com os pandoros em Tete communica-se aos
musungos mulatos e mesmo á gente da India que n'elles chegam a
acreditar. O Inhaúde e o Bonga das nossas desgraçadas guerras, apesar de
homens muito intelligentes em outras cousas, nada faziam sem consultar
os pandoros. Ás vezes os pandoros são mulheres. Ha n'uma terra da margem
esquerda do Mazoe, em logar onde já estive partindo de Tete, uma celebre
Clara, pandoro de grande fama e julgo que conselheiro muito attendido
pelo Bonga.

[Nota lateral: Extorsões pelo pandoro e grandes do Caterere.] Os grandes
do Caterere que vieram com o pandoro, nenhum dos quaes eu tinha visto na
aringa do mambo, disseram que eu era amigo de Gouveia, que vinha para os
enganar e fazer-lhes guerra, que devia voltar para trás e não tornar a
esta terra. Mostrei-lhes admiração de que tal dissessem quando eu tinha
ido visitar o seu mambo como amigo e como amigo tinha por elle sido
recebido; que elles já sabiam que o que eu queria era seguir para
diante, que elles estavam fechando os caminhos, o que lhes trazia
difficuldades no futuro, e que se a gente que ali estava me quizesse
levar as cargas para Macaha eu lhes pagaria como a carregadores e daria
ao pandoro e aos grandes alguns presentes. Foi provavelmente para
receber estes _presentes_ que pandoro e grandes vieram, quando constou
que desejava saír da terra d'elles. Acceitaram a proposta e começaram
depois com successivos pedidos. Tendo eu dado alguma cousa ao pandoro,
pediram para os grandes, depois para a outra gente, depois mais alguma
cousa por eu ter feito barracas.

Desejando eu sobretudo ir para diante e servir-me d'esta gente como
carregadores, fui cedendo a todas as extorsões, cuja importancia total
foi de facto insignificante, mas que pela maneira como foram feitas
justificam a futura occupação da terra de Guerere. Toda a noite, uma
esplendida noite de luar, tiveram batuque e adormeci ao som das
cantigas, cujas phrases mais repetidas eram que haviam de cortar-me a
cabeça, a de Manuel Antonio e a de um homem d'esta terra que tinha
entrado ao meu serviço.

[Nota lateral: Da povoação de Camunda ao Rupire.] Na madrugada do dia 23
paguei aos carregadores, dizendo-lhes que era para irem até á povoação
de Chibanda na Macaha, mas pouco depois começaram a dizer que só iriam
até ao Rupire, cousa commum de succeder em Africa com os carregadores,
mesmo em outras circumstancias.

Atravessei o Luenha e segui na direcção que mostra a carta pela terra de
Inhachiranga sem passar por povoação alguma, até ao rio Inhamatoque,
limite de Inhachiranga e do Rupire, onde os carregadores largaram as
cargas, voltando logo para a sua terra.

Logo que cheguei ao Inhamatoque mandei chamar gente do Rupire, mas só no
dia 26 é que tive os necessarios carregadores e parti para junto da
povoação do mambo d'esta terra.

[Nota lateral: Mambo Chiquiso.] Ao mambo do Rupire, chamado Chiquiso,
disse que só para o visitar e lhe dar alguns presentes é que eu tinha
vindo á povoação d'elle, em logar de seguir ao longo do Luenha até á
Macaha, mas que era para a povoação de Chibanda n'esta terra que eu me
dirigia. Por varias formalidades com o mambo, e com os pandoros que no
Rupire são tres, e para fazer excursões a alguns rios onde lavam oiro,
demorei-me no Rupire, e comquanto o meu projecto fosse seguir para
Macaha, como esta terra é talvez a mais pequena e menos povoada de todas
as d'esta região, e como fui successivamente reconhecendo a importancia
da posição do Rupire e quanto seria preferivel crear uma estação
civilisadora portugueza n'esta terra, achei conveniente ceder aos
pedidos que me faziam de não seguir para diante, até lançar bases de uma
estação que mais tarde iria exercendo a sua acção sobre os mambos e
povos das terras vizinhas. É no Rupire que antigamente acampavam
negociantes brancos de Tete e mesmo de Quelimane, para compra de oiro e
marfim que os pretos das terras vizinhas vinham trocar por fazendas, e
effectivamente, durante os tempos que eu mesmo ali fiquei, todos os dias
chegavam ao acampamento muitos pretos com canudos de pennas cheias de pó
de oiro para trocar por fazendas. Tinha eu combinado com o mambo que
seria junto á foz do Inhamussice que eu faria o meu acampamento e as
primeiras construcções, base da futura estação civilisadora e
commercial, mas as povoações do Rupire estão todas nas proximidades e em
torno da aringa do mambo, e as margens do Inhamussice não estão
actualmente habitadas. Vendo que muitos dos grandes se mostravam
desconfiados por eu querer ir fazer o acampamento n'um sitio isolado,
tive que abandonar a idéa de ir para o Inhamussice e que me decidir a
escolher um terreno n'uma elevação nas proximidades da aringa do mambo.

Pela prolongada falta de chuvas, a agua nos differentes riachos que
cortam o paiz tinha deixado de correr, e a melhor que encontrei,
extrahida de uma poça, era leitosa e de muito mau sabor. Foi o uso
d'esta repugnante agua de certo a causa dos soffrimentos de baço que
depois tive, mas a tudo me sujeitava para realisar a fundação da estação
do Rupire, que, embora me propozesse fazer varias excursões na Macaha e
outros paizes proximos, não mais tencionava abandonar senão quando de
Portugal fosse mandado alguem para tomar conta d'esta estação.

Paguei ao mambo e aos pandoros tudo o que elles quizeram pelo direito de
chamar minha uma porção do terreno, e dei começo a algumas construcções.

[Nota lateral: Desconfiança da gente do Rupire.] Apesar das boas
relações que logo de principio fiquei tendo com o mambo, o enorme ciume
que estes pequenos chefes têem uns dos outros, e sobretudo a
desconfiança que no Rupire como em Guessa tinham das más inteuções de
Manuel Antonio contra estas terras davam quasi diariamente motivo a
alvoroço e á reunião em conselho dos pandoros e grandes na aringa.

Se eu tivesse chegado ao Rupire vindo de Tete achariam muito natural a
minha visita. Reconhecendo pela lição que tive no Caterere que as minhas
relações com Manuel Antonio não eram uma recommendação para estes
vizinhos do Barue, desejei quanto possivel occultar estas relações e que
me considerassem como vindo de Quelimane, Senna e só de passagem pelas
terras de Manuel Antonio, mas cada circumstancia que lhes mostrava a
minha maior intimidade com este capitão mór era motivo de novas
desconfianças. Assim a chegada de um correio, a chegada de dois muleques
que eu tinha mandado a um ponto do Barue, onde me constou haver algum
mantimento, o desejo de eu expedir o meu correlo, tudo foi motivo de
desconfiança e de embaraços. Sujeitava-me com paciencia a todos estes
aborrecimentos, pois suppunha que successivamente elles iriam diminuindo
de intensidade mostrava bem ao mambo que se eu quizesse fazer guerra não
estava com todas as minhas cargas a installar-me ao pé da aringa, e que
a minha presença junto a elles era a melhor garantia que poderiam ter de
que nenhum branco os atacaria. Pareciam convencer-se, mostravam a maior
cordialidade, mas tornavam pouco depois a espantar-se pelos motivos mais
futeis.

[Nota lateral: Visita de Gurupira; mau tratamento que soffreu.] Disse
que quando Gurupira, o filho grande do mambo Motoco, passou pelo meu
acampamento do Luenha, lhe pedi que me mandasse carregadores para me
levarem d'ahi para Macaha, e me comprasse mantimentos para tambem para
lá mandar.

Na tarde do dia 8 de outubro, quando eu estava a conversar amigavelmente
com o mambo Chiquiso, sentado sobre um panno no chão junto á minha
cadeira, appareceu Gurupira com outro homem e o meu muleque que eu tinha
mandado com a fazenda para a compra de mantimentos. Quasi ao mesmo tempo
um preto veiu dizer baixo ao mambo que, alem d'estes tres homens, havia
outros escondidos no mato. Eram simplesmente os carregadores que eu
tinha pedido, que o Gurupira trazia com elle da terra do pae, e que
tinha deixado proximo dos limites da terra do Rupire para me vir
perguntar se eu ainda precisava d'elles. O mambo correu rapidamente para
a aringa, e momentos depois elle e uns sessenta homens armados de
zagaias, machados, arcos e flechas ameaçavam os dois homens que por
motivo tão natural e tão facil de explicar me vinham ver, não se
lembrando aquelles cobardes que n'aquelle instante só pensavam que eram
sessenta contra dois, de que um d'estes dois homens era filho de um
chefe que facilmente poderia arrasar todo o Rupire. Corri a defender de
morte certa os dois homens, cobrindo-os com o meu corpo, mas quando
deixei Gurupira para attender ao companheiro que meia duzia de homens
arrastavam pelo chão, levando-o pelas pernas, e emquanto eu rolava
tambem pelo chão, por me ter o desgraçado lançado os braços ao grosso da
perna, foi o filho do Motoco violentamente espancado. Consegui apaziguar
tudo e foram os dois homens para a aringa com a promessa formal do mambo
de que lhe não fariam mal algum. Effectivamente, no dia seguinte partiu
Gurupira para a sua terra tendo, antes que o deixassem saír da aringa,
mandado os pandoros pedir-me fazendas para lhe dar, a fim de que a gente
do Motoco lhes não viesse fazer guerra.

[Nota lateral: Partida do Rupire.] Desde então não tornei mais a ver o
mambo até que no dia 11 me vieram dizer que toda a gente do Rupire se
tinha reunido na aringa para pedir ao mambo e aos pandoros para me não
deixar ficar na sua terra.

Soube mais tarde que a maior parte da actual população do Rupire é
constituida por gente do Barue, que de lá fugiu quando este reino foi
tomado por Manuel Antonio, e penso que o pedido que acabo de mencionar
seria motivado por ter Gurupira, em a noite que passou na aringa,
fallado das estreitas relações que havia entre mim e o capitão mór de
Manica. Em vista d'esta declaração e do que a gente do Rupire, a quem eu
acabava de comprar terrenos, já me tinha dado noticias sufficientes para
a occupação, pela força, da sua terra, onde não consentiam que estivesse
como amigo, resolvi, em logar de continuar para Macaha e outras terras,
apenas com alguns muleques, em condições tão desfavoraveis como as da
epocha e circumstancias em que eu me achava, regressar para Gouveia para
propor o necessario para transformação do Rupire em terra ou prazo da
corôa; e mandei dizer ao mambo que mandasse reunir carregadores para a
minha partida.

Na manhã do dia 12 apresentaram-se os carregadores no acampamento e
receberam todos pagamento para levarem as cargas até á povoação de
Gossi, na terra de Sangano. Foi indicada esta povoação pela gente do
Rupire, apesar de não se achar ella na direcção do Barue, por dizerem
ser a mais proxima e aquella onde facilmente encontraria gente que
quizesse ir até á aringa de Tumbura.

Estes homens, quasi todos já meus conhecidos, pelo mal que se
comportaram como carregadores desde o acampamento do Inhamatoque até ao
do Rupire, e depois nos varios serviços, como construcção de palhotas,
de que eu os encarreguei, levantaram as cargas e pozeram-se a caminho em
tão boa ordem e assim foram seguindo, que eu suppuz que teriam recebido
especiaes recommendações para irem convenientemente até ao seu destino.

Tendo andado uma hora, atravessei o rio Inhamessansára, rio que eu já
tinha visitado dias antes, em que os pretos lavam oiro e que nasce no
mesmo centro, de onde, correndo em outra direcção, nasce o Inhamussice.
O Inhamessansára é aqui limite do Rupire e de Massáoa, terra que tinha a
atravessar n'uma parte que não é habitada, para chegar á terra de
Sangano e povoação de Gossi, filho grande do mambo d'esta terra.

Pouco depois de atravessar o rio, eu, que nunca tinha soffrido do baço,
comecei a sentir do lado esquerdo uma pontada que, augmentando
rapidamente, me impediu de continuar a andar e me fez entrar em machila.
Momentos depois um dos machileiros de traz largou a canna da machila
para apanhar o chapéu que lhe tinha caído, e o outro que era muito fraco
deixou-me cair bruscamente no chão. O choque d'esta queda aggravou muito
o mal que poucos instantes antes pela primeira vez se tinha manifestado,
e fiquei por mais de uma hora debaixo de uma arvore revolvendo-me no
chão com dores e afflicções horriveis, e suppondo por vezes que não mais
me tornaria a levantar. Os carregadores passaram para diante, na mesma
extraordinaria boa ordem a que me referi, sem que eu lhes dissesse o que
me tinha succedido.

Quando me foi possivel entrar na machila e pôr-me a caminho, estranhei
encontrar pouco depois, descansando todos juntos os carregadores que
suppunha muito adiante. Continuei no caminho avançando pouco porque os
machileiros erão só os meus muleques, e nos esforços que fazia para me
arrastar a pé quasi nada adiantava, quando um dos filhos do mambo chegou
correndo para me avisar que os carregadores não queriam andar mais e
pedir que mandasse algum muleque para tomar conta das cargas que elles
queriam abandonar. Eu não estava em estado de voltar para traz e tambem
suppuz preferivel não mandar para junto das cargas um só moleque, mas
sim dizer que as cargas tinham sido entregues ao mambo do Rupire e á sua
gente, que por ellas eram responsaveis até as pôrem na povoação de
Gossi; propondo-me, porém, logo que chegasse a esta povoação, mandar
buscar as cargas abandonadas, por modo analogo ao que já por vezes, até
no Barue, tinha tido que fazer, mesmo por falta de forças dos esfomeados
carregadores.

Continuei, portanto, na minha vagarosa marcha até que, tendo anoitecido,
me deitei na beira do caminho sem ter noticia da povoação de Gossi nem
encontrado uma gota de agua com que matar a sêde, que mesmo aos pobres
muleques devorava.

Pondo-me a caminho antes de amanhecer, na madrugada seguinte cheguei a
uma pequena povoação da terra de Sangano, de um preto chamado Chirombre;
soube ali em que direcção ficava a povoação de Gossi e que na vespera
tinha passado deixando á esquerda o caminho que lá me teria levado.
Expedi immediatamente um homem da povoação de Chirombre para ir pedir a
Gossi que me mandasse homens seus buscar as cargas que a gente do Rupire
me tinha deixado no caminho.

Pelas dez horas da manhã chegou á povoação de Chirombre um dos filhos do
mambo do Rupire que tinha estado sempre ao meu serviço, dizendo que
passára a noite ao pé das cargas, que o mambo tinha vindo da aringa e
não tinha conseguido que os carregadores seguissem para diante, e que
elle vinha pedir carregadores. Não havendo n'esta povoação um unico para
lhe dar, voltou logo para traz com a promessa de que se poria a caminho
com uns trinta homens que ainda estavam junto ás cargas. Até este
momento, portanto, não tinha eu rasão para pensar que succederia
differentemente do que por muitas vezes me tinha acontecido,
principalmente nas minhas antigas viagens, partindo de Tete mesmo com o
governador do districto, com o abandono das cargas e fuga dos
carregadores.

[Nota lateral: Roubo das cargas.] Na tarde, porém, d'este mesmo dia
appareceu-me n'um misero estado o preto que de madrugada tinha mandado á
povoação de Gossi, dizendo que tinha ali reunido alguns carregadores
para ir buscar as cargas abandonadas, e que ao chegar proximo d'ellas
tinha encontrado grande agrupamento de gentes do Rupire e de Massáoa;
este ultimo é, como disse, o nome da terra onde as cargas estavam; que
uns e outros se tinham apoderado das cargas, quebrando e rasgando os
motores para distribuir entre si tudo o que elles continham; e que tanto
elle como os homens de Gossi que o acompanhavam tinham sido espancados.

Por peior opinião que forme do caracter da gente do Rupire não penso que
este roubo fosse premeditado. Estou convencido que quando os
carregadores levantaram do acampamento tinham recommendações para seguir
em boa ordem até á povoação de Gossi; e que se o mambo veiu da aringa
até ao logar em que os carregadores pararam é que alguem bem
intencionado o foi avisar; e creio tambem que o mambo os exhortaria a
que continuassem. Mas eu por vezes tive occasião de notar o pouco caso
que em geral a gente do Rupire faz da auctoridade do mambo.
Provavelmente estes carregadores, homens sem palavra e sem respeito
pelos compromissos que tomavam em troca da fazenda que recebiam, pararam
quando se sentiram cansados com as para elles, geralmente muito fracos,
pesadas cargas, e só se teriam posto a caminho se eu me achasse junto a
elles e se, analogamente ao que já com elles tinha succedido, os
induzisse a continuar com algum novo pequeno pagamento.

Penso que estavam hesitantes no que fariam, quando gentes das povoações
de Massáoa, avisadas por qualquer modo do que se passava na sua terra,
correram a ver o que podiam com isso aproveitar.

Basta só poder explicar que nas discussões que entre uns e outros
podessem ter tido logar um primeiro motor fosse aberto e o seu conteúdo
espalhado, porque, em vista das fazendas soltas, excitados uns pelos
outros, concebe-se que perdessem a idéa de toda a responsabilidade e, na
febre de se apoderarem do que para elles eram tão grandes riquezas, não
parassem sem terminar a sua repartição, destruindo tudo que para elles
não tinha utilidade.

De nada servia voltar atrás só com os meus muleques e como me achava
apenas com o que tinha sobre o corpo e sem cousa alguma para comer,
n'uma miseravel povoação de quatro ou cinco palhotas, onde nada havia,
procurei dirigir-me logo para a povoação do mambo da terra em que me
achava.

É inutil fallar das privações que passei n'este e nos dias seguintes e,
por infeliz coincidencia, quando me achava victima dos maiores
soffrimentos que tinha tido em toda a vida.

[Nota lateral: Da povoação de Chirombre á de Chideu.] No dia 14 parto da
povoação Chirombre para a do mambo d'esta terra de Songano, chamado
Chideu, ou tambem Inhamande.

Chideu é extremamente velho e quasi cego. A terra de Sangano tem pouca
gente, mas o velho mambo é pessoalmente de grande auctoridade pelo poder
sobrenatural de ler no futuro que lhe attribuem.

Recebeu-me muito bem, mas com um ceremonial de feiticeiro que em
trabalho de outra natureza seria interessante descrever.

[Nota lateral: Possibilidade de tomar posse do Rupire antes de regressar
a Gouveia.] É, porém, importante notar que esta grande auctoridade na
opinião do seu povo e na dos povos vizinhos, disse que o tratamento que
eu tinha recebido, que o roubo que me tinha sido feito, quando ninguem,
tinha a queixar-se do meu procedimento nem do da minha pouca gente
quando eu tinha dado todos os presentes do costume ao mambo e aos
pandoros, quando tinha comprado uma terra para construir casas e ter as
minhas culturas, tudo justificava um severo castigo e que as terras do
Rupire fossem tomadas pelos brancos; offerecendo-se o mambo a
coadjuvar-me para esse fim com a sua gente.

É facil comprehender quanto eu desejaria, em logar de me declarar n'este
relatorio uma victima de um roubo no paiz que fui visitar, de o assignar
como commandante provisorio do Rupire. Por tres modos poderia ter
chegado a este resultado:

1.º Pelo emprego da gente de Motoco. Achava-me, porém, principalmente
pelo meu estado de saude, em condições demasiadamente miseraveis para,
em relação a um povo estranho poder por mim só representar a acção
official portugueza, e não desejei correr o risco de que a conquista do
Rupire, em logar de ser absolutamente a nosso favor, fosse quasi apenas
em vantagem da relativamente poderosa gente do Motoco.

2.º Pelo emprego de gente de Tete. São conhecidos os relevantes serviços
que ultimamente tem prestado ao paiz o governador d'este districto, e
como a nossa occupação effectiva de vastos territorios ao sul do Zambeze
entre Tete e Zumbo se tem realisado com o auxilio do capitão mór do
Zumbo, Araujo Lobo e do capitão mór de Chicoa, o mosungo Ignacio. Este
Ignacio tem com a sua gente ido occupando territorios para o sul de Tete
até quasi á margem esquerda do Mazoe e vive de ordinario n'uma aringa
que fica a menos de tres dias de caminho do Rupire. Recorrer ao
governador de Tete e ao capitão mór de Chicoa era de certo resolver a
questão com a maior brevidade. O proprio mambo Chideu me disse que
bastava que a gente do Rupire soubesse que o mosungo Ignacio marchava
para essa terra com os seus cypaes para que toda logo fugisse ou se
submettesse. Em uma carta que duas ou tres semanas depois vim a receber
em Gouveia do governador de Tete, informado embora com muitas alterações
e exageros do que succedia, espontaneamente me pedia elle mais algumas
informações a fim de immediatamente mandar avançar a necessaria gente de
Tete para effectuar a posse do Rupire. Tinha porém eu partido de Gouveia
com gente e conselhos do Manuel Antonio; o nome d'estes mambos vizinhos
do Luenha, principalmente o do Caterere, está muito ligado no espirito
de Manuel Antonio ao do Macombe, antigo rei do Barue, de quem elles eram
como vassallos e suppuz que recorrendo eu ao capitão mór de Chicoa para
a occupação do Rupire, não seria isso agradavel a Manuel Antonio; vindo
mais tarde a reconhecer que, se assim tivesse procedido, o teria
extraordinariamente offendido e talvez motivado acontecimentos
desagradaveis.

O terceiro alvitre, visto que eu suppunha Manuel Antonio muito distante,
occupando-se da construcção das aringas do Pungue, consistia em recorrer
á aringa de Tumbura, cujo capitão é o principal chefe de guerra de
Manuel Antonio, e fazer com elle, juntamente com gente do seu districto
e dos districtos proximos, que todos lhe obedecem, um agrupamento de uns
trezentos ou quatrocentos homens, o que me parecia ser mais do que o
necessario para realisar satisfactoriamente a occupação do Rupire e de
Massáoa.

Alguns caçadores matariam os bufalos e outra caça grossa, em quantidade
necessaria para dois, tres ou quatro dias, e chegada a gente ao paiz, os
recursos em cabras e em algum mantimento escondido, que eu sabia ali
havia, serviriam por algum tempo. Um cypae de Tumbura, que me tinha
trazido o correio e ainda se achava commigo, dizia-me ser facil, para
cousa tão pouco importante, que o capitão Macarimgomba, chefe de
Timbura, e reconhecido como capitão mór dos cypaes, reunisse a
necessaria gente e fizesse a expedição, sem ordem de Manuel Antonio, e
só por minha requisição. Foi este terceiro alvitre que sem ir adiante da
povoação de Chideu, eu procurei realisar. Para isso mandei a Tumbura o
citado cypae e muleques meus, e tambem para que de Tumbura me trouxessem
algumas das fazendas que eu ahi tinha em deposito, pois os meus amigos
da terra de Sangano, apesar da consideração e sympathia que me
dispensavam e de estarem sempre em torno de mim, pouco me davam de
presente, quasi nada queriam vender de fiado, e para eu e os muleques
termos a pouca e miseravel comida, que nos ia permittindo viver, tinha
sido necessario que elles fossem successivamente vendendo os seus pannos
até ficarem completamente nús. Parece-me que o mais precioso presente
que recebi do mambo Chideu foi uma véla de cebo, que eu já tinha visto
entre o seu material de feiticeiro, e que provavelmente guardava ha
muitos annos; veiu o velhinho, que muito lhe custava dar alguns passos,
trazer-ma á minha palhota n'uma tarde em que n'ella me achava com
bastantes dores e bastante fome.

Infelizmente para a execução do meu projecto, um movimento que n'essa
mesma occasião se tinha dado nas aringas fronteiras do Bonga e de
Massangano e do Barue tinha obrigado a partir para lá com a gente da sua
aringa o capitão Macaringomba, e os meus emissarios encontraram em
Tumbura quasi que unicamente as mulheres e as creanças.

[Nota lateral: Partida de Sangano para Tumbura.] Na impossibilidade de
effectuar a occupação do Rupire antes de deixar estas terras, parti no
dia 25 de outubro para Tumbura, seguindo da povoação de Chideu pelo
itinerario marcado no mappa, com machileiros que Chideu mandou reunir,
pagos com fazendas, que me tinham chegado de Tumbura. Um dos filhos do
mambo, por ordem do pae, acompanhou-me até esta aringa. O filho mais
velho, Gossi, de que tenho varias vezes citado o nome, veiu para a
povoação do pae logo depois de eu ahi chegar, e ficou ahi até eu partir.
Morto o velho mambo, este rapaz facilmente reconhecerá a soberania de
Portugal, ou fará a entrega das suas terras.

Como se vê na carta entre a terra de Sangano e o rio Luenha, está a
terra de Inhachiranga que eu já disse ter atravessado na ida para o
Rupire sem passar por povoação alguma. Na volta passei pela aringa de
Cariua, filho do mambo da terra, e ahi tive occasião de ver que a
opinião a respeito do Rupire era a mesma que em Sangano, e que ficam
esperando que em breve passem pela sua terra, como amigos, cypaes de
Gouveia, com destino ás terras que fizeram por ser castigadas,

[Nota lateral: Partida de Tumbura para Gouveia.] No dia 26 de outubro,
dia seguinte ao da minha partida da povoação de Chideu, cheguei a
Tumbura. Ahi soube que Manuel Antonio não se achava no Pungue, mas tinha
corrido de Gouveia para pôr fim ao movimento parcial, que contra desejos
d'elle, se tinha dado na fronteira das terras do Bonga. Puz-me em
communicação com elle; encontrámo-nos no dia 3 de novembro na aringa de
Inhangona e d'ahi partimos juntos para Gouveia ao encontro do sr.
governador geral da provincia, que n'esse mesmo dia ahi devia ter
chegado.

[Nota lateral: Ordem para a occupação do Rupire.] Exposta a situação ao
sr. governador geral, resolveu elle que o districto de Manica e o
capitulo mór de Manica e Quiteve dirigissem uma expedição ás terras de
Rupire e de Massáoa.

Devo acrescentar que antes da minha chegada a Gouveia, constando ahi
vagamente o que tinha succedido, já o governador do districto de Manica
tinha solicitado do general da provincia ordem para que fosse mandado
pessoalmente ao Rupire.

N'estas condições a minha presença de nada serviria para o bom resultado
da expedição; como tambem parecesse melhor nada emprehender do lado de
Manica até que fosse conhecido o resultado da missão do Gungunhana,
junto do governo de Sua Magestade; achei conveniente, tanto por causa de
minha saude, como por outros motivos, aproveitar o intervallo para vir á
Europa, onde verbalmente ou em qualquer trabalho especial poderei
fornecer importantes informações, em vista do desenvolvimento dos
auspiciosos trabalhos encetados pela creação do districto de Manica.

[Nota lateral: Despezas da expedição.] As despezas da expedição foram
fazendas gastas com os carregadores e machileiros, com os presentes
voluntarios ou espontaneos aos differentes mambos, com as exigencias de
alguns d'estes mambos e dos seus pandoros, a compra de terras e de
palhotas no Rupire, e as cargas roubadas pela gente do Rupire e de
Massáoa, n'esta ultima terra, sendo parte d'ella artigos geralmente de
acampamento, pertencentes ao districto de Manica, outra, fazendas da
companhia de Ophir, que fez todos os adiantamentos para esta expedição,
e finalmente motores de propriedade; pessoal, avalio em 1:500$000 réis a
importancia das fazendas da companhia de Ophir, com que foram feitos
todos os pagamentos e do resto d'estas fazendas roubado em Massáoa.

[Nota lateral: Resultados da expedição.] Parece-me poder citar os
seguintes: ter feito melhor conhecimento do que é o Barue, e das
condições em que actualmente se acha este antigo reino; ter-me
certificado que nos chamados Campos de Oiro do Imperador Guilherme ainda
não havia vestigios de qualquer acção estrangeira, e que estavamos ainda
bem a tempo de em toda esta região exercermos a nossa occupação ou
protecção; ter, pelo que vi, e pelo oiro dos rios Inhamessansára, Muse,
Inhamussice, Munhoque, e outros, que os pretos todos os dias traziam ao
meu acampamento para trocarem por fazendas, e por saber que ha seculos
elles lavam sempre nos mesmos logares, adquirido a convicção de que o
centro, de pequena area, d'onde em todas as direcções partem estes
differentes rios, deve ser um importante campo aurifero como Mauch o
suppoz; ter obtido informar-nos ácerca de um outro centro a que adiante
me referirei, ainda mais interessante pela maior quantidade de oiro que
hoje d'elle extrahem, pela abundancia de agua corrente, pelas grandes
manadas de bois, que n'elle ha, e pela sua salubridade; finalmente, não
tendo conseguido fixar pacificamente no Rupire as bases de uma estação
civilisadora e commercial portuguesa, ter recebido das gentes d'esta
terra, de Guessa e de Massáoa pretextos, que na opinião dos mambos
vizinhos nos justificam a tomar posse d'estas terras; e alcançado a
nomeação de uma expedição official do districto de Manica para este fim,
e para a fundação de um nucleo, que não póde deixar, por pouco que
façâmos, de trazer ao dominio portuguez todos os vizinhos povos d'esta
interessantissima região.




II

Algumas considerações relativas á politica interna dos districtos de
Manica e de Tete


Na primeira parte descrevi rapidamente a minha viagem a uma parte da
região denominada por Mauch Campos de Oiro do Imperador Guilherme, e
indiquei alguns dos resultados directos d'esta viagem.

N'esta segunda parte reunirei algumas informações relativas aos paizes
percorridos, e outros que devemos considerar em breve como parte
integrante da provincia de Moçambique.

[Nota lateral: Barue.] No relatorio da viagem de Mauch falla este
explorador do successor de Musilicatze, do Musila e do Macombe, rei do
Barue. Alem d'estes tres grandes potentados só encontrava entre o
Limpopo e o Zambeze chefes minusculos dos quaes apenas cita o nome de
Schomare (que já sabemos ser Machamare), a proposito da mais notavel
riqueza dos seus terrenos auriferos.

O grande reino de Barue, que já tinha atravessado ha annos, quando fui a
Manica, e ha pouco quando fui ás terras dos landins, foi agora
percorrido por mim em toda a sua extensão, de leste até ao seu limite
oeste, formado pelo Caurese e depois mais para o norte pelo Luenha.

Como é sabido, o rio Inhandue, que banha Gouveia, separa n'esta altura o
Barue das terras da soberania portugueza. Este rio póde-se considerar
como origem do rio Urema, affluente do Pungue. Entrando no Barue os rios
principaes, pela extensão do percurso e largura do leito, que encontrei
foram successivamente os seguintes: o largo rio Morose, affluente do
Inhamapase, que desaguando no canal Mucua se póde considerar ou
affluente do Pungue pelo Urema, ou do Zambeze pelo Sangue; o tortuoso
Misangase que desemboca no Zambeze, logo abaixo do luane do Prazo
Chemba, e cujo leito se atravessa ou segue quasi umas vinte vezes no
caminho entre Chemba e Gouveia; o Pompue, affluente do Zambeze a meia
altura da linha da praia do praso Chiramba, e o Muira, affluente do
Zambeze, no Bandar, isto é, um pouco a jusante da entrada da Lupata.
Poderei ainda citar o Mupa, affluente do Luenha, um pouco a jusante da
foz do Caurese. Se estes rios ainda tivessem agua corrente em toda a
epocha do anno, seria o Barue, no geral da sua area, um dos mais bellos
campos que a provincia de Moçambique podesse offerecer á colonisação
agricola europea. Infelizmente porém todos os vastos leitos arenosos
d'estes grandes rios se acham seccos durante grande parte do anno,
podendo-se apenas, e não em todos, obter d'elles agua para beber por
meio de covas abertas no seu leito.

Como meios de communicação ou como fontes de irrigação são absolutamente
inuteis; encontrando-se, em toda a vasta area a que me refiro, mais
facilmente agua em pequenos regatos ou affluentes de affluentes, indo
ella sendo absorvida á proporção que se approxima dos largos leitos
arenosos. Se o centro do Barue não é em geral cortado por abundantes
cursos de agua, os seus limites são quasi todos determinados por
caudalosos rios, cujas margens me parecem excellentes campos para
colonisação.

N'este caso estão as margens do Inhandue, principalmente as do Vunduse
(do Barue), do Pungue ou Aruangua, e ainda apesar da mosca pépsé as do
Caurese e Luenha.

Não deve deixar de ser citado o Inhasonha, o importante affluente do
Pungue, que esse não limita o Barue, mas corre todo dentro d'este reino,
que tem excellente e abundantissima agua e margens adaptadissimas para
colonisação branca.

A ultima viagem através do Barue fez-me melhor apreciar a importancia
dos serviços feitos por Manuel Antonio, causando-me cada vez mais
admiração o ver como um unico homem, pela sua actividade e energia póde,
não só resistir ao ataque que o poderoso e sanguinario Macombe fez á
Gorongosa, mas depois perseguir este potentado, vencel-o e dictar
absolutamente a lei em todo este vasto territorio.

Tenho nota do nome e localidade approximada de mais de trinta aringas,
algumas das quaes, como a de Pangara, me dizem ser vastissimas,
construidas depois que Manuel Antonio se apoderou do Barue, tendo todos
os seus capitães (de que tambem tenho o nome, e a maior parte dos quaes
conheço pessoalmente), cypaes que n'ellas vivem ou n'ellas se agrupam e
os necessarios elementos para a defeza.

É muito interessante e para ser adoptado em territorios novamente
apossados, o systema administrativo, ou antes policial, introduzido por
Manuel Antonio no Barue. A gente que habitava este reino, ou foi morta
durante a guerra, ou fugiu para outras terras ou ficou no Barue,
submettendo-se a Manuel Antonio. Toda a que ficou foi nos differentes
districtos dividida em grupos, sendo-lhes dada como Inhacuavas, chefes
ou representantes para advogarem os seus interesses, homens escolhidos
de entre os grandes do Barue, que mais confiança mereciam a Manuel
Antonio.

Alguns milhares de homens dos nossos prasos da Corôa ou Quitevistas, que
tinham vindo para a Gorongosa foram introduzidos no Barue como cypaes,
agrupados em ensacas, commandadas superiormente pelos capitães. Em quasi
cada uma das talvez quarenta ou mais aringas do Barue ha para um lado da
aringa o recinto reservado do capitão chefe da aringa e sua familia, e
proximo as palhotas dos cypaes e suas familias, e para o outro lado o
recinto reservado do Inhacuava e sua familia e proximo as palhotas de
colonos do Barue. O capitão é sempre homem absolutamente dedicado a
Manuel Antonio e o Inhacuava foi por elle escolhido.

Vi sempre, nas differentes aringas onde estive, a melhor harmonia entre
os inhacuavas e os capitães da aringa. Por accordo entre as duas
auctoridades, os territorios em torno das aringas são divididos para as
culturas ou _colimas_ das familias dos cypaes e dos colonos. Manuel
Antonio ainda não começou a receber tributo ou mussôco no Barue, mas
comprehende-se como é facil fazel-o logo que a isso se resolva.

No Barue ha muita quantidade de cera; cypaes e colonos apanham esta cera
que fica sua propriedade e que elles vendem nas aringas, onde Manuel
Antonio tem fazendas em troca d'estas fazendas.

........................................................................

Como tenho dito, e como o mappa junto o mostra, o limite oeste do Barue
é o rio Caurese que o separa da terra Guessa, e depois mais para o norte
o rio Luenha que o separa do Inhachiranga, Inhabaco e Marembe.

[Nota lateral: Terras do Changamira.] A terra Guessa do mambo Caterere
fica comprehendida entre o Caurese e o Luenha, e vae estreitando até ao
ponto de affluencia d'aquelle rio com o rio principal. A ponta norte
d'esta terra é pouco accidentada, e quer no meu itinerario da volta,
quer no da ida, ao sul d'aquelle, o caminho é facil e quasi horisontal.

Para o sul, porém, da aringa do Bonga, em todo o terreno que percorri
desde ahi até á aringa do Catarere, o terreno eleva-se successivamente e
torna-se bastante accidentado. Comquanto não tenha podido reconhecer os
montes a que Mauch chamou Bismack e Moltke, é de certo ás serras em
Guessa que ficam ainda para o sul da aringa do Caterere que elle se
referiu quando disse que as serras a leste dos campos de Oiro formavam
uma barreira invencivel aos que a elles pretendessem chegar vindos
d'esse lado. Talvez o dissesse para tirar a vontade aos exploradores
portuguezes.

Pela carta, porém, se vé o pouco que ha a tornear para ir da aringa de
Taua ou da de Tumbura no Barue, até á terra de Macaha, centro dos campos
de oiro de Mauch; e penso que ainda se poderá achar caminho mais
directo, embora ligeiramente mais accidentado, de Tumbura para Macaha,
cortando em altura conveniente o caminho que segue da aringa do Bonga á
do Caterere.

Quando me achava no acampamento do Rupire, vendo tão vizinhas as serras
da margem direita do Mazoe, sabendo que este rio corre apenas uns dois
ou tres dias ao sul da villa do Tete, notando que as relações
commerciaes do Rupire e terras proximas teem quasi exclusivamente tido
logar desde ha seculos com os negociantes d'esta villa, pareceu-me por
algum tempo preferivel que as futuras relações officiaes com o Rupire
tivessem logar pelo districto de Tete.

O que depois se passou, e o que deve ter tido logar depois da minha
partida para a Europa, leva-me a abandonar esta idéa para voltar á
expressa no meu precedente relatorio, confirmando a proposta de que os
limites dos dois districtos, Manica e Tete, sejam determinados pelo
Luenha, desde a sua foz no Zambeze até á altura da confluencia do rio
Mazoe, e depois pelo curso d'este rio; com a differença de que, o que
então indicava como _limite da area de acção_ dos dois districtos,
parece agora dever em breve transformar-se, graças ao que tem sido feito
do lado de Tete, e á occupação do Rupire, em limite _do territorio
effectivo_ dos mesmos districtos.

Não posso resistir a fazer uma comparação que me occorre ao espirito
sempre que penso no resultado do contacto das areas effectivamente
occupadas de dois districtos em colonias nossas, contacto que julgo
nunca teve logar, nem mesmo na provincia de Angola.

Um inventor qualquer descobriu que dois bicos de gaz, collocados proximo
um do outro, combinando as duas chammas, produzem luz mais intensa do
que a da somma das mesmas chammas separadas; um pequeno apparelho movido
por um machinismo de relogio, que se acha n'um mostrador de uma loja em
Londres, apresenta primeiro as duas chammas separadas e parallelas, e
depois, approximando um bico do outro, mostra o extraordinario augmento
da intensidade da luz logo que as chammas chegam ao contacto, para
voltar á simples intensidade das duas luzes simples logo que ellas se
separam. É uma experiencia de gabinete mostrando a verdado da divisa do
escudo belga.

........................................................................

No dia em que, tendo desapparecido a infamante aringa de Massangano, a
acção directa do districto de Manica chegar á margem directa do Luenha e
do Mazoe, e a do districto de Tete á margem esquerda dos dois rios,
estou convencido que um phenomeno analogo ao que se dá com o contacto
das duas chammas ha de ter logar com grande intensidade.

O imposto do mussôco cobrado em tão vasta area dará em poucos annos um
excesso de rendimento que poderá servir de garantia para levantar
capitaes, que a seu turno empregados em melhoramentos reproductivos
forçosamente farão entrar a Zambezia n'uma progressão de prosperidade
para a qual ninguem se atreverá a dizer que lhe faltam as bases ou os
recursos necessarios.

Toda a margem esquerda do Luenha, que ficaria pertencendo ao districto
de Tete, isto é, desde a foz do rio até á confluencia do Mazoe está hoje
em poder das gentes do Bonga.

Pela margem esquerda do Mazoe acima está o paiz occupado por pequenos
mambos, mas tanto até ao Luenha como até ao Mazoe, pelo menos, por
emquanto, até á latitude 17° ou 17°,30, muito facil será prolongar a
acção directa do districto de Tete por meio de recursos de que o
governador do districto e o capitão mór de Chicoa dispõem, sobretudo
quando procederem de accordo com as auctoridades do districto de Manica.

Logo na minha primeira intervista com Chiquiso, mambo do Rupire, fiquei
surprehendido de lhe ouvir chamar Changamira, e suppuz que n'este paiz,
agora dividido em tão pequenas terras, este mambo seria o herdeiro do
antigo imperador; mas mais tarde soube que este nome era tambem como
titulo honorifico dado a outros mambos.

Toda a região de que me tenho occupado, e que comprehende os Campos de
Oiro do Imperador Guilherme, corresponde approximadamente com a que no
mappa do sr. marquez de Sá é denominada terras do Changamira, e era
proprio que fosse dado a esta divisão do districto de Manica o nome de
_Changamira_, limitando-a a E. pelo Caurese e Luenha com o Barue, e ao
N. e O. pelo Mazoe com o districto de Tete, e ao S. talvez
approximadamente na latitude de 17°,30' ou 17°,40' com outra futura
divisão do districto de Manica, de que adiante vou fallar.

Aos Campos de Oiro do Imperador Guilherme chamariamos de futuro: minas
de Changamira.

A divisão Changamira, limitada, como disse, comprehende a terra Guessa,
do mambo Caterere, Inhachiranga do mambo Zinto, Inhabaco do mambo
Mezumbauocra, Marembe do mambo Chitumbe, Sirge (do Mazoe) do mambo
Cajue, Manáva do mambo Ziráve, Doro do mambo Inhacoare, Garue do mambo
Rundo, Fungue do mambo Chissungue, Chissergue do mambo Inhaiuo, Macaha
do mambo Machamare, Sangano do mambo Chideu, Rupire do mambo Chiquiso, e
outros mais a oeste até ao Mazoe, de que eu não terei tido informação.
Builha, terra do mambo Motoco, poderá ainda ser comprehendida na divisão
de Changamira.

[Nota lateral: Local da primeira povoação de brancos em Changamira.] A
primeira parte d'este relatorio dá noticia de como, apesar das
diligencias que fiz para ir entrando em amigaveis relações com as gentes
d'estas terras, o procedimento das gentes de Guessa, Rupire e Massáua
para commigo obrigará á deposição dos tres mambos, e á passagem das tres
terras á administração directa da nação.

Occupadas estas tres terras, que se acham em não interrompido seguimento
com o Barue, occupado pelo districto de Tete todo o paiz até á margem
esquerda do Mazoe, facil será por um ou outro modo vir em breve a
exercer a nossa acção, tão pacificamente quanto possivel, sobre todas as
terras de Changamira, que deixei mencionadas.

A primeira estação ou povoação europêa a fazer em Changamira parece-me
que deve ser situada no Rupire, junto á margem esquerda no rio
Inhamussice em ponto a escolher desde a affluencia do rio Caruse no
Inhamussice, até á affluencia d'este rio no Luenha. Este ponto ficaria
apenas a dois dias da aringa de Tumbura, a um dia da actual aringa de
Caterere, a dois ou tres do ponto em que o Luenha, vindo do Zambeze,
deixará de ser navegavel, a dia e meio do ponto mais proximo do Mazoe, e
a cinco dias de Tete. Fica muito perto do centro das minas de
Changamira, e em excellente situação como testa de linha para a
exploração do paiz dos mususuros de que já vou fallar.

[Nota lateral: Administração do Changamira.] Para a policia e defeza das
terras de Changamira, que agora forem occupadas, não vejo necessidade,
em caso algum, de empregar uma força de europeus, ou qualquer
destacamento de um corpo da provincia.

O processo mais economico e efficaz é o empregado por Manuel Antonio no
Barue. Construir ou aproveitar umas tres aringas, escolher para ellas
bons capitães com as suas ensacas de cypaes, aos quaes se darão as
terras necessarias para o sustento de suas familias, e nomear os
inhacuavas de Guessa, do Rupire e de Massaua, escolhidos entre os
grandes d'estas terras, que vivam nas aringas, respondam pelos colonos e
lhes advoguem os interesses.

A aringa do Rupire poderia ser a do actual mambo, mas seria preferivel
arrasar esta e construir uma nova, em ponto escolhido nas proximidades
da povoação branca.

Para a administração superior e provisoria da Changamira
apresentam-se-me dois modos de proceder.

O primeiro consiste em nomear-se um commandante militar de Changamira,
que tratará do arrolamento dos colonos nas terras occupadas, de cobrar o
mussôco, que poderá todo ser pago com oiro em pó, e procurará ir
occupando successivamente todo o Changamira, transformando em Inhacuavas
os mambos ou parentes d'elles em que haja mais confiança.

O commandante militar, nomeado como tal, não póde nem por conta do
governo, nem por sua propria conta, comprar oiro aos indigenas, nem
realisar com elles qualquer outra permutação mercantil. Como, porém,
nada se póde fazer sem attender a estas operações, e é absolutamente
necessario que ellas tenham logar no local escolhido para a povoação
branca, para a ella chamar amigavelmente e pelo seu interesse, as gentes
das terras vizinhas, torna-se essencial a installação de uma ou mais
firmas commerciaes simultaneamente com a do commando militar.

É evidente que um commandante militar isolado, sem meios de entrar em
relações de troca com os indigenas, nada poderia fazer.

O segundo modo de proceder consistiria, no caso de que á companhia de
Ophir fosse dado um caracter semi-official, era fundar esta companhia
uma estação civilisadora e commercial no Rupire, encarregada de vir a
receber os impostos com os arrendatarios dos prazos da corôa, de
effectuar as permutações com os indigenas e de com elles ir estreitando
relações de confiança e amisade. Ao chefe superior d'esta estação
civilisadora, que poderia ser um escolhido official do exercito de
Portugal, poderiam ser dados durante este primeiro periodo de occupação
os poderes e attributos de commandante militar ou de capitão mór.

Qualquer que seja a solução adoptada, o que parece muito util é que o
commando militar ou a estação civilisadora no Rupire seja constituida
por fórma tal que possa destacar para a frente elementos de exploração
tendo por fim a creação no mais breve tempo possivel de uma estação
portugueza na região indicada no mappa do sr. marquez de Sá com o nome
de mususuros, e que com este nome é effectivamente conhecida no paiz.

[Nota lateral: Itinerarios para Changamira.] Por caminho directo, que
hoje já se achará aberto, a viagem de Gouveia á aringa de Tumbura poderá
fazer-se em dois dias, e portanto a viagem de Gouveia ao Rupire em
quatro dias. Fazendo-se uso do magnifico porto do Bangue, e havendo
faceis communicações do Pungue com Gouveia, a principal estrada da costa
para Changamira poderá ser a do Bangue, Gouveia e Tumbura. Será esta
sempre a mais rapida e a que deve ser seguida pelas malas e pelos
passageiros.

Mas para o transporte das fazendas de importação ordinaria e o da cera,
lã, pelles, couros e outros productos relativamente pobres de
exportação, são preferiveis aos meios de communicação rapida os meios de
communicação economica, e para este fim a via do Zambeze e Luenha poderá
com vantagem ser empregada quando n'estes rios haja carreiras a vapor.
Os vapores poderão ir por este ultimo rio até a distancia de dois ou
tres dias da estação de Rupire.

Infelizmente o paiz aqui é extraordinariamente infestado pela mosca
pepse, e não permitte por emquanto o uso dos carros de bois; mas facil
será fazer uma boa estrada e ensaiar para esta curta viagem de dois dias
o emprego de carros puxados por burros ou muares.

Emquanto se não podér aproveitar uma parte do curso do Luenha, e
emquanto se não crearem faceis communicações pelo porto do Bangue com
Gouveia, como não convem ir do Zambeze a Gouveia, para de lá ir a
Changamira, a estrada commercial para esta terra deverá seguir, ou de
Chemba, como já disse em outro relatorio, ou antes, subindo embarcado
mais um pouco o Zambeze, por um caminho, que se abra pelo valle do Muira
em direcção á aringa de Inhacassengo e d'ahi, atravessando o Luenha, por
Inhabaco e Inhachiranga até ao Rupire.

[Nota lateral: Musururos.] Durante a minha estada no Rupire obtive muito
interessantes informações ácerca do paiz dos mususuros, bususuros ou
ainda susuros, que tem sobre o de Changamira a vantagem de não estar
sujeito ao flagello da mosca pepse, e por isso a de ter abundantissimas
manadas de bois, a de ser mais elevado e apparentemente mais salubre, e
ainda a de ser retalhado com pequenos rios de excellente agua corrente.
Fizeram-me do paiz dos mususuros a descripção que eu poderia fazer de
Manica. Como paiz aurifero, pelo que ouvi e pelo oiro que effectivamente
hoje de lá tiram, parece-me ser tambem superior a Changamira.

A compra do oiro tem ahi ás vezes logar por um modo curioso. Todos os
pretos dos mususuros desejam comer carne de vacca, mas nem se sabem
agremiar para a distribuição nem desejam matar os seus bois para os
comerem em familia.

Os pretos mercadores, mesmo pretos do Rupire, que ali vão comprar oiro,
começam por comprar um boi por um algodão pegado de 6 libras, que custa
em Quelimane 1$600 réis, e depois vendem a retalho a carne em troca de
oiro.

A indole do povo parece ser boa; a todos os pretos que ahi chegam como
compradores tratam _como se fossem mosungos_. O paiz tem, ou ao paiz vem
ainda muito marfim. Builha, a terra do mambo Motoco, não é ainda
considerada como mususuros, mas parece que o são já as terras que ao S.
e SO. com ella confinam.

Pelo leste confina Builha com Manica, havendo porém bastante distancia
entre as povoações mais proximas das duas terras por haver n'esta
direcção uma larga faxa não habitada. Da povoação do Motoco á do Mutaça,
rei de Manica, são quatro dias de caminho; á do Macone, mambo que fica a
O. de Manica, são tres dias. Manguende é o nome de um mambo dos
mususuros, que fica a dois dias da povoação de Motoco e que tem muito
marfim.

A terra dos mususuros, considerada pelos pretos mais rica em oiro, é
_Goa_, que tem por mambo a Mussanae; fica a tres dias de caminho da
povoação de Motoco, atravessando-se pela terra Zumba do mambo Gaha, pela
do Sotoco do mambo Chunni, e pela de Chiguagua, que tem o mambo com o
mesmo nome. Chiguagua é terra considerada tambem como tendo muito oiro.
Outra terra ainda citada como muito aurifera é a do mambo Massumbura,
que ainda fica dois dias adiante de Goa.

Todas estas terras parece que se acham na bacia hydrographica do Mazoe.

_A priori_ parece que a melhor situação para fundar a estação
civilisadora e commercial de mususuros seria pela latitude 18° junto ás
cabeceiras do Mazoe e do Save. Esta estação ficaria quasi na latitude de
Gouveia e poderia communicar directamente com a capital do districto, se
se encontrasse bom caminho atrás do paiz montanhoso que ha a atravessar;
achar-se-ia talvez a dois dias de caminho de Macequece e d'ahi poderia
seguir pelo bom caminho que já sabemos haver para o Pungue, ou ainda
poderia vir a communicar directamente com o porto de Bangue e povoações
intermedias que venham a fundar-se, procurando logo a direcção do valle
do Pungue, deixando Gouveia ao N. e Macequece ao S.

Este paiz elevado onde nascem o Save e o Mazoe e outros afluentes do
Zambeze, cuja occupação é da maior importancia politica, parece ser o
mais adaptado para a colonisação europea na Africa austral. A pagina 285
dos _Proceedings of the Royal Geographical Society_, de maio 1884, vê-se
que a respeito d'esta região mr. Selous, o celebre explorador e caçador
africano, que tão bem conhece o Transvaal, diz: «As melhores partes do
Transvaal não lhe podem ser comparadas».

........................................................................




III

Considerações relativas á politica a seguir com alguns paizes que
envolvem a provincia de Moçambique


É desnecessario dizer o que era de facto ha pouco tempo a provincia de
Moçambique ao S. do Zambeze. O que se passa ainda no proprio districto
de Moçambique dá idéa de quanto se estendiam os nossos direitos
effectivos em toda a provincia.

Hoje, ou em breve, podemos dizer que os limites legaes da soberania
portugueza ao sul do Zambeze são, começando do S., os que nos fixam a
arbitragem do marechal de Mac-Mahon e o tratado de 1869 com o Transvaal
até á altura da confluencia do Paphoris no Limpopo; depois a linha
limite O. das terras do Gungunhana, que, partindo approximadamente da
altura da foz do Paphoris segue até ao ponto em que o Save muda de
direcção para O.; depois o curso d'este rio emquanto elle desde a sua
origem corre de N. para o S.; finalmente, uma linha que vá das
cabeceiras do Save, abrace os mususuros e Changamira, siga em parte o
curso do Mazoe e depois inclinando mais para O., e abraçando os
territorios da Chidima, que ultimamente têem sido conquistados pelo
districto de Tete, se prolongue até ao Zambeze, não sei quanto, a
montante da villa de Zumbo.

A epocha dos soberanos indigenas independentes na Africa do S. está
proxima a acabar, e é só aos ingleses, allemães e boers do Transvaal que
teremos a attender como unicos elementos que se poderão oppor, pelos
direitos que elles por sua parte adquiram, á expansão da area da
provincia de Moçambique, ou a que a linha de limites que indiquei se
afaste para O., abraçando novos territorios.

........................................................................

[Nota lateral: Estradas commerciaes.] O que é evidente é que estes
territorios, abundantes em riquezas para explorar, existem onde estão;
que ninguem os poderá deslocar da situação geographica em que elles se
acham; e que esta situação os obriga a serem directa ou indirectamente
nossos tributarios e a concorrerem para a prosperidade da provincia de
Moçambique pelo uso que farão das suas estradas e dos seus portos.

........................................................................

As grandes estradas commerciaes do interior da parte central da
provincia de Moçambique para a costa, serão as que vierem encontrar os
rios que desembocam na bahia de Manzanzane ou conduzam ao porto do
Bangue, e o Zambeze.

A creação do districto e governo de Manica, a viagem que por este motivo
fiz ás terras dos landins, e o ter sido um dos primeiros actos do novo
governador geral da provincia o tomar em consideração as informações que
no meu relatorio expuz relativamente ao rio Pungue, mandando a
canhoneira _Quanza_ explorar a foz d'este rio, levaram á descoberta de
um porto de mar superior aos de Quelimane e Inhambane, situado
approximadamente a meio da distancia entre estes dois portos, e na
embocadura de rios navegaveis por grande extensão. A não ser que o
estado do paiz, que é desconhecido, revele alguma circumstancia muito
desfavoravel, como a de não haver nos terrenos marginaes do porto local
conveniente para a construcção d uma cidade, a descoberta d'este porto
terá em breve uma extraordinaria influencia no desenvolvimento da mais
valiosa porção da provincia de Moçambique.

Basta citar as estradas que a este porto devem convergir.

Disse em outro trabalho que o Quiteve, desde as costas da provincia até
proximo da povoação de Gungunhana, era um paiz plano e horisontal. Em
todo elle vivem bem os bois e podem ser empregados carros como os que
percorrem toda a Africa austral, á excepção dos paizes onde ha a mosca
ou aquelles em que ha só portuguezes.

Uma estrada carreteira, partindo da povoação de Gungunhana, deve vir
procurar o rio Busi em altura conveniente. Barcos fluviaes a vapor
ligarão este porto ao ponto do Bangue. Á estrada de Gungunhana
prolongada será a estrada de Duma e de toda a parte S. do paiz dos
matebeles até Gubulavaio.

Já tambem em outro relatorio disse que de um ponto da margem direita do
Pungue, onde se possa chegar em embarcações adequadas partindo do porto
do Bangue, até Manica ha já caminho de preto facil, que se póde
percorrer a pé em quatro dias.

É desnecessario lembrar que o sitio das minas de Inhaoxe, entre o Busi e
o Pungue, fica a menos de um dia do ponto de desembarque em qualquer
d'estes rios e portanto do mais facil accesso pelo porto do Bangue.

N'este mesmo relatorio já disse que o valle de Pungue, para montante da
foz do Vundusi, é um excellente campo para colonisação e que _a priori_
se poderia esperar que ao longo d'este valle se possa abrir uma estrada
para servir directamente o paiz dos mususuros.

É a que já seguiu o governador geral da provincia na sua visita á
capital do districto. Já atrás notei como o prolongamento d'esta estrada
para Changamira será a via de communicação mais rapida d'esta divisão do
districto de Manica com a costa.

O major Serpa Pinto, no seu livro, _Como atravessei a Africa_, mostra
como, aproveitando o alto Zambeze, o Cafuque e o baixo Zambeze, se póde
facilmente pôr em communicação mais de dois terços de largura do
continente africano n'estas latitudes com o oceano indico.

Antigamente as communicações entre Tete ou Senna e Quelimane tinham
logar por embarcações que desciam o grande rio até ao sitio do Mazaro,
entravam ahi no rio Muto, que seguiam com mais ou menos difficuldade de
navegação, pela pouca agua que em certos pontos o rio tinha durante a
estiagem, e depois pelo rio dos Bons Signaes ou de Quelimane até á villa
d'este nome. Mais tarde a bôca do Muto ou Mazaro fechou-se completamente
com areia e vegetação, e a navegação pelo rio Muto cessou de todo;
começando-se a fazer uso do Barabuanda ou Quaqua, outro canal da
communicação entre o Zambeze e o rio de Quelimane, com agua em parte
fornecida por alguns pequenos rios que a elle vem dar. Durante alguns
dias do anno, quando a cheia no Zambeze é muito grande, as embarcações
que vem do Zambeze podem entrar no Quaqua, ou mesmo navegar pelos
campos, fóra do leito do canal, e seguir sem interrupção até Quelimane;
mas durante quasi a totalidade do anno a navegação não póde ser continua
entre Quelimane e o Zambeze. Todas as mercadorias importadas por
Quelimane com destino ao Zambeze, ao Chire, ao lago Nyassa, sobem o rio
de Quelimane e o Quaqua em pequenas embarcações até onde a agua lhe
permitte que cheguem, geralmente até proximo das construcções da
companhia do opio onde, o Quaqua faz uma curva que mais do que em
qualquer outro ponto, a não ser muito acima quando junto ao extremo do
canal, se approxima do Zambeze. Tudo é descarregado ahi e transportado á
cabeça dos carregadores até ao Zambeze, na altura da povoação do
Vicente, que fica um pouco acima do Mazaro. Com relação ás embarcações,
procede-se por dois modos: ou as embarcações que vieram de Quelimane
ficam no Quaqua e as cargas são postas em novas embarcações no Zambeze,
ou as proprias embarcações do Quaqua são passadas para o Zambeze. Os
coxes e almandias feitos de um só tronco de arvore cavado, não têem
perigo de se desconjuntarem e são arrastados sobre o solo desde um rio
até ao outro; os escaleres são voltados de quilha para o ar e
transportados sobre os hombros de trinta ou quarenta pretos. É por este
modo que se têem feito nas ultimas dezenas de annos os transportes do
commercio do Zambeze. Procedeu-se a estudos para projectar pelo canal do
Quaqua, convenientemente rectificado e aprofundado, uma communicação
permanente entre o Zambeze e o rio de Quelimane; tem-se tambem indicado
como conveniente a construcção de uma linha ferrea partindo da villa de
Quelimane ou de outro ponto da margem do rio de Quelimane para o Zambeze
e mesmo para o Chire.

Mas as aguas do Zambeze que, como acabo de dizer, só durante as grandes
cheias passam pelo Quaqua, pelo Muto e por terrenos inundados para o rio
Quelimane, continuam na maior parte do anno, correndo todas pelo grande
leito do rio até que este se divide nos differentes braços que as levam
ao oceano. Pensa-se hoje que de todas as bôcas do Zambeze, só uma, a do
Inhamissengo, permitta a passagem de embarcações por cima da barra.

Quando em 1879 pela primeira vez cheguei ao Zambeze, o porto de
Inhamissengo, apesar de que ha seculos tinha sido considerado como
podendo dar entrada aos mesmos navios que entram em Quelimane, apesar
das viagens de Livingstone, dos trabalhos do sr. Augusto de Castilho e
de ter sido o porto por onde os vapores _Senna_ e _Tete_ entraram no
Zambeze, achava-se quasi de todo esquecido e inteiramente abandonado
pelas nossas auctoridades. A casa hollandeza tinha estabelecido uma
feitoria na ilha de Inhamissengo, collocado uma grande bandeira
hollandeza na entrada do rio e considerava-se quasi em terreno tão seu
como a casa hollandeza em Banana, e Porto da Lenha dizia estar nos seus
territorios do Zaire. Algum tempo depois o governador do districto de
Quilimane, o sr. José de Almeida de Avila, creou o commando militar do
Inhamissengo e nomeou para esse cargo um official que em breve
transformou a ilha, em que primeiro se achava só a casa hollandeza,
n'uma pequena povoação constituida pela residencia do commandante,
construcções do posto fiscal, feitorias das duas grandes casas francezas
que negoceiam em toda a costa de Moçambique e algumas outras casas. A
creação d'esta povoação não teve no desenvolvimento do commercio da
Zambezia a influencia que á primeira vista parecia deveria ter, por tres
motivos, sendo um d'elles a falta de communicações entre Inhamissengo e
Quilimane, o segundo a falta de um rebocador para facilitar a entrada e
a saída dos navios de véla que começavam a ir ao porto de Inhamissengo e
o terceiro a situação da povoação. A povoação foi construida junto á
primeira casa edificada na ilha, a casa ou feitoria hollandeza; a praia
da povoação era tão proxima do mar que a agua muitas vezes estava quasi
tão agitada como na costa e muitas das embarcações do Zambeze, que
desceram até ao Inhamissengo, foram voltadas pelas ondas, perdendo-se
tudo o que n'ellas vinha. Ora, o rio Inhamissengo tem com o de Quilimane
por uma grande extensão agua mais profunda do que a altura da agua na
barra, e todas as embarcações que podem passar sobre a barra podem com
mais facilidade subir pelo rio acima. O sr. capitão Augusto de Castilho,
antes de ser governador geral, já tinha feito esta observação e
escolhido na terra firme da margem direita do Zambeze local para uma
povoação até onde podessem chegar todos os navios que passassem sobre a
barra do Inhamissengo e que se achasse em tão faceis condições de
accesso para as pequenas embarcações que venham de Tete, Senna e do
Chire, como está a povoação do Vicente, onde hoje se fazem todas as
baldeações. Um dos primeiros actos do novo governador geral foi o
determinar a formação da nova povoação, a que deu o nome de Conceição, e
que deve vir a ter um desenvolvimento, como o sr. marquez de Sá, no seu
livro o _Trabalho rural africano_, previa, para a povoação que elle
dizia dever fundar-se um pouco mais acima, na Chupanga. A falta de
rebocador especial para o porto de Inhamissengo deixa-se de fazer sentir
logo que haja um bom rebocador em Quelimane, que por emquanto poderá
servir para os dois portos, visto que o numero de barcos de véla que os
frequentam é muito reduzido e hoje devem já os dois portos estar ligados
por uma linha telegraphica que se achava em construcção quando parti de
Quelimane. Quanto ás communicações regulares entre Inhamissengo e
Quelimane por vapores, poderiam ellas em rigor ser effectuadas pelo
rebocador do governo a que me acabo de referir, mas é de esperar que o
sejam por modo mais conveniente, sendo executada a excellente idéa do
sr. governador geral, que consiste em dispensar os paquetes da carreira
subsidiada de tocar em Chiloane, fazendo-os logo seguir de Inhambane
para Quelimane e vice-versa na viagem da volta, o que é vantajoso para o
serviço dos portos importantes da provincia, e fazer com que a empreza
de navegação com o pequeno vapor que ella tem obrigação de ter em
serviço na costa, organise um serviço regular, em combinação com a
passagem dos paquetes em Quelimane, d'este porto para o Inhamissengo até
á povoação da Conceição, para o Bangue ou foz do Pungue, para Sofalla e
para Chiloane. As condições em que assim ficará a povoação da Conceição
já por si concorrerão muito para o desenvolvimento do commercio da
Zambezia, pois que qualquer pequeno negociante ou agricultor das margens
do Zambeze ou do Chire poderá desde já mandar com toda a facilidade uma
ou mais almandias tripuladas por pretos de seu serviço portadores de um
simples bilhete até Conceição para fazer entrega dos generos, ou ás
grandes casas commerciaes de exportação, ou directamente á agencia que
n'esta povoação deve ter a empreza de navegação, o que nunca poderia
succeder com as complicadas baldeações do Zambeze para o rio de
Quelimane.

Mas o grande desenvolvimento do commercio do Zambeze só se manifestará
quando aos melhoramentos que tenho indicado e que se podem considerar
como realisados, se juntar o da creação de um serviço de navegação a
vapor no Zambeze até Tete ou até ao pé das cataratas de Coruabassa, no
Chire e no Luenha. Esta navegação não é isenta de difficuldades, mas com
a pratica do serviço poderão ir sendo vencidas ou torneadas. O que é
urgente é começar. Possuir o Zambeze e não procurar ter n'elle um
serviço de navegação a vapor, é como se n'um paiz abundantissimo em
productos que precisam ser economicamente transportados, houvesse
construida uma extensa linha ferrea que se deixasse desaproveitada só
para evitar a compra de uma locomotiva e de alguns wagons. Poucas
despezas se poderão fazer na provincia de Moçambique que dêem resultados
mais immediatamente remunerativos para a provincia; é incontestavel que
com urgencia ao governo convem, ou adquirir algum material de navegação
bem escolhido, e organisar por sua conta um serviço de correio de
Conceição a Tete, tomando os vapores de escala cargas dos particulares,
ou promover a formação de uma empreza, ou dar a qualquer empreza já
creada o necessario auxilio para a organisação d'este serviço.

A navegação do Zambeze acima do Tete é interrompida pelas cataratas de
Caruabassa. Desde a altura do logar de Cachombe, a montante das
cataratas até Zumbo, foz do Cafuque, e por este rio acima a navegação é
mais facil do que em muitos pontos do rio abaixo de Tete. Nas
publicações que fizerem os dois exploradores Capello e Ivens, que
parecem ter vindo enthusiasmados com a regiao do Zumbo, não deixarão
elles de confirmar a idéa do major Serpa Pinto e de pugnar pelo
aproveitamento da magnifica estrada que a natureza poz ahi á nossa
disposição; e eu penso que ao tratar-se da navegação do Zambeze deveria
immediatamente fazer-se transportar até Tete o material de uma ou duas
lanchas a vapor para serem armadas no Cachombe e ahi lançadas ao rio. Se
porém é provavel que uma empreza particular podesse com mais vantagem de
que o governo organisar um serviço a vapor desde Conceição até Tete e no
Chire, não julgo que, salvo o caso da organisação de uma vasta companhia
com um largo plano de trabalhos, o que não será facil por emquanto
realisar, o serviço de Cafuque e do Zambeze acima de Cachombe, podesse
com utilidade ser feito por uma empreza, e julgo que toda a vantagem
n'este caso seria a do emprego de duas embarcações pertencentes ao
governo.

Sem entrar em desenvolvimentos, parece-me que a creação de um districto
e governo do Cafuque seria hoje um utilissimo serviço prestado á
provincia de Moçambique. Apesar das excellentes condições que se dão no
actual governador do districto de Tete, não póde elle, como o padre que
foi nomeado para Tete com a obrigação de ir dizer missa aos domingos no
Zumbo, attender a todas as interessantes questões que agora ha a
resolver para o lado do Mazoe, com o Bonga e na Macanga, e ao mesmo
tempo occupar-se da expansão dos novos dominios na região do Zumbo e na
exploração e occupação da estrada do Cafuque. O districto do Cafuque
deveria começar junto ao rio Zambeze na altura do Cachombe, isto é,
acima das cataratas da Caruabassa e prolongar-se por emquanto
indefinidamente para O. O governador do Cafuque teria dois fins
principaes em vista. O primeiro crear relações com os matebeles, se isso
fosse julgado conveniente, ou pelo menos assegurar para a soberania
portugueza uma facha de terrenos ao longo da margem direita do Zambeze
desde o Zumbo até ás cataratas de Cariba ou talvez mesmo até ao rio
Guai. O segundo occupar-se da estrada do Cafuque, de estudar bem as
circumstancias locaes e propor a necessaria creação de estações
portuguezas em pontos adequados. O governo do Cafuque só poderia ser
dado a um official prudente e de toda a confiança. Se se encontrasse um
official com desejos de cumprir esta missão, mas de patente ou posição
tal que não estivesse em harmonia com a de um governador de districto,
poderia executar essa missão com o caracter provisorio ou de organisação
e com o titulo de commissario do governo, desligando-se em todo o caso
do districto de Tete toda a area da sua acção.

Para que tão util medida produza os resultados consideraveis que ella
póde e deve produzir, é absolutamente necessario que todos se convençam
de que é aos capitães móres de influencia pessoal, contra os quaes
tantos fallam por ignorancia, que devemos quasi todos os territorios que
possuimos na Zambezia, que a obra d'estes capitães móres foi o primeiro
passo dado, e em que seria perigoso ficar; que devemos agradecer-lhes e
recompensa-los, e trabalharmos de accordo com elles em ir transferindo a
sua influencia pessoal para agentes mais regulares da Magestade, como
agora dizem todos os pretos da Gorongosa, que já hoje bem comprehendem
que a Magestade, e que o governador, mandado pela Magestade são
auctoridades de ordem muito superior á de Manuel Antonio; e isto porque
Manuel Antonio, na melhor harmonia com o governador de Manica, não faz
senão repetir aos grandes e aos mais pretos que elle é escravo do Rei, e
que todos devem absoluta obediencia ao governador que elle mandou para
ali.

Não conheço o capitão mór Araujo Lobo, mas sim os muitos serviços que
elle tem prestado ao paiz, e estou convencido que se apparecer no Zumbo
um governador do Cafuque, ou um commissario regio que proceda com tanto
tacto, como na Gorongosa está procedendo o governador de Manica, teremos
adquirido em breve e consolidado para a nação portuguesa, e poderemos
muito desenvolver elementos, já hoje adquiridos por portuguezes
benemeritos, mas elementos que nas condições que hoje se dão podem de um
momento para o outro desconjuntar-se e inutilisar-se, quando não seja
senão pela morte, possivel sempre, de um ou poucos individuos. A um
negociante da Zambezia, muito pratico nas viagens para Tete e para o
Zumbo, ouvi eu dizer que o capitão mór do Zumbo, Araujo Lobo, podia com
os recursos de que dispõe assegurar communicações permanentes desde esta
villa até ao Bihé. Não aproveitar meios de acção d'esta ordem seria
falta para lastimar.

Bordo do _Drumond Castle_, 23 de Janeiro de 1886.=_Joaquim Carlos Paiva
de Andrada_, capitão de artilheria em commissão.





End of the Project Gutenberg EBook of Relatorio de uma viagem ás terras do
Changamira, by Joaquim Carlos Paiva de Andrada

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK RELATORIA DE UMA VIAGEM--CHANGAMIRA ***

***** This file should be named 34040-8.txt or 34040-8.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        https://www.gutenberg.org/3/4/0/4/34040/

Produced by Pedro Saborano

Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
https://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected].  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     [email protected]


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.