Perolas e Diamantes: Contos Infantis

By Jacob Grimm and Wilhelm Grimm

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Title: Perolas e Diamantes
       Contos Infantis

Author: Jacob Grimm
        Wilhelm Grimm

Commentator: Ana de Castro Osório

Translator: Henrique Marques Junior

Release Date: November 21, 2009 [EBook #30510]

Language: Portuguese


*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PEROLAS E DIAMANTES ***




Produced by Pedro Saborano





Irmãos Grimm

PEROLAS E DIAMANTES


EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL
SOCIEDADE EDITORA

LIVRARIA MODERNA
RUA AUGUSTA, 95
LISBOA-MDCCCCVIII




PEROLAS E DIAMANTES




VOLUMES PUBLICADOS

DA

BIBLIOTHECA DAS CREANÇAS

A 200 réis br. e 300 enc.

I--_Contos de Fadas._

II--_Novos Contos de Fadas._

III--_Terceiro Livro de Contos de Fadas._

IV--_Historias da Carochinha._

V--_Historias phantasticas (Aventuras do Barão de Münchhausen)._

VI--_Céu Azul._

VII--_Contos Côr de Rosa._

VIII--_Palhetas de Oiro._

IX--_Lendas ao Luar._

X--_Perolas e diamantes._

NO PRÉLO

XI--_Contos do Natal._

EM PREPARAÇÃO

XII--_Escrinio de joias._




BIBLIOTHECA DAS CREANÇAS

X


IRMÃOS GRIMM

Perolas e Diamantes



CONTOS INFANTIS

COLLIGIDOS POR

HENRIQUE MARQUES JUNIOR

LISBOA
LIVRARIA MODERNA
Rua Augusta, 95
1908




_A meu irmão Paulo consagro estes simples contos infantis, cujo encanto
mais tarde avaliará._

                                                        HENRIQUE

XVI-IX-CMVII.




_Carta-prefacio_

_... Sr. Henrique Marques Junior._

Pede-me V. algumas palavras para acompanhar o decimo volumesinho da sua
encantadora bibliotéca infantil; e eu, abrindo uma excéção aos meus
hábitos, de bom grado lhe envio o que deseja para abrir as suas
«_Perolas e diamantes_.»

E digo abro uma excéção, porque até hoje me tenho sistematicamente
recusado a prologar livros alheios, assim como para os meus jámais tenho
pedido prologos a outros camaradas. Mas isto não quer dizer que V.
tenha andado mal fazendo-o, pelo contrario tem feito muito bem em vista
do assunto de que se trata e das pessôas autorisadas que tem chamado a
depôr no tribunal da opinião publica. Isto porque a questão pedagogica,
a que se liga a litteratura infantil, tem tantos controvertores que
sobre ella ainda não se póde, com segurança, dogmatisar preceitos e
sistemas.

Muitos pedagogistas, e eu estou com elles, estimam a literatura infantil
muito variada e imaginosa e aceitam como util o conto tradicional, o
conto fantastico, emfim.

Entre muitas razões que para isso apontam é o prazer excécional que
esses contos despertam na criança, e vêr que com elles, mais do que com
outros, se desperta e desenvolve no espirito infantil o gosto da leitura.

Outras, pessôas gradas e ponderadas que desejam educar as crianças
como quem cria flores perfeitas para determinados resultados já
previstos pela sciencia, protestam contra a fantasia e querem só a
_verdade_...

Como se nós podessemos explicar a um pequenino espirito que se
entre-abre á luz o que é uma geleira, uma borboleta, um trasatlantico
sem o auxilio de fantasia!

Comprehenderá a criança melhor que um homem possa descer ao fundo glauco
das ondas revestido d'um escafandro do que vá aos infernos buscar o
cabello de ouro do diabo?...

Para ellas tudo são surpresas, tudo maravilhas.

Acrescentando ainda que os contos educativos e moraes para o serem,
igualmente são fantasiados e para a maior parte das crianças é tão
longiqua, tão extraordinaria uma viagem á Suissa ou á Italia, como
uma passeata dada com as _botas de sete leguas_ do gigante.

Por mais que se queira, não é possivel fugir á fantasia, que é afinal a
parte intelectual e superior da vida; o ponto está em que se canalise
devidamente a atenção e o gosto infantil e se lhe vá anotando o que de
impossivel se conta para os entreter.

Os psicólogos estão muito enganados; não são os contos fantasticos que
desenvolvem as imaginações desvairadas: a criança logo que começa a
raciocinar sabe muito bem discernir até onde chega o possivel e onde se
entra no limite do impossivel. Tem até graça uma observação que tenho
feito entre as crianças do meu conhecimento--e não são poucas as que
tenho estudado--a criança mais fantasista, mais imaginosa, mais creadora
de sonhos de acordado, é a que menos lê, a que menos se interessa pelas
criações alheias. As ponderadas, as serenas, as positivas, aceitam
esse acepipe como um prazer do espirito e não desvairam com elle.

Veja-se e compare-se a riqueza fabulosa das literaturas infantis das
raças frias do norte, em comparação com as das raças latinas.

Veja-se como lá a fantasia se expande livremente e como são familiares a
toda a gente os contos e fabulas tradicionaes.

Por cá abusa-se do sentimentalismo como se fosse qualidade que désse
mais condições de resistencia ao ser humano.

E... para terminar, que o espaço é pouco, dir-lhe hei que considero bem
o incluir a serie graciosa que acaba de enfeixar sob o sugestivo titulo
de «_Perolas e diamantes_,» verdadeiras joias preciosas do escrinio
magnifico dos mestres suprêmos que foram, no genero, os irmãos Grimm.

Não esquecerei nunca o deslumbramento, o encanto que senti ao lêr,
pela primeira vez, estes contos, e a anciedade com que acompanhei o
_homem-urso_ na sua dolorida peregrinação enfeudado ao diabo... desejava
falar n'esta pequenina collecção destacando um por um dos seus lindos
episodios, mas... tenho que cinjir-me ao pequeno espaço que me é dado.

Termino, pois, dizendo-lhe: em nome das crianças portuguêzas agradeço o
cuidado que tem tido em lhes escolher lindos contos para seu prazer, e
em nome das mães pedindo-lhe que não desanime na empreza.

A literatura portuguêza é ainda pobre, apezar do que ultimamente se tem
feito; precisamos mais e mais...

As crianças tudo merecem, ellas que nos lêem com tanto enthusiasmo e tão
sinceramente nos estimam.

Creia-me

                                                _Anna de Castro Osorio._

Setubal, 16-3-908.




O violino maravilhoso


Era uma vez um homem muito rico, mas muito avarento, que tinha como
creado um rapaz honesto e activo, como não haverá muitos; todas as
manhans o moço se erguia ao romper da alva e só se deitava ao ultimo
cantar do gallo.

Quando havia algum trabalho mais penoso, ante o qual todos recuavam, o
rapaz fazia-o, contente, satisfeito e sem sombra de azedume.

Logo que acabou o primeiro anno de permanencia em casa do avarento, que
não estipulára soldada, não recebeu um ceitil de paga, pensando de
si para si que o moço, não tendo dinheiro, não se tentaria com outra
collocacão. O rapaz calou-se e continuou a trabalhar como d'antes; ao
cabo de dois annos, o avarento nada deu e o rapaz permaneceu no seu
mutismo.

Ao fim do terceiro anno, o rico, espicaçado pela consciencia, metteu a
mão ao bolso para remunerar o fiel creado, mas, raciocinando,
arrependeu-se e tirou a mão vasia. O rapaz exclamou então:

--Patrão servi-o tres annos o melhor que me foi possivel; agora quero
vêr mundo e por isso peço que me pague as soldadas que me deve.

--Tens razão--respondeu o rico avarento--fiquei sempre muito satisfeito
com o teu trabalho e a tua boa-vontade, e por isso vou remunerar-te como
mereces. Aqui tens tres escudos novos; é um por cada anno que me serviste.

O rapaz, que andava sempre alegre e que era d'uma grande
simplicidade no que respeitava a dinheiro, julgou ter recebido uma
fortuna que lhe permittiria viver vida folgada por largos annos.

Disse adeus ao antigo patrão e foi-se embora, atravessando montes e
valles, cantando, saltando e alegre que nem um passarinho.

Ao acercar-se d'um monte, viu sair um velhinho muito corcovado que lhe
gritou:

--Olé companheiro, não pareces levar em conta de pesares a tua vida?!

--Que ganho eu em me apoquentar?--retorquiu o moço--Tenho na algibeira a
soldada de tres annos de trabalho.

--E a quanto monta essa fortuna?

--A tres escudos novinhos, muito luzidios. Olha, sentel-os trincolejar,
quando lhes toco com as mãos?

--Ora ouve cá--tornou o gnomo, de bom coração como se vae vêr. Eu
estou muito velhinho, e forças para trabalhar já não tenho; tu, que és
novo e forte, estás ainda em bom tempo de ganhares a vida.

O rapaz, que era de boa indole, apiedou-se do velho gnomo e fez-lhe
presente dos tres preciosos escudos que tanto prazer lhe davam.

--Como és esmoler--expressou-se então o genio bom em figura de
gnomo--dou-te licença para que me peças tres cousas que são a paga dos
teus tres escudos.

--Então, pois sim!--fez o rapaz incredulamente--Isto que tu queres fazer
é só do dominio das phantasias para entreter creanças. Mas, emfim,
sempre quero experimentar. Desejo então: uma espingarda que acerte logo
no que eu alveje; um violino que tenha a virtude de forçar a bailar
todos quantos me oiçam; e, finalmente, que toda e qualquer pessoa me
conceda, sem mais a quellas, a graça que eu pedir.

--És modesto no pedir--retrucou o gnomo que, curvando-se, tirou do monte
uma espingarda, e um bonito violino que se podia metter na algibeira.
Aqui tens--continuou o gnomo ao dar-lh'os--e fica sciente de que serás
servido sempre na primeira graça que solicitares.

O rapaz, jovialissimo, continuou a sua róta. Depois de caminhar um
boccado deparou-se-lhe um judeu, muito feio, com barbas de chibo muito
compridas e que estava absorto a ouvir o canto de uma avesinha.

--É extraordinario que um animal de tão pequeno talhe possua um trinado
tão cheio. Quanto não daria eu para o ter engaiolado!

--Posso satisfazer o teu desejo--disse o rapaz que tinha ouvido as
ultimas palavras, e apontando a espingarda ao passarinho este caiu
atordoado em cima dos espinhos.

--Vá lá, seu maroto, vá lá buscar o passarinho.

--Tractas-me com crueldade--respondeu o judeu--mas não deixo de
agradecer-te e vou apanhar a avesinha.

Em seguida metteu-se pelos espinhos custando-lhe a abrir caminho. De
subito o rapaz teve uma estupenda lembrança: principiou a dar arcadas no
violino. Logo o judeu ergueu as pernas e começou a saltar, a pular, a
torcer-se todo, ficando preso nos espinhos dos ramos, em que se achava e
que lhe espicaçavam a cara, arrancando-lhe as barbas; ficou com o
vestuario todo rasgado e a cara a escorrer sangue.

--Ai, ai!--lastimava-se o infeliz judeu--Socega, aquieta-te, não toques
mais n'esse amaldiçoado instrumento; aqui não é logar proprio para baile!

O azougado moço não fazia caso do pedido pensando com os seus botões:

--Este rabino esfolou tanto infeliz em quanto poude, que é justo que
seja esfolado agora!

E de novo tomou o violino tirando accordes mais ligeiros. O pobre judeu,
forçado a acompanhar o compasso, pulava e saltava; a cara cada vez
estava mais ensanguentada, o fato desfazia-se em farrapos e o pobre
velho gemia de dôr. A subitas gritava:

--Apieda-te de mim, pelas barbas de Abrahão, que em paga te darei uma
bolsa cheia de dinheiro que trago commigo.

--Alegras-me tanto com essa boa-nova que vou guardar o dinheiro. Antes,
porém, quero dar-te os meus parabens pela maneira graciosa e original
por que danças! É uma perfeição!

O judeu então, entregando-lhe a bolsa que promettêra, suspirou immenso,
emquanto que o alegre moço continuou a andar, cantando. Quando já o não
avistou, o rabino, não podendo conter o seu rancor, exclamou:

--Musico das duzias, estás a contas commigo. Grande marau! Has de
pagar-me a partida mais cara do que ossos!

Tendo com essa fala dado vasão ao seu odio, seguiu por atalhos e
alcançou a cidade mais proxima antes que o rapaz apparecesse. Uma vez
lá, foi queixar-se ao juiz n'estes termos:

--Venho aqui pedir justiça, senhor, para um maroto que me atacou
maltractou e roubou o que eu trazia. A prova de que não minto é olhar-me
a maneira porque vem o fato e a minha cara. Forçou-me a dar-lhe a bolsa
que trazia cem moedas d'ouro, que eram todo o meu peculio, as economias
que consegui com o meu trabalho, o unico bem que possuia. Faça todo o
possivel para que esse thesouro me seja restituido.

--Foi com alguma arma que o gatuno te pôz assim?--perguntou a autoridade.

--Nada, não senhor. Agarrou-me e agatanhou-me. É ainda moço, e traz uma
espingarda e um violino; com estes dados facilmente se conhece.

O magistrado pôz em campo os guardas, que depressa viram o indigitado
marau, que muito tranquilamente se encaminhou para essa localidade.
Deram-lhe voz de prisão e trouxeram-n'o ante o magistrado e o judeu, que
repetiu a accusação.

--Não toquei n'essa creatura nem com um dedo--defendeu-se o rapaz--assim
como não lhe tirei á força o dinheiro que elle trazia; offereceu-me da
melhor vontade para que eu não tocasse mais no violino, cujos accordes o
faziam nervoso!

--É mentira!--exclamou o rabino--Está a mentir impunemente!

--Está resolvida a questão?--ajuntou o magistrado--pois é caso
extraordinario um judeu dar de mão beijada uma bolsa com ouro, só por
não ouvir um boccado de musica. Pois senhor: a sentença do seu mau acto
está lavrada: vae ser enforcado immediatamente!

O verdugo--que se havia ido chamar, segurou o innocente moço, conduziu-o
á forca, que já estava erguida na praça principal onde accorreu toda a
cidade em pezo, e o rabino fôra o primeiro a mostrar-se fazendo menção
de soccar o pobre condemnado, verberando:

--Marau, vaes ter a recompensa que te é devida!

O moço conservou-se muito tranquillo; subiu sosinho a escada appoiada á
forca; ao chegar ao topo, virou-se para o juiz já togado, que viera
vistoriar o patibulo e solicitou-lhe:

--Antes de ter o nó na garganta, concede-me um derradeiro favor?

--Concedo--respondeu o magistrado--desde o momento em que não seja o
perdão!

--Nada d'isso é, pois não sou tão exigente... desejava apenas tirar uns
ligeiros accordes do violino!

Ao ouvir taes palavras, o rabino deu um estridente grito de susto e
pediu encarecidamente ao juiz que não consentisse!

--Qual a razão porque não hei de conceder a graça que este homem me
pediu, se é a unica alegria que por instantes posso dar-lhe? Tragam-lhe
o violino.

--Ai, meu Deus!--lamentou o rabino ao querer fugir, mas sem que lhe
fosse possivel abrir caminho pela compacta massa de povo que enchia a
praça.

--Dou-lhe uma peça d'ouro--prometteu elle no auge da aflicção--se me
amarrar com força ao pau da forca!

N'esse instante, porém, o rapaz deu o primeiro toque no violino. O
magistrado, o escrivão, o beleguim, os guardas, emfim tudo o que
compunha o corpo da magistratura da terra, os circumstantes, o proprio
judeu, tiveram um estremecimento; ao segundo toque, todos ergueram as
pernas, o proprio verdugo desceu a escada e collocou-se em pé de dança.

O moço então--ao vêl-os n'aquella pouco parlamentar attitude--tocou o
mais possivel, e agora os vereis: o povo fazia cabriolas; o juiz e o
judeu saltavam como que movidos por molas; rapazinhos, velhos, magros,
gordos, tudo dançava; se até os cães se erguiam nas patas de traz e
dançavam como todos! O condemnado deu uns accordes mais fortes e n'essa
occasião era inexplicavel o movimento: pareciam possessos de algum
espirito ruim, batendo com as cabeças umas nas outras, pizando-se,
acotovellando-se, atropellando-se. Gemiam com dores, e o magistrado,
afflicto, fatigadissimo, pediu:

--Não toques mais que eu perdôo-te! Foi o que o moço quiz ouvir, visto
que, concordando que o gracejo fôra longo, parou e guardou o violino no
bolso, desceu os degraus e veiu postar-se em frente do rabino que,
esfalfado, extenuado exhausto, se sentára na rua, respirando a custo.

--Agora és tu quem vaes confessar a proveniencia da bolsa que me déste,
com peças d'ouro. Não mintas, de contrario pego novamente no violino e
tornas a dançar uma farandola!--taes as palavras que o rapaz dirigiu ao
judeu, que confessou terrificado:

--Roubei-a, roubei-a, tu tiveste jus a ella pela tua honestidade;
dei-t'a para que não tocasses mais no violino!

Apparecendo o juiz, já um pouco refeito do cançasso, inqueriu do que
se havia passado e provando-se á evidencia que tinha havido roubo,
mandou enforcar o rabino.




João no auge da alegria


Era uma vez um rapaz que dava pelo nome de João e que esteve a servir
durante sete annos n'um logarejo de provincia. Ao cabo d'esse tempo,
despediu-se do patrão e disse-lhe:

--Patrão, terminou o meu tempo de serviço para que fôra chamado, mas,
desejando regressar para casa de minha mãe, precisava que me pagasse o
meu salario.

--Como fôste sempre fiel e honesto--respondeu o patrão--mereces boa
paga; e, pronunciando estas palavras, deu-lhe uma barra quase tão
grande como a cabeça do seu antigo creado.

João tirou o lenço da algibeira, embrulhou n'elle a barra, pôl-a aos
hombros e metteu pernas a caminho em direitura á casa da mãe. Andando
sempre, ainda que custando-lhe a andar, por causa do peso do fardo, viu
passar a seu lado um viandante trotando satisfeito n'um bonito e fogoso
corcel.

--Que bom ha de ser andar a cavallo!--exclamou João em tom
alto.--Aquelle homem vae alli commodamente sentado, não dá topadas nas
pedras, não estraga as botas e anda sem que dê por isso.

--Mas olha lá, ó rapaz--respondeu o viandante que lhe ouvia a
exclamativa--porque é que vaes a pé?

--Porque assim me é necessario--tornou João--Levo uma trouxa muito
pesada que tem de ir para casa; é ouro, é certo, mas pesa-me como
chumbo e quasi me custa levantar o pescoço!

--Queres tu entrar n'uma combinação commigo?

--Queres tu entrar n'uma combinação commigo?--aventurou o cavalleiro,
que fizera estacar o animal--Faze troca: eu cedo-te o meu bonito
cavallo dando-me tu a barra d'ouro!

--Com o maximo prazer! Advirto-o, porêm, de que o carrego é pesado!

O viandante depressa se desmontou do ginete, ajudou João a montar-se e
em seguida tomou a barra, dizendo ao ingenuo moço, emquanto lhe dava as
guias:

--Assim que desejes andar tão veloz como o vento, basta dares um
estalido com a lingua e gritares: upa, upa!

João ficou louco de contente, apenas se viu escarranchado no cavallo, e
partiu a rapido galope. Ao fim de certo tempo, lembrou-se d'ir mais
depressa ainda, e, dando um estalido com a lingua, incitou: upa upa! O
animal, comprehendendo a indicação, largou n'uma corrida desenfreada,
dando grandes upas e taes foram elles que o alegre João, não podendo
suster-se no dorso do animal, caiu estatelado no meio da estrada,
quasi á beira d'um poço. O cavallo continuou a correr, mas um aldeão que
vinha em sentido inverso, trazendo uma vacca, agarrou-o pela redea e
assim o levou para juncto de João que, levantando-se, estava a vêr se
havia soffrido algum desastre com o trambulhão.

--Olha que asneira, montar a cavallo! Arrisca-se a gente a deparar um
animal como este que nos atira de pernas ao ar! Nunca mais caio n'outra.
Agradeço o seu favor, mas não me fale no cavallo; se fosse uma vaquinha,
isso então era outro cantar; basta levál-a deante de si, com certo
geitinho; e não é só isso: dá tambem o leite com que se faz a manteiga e
o queijo que nos sustenta. Que não faria eu para assim possuir um animal!

--Se faz n'isso muito empenho--alvitrou o aldeão eu não ponho duvida
em a trocar pelo seu cavallo.

João açambarcou logo a ideia, cheio de satisfação; o aldeão montou o
animal e depressa se eclipsou.

João tocou a vacca, que ia na sua frente muito devagar, emquanto ia
magicando nas vantagens da troca que acabára de fazer:

--Desde o momento em que me não falte uma fatia de pão, e com certeza
não será isso o que me ha de faltar, posso, quando a fome me aperte,
comer manteiga ou queijo, se tiver seccuras, munjo a vacca, e bebo um
excellente leite. Que mais podes ambicionar, ó Janeco?

Ao acercar-se d'um albergue, parou e querendo possuir alimento para
sempre, deu cabo de toda a comida e gastou os derradeiros escudos n'uma
cerveja. De seguida, tornou a pôr-se a caminho da casa precedido pela
pachorrenta vacca.

O sol estava a pino e escaldava o rapaz e João, encontrando-se n'um
sitio desarborizado, sentiu tanta sêde que se lembrou de beber leite;
para esse fim, amarrou a vacca a uma sebe e, descarapuçando-se, começou
a mungir o animalejo, mas por mais esforços que empregasse não conseguiu
uma gottinha de leite. Como era leigo no assumpto, magoou a vacca que,
com a dôr, lhe deu um coice que atirou longe João, que com a dôr desmaiou.

Por felicidade, acercou-se um homem que levava, n'um carrinho de mão, um
porco ainda pequeno.

--Que diabo foi isso?--perguntou o homensinho, ajudando-o a pôr em pé.

João narrou-lhe o succedido; o homem do porco offereceu-lhe a borracha,
dizendo-lhe:

--Ande, beba-lhe um gole para o pôr firme! E quer saber? A vacca está
velha; boa apenas para puxar a uma carroça ou então para ir para o
matadouro. Por esse motivo não é para admirar que lhe não conseguisse
tirar leite.

--Oh co'a breca!--exclamou João, arranjando o cabello que se havia
emmaranhado com a queda--Quem o diria! O que é verdade é que,
matando-se, a vacca ainda alimenta muita gente, mas como acho a carne
pouco saborosa, não me servia. Agora se fosse um porquito! Isso era ouro
sobre azul! Eu então que sou doido por chispe com feijão branco e
chouriço de sangue!

--Ah, sim?!--lembrou o homem--Então tome lá o porco em troca da vacca!

--Deus o ajude!--acceitou João dando a vacca; puxou o porco pela corda
que o segurava no carrinho.

Á medida que ia andando, ia pensando, que tudo lhe corria em maré de
rosas; mal tinha uma contrariedade e logo lhe desappareceu. N'isto dá de
rosto com um rapazinho que levava debaixo do braço um gordo pato.
Deram-se os bons dias e começaram de conversa. João narrou os seus
feitos, gabando-se da sua ventura; em compensação, o rapazito disse que
o pato era uma encommenda para um baptisado que tinha logar na
proxima localidade.

--Tome-lhe o peso--aconselhou o rapazelho, agarrando o pato pelas
azas--Pesa bem, não é assim?! Não é caso para espantos, pois ha mais de
dois mezes que foi para a engorda. Quem o cosinhar póde gabar-se de
apanhar uma excellente enxundia!

--E é verdade que sim!--appoiou o nosso João--Está gordo que é uma
belleza! Comtudo, o meu porquinho tambem não está mau!

O rapazito calou-se, mas não fazia outra coisa senão olhar para um lado
e para o outro inquieto; em seguida, meneando a cabeça, disse:

--Quer saber uma cousa? Roubaram não ha muitas horas um porco a uma das
auctoridades da terra por onde eu agora fiz caminho. Está-me cá a
parecer que é esse mesmo, sim, quasi que ia jurar! Que mau boccado lhe
fariam passar se o vissem com elle. O menos que lhe faziam era
mettêl-o n'uma enxovia muito escura!

João, muito assustado, exclamou:

--O meu amigo é que me póde valer n'estes apuros! Desde que conhece os
cantos á villa, nada mais facil que occultál-o; dê-me o pato que lhe
cedo por troca o porco.

--Corro grave risco com a transacção--hesitou o moço--mas para o livrar
das mãos da justiça, acceito-a!

Agarrou a corda e, puxando pelo porco, depressa se esgueirou por um atalho.
O nosso heroe, descuidado e alegre, continuou a andar, raciocinando:

--Fazendo bem as contas, eu ainda ganho com a troca: a carne do pato é
muito saborosa e com as pennas faço uma almofada.

Depois de haver transposto a derradeira localidade antes de chegar á sua
aldeia natal, notou um amolador parado com a sua roda que fazia
girar cantando.

João estacou e ficou a olhar para o que o homem estava fazendo; em
seguida, dirigiu-lhe a palavra.

--Pela sua alegria se vê que tudo lhe corre no melhor dos mundos possiveis!

--Certamente, todo o officio é ouro em fio, um bom amolador anda sempre
endinheirado. Onde comprou esse bello pato?

--Comprar não comprei... foi uma troca que fiz! troquei-o por um porco.

--E o porco?

--Foi em troca d'uma vacca!

--E a vacca?

--Trocada por um cavallo!

--E o cavallo?

--Por uma bola d'ouro do tamanho da minha cabeça!

--E esse ouro?

--Foi a paga que recebi de sete annos de serviço!

--Sim, senhor!--exclamou o amolador--Não se perde! Se não mudar de
tactica ainda ha de junctar muito dinheiro.

--Parece que sim!--retorquiu João--Que hei de agora fazer para o conseguir?

--Faça-se amolador. É-lhe necessaria apenas uma pedra de amolar... o
resto depois vem com o andar dos tempos. Tenho aqui uma; já está um
pouco gasta, mas para lh'a vender não, troco-a pelo pato. Convem-lhe?

--Se convêm!--acceitou logo João--Se succeder, como diz, que nunca me ha
de faltar dinheiro, serei um rei pequeno, sem cuidados, sem ralações e
sem trabalho!

Entregou em seguida o pato ao amolador, que lhe deu uma pedra de amolar
e uma outra que apanhára do chão.

--Olhe--disse para o heroe do conto--aqui tem mais uma; esta é
magnifica para fabricar uma bigorna e endireitar pregos. Tome sentido
n'ella.

João tomou as duas pedras e lá se foi muito contente, com os olhos
brilhando de alegria.

--Nasci dentro de algum folle com certeza; pensou de si para si--tenho
sorte em tudo!

Entretanto como já andava desde manhã sentiu-se fatigado; estava com
fome, mas nada tinha com que a matar, por ter comido todo o farnel
quando da troca da vacca. Custou-lhe a andar e volta e meia tinha que
parar para descançar; as pedras faziam-lhe muito pezo e disse com os
seus botões que era bem bom que não as levasse, pois que lhe impediam
andar mais ligeiro. Arrastando-se conforme pôde, chegou proximo de uma
fonte ficando contente por encontrar com que molhar as guellas e crear
alento para a caminhada.

Não querendo estragar as pedras, pôl-as no rebordo da fonte e curvou-se
para encher o barrete da limpida agua que corria da bica; mas,
tocando-lhes sem dar por isso, as pedras rebolaram e caíram com grande
ruido dentro d'agua.

João, assim que as viu desapparecer, saltou de contentamento e,
ajoelhando-se, agradeceu a Deus, com os olhos marejados, a mercê que lhe
havia feito de o livrar d'aquelle peso.

--Era esta a unica cousa que me incommodava! Não creio que haja rapaz
mais feliz do que eu!

E de coração ao largo, não possuindo mais cousa alguma, pôz novamente
pernas a caminho e só parou quando topou com a porta de casa de sua mãe.




Pelle d'urso


Em epochas bastante afastadas houve um rapazito que sentou praça e desde
então mostrou heroicidade, sendo o primeiro a avançar ao chover das
balas. Emquanto durou a guerra, tudo lhe correu ás mil maravilhas; mas
assim que se assignaram as pazes, o nosso soldado recebeu a soldada que
lhe cumpria e o commandante da columna, a que o mancebo pertencia,
disse-lhe que fosse para onde lhe aprouvesse, pois no regimento já não
era preciso. Os paes haviam morrido, e o infeliz, n'estas condições, não
tinha patria. Não sabendo a quem recorrer, foi ter com os irmãos
pedir-lhes albergue emquanto não havia novo rompimento de hostilidades.
Ora, como os irmãos eram muito ruins responderam-lhe:

--Em que poderemos empregar-te? Em nada nos poderias ser util! Tracta de
te arrumar algures.

Ao pobre soldado só ficára a espingarda; pôl-a ao hombro, e resolveu
correr mundo. Depressa chegou a uma charneca, onde vegetava um numero de
arvores muito limitado. Sentou-se cabisbaixo á sombra e começou a
matutar na triste situação a que se via reduzido.

--Estou sem dinheiro--pensou--só conheço o officio das armas, e agora
que estão feitas as pazes, este officio de nada me póde servir, e o meu
fim é morrer de fome.

De repente, ouviu um ruido; voltou-se e viu, defronte de si, um
desconhecido, com um casaco verde; estava vestido com esmero, mas
tinha pés-de cabra.

--Eu sei o que te falta--disse-lhe o estranho
personagem--Conceder-te-hei tantas riquezas quantas queiras, mas é
necessario que não sejas medroso, pois n'esse caso não estou para tentar
fortuna.

--Soldado e medo são cousas que não se casam--respondeu o rapaz--Podes
tentar.

--N'esse caso, olha para traz!--tornou o diabo feito homem.

O soldado olhou e viu um enorme urso que avançava para elle urrando.

--Ah! elle é isso?! Espera lá que já te vaes calar de vez!--e o soldado
assim falando apontou e fez fogo tão certeiro que a bala entrou no
focinho do pesado animal que caiu redondo, sem um gemido.

--Está provado que não te falta coragem! Falta ainda outra condição para
o contracto.

--Desde o momento em que não seja cousa alguma contraria á minha saude,
estou disposto a tudo o que quizeres.

--A condição é esta: durante sete annos não te lavarás, nem farás a
barba, nem te pentearás, nem cortarás as unhas e, por ultimo, nem
resarás. Se te agrada a proposta, dou-te um fato e um manto que não
tirarás senão ao cabo d'esses sete annos. Se morreres entretanto, cairás
em meu poder; se, pelo contrario, viveres muito tempo, conquistarás a
liberdade e serás rico o resto de teus dias.

O soldado reflectiu no perigo que corria, mas, como varias vezes havia
affrontado a morte, decidiu-se a arriscar a vida na empreza, e acceitou
o alvitre. O diabo despiu o casaco verde, que fez vestir ao soldado,
accrescentando:

--Desde que vistas este casaco não te ha de faltar dinheiro; mette a
mão na algibeira e verás que te não minto.

Dicto isto tirou a pelle ao urso morto e presenteou com ella o soldado a
quem disse:

--Este é que é o teu manto; servir-te-ha de cama, porque não te é
permittido deitar-te sob lençoes. Como consequencia d'este nosso
contracto todos te chamarão _Pelle d'urso_.

Ao terminar a indicação, o demo sumiu-se.

O soldado vestiu o casaco, metteu a mão á algibeira e achou o que o
estupendo personagem lhe dissera; em seguida, envolvendo-se na pelle
d'urso, pôz-se a caminho, mostrando-se sempre e em toda a parte bondoso
e esmoler. O primeiro anno correu bem, mas ao segundo anno já era um
monstro; o cabello tapava-lhe os olhos completamente; a barba parecia um
grosseiro boccado de feltro; os dedos afuselavam-se em garras e o
rosto estava tão sujo que se houvesse semeado n'elle qualquer planta,
esta não deixaria de se desenvolver. A sua presença afugentava toda a
gente; como, porêm, por todos os logares em que passava, elle distribuia
esmolas aos pobres, pedindo-lhes que orassem por elle, afim de que não
morresse antes de sete annos, e como usava pagar depressa e bem, nunca
ficára ao relento, e tinha sempre quem lhe désse dormida.

No meiado do quarto anno, chegou a uma estalagem, mas o estalajadeiro
recusou-se a dar-lhe gasalhado; este homem nem mesmo consentiu que o
estranho hospede fosse dormir para a estrebaria, receoso de que a
presença de similhante exemplar da especie humana lhe espantasse os
cavallos. Comtudo _Pelle d'urso_ metteu a mão na algibeira, tirando um
punhado de dinheiro, e o estalajadeiro á vista do diabolico iman
curvou-se á imperiosa ambição e consentiu que o estranho viandante
ficasse n'um pessimo quarto interior, e ainda sob condição de que não se
mostraria a pessoa alguma, temendo sempre que a casa, por aquelle dever
de hospitalidade, perdesse os créditos.

Emquanto _Pelle d'urso_, sentado sósinho no humilde casinholo, pensava
tristemente na lentidão dos annos que ainda tinha a passar sob aquelles
medonhos trajes, ouviu queixumes e suspiros que partiam d'um quarto
proximo. Como era dotado de bom coração--e sem se lembrar do pedido do
hospedeiro--abriu a porta e viu um velho que chorava a bom chorar e que,
dolorosamente, punha as mãos na cabeça. _Pelle d'urso_ acercou-se do
companheiro de estalagem que se ergueu subitamente querendo fugir. Ao
ouvir, porêm, a voz da estranha creatura, serenou, e a sua conversa
amavel fêl-o animar a confiar-lhe as maguas que o affligiam. Os seus
recursos iam diminuindo a olhos vistos; as filhas e elle estavam
sujeitos a soffrer as maiores privações, e tão pobre era que não podia
pagar hospedagem ao estalajadeiro, razão pela qual o iam prender.

--Se outro não é o vosso cuidado, consolae-vos--disse _Pelle d'urso_ ao
ouvir a narrativa do velho--A mim não me falta dinheiro.

Chamou o estalajadeiro e pagou-lhe tudo o que o velho lhe devia,
entregando a este uma bolsa recheadinha d'ouro.

Quando o velho se viu tão facilmente livre de apoquentações, não teve
palavras para exprimir o seu grande reconhecimento; ao cabo de algum
tempo, disse a _Pelle d'urso_:

--Siga-me; as tres filhas que possuo são perfeitas maravilhas de belleza;
auctorizo-o a escolher uma para mulher. Assim que souberem da boa-acção que
practicou em meu favor, serão as primeiras a acceder ao meu desejo.
Realmente, o seu aspecto é exquisito e pouco attrahente, mas a que escolher
saberá disfarçar a primeira impressão que é, decerto, desagradavel.

A proposta agradou a _Pelle d'urso_, que de muito boamente acompanhou o
velho. Apezar de afastados de casa, a primeira filha ao vêl-o fugiu,
transida de medo, aos gritos. A segunda--valha a verdade--não fugiu
senão depois de o ter bem examinado dos pés á cabeça.

--Como posso eu acceitar por marido um ser que não tem aspecto humano?
Marido por marido, então antes preferia o urso pardo que ultimamente se
exhibiu pelas ruas, que dava ares de homem, vestindo um rico manto e de
luvas calçadas! Era feio, mas facilmente me habituaria a vêl-o.

Quando coube a vez da mais novinha esta disse:

--Meu pae, este homem deve ter um bom coração, pois que duvida alguma
teve em livral-o de apuros; se, para lhe provar a gratidão de que está
possuido para com elle, lhe prometteu noiva, não se dirá que a sua
palavra se não cumpre.

Que alegria não transpareceria no rosto do pobre soldado, se não
estivesse tão velado pelo cabello! O seu coração rejubilou ao ouvir as
boas palavras da linda moça! Tirou do dedo um annel que trazia, partiu-o
em duas metades e deu uma das partes á rapariga, tendo antes d'isso o
cuidado de escrever o nome na parte que deu á promettida e o d'ella na
metade com que ficou. Feito isto, despediu-se dos seus novos
conhecimentos, dizendo-lhes:

--Tenho ainda de correr mundo durante tres annos; se voltar ao cabo
d'esse tempo casamos; se não tornar, a sua palavra está desligada do
compromisso, pois é prova segura de que morri; rogue a Deus para que me
conserve a vida.

A infeliz namorada vestiu-se toda de negro, e sempre que se lembrava do
seu promettido as lagrimas corriam-lhe abundantes. As irmans não se
cançavam de a motejar e escarnecer.

--Acautela-te ao extenderes-lhe a mão, não vá elle dar-te a
pata!--dizia-lhe a mais velha.

--Sê prudente, pois os ursos são traiçoeiros, e ainda que lhe
agradasses, póde muito bem ser que depois te devore!--fazia côro a
segunda irman.

--Tens de fazer-lhe todas as vontades, senão dá urros!--tornava a primeira.

E accrescentava a do meio:

--Sim, sim... e olha que a cerimonia deve ser bem divertida, pois os
ursos dançam alegremente.

A pobre creatura conservava-se alheia aos motejos que lhe não faziam
diminuir o sentimento que nutria pelo bemfeitor de seu pae. Entretanto
_Pelle d'urso_, percorrendo varios logares, continuava practicando o bem
e semeando dinheiro a rôdo em esmolas, na esperança de que os mendigos
rogariam por elle. Chegou finalmente o ultimo dia dos sete annos de
caminheiro.

Tomou o caminho da charneca e foi sentar-se no mesmo sitio em que se
havia sentado sete annos antes. Pouco tempo esteve só, pois que,
segundos depois, sentiu soprar o vento e viu na sua frente o diabo
olhando-o tristemente; em seguida restituiu ao viandante o seu antigo
traje, recebendo em troca o casaco verde que lhe cedêra.

--Não te apresses--disse _Pelle d'urso_--primeiro tens que me arranjar
convenientemente.

Se a lembrança agradou ou não ao demo é cousa que não podemos averiguar,
mas o que é certo é que, com vontade ou sem ella, não teve outro remedio
senão ir buscar agua, lavar _Pelle d'urso_, cortar-lhe o cabello e as
unhas, penteál-o e fazer-lhe a barba. Limpo e arranjado, _Pelle d'urso_
voltou ao seu aspecto de soldado valente; nunca fôra tão formoso.

Assim que se viu livre do diabolico personagem de uma vez para sempre, o
heroe do nosso conto sentiu-se leve que nem uma penna. Rapido se
encaminhou para uma povoação proxima, comprou uma andaina de velludo,
sentou-se n'uma elegante carruagem puxada a duas parelhas de cavallos
brancos, e deu ordem ao cocheiro para se dirigir a casa da noiva. Pessoa
alguma o reconheceu; e o futuro sogro, imaginando-o um alto personagem,
fêl-o entrar para o gabinete em que permaneciam as filhas.
Convidou-o a sentar-se entre as mais velhas que tiveram o cuidado de
offerecer-lhe vinhos generosos, doces dos mais finos, emfim fizeram tudo
o que puderam para lhe agradar, e dizendo em segredo, entre si, que
nunca tinham contemplado personagem tão perfeito. Comtudo a noiva,
coberta de lucto, permanecia sentada defronte d'elle; não erguia os
olhos nem dizia palavra. Por fim, o desconhecido--para nós bem
conhecido--pedindo ao velho se consentia ser esposo de uma das filhas,
as duas mais velhas levantaram se como se mola as impellisse, e foram
paramentar-se com os mais ricos vestidos que possuiam, pois qualquer
d'ellas estava crente de que era sobre si que incidia a escolha do
desconhecido personagem. Ora, este apenas se viu só com a futura, tirou
da algibeira metade do annel que conservara preciosamente, metteu-a
n'um calice que encheu de vinho generoso, apresentando-o á fiel menina
que o acceitou e, depois de o beber, notou no fundo a metade do annel;
sentiu pulsar o seu coração; tomou a outra metade que trazia pendente de
um collar que lhe envolvia o pescoço, approximou as duas e viu que se
ajustavam perfeitamente. Por então o rapaz disse:

--Sou o teu noivo, o noivo que ha tres annos viste coberto com uma pelle
d'urso, mas graças a Deus recobrei a minha fórma primitiva.

Ao concluir, apertou-a nos braços, e beijou-a na testa. N'essa occasião,
entraram as duas irmans muito tafulas nos seus vestidos, e ao verem que
o personagem já estava compromettido com a mais moça, é que se lembraram
de que não podia ser outro senão _Pelle d'urso_, de quem tão pouco
haviam feito. Ficaram tão corridas de vergonha e de invejoso ciume
que fugiram do gabinete: uma deitou-se a um poço, e a outra enforcou-se
na primeira arvore que encontrou.

Á noite bateram á porta; o noivo foi abril-a e reconheceu pelo casaco
verde o diabo que lhe disse:

--Fiquei sem a tua alma, é certo, mas em compensação appareceram-me duas!




Aventuras de João-Pequenino


No tempo em que Deus andava pelo mundo, estava um pobre lavrador
aquecendo-se á lareira emquanto se lastimava á mulher, que perto d'elle
fiava, desgostoso por não ser contemplado com filhos.

--Que socego--accrescentou--vae n'esta casa emquanto que em outras então
tanto barulho ha causado pela alegria e pelos risos da pequenada!

--Tens razão--appoiou a mulher, suspirando.--Oxalá tivéssemos um só,
embora tão pequenino que quasi se não visse. Isso me bastaria para
nos alegrar e querer-lhe iamos de todo o coração.

A boa mulher, alguns dias passados, principiou a andar doente, e ao cabo
de sete mezes foi mãe d'um menino tão bem formado que se disséra de todo
o tempo, mas muito pequenino. Ao vêl-o, a mãe não se conteve que não
dissesse:

--É exactamente como nós o haviamos desejado; não deixa, apezar de mais
pequeno do que um dedal, de ser o nosso filhinho.

Por via d'isso toda a parentella lhe ficou chamando João-Pequenino.
Crearam-n'o tão bem quanto puderam; não cresceu mais, ficando sempre do
mesmo tamanho em que nascêra. Era muito vivo, muito esperto; e tinha uns
olhitos muito brilhantes; e bem cedo mostrou o tino e actividade
sufficientes para levar a bom-effeito qualquer empreza a que se
abalançasse.

O camponez, certo dia, apromptava-se para ir cortar madeira á matta
visinha e disse para comsigo:

--Bem precisava eu de quem me conduzisse a carroça.

--Pae--gritou João-Pequenino--eu guio a carroça, se quer; não se assuste
que chegará a tempo.

O homem desatou a rir:

--Isso é impossivel! Se és tão pequenino, como has de segurar a redea ao
cavallo?

--Isso não faz ao caso, pae! Se a mãe vae atrellar o cavallo, eu
metto-me na orelha do cavallo e ensino-lhe o caminho a seguir.

--Pois então, experimentemos.

A boa da mãe metteu o cavallo á carroça, e introduziu João-Pequenino na
orelha do animal; e o João-ninguem gritava todo o caminho: Vá, cavallo!
mas tão distinctamente que o animal andava como se na realidade o
guiasse algum carroceiro; d'esta maneira chegou a carroça á matta,
indo pelos melhores caminhos.

No momento em que a carroça torneava uma sebe, e se ouvia a voz do
rapazinho: vá, cavallo! passaram dois individuos desconhecidos que
exclamaram estupefactos:

--É celebre! Uma carroça que anda á voz de um carroceiro que não se vê!

--Alguma cousa ha de extraordinario; sigamos o vehiculo para vêr onde pára!

Continuou a carroça no caminho que levava até parar no sitio onde havia
arvores caídas. Assim que João-Pequenino avistou o pae, gritou:

--Então, pae, guiei ou não guiei a carroça? Agora põe-me no chão.

O lenhador, segurando com uma das mãos a redea, serviu-se da outra para
tirar de dentro da orelha do cavallo o rapazito a quem pôz no chão; o
rapazinho sentou-se n'um feto.

Os dois desconhecidos, ao vêrem João-Pequenino, não sabiam que imaginar,
de tal maneira ficaram extacticos com o rarissimo phenomeno. Falaram em
segredo e resolveram:

--Este exemplar póde trazer-nos uma fortuna, se quizermos expôl-o a
troco de alguns cobres em qualquer povoação; não será mau comprál-o.

Em seguida encaminharam-se para o camponez, e propuzeram-lhe:

--Quer vender-nos esse anãosinho sob a condição que cuidaremos muito
d'elle?

--Não,--respondeu o interrogado--é meu filho e por dinheiro algum eu me
desfaria d'elle.

João-Pequenino, porêm, que percebêra e ouvira bem toda a conversa,
trepou pelas pernas do pae á altura do hombro e segredou-lhe:

--Pae, acceite a proposta, que eu em breve estarei de volta.

Ante esse conselho de João-Pequenino, o pae cedeu-o aos homens por uma
valiosa moeda de ouro.

--Onde queres tu collocál-o?--perguntaram entre si.

--Ora, ponham-me na aba do chapéu; assim posso vêr tudo quanto se passa
em volta de mim e não ha meio de me perderem--alvitrou João-Pequenino,
accrescentando:--Mas, cuidado, não me deixem cair.

Os homens assim fizeram; João-Pequenino despediu-se do pae, e foram-se
embora com o rapazinho. Fartáram-se de caminhar até ao cair da tarde;
n'essa occasião o boccadinho de gente gritou-lhes:

--Parem, que preciso de descer!

--Deixa-te estar no meu chapéu; não estejas com cerimonias, porque os
passarinhos tambem me fazem isso muita vez!

--Não, não quero!--insistiu João-Pequenino--ponham-me depressa no chão.

O homem pegou no João-ninguem e pôl-o no chão n'um relvado á
beira-estrada; João-Pequenino depressa alcançou umas moutas e de repente
encafuou-se n'uma toca de rato que buscára de propósito.

--Boa viagem, meus senhores, continuem o caminho sem a minha
companhia--lhes gritou, rindo. Quizeram agarrál-o, fazendo cócegas na
toca de rato com palhinhas--como é de uso fazer-se aos grillos, mas
perderam o tempo e o feitio, pois que João-Pequenino cada vez se mettia
mais para dentro da toca, e a noite visinhava-se, de modo que foram
obrigados a ir para casa, fulos e com as mãos a abanar.

Quando já iam longe, João-Pequenino saiu do improvisado esconderijo.
Arreceou-se de seguir viagem á noite, por meio de campos, porque partir
uma perna não é difficil. Felizmente avistou uma cavidade no topo de uma
arvore, exclamando:

--Louvado Deus, já tenho casa para dormir.

Quando ia a pegar no somno, ouviu a voz de tres homens que abancaram por
baixo da arvore, ceando e conversando:

--Como havemos de proceder para roubar a esse rico parocho toda a sua
fortuna?

--Eu lhes digo!--dirigiu-se lhes a voz invisivel.

--Quem está ahi?!--gritou um dos ladrões verdadeiramente
aterrorizado--Ouvi uma voz!

Calaram-se para escutar, quando João-Pequenino se tornou a ouvir:

--Tomem-me á sua conta, que eu os ajudarei n'essa _piedosa_ tarefa.

--Onde é que estás?

--Procurem na arvore, no sitio d'onde parte a voz.

Os ladrões encontraram-n'o por fim e exclamaram:

--Pedaço de gente, como é que tu nos pódes ser util!

--Ora, de um modo bem facil: metto-me pelas grades da janella que ha no
quarto do parocho e vou-lhes passando tudo o que quizerem.

--Pois bem, seja!--accederam os ladrões--Vamos á experiencia!

Assim que chegaram ao presbyterio, João-Pequenino introduziu-se no
quarto, e em seguida começou a gritar com toda a força dos pulmões:

--Querem tudo o que está aqui?

Os ladrões amedrontados disseram-lhe:

--Fala mais baixo que acordas toda a gente!

João-Pequenino fazendo ouvidos de mercador, cada vez gritava mais:

--O que é que vocês querem? É tudo isto?

A creada, que dormia no quarto pegado áquelle em que o heroe da
historieta se encontrava, ouviu este ruido, levantou-se da cama e pôz-se
de ouvido á escuta; os malfeitores haviam desapparecido, mas
cobrando animo e, suppondo que o rapazito só os queria amedrontar por
mera brincadeira, voltaram á carga, e disseram-lhe devagarinho:

--Tem mais tento: passa-nos alguma cousa, anda! João-Pequenino, se
gritava até então, agora quasi que berrava:

--Vou dar-lhes já tudo; aparem as mãos!

D'esta feita, a creada ouviu tudo perfeitamente; saltou da cama e correu
para a porta. Os gatunos ao presentirem gente deram ás de villa Diogo,
como se o Diabo lhes tivesse dado azas; a creada, não ouvindo mais cousa
alguma, foi accender uma candeia. Quando appareceu, João-Pequenino, sem
que ella o tivesse enxergado, foi esconder-se no palheiro. A creada,
depois de ter pesquizado todos os cantos á casa sem que nada visse,
tornou a deitar-se, suppondo que tudo o que ouvira fôra sonho.

João-Pequenino tinha-se aninhado no feno, onde arranjára uma boa caminha
em que contava dormir até manhan, indo em seguida para casa dos paes que
a essa hora deviam estar em sobresaltos. Não pararam porém, aqui as
aventuras d'este ratão; havia de passar ainda por bem maus boccados. A
creada ergueu-se ao luzir do buraco para dar ração ao gado. A primeira
cousa que fez foi ir ao palheiro buscar forragem, d'onde tomou uma
braçada de feno com o infeliz João-Pequenino lá mettido muito ferrado no
somno. E tão bem dormia que não deu por cousa alguma e quando despertou
viu-se na bocca de uma vacca, que o enguliu com um boccado de feno. A
primeira impressão que sentiu foi a de se julgar caido num moinho de
pisoeiro; mas depressa comprehendeu onde é que realmente estava.
Evitando o metter-se por entre os dentes, deixou-se escorregar pela
garganta até ao estomago. O compartimento em que se encontrou
parecia-lhe estreito, sem janella, e onde não havia sol, nem luz, nem
sequer candeia! A casa em que morava desagradava-lhe bastante, e o que
mais complicava a sua critica situação, era a quantidade de feno que lá
se armazenava, estreitando mais ainda o pouco espaço em que se continha.
Por fim, não podendo mais suster-se do terror que d'elle se apossára,
João-Pequenino gritou o mais que poude:

--Basta de feno, basta de feno que eu não posso mais... abafo!

A moça do parocho, que n'esse momento estava precisamente a mungir a vacca,
ao ouvir a voz sem que visse quem falava, mas que reconhecia pela que a
tinha acordado durante a noite, assustou-se tanto que saltou do banco em
que estava sentada, entornando o leite. Foi de caminho, a toda a pressa
chamar o parocho para lhe dizer:

--Senhor cura, a vacca fala!

--Tu ensandeceste, rapariga?--tornou o padre, emquanto que
despreoccupadamente se dirigia para o estabulo, para se certificar do
que ouvira.

Não tinha ainda o parocho franqueado o portal quando João-Pequenino
gritou de novo:

--Basta de feno... que eu atabafo!

O terror apoderou-se então do padre, que suppondo a vacca enfeitiçada,
ou que tinha o diabo mettido no corpo, disse que era preciso dar cabo
d'ella. Abateram-n'a, e o estomago, onde o pobre João-Pequenino se via
prisioneiro, foi lançado para o estrume.

O rapazito viu-se em pancas para se desenvencilhar do mal-cheiroso sitio
em que se conservava, e apenas conseguiu ter a cabeça desembaraçada,
uma nova desgraça o veiu ferir, uma aventura inesperada. Um lobo
esfaimado atirou-se ao estomago da vacca, e, chamando-lhe um figo,
enguliu-o d'uma assentada. João-Pequenino não descoroçoou.

--Talvez--pensou com os seus botões--este lobo seja sociavel.

E de dentro da barriga, em que estava novamente preso, gritou-lhe:

--Bom lobo, vou ensinar-te o sitio onde ha uma excellente prêsa.

--E onde fica isso?--perguntou o lobo.

--N'esta e n'aquella casa; pouco trabalho tens: basta-te deslizar pelo
exgotto da cosinha; ahi encontrarás bons boccados, como toucinho,
chouriço á discreção; que mais queres? E olha que te não levo nada pelo
conselho!

E assim o experto João-Pequenino lhe deu os signaes certos da casa do
pae.

O lobo não quiz ouvir mais, nem se fez rogado, nem se quer foi preciso
dar-lhe o recado mais d'uma vez; metteu-se pela cosinha e comeu á
tripa-fôrra. Quando, porêm, quiz sair, foi-lhe impossivel. Tirou o
ventre de miserias, de tal maneira que não houve meio de passar pelo
cano. João-Pequenino--que tudo previra começou a fazer um grande barulho
no corpo do lobo, aos pulos e em altos gritos; o lobo pedia-lhe:

--Vê lá se estás quieto! Tu assim acordas meio mundo!

--Deixa-me cá... Tu comeste até que te regalaste; agora sou eu que me
divirto a meu modo!--e continuou a gritar tanto quanto podia.

Acabou por accordar a familia, que veiu pressurosa olhar para a cosinha
pelo buraco da fechadura. O pae e a mãe ao verem que estava alli um
lobo, armaram-se: o pae com um machado e a mulher com uma fouce.

--Fica para traz--aconselhou o marido á mulher quando entraram na
cosinha, eu vou matal-o com o machado, mas se o não matar d'um só golpe,
tu abres-lhe a barriga!

João-Pequenino--ao conhecer a voz do pae--pôz-se a gritar:

--Sou eu, meu pae, sou eu que estou na barriga do lobo!

--Graças!--exclamou o pae louco de contente.--Ora até que emfim que o
nosso filho foi encontrado!...

E disse logo á mulher que puzesse de parte a fouce não fosse ferir o
João-Pequenino. Em seguida com faca e tesoura abriu a barriga do lobo
d'onde saltou lesto o nosso sympathico João-Pequenino.

--Não pódes calcular, filho,--exclamou o pae--os sustos que temos tido
com a tua sorte!

--Acredito, pae... mas olhe, eu fartei-me de correr mundo;
felizmente que já vejo a luz do dia!

--Onde tens tu estado?

--Ora, onde tenho estado! Estive n'uma toca de rato, na cavidade de uma
arvore, no feno, na barriga de uma vacca, no estrume e por fim na
barriga de um lobo! Agora estou com os meus queridos paes!

--E nós não te tornariamos a vender por dinheiro algum d'este
mundo!--disseram os paes abraçando-o e apertando-o contra o coração.

Deram-lhe de comer e vestiram-lhe outro fato, pois o primitivo vinha em
estado lastimoso, o que é natural, attendendo aos sitios pouco limpos
por onde viajára o nosso João-Pequenino.




Os tres cabellos d'oiro do Diabo


Era uma vez uma pobre mulherzinha que deu á luz um filho, e como elle
tivesse nascido n'um folle, não tinha ainda visto a luz do dia, e já
prediziam que aos quatorze annos casaria com a princeza. Pouco tempo
depois appareceu na aldeia, vindo incognito, o rei, que, perguntando que
novas havia, ouvira dizer:

--Não ha muitos dias nasceu um rapazinho n'um folle, o que indica vir a
ser muito feliz, demais que já lhe auguraram casamento com a princeza,
quando chegasse aos quatorze annos.

O rei--que não tinha bom fundo--ficára agastado com a previdencia; pediu
para lhe indicarem a morada dos paes do rapaz, para onde se dirigiu com
sorrisos. Em seguida falou assim:

--Sois pobres, por isso peço que me confieis o rapaz, a quem arranjarei
um bom futuro.

Os paes, a principio, recusaram similhante proposta; mas o desconhecido
offereceu-lhes uma grossa maquia em ouro; lembrando-se elles da
predicção de que, tendo nascido n'um folle, nada de mau lhe podia
acontecer, resolveram acceitar, separando-se do filho.

Assim que d'alli saíu, o monarcha metteu o rapazinho n'uma caixa, que
amarrou á sella do cavallo e continuou sua derrota. Não tardou a
encontrar um ribeiro, com certa fundura, para onde atirou a caixa,
exclamando:

--E assim livro minha filha de casar com tão desgraçado pretendente!

Mas o mais curioso é que a caixa não naufragou, bem pelo contrario
singrou o rio ao sabor da corrente como se fôra um barquinho, sem que
uma só gotta d'agua lhe entrasse dentro. A caixa correu á tona d'agua a
uma distancia de duas milhas da cidade; ahi encontrou um obstaculo: as
rodas de um moinho, onde encalhou. Um moço de moleiro, que por
casualidade se encontrava a curtos passos d'alli, viu-a e rebocou-a com
uma fateixa, crente de que encontraria uma riqueza. Abriu-a, pressuroso,
mas a riqueza appareceu-lhe na figura de um menino esperto e risonho.
Levou-o aos amos que, como não tinham filhos, bem contentes ficaram com
o achado, e disseram em côro:

--É Deus que nol-o envia!

Por conseguinte, tomaram-n'o á sua conta e educaram na practica das
boas acções o orphãosinho. Passados annos, o soberano, fugindo a um
temporal, refugiou-se certa tarde em casa do moleiro, a quem perguntou
se o rapaz que tinha alli era seu filho.

--Não--responderam o moleiro e a mulher.--É um menino abandonado, que ha
quatorze annos veiu trazido pela corrente dentro d'uma caixa até á calha
do moinho; o moço, que estava perto, puxou-a e trouxe-a para terra.

A estas declarações, o rei percebeu logo que o rapaz não podia ser outro
senão o menino que nascêra n'um folle, e tanto que perguntou:

--Digam-me: este rapaz não podia ir fazer-me um recado, levar uma carta
á rainha minha mulher? Dou-lhe duas moedas de ouro por este pequeno
trabalho.

--Quando vossa magestade quizer!--redarguiram de prompto moleiro e
moleira.

Em seguida mandaram pôr a postos o rapaz.

O rei, entretanto, dirigia esta carta á rainha:

«Apenas o rapaz, portador d'esta, ahi chegue, dá-te pressa em mandal-o
matar e enterral-o em seguida; o resto será resolvido no meu regresso.»

O mocinho partiu com a carta e chegou pela noite a uma grande matta; por
entre a escuridão avistou uma luzinha. Seguiu n'essa direcção e depressa
parou perto de uma cabana. Entrou e viu sentada uma velha, sózinha, ao
pé de uma lareira. Ao vêr o rapaz ficou tranzida de medo, e gritou:

--D'onde vens e para onde vaes?

--Venho do moinho--respondeu--e vou ao palacio levar uma carta á rainha;
como, porêm, me perdi na matta, muito grato me seria passar aqui a
noite.

--Infeliz creatura!--redarguiu a velha.--Vieste ter a uma caverna de
salteadores, que, se aqui te encontram, são muito capazes de te darem
cabo da pelle!

--Venha quem vier, de nada me arreceio; estou bastante fatigado para que
possa continuar a jornada.

Dictas estas palavras, sentou-se n'um banco e adormeceu.

D'ahi a pouco appareceram os salteadores que perguntaram irritados quem
era aquelle intruso.

--Ora--retorquiu a velha--é um pobre moço que se perdeu na matta e a
quem recolhi por dó; foi encarregado de levar uma carta á rainha.

Os salteadores apoderaram-se da carta, partiram-lhe o sinete e leram,
vendo pelo conteudo que, apenas chegasse, o portador seria executado.
Esta circumstancia tão mal os impressionou que o capitão da
quadrilha rasgou-a e escreveu outra em que dizia que apenas o portador
chegasse lhe fizessem o casamento com a princeza.

Feito isto, deixaram-n'o dormir socegadamente no banco até o dia
seguinte; quando acordou, restituiram-lhe a carta e indicaram-lhe a
estrada real.

Entretanto, a rainha apenas leu a carta, que passára como escripta pelo
rei, ordenou grandes festas para o casamento da filha com o rapaz
nascido n'um folle. Como este era perfeito, amoravel e dotado de bom
coração, a princeza vivia feliz e satisfeita.

Passado tempo, o soberano regressou ao palacio, e, com grande espanto
seu, viu que a predicção se realizára do rapaz nascido n'um folle, casar
com a princeza.

--Como foi isto arranjado?--perguntou á rainha.--Havia dado outra ordem
na minha carta!

A rainha apressou-se a mostrar-lhe a carta afim de se certificar do que
havia escripto. O rei leu-a, e viu que fôra trocada. Perguntou ao rapaz
o que havia feito da carta que lhe confiára, e como é que havia trazido
outra.

--Não sei!--respondeu o rapaz. Só se me foi roubada na noite que passei
na matta; aproveitando-se do meu somno.

O rei tornou irritado:

--Não me serve essa desculpa, e tanto que minha filha não te pertence,
emquanto me não trouxeres do inferno tres cabellos d'ouro da cabeça do
diabo; satisfeita esta condição, restituo-te a princeza.

O soberano, falando assim, cuidava que ficaria livre d'elle de uma vez
para sempre. Como resposta, o rapaz nascido n'um folle disse ao rei:

--De boa vontade acceito a sua proposta de trazer os tres cabellos
d'ouro, tanto mais que não me arreceio do diabo!

Dictas que foram estas palavras, despediu-se e pôz-se a caminho.

Esta estrada ia ter a uma cidade, ás portas da qual estava uma
sentinella que lhe perguntou em que elle poderia ser-lhe util e o que é
que sabia.

--Sei tudo--respondeu o rapaz nascido n'um folle.

--N'esse caso, pódes-nos indicar com facilidade a razão porque a fonte
do mercado d'onde corria vinho, hoje não deita nem uma gotta d'agua?

--Depois o direi--respondeu o nosso viandante.--Espere que eu volte.

Em seguida, continuou o seu caminho até chegar ás portas d'outra cidade.
A sentinella, que estava no seu posto, perguntou-lhe egualmente em que é
que elle podia tornar-se util e o que é que sabia.

--Sei tudo...

--Por conseguinte, só tu nos podes prestar um grande serviço em nos
dizer qual o motivo porque a arvore da praça, que antigamente nos dava
maçãs d'ouro, hoje nem sequer folhas apresenta.

--Quando voltar darei explicação--respondeu.

E lá foi andando, andando até que chegou a um largo rio que precisava
atravessar. O barqueiro, que estava proximo, perguntou-lhe tambem em que
é que elle lhe poderia ser prestavel e o que é que sabia.

--Sei tudo!--retorquiu o viajeiro nosso conhecido.

--Pois tu é que estás nas melhores condições para me dizer qual a causa
porque é que ando a remar n'este barquinho de um lado para o outro sem
que possa livrar-me d'este encargo.

--Dir-t'o-hei á volta--respondeu.

Assim que se viu na margem opposta, reparou logo na bocca do inferno.
Estava escuro, e chegava-lhe ao nariz o cheiro da fuligem. O diabo não
estava em casa. Só lá estava a mãe, sentada n'uma larga poltrona que
perguntou ao arrojado mocinho:

--Que queres tu d'aqui?--e olhava-o com certo ar de sympathia.

--Queria possuir tres cabellos d'ouro da cabeça do diabo, pois que se
não os consigo, fico sem a minha noiva.

--É querer muito--retorquiu a velha--porque se o diabo entra e te vê
aqui, não ganhas para o susto; mas tenho pena de ti e por isso te auxilío.

Quando acabou de falar, transformou-o n'uma formiga e aconselhou-o:

--Mette-te n'uma das prégas da saia, pois estás seguro do perigo.

--Está bem, mas eu desejava tres respostas a tres perguntas: qual a razão
porque uma fonte que antigamente deitava vinho, agora nem uma gotta d'agua
deita; porque é que uma arvore que d'antes dava maçãs d'ouro, agora nem
folhas tem; e, finalmente, qual o motivo porque um pobre barqueiro tem de
remar d'uma banda para a outra, sem que se substitua.

--São problemas com certa difficuldade de solução, mas ouve com attenção
e não dês palavra; escuta com cuidado as respostas que hão de coincidir
com o arranque dos tres cabellos de ouro.

Ao anoitecer, voltou o diabo. Ainda bem não tinha posto o seu
pé-de-cabra dentro do inferno, e já notava um certo cheiro que lhe era
estranho.

--Cheira-me a carne humana--dizia elle fungando.--Alguma cousa ha aqui
que não é costume!

E poz-se a esquadrinhar por todos os cantos, mas nada encontrou. A mãe,
então, ralhando-lhe, disse:

--Ainda agora arrumei a casa e andas tu a pôr tudo em polvorosa; não
tens outro cheiro que não seja o de carne humana! Anda d'ahi, senta-te e
come, que o teu mal é fome!

Depois de ter comido e bebido bem, sentiu-se cançado, collocou a cabeça
no regaço da mãe, a quem pediu para o embalar. Não tardou a adormecer,
roncando que nem um porco e assobiando como uma locomotiva. A velha
aproveitou esse ensejo para lhe arrancar um cabello d'ouro.

--Ai!--fez o diabo--que faz mãe?

--Ora, deixa-me cá: tive um sonho terrivel, e por isso é que te arrepellei.

--Com que sonhou então?

--Sonhei que uma fonte que antigamente dava vinho, agora nem agua
deita. Porque será?

--Se soubesse!--respondeu o demo.--Debaixo d'uma pedra vive um sapo;
assim que o matem, a fonte continuará a deitar vinho.

A velha tornou a embalál-o e d'ahi a pouco Satan resonava e assobiava em
alto ruido, e com tal força que até as vidraças estremeciam. A velha,
vendo-o assim, arrancou-lhe o segundo cabello.

--Ui!--gritou sobresaltado o rei dos infernos--que pezadello foi esse mãe?

--Não te apoquentes, filho, foi um outro sonho que tive.

--E de que constava elle?--interrogou Belzebuth.

--De uma arvore que antes produzia maçãs d'ouro e que actualmente está
despida de folhas. Qual a rasão do caso?

--Ora, é bem simples! tornou o demonio. É um rato que roe a raiz.

Matem-n'o que a arvore continuará a dar maçãs d'ouro; do contrario, o
rato continuará na sua obra de destruição e a arvore definhará. Mas
deixe-me socegado com sonhos; se me torna a acordar, não tenho outro
remedio senão faltar-lhe ao respeito.

A velhota ameigou-o com boas palavras, e continuou acalentando-o, até
que o viu de novo ferrado no somno; então, arrancou-lhe o terceiro
cabello. O diabo deu um pulo, soltou um grito e ia-se zangando devéras
com a mãe, mas esta cortou-lhe os impetos, dizendo:

--Oh, filho, quem é que é superior aos sonhos!

--Que sonho foi esse para assim me despertar! Decerto é muito curioso!

--Sonhei que um barqueiro se lastima bastante em andar de uma banda para
outra sem que seja substituido.

--Porque é um asno chapado!--exclamou Satanaz--Ao primeiro passageiro
que lhe peça para atravessar a margem, não tem mais do que entregar-lhe
os remos e pirar-se!...

Agora a velha, que já tinha arrancado os tres cabellos d'ouro e que
tinha na mão a chave dos tres enigmas propostos, deixou em paz o diabo,
que dormiu a somno solto até madrugada.

Logo que o demonio saíu dos lares, a velha pegou na formiga, deu de novo
figura de gente ao rapaz nascido n'um folle, e disse-lhe:

--Aqui tens os tres cabellos de ouro; quanto ás respostas dadas pelo
diabo ás perguntas que formulaste, creio que as ouviste.

--Certamente que as ouvi e não me esquecem.

--E assim alcançaste o que querias--continuou a boa velha.--Agora pódes
tornar para d'onde vieste.

O mocinho agradeceu muito o auxilio que a velha lhe havia prestado e
saíu do inferno bem contente por haver conseguido os seus fins. Assim
que chegou perto do barqueiro, este lembrou-lhe logo o cumprimento da
promessa que lhe fizera.

Mas o rapazito, que era bastante sagaz, respondeu:

--Conduze-me á outra margem, que então te direi o que has de fazer para
te vêres livre d'aqui.

Logo que pôz o pé na outra margem, o rapaz cumpriu a palavra:

--Apenas se apresente um novo passageiro para que o ponhas na outra
margem, entrega-lhe os remos e sáfa-te.

Seguiu a sua róta, e depressa chegou ás portas da cidade, onde existia a
arvore esteril; a sentinella aguardava o rapaz para que não se
esquecesse do promettimento.

--Matem o rato que róe a raiz da arvore, se querem vêr a arvore
carregadinha de maçãs de ouro--aconselhou o moço.

A sentinella, grata com a resposta, compensou-o com dois burros
carregados d'ouro. Para encurtarmos razões, o rapaz nascido n'um folle
depressa alcançou as portas da cidade, onde havia a fonte que
estava sequinha. Aqui, repetiu tambem á sentinella as palavras do diabo:

--Debaixo de uma pedra está um sapo; assim que o matarem, continuará a
fonte a dar vinho abundantemente.

A sentinella agradeceu muito e, em paga, deu-lhe tambem dois burros
carregados d'ouro.

O rapaz nascido n'um folle estava, d'alli a pouco, em presença da noiva,
a quem abraçou, e que ficou contente em tornar a vêl-o. Foi levar ao rei
os tres cabellos d'ouro do diabo; e o soberano, ao vêr os quatro burros
carregados de ouro, demonstrou claramente a sua alegria, dizendo:

--Agora que satisfizeste todas as condições, tens minha filha por tua
mulher. Mas dize-me, meu caro genro, como é que arranjaste todo esse
ouro?

--Atravessei um rio, cuja margem é de ouro, em vez de areia. Foi ahi que
o apanhei.

--É muito difficil fazer egual colheita?--perguntou o monarcha, cujos
olhos scintillavam de cubiça.

--É facilimo tomar tanto quanto se deseje--continuou o rapaz nascido
n'um folle.--Ha um barqueiro proximo; peça-lhe que o conduza á outra
margem, e d'esta maneira póde trazer os saccos que quizer cheios de ouro.

O monarcha, mordido pela ambição, depressa se pôz em marcha. Chegado á
margem do rio pediu ao barqueiro para o levar á outra margem. O
barqueiro apressadamente disse ao rei para entrar no barco, e assim que
chegaram ao outro lado do rio, o barqueiro entregou-lhe os remos e
saltou lesto para terra.

--E ainda lá está o rei feito barqueiro?--perguntarão os meus
amaveis e gentis leitorzinhos.

--Está e estará até que expie, por completo todas as suas culpas.




O sapateiro e os gnomos


Era uma vez um sapateiro que, por vicissitudes da vida, empobreceu tanto
que só conseguira comprar material sufficiente para um par de sapatos.
De noite talhou a pelle para no dia seguinte os concluir; como era bom,
deitou-se tranquillamente, orou e adormeceu.

No dia immediato, ao erguer-se, ia pegar na tarefa, mas achou em cima da
mesa o par já feito. Ficou altamente surprehendido, mas não comprehendia
o que o facto queria dizer. Pegou nos sapatos e viu-os, examinou-os de
todas as fórmas e feitios, mas defeito algum lhes encontrou, tão
bem acabados estavam; eram o que se chama uma obra prima, um encanto.

Entrou-lhe em casa um freguez, a quem agradaram tanto os sapatos que os
comprou mais caros do que costumava, e com este dinheiro o sapateiro
arranjou material para outros dois pares. N'essa mesma noite os talhou
para no dia seguinte os concluir, quando, ao despertar, os viu já
promptos; d'esta vez, ainda, não faltaram compradores e, com o producto
da venda, pôde conseguir material para quatro pares.

No dia seguinte os quatro pares estavam promptos; finalmente, tudo o que
talhava de vespera lhe apparecia feito de manhã, ao acordar; de modo
que, sem grande trabalho, se achou remediado.

Uma noite, porém, pelas proximidades do Natal, quando acabára de
talhar os sapatos e se ia deitar, disse para a mulher:

--E se nós velassemos esta noite para vêr quem é que nos ajuda?

A mulher approvou a ideia, e, deixando a candeia accêsa, escondêram-se
n'um armario onde havia roupa e na qual se occultaram á espera dos
acontecimentos. Ao dar a meia noite, dois bonitos gnomos entraram no
quarto, sentaram-se na tripeça do sapateiro e, pegando na pelle talhada,
com as pequeninas mãos ajustaram, coseram e bateram sola, com tanta
agilidade e presteza que era um gôsto vêl-os.

Trabalharam sem descanço até que deram fim á tarefa, e desapparecêram
n'um ai!

Na manhã immediata alvitrou a mulher:

--Estes gnomosinhos enriquecêram-nos, e nós devemos mostrar-lhes a nossa
gratidão; elles devem sentir frio, sem nada que os tape. Sabes do
que me lembrei? Fazer-lhes três camisinhas, calças, collete e casaco
para elles vestirem e umas meiasinhas para calçarem; e para completar o
brinde, tu fazias-lhes uns sapatinhos.

O marido concordou com a mulher, e deram logo principio á obra, e,
decorridas bem poucas horas sobre tão sympathica resolução, á tarde,
estava tudo prompto; collocaram, pois, marido e mulher, as suas prendas
em cima da mesa, justamente no sitio em que era costume pôrem nos outros
dias a obra talhada, e escondêram-se para verificarem o que os gnomos
faziam. Meia noite a dar e elles a apparecerem para dar começo á tarefa;
mas em vez dos sapatos cortados para elles fazerem, como tinha succedido
nos dias antecedentes, encontraram essas vestimentas, o que lhes causou
admiração, que d'ahi a pouco cedeu o logar a uma grande alegria.
Vestiram os fatos com presteza, viram que lhes ajustavam como uma luva e
começaram a dançar, a saltar por cima das cadeiras e dos bancos, e a
cantar saíram.

Desde então, nunca mais os viram. O sapateiro, porém, continuou a ser
feliz emquanto viveu, tendo tudo quanto ambicionava.




As tres pennas


Era uma vez um rei que tinha tres filhos; os dois mais velhos eram
alegres e palradores, e o mais moço de poucas falas e muito acanhado,
razão por que o tinham na conta de simples.

Quando o monarcha chegou a velho, quiz fazer testamento; mas viu-se
bastante embaraçado por não saber a qual dos tres filhos legar a corôa.
Certo dia, porêm, chamou-os e disse-lhes:

--Ponham-se a caminho, e aquelle que trouxer o tapete mais
finamente tecido é que ficará sendo rei por minha morte.

Dizendo isto, para evitar qualquer má vontade dos irmãos, andou alguns
passos além do palacio e, fazendo voar tres pennas, indicou-lhes:

--Cada um de vocês deve encaminhar-se na direcção que estas pennas levarem.

A primeira penna voou para o oriente, a segunda para o occidente e a
ultima volitou uns segundos e foi caír a alguns passos de distancia.

Por, isso, o mais velho tomou o caminho da direita, o do meio voltou á
esquerda e o mais novinho--troçado pelos mais velhos--encaminhou-se para
o sitio onde caíra a terceira penna.

O pobre moço, apoquentado e triste, deitou-se no relvado. De repente
notou uma porta subterranea no logar em que a penna caíra. Abriu-a
e reparou n'uma escada, que se aventurou a descer. Uma vez em baixo, deu
de rosto com outra porta, em que bateu. Então ouviu uma voz que--em
phrase cabalistica--a mandou abrir.

Quando a porta girou nos gonzos viu-se um enorme sapo, de envolta com
uma porção de sapinhos. O sapão perguntou ao rapazito o que é que
desejava, ao que o interpellado retorquiu:

--Não seria facil arranjar-se um tapete bonito e finamente tecido?

Palavras não eram dictas e já o sapão gritava a um dos sapinhos, que,
n'um pulo, lhe trouxesse um cofre.

O sapinho assim fez; o sapão abriu-o e tirou de dentro um tapete tão
ricamente tecido como nunca no mundo se havia visto egual, com o que
presenteou o rapazinho, que agradeceu muito e se pôz em marcha.

Ora, os dois irmãos reflectiram de si para si que o irmão era tão
palerma, que se escusavam de cançar muito para toparem com um tapete
decerto superior ao que elle conseguisse.

Assim deitaram a mão ao primeiro panno de lã grosseira que uma
guardadora de porcos trazia, e vieram entregál-o ao rei. Pouco depois,
appareceu o irmão mais novo com o magnifico tapete.

O regio personagem, no auge da surpreza, exclamou:

--O reino pertence ao mais moço!

Os irmãos é que não estiveram pelo ajuste e observaram ao velho pae, que
tal resolução era impracticavel, pois o irmão não passava de um pateta;
taes rodeios arranjaram, taes razões, que o monarcha, já fatigado de
tanta loquella, não teve remedio senão tentar segunda experiencia.

--Será rei por minha morte aquelle que me trouxer o mais valioso annel.

Conduziu novamente os tres filhos a alguns passos distantes, do palacio
e fez voar tres pennas, cuja direcção deviam tomar. Como da primeira
vez, os dois mais velhos partiram para o oriente e occidente; quanto á
penna do mais moço volitou tambem por segundos e foi caír d'alli a
poucos passos.

Ao contrario da vez passada, o rapaz não entristeceu, mas apressou-se a
descer a escada pela porta subterranea, em direcção á casa do sapão que,
de chofre, lhe perguntou o que queria, respondendo em seguida:

--Não será facil arranjar-se um bonito e valioso annel?

O disforme batrachio mandou buscar o cofre e tirou-lhe de dentro um
annel riquissimo, e tão artisticamente cinzelado, que ourives algum
do mundo seria capaz de apresentar outro do mesmo gôsto.

Ora os dois irmãos, rindo-se ao pensar que o simples mocinho havia de
conseguir um annel precioso, não se deram a grandes trabalhos, certos de
que se sairiam melhor do encargo do que aquelle, e assim arrancaram a
primeira argola que viram presa n'uma parede e que servia para segurar
os animaes, e foram ter ao palacio dál-a ao rei. O velho monarcha nem
sequer teve que comparar, exclamou:

--É ao terceiro que faço rei!

Entretanto, os dois mais velhos convenceram tão bem o velho rei da
nullidade do irmão que o monarcha consentiu em fazer terceira tentativa,
a ultima. Decidiu-se que herdava o throno o que trouxesse a mulher mais
formosa. Como das vezes passadas, as tres pennas foram deitadas ao ar e
tomaram as mesmas direcções.

O moço-simples desceu pela terceira vez a casa do sapão.

--Não seria desejar muito, pedir uma formosa mulher?

--Caspité!--exclamou o grande batrachio.--Uma formosa mulher?! E porque
não has-de têl-a?!

Dictas que foram estas palavras, o sapão deu-lhe uma beterraba ôca
puxada a seis ratos brancos.

Ao ver tão curiosa carruagem, o pobre rapaz perguntou com certa tristeza:

--Que faço a isto?

--Agarra um de meus filhos--respondeu o sapo--e mette-o dentro d'esse
carro.

A esta indicação, pegou ao acaso n'um dos sapinhos e metteu-o na
beterraba; mal ahi foi collocado, o bicharôco ficou transformado n'uma
menina de formosura maravilhosa, a beterraba n'uma luxuosa equipagem e
os seis ratos em tres parelhas de cavallos brancos de neve. Em
seguida, o mocinho subiu para a boléa, abraçou a moça e depressa seguiu
para o palacio. Os dois irmãos mais velhos chegaram d'ahi a pouco, mas
faziam tão mau juizo da escolha que o mais moço faria, que ficaram
satisfeitos com a primeira camponia que lhes appareceu e que levaram a
palacio. D'esta vez ainda--o que não é para assombros--o monarcha disse:

--É ao mais moço de meus filhos que pertencem as rédeas do governo apoz
minha morte!

O que é certo é que pela terceira vez ainda os dois irmãos tentaram
murmurar contra a resolução do pae e pediram para que--em ultima
experiencia--fosse proclamado rei aquelle cuja mulher saltasse pelo meio
de uma argola suspensa a meio da sala. E propondo isto accrescentaram:

--As camponezas facilmente saltarão, são bastante fortes para estes
exercicios; quanto a essa arveloa, fraca e delicada, cae e parte a cabeça.

Muito instado, o rei cedeu a esse capricho que começou.

As duas camponezas foram as primeiras a saltar, mas, pezadas e gordas
como eram, caíram, partindo braços e pernas. Ao contrario, a moça
trazida pelo mais novo formou salto tão elegante, que atravessou
graciosa e rapidamente a argola e caiu em pé.

Ante esta ultima experiencia ficou decididamente reconhecido como
herdeiro ao throno.

Effectivamente, assim que o velho monarcha fechou os olhos, foi
acclamado rei e ainda agora se fala da sabedoria com que n'esse paiz
governou.




O violinista


Em epochas muito longinquas, o povo de uma grande capital--cujo nome nos
não occorre--erigiu um lindo templo dedicado á padroeira dos
musicos--Sancta Cecilia, segundo a tradição.

Eram das côres mais vivas e vistosas as flôres escolhidas para cobrir o
altar, a roupagem da sancta toda em prata filigranada e os sapatos
executados em ouro, pelo mais habil ourives-cinzelador que vivia n'essa
cidade. A egreja estava sempre replecta de devotos e peregrinos. Em
romagem, entrou lá certo dia um infeliz violinista, macillento,
esquálido e franzino. Como a caminhada fôra longa, o pobre estava
fatigado e no seu alforge já não havia uma migalha de pão nem na sua
algibeira um ceitil para o comprar.

Apenas entrou no templo, principiou a dar uns acordes de violino tão
suaves, tão expressivos, tão melodiosos, que a sancta enterneceu-se
tanto com a sua pobreza e com aquella musica maviosa, que--ao elle
findar--se baixou, descalçou um dos sapatos de ouro e deu-o ao infeliz
menestrel, que, doidamente alegre, bailando, cantando e chorando, ao
mesmo tempo, se encaminhou para uma ourivesaria com o fim de o trocar
por dinheiro.

O joalheiro, porêm, conhecendo o sapato como sendo o da sancta, prendeu
o violinista, levando-o ao juiz. Formaram processo, foi julgado e
condemnado á pena ultima.

Approximára-se o dia da execução; os sinos tocavam plangentemente, e o
triste cortejo pôz-se em marcha, acompanhado a canticos dos frades que,
apezar d'isso, não deixavam de ouvir-se os lindos acórdes que o infeliz
condemnado tirava do seu maravilhoso violino; era uma ultima concessão
que lhe havia sido dada, até soar o derradeiro instante. O cortejo parou
mesmo defronte do templo da sancta e, assim que alli chegou, o pobre
musico supplicou que o conduzissem ao altar da sancta, afim de tocar o
seu ultimo acorde melodioso.

Os frades e os chefes dos soldados que o escoltavam, concederam-lhe essa
graça, e o violinista entrou, ajoelhou-se aos pés da padroeira dos
musicos e, com os olhos marejados de lagrimas, principiou a tirar
deliciosos acórdes do seu violino.

O povo, então, attonito e admirado, notou que Sancta Cecilia se
baixava, descalçava o outro sapato e o mettia nas mãos do pobre musico.
A este maravilhoso espectaculo, todos os circumstantes levaram em
triumpho o violinista, puzeram-lhe na cabeça uma corôa entrecida de
flôres, e os magistrados dirigiram-lhe as mais solemnes e as mais
honrosas homenagens.




    Indice

    Carta-prefacio
    O violino maravilhoso
    João no auge da alegria
    Pelle d'urso
    Aventuras de João-Pequenino
    Os tres cabellos d'oiro do Diabo
    O sapateiro e os gnomos
    As tres pennas
    O violinista





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Jacob Grimm and Wilhelm Grimm

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1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
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1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
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request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
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that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected].  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     [email protected]


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
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