The Project Gutenberg EBook of Santarenaida: poema eroi-comico, by Francisco de Paula de Figueiredo This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Santarenaida: poema eroi-comico Author: Francisco de Paula de Figueiredo Release Date: May 4, 2007 [EBook #21283] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO *** Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was produced from scanned images of public domain material from the Google Print project.) SANTARENAIDA POEMA EROI-COMICO DE FRANCISCO DE PAULA DE FIGUEIREDO. * * * * * _Dignum laude virum Musa vetut mori._ Horat. l. 4. O. 7. * * * * * COIMBRA. Na Regia Officina Typografica. ANNO M.DCC.LXXXXII. _Com licença da Real Meza da Commissaõ Geral sobre o Exame e Censura dos Livros._ ARGUMENTO. Ouve em Coimbra um Taverneiro celebre, chamado Joze Rodrigues Santareno. Este em uma funsão que costuma fazerse pela Pascoa do Espirito Santo em Santo Antonio dos Olivais, estando muito suado pelo cansaso do caminho, fartouse de agua, com quem andava divorciado, avia largos anos, e dahi a poucos minutos caiu morto. Revestem-se estas circumstancias Poeticamente, e cantase a sua morte. SANTARENAIDA. *CANTO I.* Pois me pedes, ó Muza, instantemente, Que emboque a Eroica tuba altisonante, Que a cego Marte impele os peitos fortes; Eu que sem forsas teu carater serio Em versos graves sustentar naõ poso, Revestido da lépida Talia C'o a máscara atrevida, para ensaio Cantarei o Varaõ famijerado, Que de Baco na guerra com Neptuno Arvorando do vinho os estandartes, Depois de ser trovaõ, ser raio acezo, Que espalhava terror no campo inteiro, Victima infausta foi por fims de contas Da vingansa cruel do Rei das aguas. Axavase em tremendo consistorio Com toda sua Corte o undozo Jove. Nas intimas entranhas asoprado Pela Raiva vorás o consumia Um fogo abrazador: eraõ com ele As furias de Acheronte, e os vastos mares Ao som de sua vós mudos tremiaõ. Quando depois de longos improperios Com que a insana paixaõ dezabafára, De sima do alto solio adamantino Que sustentaõ seis Doricas colunas De maculado marmore brilhante Com bazes de oiro, e capiteis de prata, Esta fala do peito amargurado Soltou com grave acento aos seus Magnates. Sempre eu, Vasalos nobres, de máo grado, Com justa indignasaõ olhei bramando, Que ouvese sobre a terra um petulante Que ouzase de meu povo impunemente Atacar os direitos mais antigos; Pois sendo desde muito autorizadas As nosas dôces aguas para entrarem As umanas guelas, e os arcanos Dos buxos penetrar dos omems grandes, Oje a termos as vêdes reduzidas De serem so de aprêso aos brutos rudes, E a despeito de minha autoridade Condenadas (oh dor!) das esterqueiras, Das imundas alfujas, das cloacas Á baixa vergonhoza lavadura. Conterme já naõ poso; este atrevido Provar do meu tridente as forsas deve. Este atrevido he Baco: eu pois pertendo Punir a sua audacia, guerrealo. Naõ ade este invazor protervo, e altivo Zombar ja mais de mim: torsese a verga Em quanto naõ he tronco: uma faisca Pasa a incendio vorás, se naõ se apaga. Mas vós aconselhaime, que eu naõ quero Que a paixaõ me alucine: o fim he este Porque oje vos xamei: dos boms conselhos Quazi sempre saõ filhos os acertos. Bem como de um enxame susurrante O inquieto zumbido, se ouve n'aula O confuzo rumor dos Optimátes. Escutaõse discursos encontrados, Diferentes razoins, pensar diverso. Nisto o Padre Oceano revestido De Regia Magestade se levanta, E abrazado em furôr desta arte rompe. Qual será de vós outros, que arrojado Se atreva a sustentar nesta asembleia, Á face do seu Rei, de toda a Corte, Que a meditada guerra naõ he justa? Se aqui algum está, se enfatuado Algum medir comigo as forsas tenta, A campo saia; os ultimos alentos C'os golpes da razaõ tirarlhe quero. Quais mudos troncos Oceano vendo Pasmados da asembleia os membros todos, Com mais vivo calor prosegue irado. Apague as negras axas acendidas A severa Nemézis: ja naõ devem Ser punidos os máos: ouzado tale O iniquo uzurpador o campo alheio: Perturbemse os direitos... Oh Justisa! Oh Deuzes imortais!... Eu penso, ó Padre, Que altercasaõ não sofre o teu projeto. Deve a guerra fazerse, a guerra he justa. Porem naõ será máo, reflexiono Eu agora taõbem, que tu primeiro Vejas se a boa pás quer antes Baco Estas coizas compor, largando a pose Dos direitos que audás nos uzurpára. Por tanto uma Embaixada mandar deves Expondolhe as razoins que te estimulão; E no cazo que a pás ele naõ queira A guerra se lhe intime em continente. Asim dise, e aprazendo ao consistorio Rezolvese Neptuno, e o Tritaõ xama. _Tritaõ que de ser filho se gloria Do Rei, e da Salacia veneranda:_ Mansebo tal, e qual, nem mais nem menos Como o pinta Camoins no canto seisto. Vai tu da minha parte ao Rei dos vinhos Levar esta Embaixada, dis Neptuno; Que o dezaforo vil sendo notorio Com que da antiga pose as doces aguas Esbulhadas tem sido por seus vinhos: Que sendo esta irrupsaõ sobre dominios De mim das aguas Rei, que sempre hei sido Justo mantenedor de meus direitos; A recta observasaõ do jus das jentes Com vergonha infrinjida nesta parte, Exije que taõ barbaras afrontas, Por melhor se atalharem fims funestos, Sejaõ severamente castigadas. Mas que lembrado da clemencia inata Com que as minhas asoins adornei sempre, Perdoandolhe o mais, sómente quero, Que enfreando do vinho a audacia suma, De oje em diante perturbar naõ venha Tranquilidades publicas; que a escolha Em sua maõ está de pás, ou guerra. Se guerra pois quizer, logo em meu nome Entaõ a ferro, e sangue lha declara. Atento o feio Moso esteve á fala, E cortando lijeiro as altas ondas Da grande Niza em fim surjiu na praia. Aqui tres vezes a torcida conxa, Que os gigantes na guerra amedrentára Altamente tocou: do som terrivel Feridas as montanhas se abalárão: Tremeraõ da Cidade os abitantes; E dando agudos guinxos, para os colos Das mãis os filhos pavidos fujiraõ. O nobre Fundador de susto cheio C'o a estranheza do cazo, saber manda O que he. Eis a Palacio conduzido Por entre a multidão que concorria Atonita, e turbada o Tritaõ chega. A Embaixada repete, e carrancudo Pela resposta taciturno aguarda. O nobre Fundador da alegre Niza Turbado um pouco esteve; mas sem medo Ao Trombeta falou desta maneira. Ja mais no que o teu Rei oje me argúe Eu tenho consentido, sem que um uzo, Um costume geral das Nasoins cultas Com razaõ m'o abone: eu não pertendo Defraudar cada um de seus direitos. O costume fas lei: tenha Neptuno O mesmo a seu favor, será contente. Nem cuide ele talvês, que seus caprixos Me faraõ aterrar: naõ sei ser fraco. Amease, guerreie: eu inda o mesmo Sou, o conquistador das Indias vastas. He verdade que a pás em muito prézo; Porem se haõ de perderse os meus direitos, Ou a guerra aceitar, a guerra aceito. Com esta decizaõ partindo torna O filho de Neptuno aos Thetios campos. A seu Pai a repete; o Velho brama, E jura pela Stigie tenebroza Com toda sua Corte respeitavel Fazer perpetua guerra ao Rei soberbo. Tocar manda a rebate; a Oceano imcumbe O governo do exercito, tentando Os vinhos atacar em toda a parte. Com tudo porque sabe que entre os Luzos Do inimigo poder o centro existe, Aqui a mira poim, aqui rezolve Fazer primeiro arder da guerra o fogo. *CANTO II.* Com um taõ importante rompimento Revolvendo mil coizas na lembransa Largos dias andou atrapalhado Da infelice Semele o imberbe filho. A pacifica inercia deleixada Que em descanso puzera este Rei forte O tinha desprovido. O sangue seco Nas pasadas batalhas derramado Se via inda nas lansas nas espadas Ja da negra ferruje carcomidas. Tinhaõ teias de aranha os peitos d'aso, Eraõ ninhos de rato os capasetes. Mas vendo dos aprestos a manobra De seus adversarios, ganha o fogo Que pela longa pás perdido avia. Prestes pasa depois a fazer gente; O imperio se revolve, e os vinheos povos Á vós de seu Senhor ás armas velaõ. Dobraõ-se sentinelas; os avizos Voando se despedem; e he precizo Ter de acordo na asaõ os mais famozos Insignes Generais em cada Reino. Daqui, bom Santareno, de teus dias Comesou a estreitarse a larga teia. Este o principio foi, estas as cauzas Da tua nunca asás xorada perda. Avia em Portugal um Xefe experto Na sordida Coimbra acastelado: Diziase Joze, mas poucas vezes, Que o brado de seu nome mais notorio Da terra lhe provinha aonde os lasos De Himineu ternamente o tinhaõ prezo. Contase que saindo n'outro tempo Este novo Quixote aventureiro Pelo mundo a ganhar glorioza fama No serviso do Rei dos bravos vinhos, E querendo a uma nova Dulcinea O governo entregar de seus morgados, Ja que a Parca cruel lhe avia feito A vês primeira o tálamo dezerto; Axára em Santarem uma Matrona So digna de um Eroi, so digna dele. Na linhaje do sangue descendia D'onrados Campioins, d'Erois de pinga. Inda nos altos porticos pendentes Conservavaõ-se os ramos de loireiro Sem ter interrupsaõ por brazoins d'armas, Era ela bem talhada, o seu costado Capás era da carga mais enorme. Eraõ as suas faces dois prezuntos, Seu garbo majestozo, o paso grave. Tinha o traje mais simples, mais modesto Das modestas matronas do seu tempo. De baeta um jibaõ de longas abas Lhe cobria a bojuda umanidade. Dos grosos cotovelos lhe pendiaõ Alarves punhos de groseira estopa. Cingialhe em tres voltas ensebado O carnudo caxaso um cordaõ d'oiro, D'onde so nos Domingos pendurado Se via um rocicler lonjevo, e vasto, Que pela antiguidade que inculcava, Nas ricas enxurradas do diluvio Se asenta ser axado _in illo tempore_. Namorouse o Varaõ, namorouse ela. Uniraõse c'o vinculo sagrado, E sendo sua Consorte Santarena Quis taõbem Santareno apelidarse. He pois precizo a este mandar ordems, Baco perante si fás vir Cilenio, E ufano asim lhe dis com rosto inteiro. Eu tenho neste mundo um vasto imperio: Meu nome em toda a parte, ou mais, ou menos He venerado; mas na Luzitania Tenho o pezo maior de minhas forsas. Em Coimbra he o centro; ahi rezide O Cabo principal de meus exercitos, O insigne Santareno. Nestes termos Desta guerra he forsozo darlhe parte. Tu pois asim lhe dize: Que abalados Do sopro da Discordia os Povos Áqueos Nos tem guerra jurado, e alta vingansa: Que cumpre rezistirlhes: boms soldados Prezentar em campanha; e dar conserva Ao uzo introduzido, á grata pose De ser somente o vinho quem nas mezas A sede satisfasa; porque he esta A cauza principal de seus rancores. Que eu dele a empreza fio; que entre os Luzos Eu quero que ele só sustente a guerra. Depois um giro faze, e aos meus Soldados De toda a Luzitania que em Coimbra Axarse devaõ logo intíma as ordems. Dise, e partiu voando o mensajeiro, Até que as pandas azas encolhendo, Das letras, e das lamas sobre a Terra Os talares pouzou bordados d'oiro. Era dia d'Entrudo, e nas baiúcas O sujo canjirão vazando as pipas Aos freguezes enxia os grandes copos. Avia um confuzisimo barulho: Ferviaõ da janela as laranjadas: Surriadas, apupos, algazarras, Os esguixos, os pós, o rabo-leva Tudo em dezordem poim. Vendo Cilenio Extravagancias tais pasmado fica. Pensa naõ de Coimbra ver os montes, Sim da fertil Beocia o graõ Citéron Retumbando medonho em noite d'Orgias. Entaõ do incomparavel Santareno Na surtida taverna entre a balburda Da fumoza vinhasa ardia o fogo. _Mais meia canadinha_ de uma parte Caído o beiso, e os carregados olhos A custo abrindo, c'uma vos fanhoza Pedia um dos da corja amotinada. D'outra parte fazendo uma carranca Sobre tres azeitonas apostava Outro que tal que xuparia um frasco. Qual aos murros andava; qual seis copos Tendo ja feito em cacos, com nos'ama Ateimava furiozo em naõ pagarlhos. Daqui aos encontroins ums vinhaõ vindo Afétando de serios; esbarravaõ Comsigo nas esquinas dali outros. Mas o Filho de Maia cautelozo Opurtuna monsaõ de entrar espreita. Em fim axa uma aberta, lestes rompe, Dá sinal, tem lisensa, á sala sobe, E d'ambos os Espozos poinse á face, Declaralhes quem he, de quem mandado, E da sua Embaixada o fim precizo. Sem saber o que fasaõ, largo espaso Ficárão um e outro embasbacados. Ele indo com as mãos logo á cabesa Cosávase, e na sordida poltrona Aflito _stare loco nesciebat_: Ela está feito, la melhor compunha O seu recado. Finalmente o tempo Ja fazia dar oras ás barrigas, E devia jantarse. A Liberdade Entaõ dezempesando as linguas rudes A terreiro os tirou, e mais ouzados Entrárão a seu modo a perguntarlhe Alegres sobre Baco muitas coizas, Muitas sobre Sileno. Dos guizados Da meza o xeiro ja neste comenos Consolava os narizes circumstantes. Pedida a taõ grande ospede lisensa Subito se arregasa o Santareno, E rogando o onráse, á cabeseira Da bem provida meza, instanciozo Para um pouco comer fes asentalo. Ja no vidro dos pratos retiniaõ Resaltadas da carne as trinxadelas. (Podiaõse na gula encarnisados Ver os gordos Consortes dando aos buxos Tasalhos de prezunto tremendisimos!) Mastigando apresados resmungavaõ, E do ospede em onra mil saudes Uma apos outra sem sesar faziaõ. Mercurio da franqueza naõ pensada O fausto aparatozo em tal albergue Naõ podia admirar quanto era justo, Porque alem das perguntas enfadonhas A que cortês com présa respondia, De um pouco reparar deixar naõ pôde Nos vetustos paineis enfarruscados Que adornavaõ em roda a estreita sala. Em um deles se via inda no berso Entregue a Ino o pequenino Baco Tendo as Nimfas em torno, e juntamente As Hiadas, e as Horas. Logo n'outro Ja crescido plantava o bom bacelo, Ja o campo baldio agricultava. Viase mais n'um majestozo quadro O severo rigor de seus castigos. Estava de Licurgo o cazo infando; Mas ja com negra côr, ja roto o pano. Com tudo ao natural se devizava Golpeando ele mesmo as pernas suas. Aqui o filho de Echion Tebano Pela sua familia enfurecida Se via cruelmente espedasado. Ali de Meduline o parricidio, Mais abaixo Penthêo ás Furias dado. Sobre tudo a fatal metamorfoze Se admirava em leaõ fulvi-comado Nos gigantes cevando ávida sanha. Mas ja baixando o Sol, surgia a Noite. Trata Mercurio de partirse prestes; Dos gordos Santarenos se despede, Que falando ambos juntos, em confuzo So deixaõ perseber, que descansado Seu Rei pode ficar, que em quanto aos brasos O valor asistir, naõ aõde as Aguas Como pensaõ, levar a sua avante. E como ja nos cascos lhes fervia Em violentos caxoins o ardente sumo A cabesa fazendolhes pezada Dar c'o a barba no peito, e sobre os olhos Carregar importuno o grave sono, Na mal mexida cama empanturrados Ambos foraõ jazer como dois odres. Dormirão toda a noite os boms Alarves Rezupinos roncando a sono solto. Eis lá sobre a manhan um se espreguisa, E fazendo tres cruzes sobre a boca Enormemente aberta o outro acorda. Saõ oras, dis o Eroi roufenhamente, Trazeime eses calsoins, daime ca a vestia. Fora c'o a noite! ha muitos tempos nunca Dormi noite pior! Tudo eraõ pulgas, Tudo sonhos, em fim tudo Diabos, Até, por mais sentir, a Mosazinha No quarto me deixou fexado o gato, Que toda a santa noite andou miando. Eu naõ persenti nada, dis Madama, Pois foi tal a quebreira, tal o sono, Que bem podiaõ arrombar as portas, E sem que eu dése fé. Bem, pois que queres, O marido replíca, se tais sonhos Eu tive, que por mais que quis pôr olho Logo eles me espertavaõ: eu te conto. Sonhei que estava eu na nosa quinta Debaixo da nogueira ao pé da fonte Sobre a relva dormindo a minha sésta: Eis senaõ quando d'uma vala surde Correndo em torcicolos uma cobra, E me entra pela boca: aqui um pulo Dei eu, naõ persebeste? Eu naõ, dis ela. Pois dei um grande pulo, e depois diso Um pouco despertando, em sonolencia Fui tornando a cair. E sonhei muitas Outras grandes desgrasas que me esquesem. Tornou ela a dizer: iso he verdade Ás vezes taõbem tenho tantos sonhos, Que me fazem doer bem a cabêsa. Porem vaite vestindo, anda deprésa Se queres almosar, que ja he tempo. Tais réplicas, e tréplicas pasadas Em fim a muito custo pos se fora, E na larga cadeira escarranxado Asim dezalojando, á Mulher dise. Ora sabes mui bem, Consorte amada, O onrado avizo que tivemos ontem. O noso Imperador axase aflito C'o a guerra declarada por Neptuno. Eu sou um de seus xefes; e a minh'alma Aspira a coizas grandes. Desta sorte Na dansa estou metido: vou agora As ordems expedir que saõ precizas, Fazer gente com forsa: paciencia! Nós para trabalhar nascemos todos. Dáme cá qualquer coiza; um lombo bonda Bastaõ dois pains, duas canadas bastaõ. Fes-se bem como um Padre, e muito fresco Saiu a averiguar os seus negocios. *CANTO III.* Neste tempo no imperio de Neptuno Ja com todo o calor fervia a obra. Os fortes Generais debaixo d'armas Ja tinhaõ toda a jente, e á Luzitania Os vastos esquadroins marxando vinhaõ. Aqui de remotisimos Paízes, De diversas Nasoins, diversas linguas Vinhaõ mandando Capitains diversos, Aqui vinhaõ Varoins destes pixozos A quem tudo lhe fede, e que somente, Por cauza das corrutas baforadas, C'o vinho em odio eterno andáraõ sempre, Aqui de mal Francês, e de almorreimas Um sem numero vinha de axacados: Naõ faltando dos cálidos a turba A quem fizera sempre o vinho empôlas. Era em tres batalhoins formada a Tropa, Guiava um batalhaõ Periclimeno[1] Arrogante, e temido: outro Achelóo,[2] E o terceiro puxava á retaguarda O velho Espozo da cerulea Doris.[3] Aqui vinha Protêo dos grandes Focas[4] Regendo a tremendisima caterva. Talhando as curvas ondas na vanguarda Iaõ nadando cem Tritoins desformes Fazendo rebombar os buzios grandes. E o Padre Oceano comandante Supremo deste exercito temivel Girava dando as ordems amontado N'uma negra baleia monstruoza. Xegáraõ do aureo Tejo em fim ás marjems, Mas antes que o exercito alojase, Desta nova xegada em tom de guerra Lhe foraõ dois Trombetas a dar parte. No centro d'uma gruta penhascoza, Cujas ricas paredes eraõ d'oiro, E branca madrepérola ondeante, Sentado sobre a urna, respeitavel C'o tridente na mão, e c'uma c'roa De verdes limos na rugoza fronte A embaixada resebe o Padre Tejo. Quando asim dos Trombetas um comesa. Ja, Padre venerando, aos teus ouvidos Xegaria talvês a novidade Da guerra que entre nós, e o Rei dos vinhos Pouco ha se declarou. Naõ me pertense Os motivos da asaõ esmiunsarte: Taõ somente a dizerte sou mandado, Que para dar principio á grande empreza Para esta Capital do imperio Luzo Das Tropas Oceano á testa marxa. Deves pois vir falarlhe; que eu asento Que tem primeiro aqui seu bico d'obra. Subia pelo rosto ao velho Tejo Ao tempo desta fala uma alegria, Que ja mais asomára ao seu semblante. Levantase, o Palacio se alvorósa, E para ir esperar taõ grande xefe As mais galhardas Nimfas a si xama. Duzentas niveas, engrasadas Naides De lindos olhos, que em prazer trasbordaõ, Solto o negro cabelo gotejante Presto ali se aprezentaõ caprixozas. Ao carro sóbe o Tejo, ao carro d'oiro Que guapos, e das muito-abertas ventas Brotando soberboins torrentes d'agua, Seis cavalos marinhos vaõ tirando. Em malhados golfinhos brincadores Asentadas as Naiades o cercaõ. O mar fas-se banzeiro, e longa esteira Mansamente deixando a turba marxa. Xegados que os dois Reis á fala foraõ O Tejo rompe asim: Princepe excelso, Se um pobre feudatario, bem que indigno, Qual eu sou, gozar pode a onra eximia De darte albergaria em seu palacio, As demoras desprende, e á minha gruta Dignase vir a descansar um pouco, Aonde a noso comodo sentados Da sorte dos Imperios trataremos. Oceano aseitou condescendente Do Padre Tejo a simples rogativa, E acolhendose á gruta majestoza, Indignado meu Pai, dise Oceano, Pela iniqua extorsão de seus direitos, Que dos vinhos o Rei dezaforado Das jentes com escândalo lhe ha feito, Intenta guerrealo. Ele em pesoa Viria á expedisaõ, se de seus anos O pezo desta glória o naõ priváse. Por tanto eu me incumbi das suas vezes: E como de sua Corte na asembleia Para isto convocada se asentase, Que o comêso em teu Reino ser devia, Visto que o General dos inimigos Em Coimbra rezide; pareseume, Por levarmos as coizas com mais ordem, Que nesta Capital sem perder tempo A primeira faxina se fizese: Depois, de meu poder com todo o pezo Em Coimbra caísemos. Aprouve Ao Tejo este discurso; e entaõ tratáraõ De mais ponderasaõ quantos negocios Para aquele respeito mais tendiaõ, Saõ xamados os Cabos a conselho, E com acordo unânime se adía A seguinte manhan para o combate. He contra um grande Cabo que se devem Tomar as armas: naõ he Jan Fernandes, Nem Manel das Atacas o inimigo: He contra o fasanhozo Talaveiras[5] Tortulho enorme de invejada fama, Do vinho na milicia experto, e vasto. Tanto que alvoreseu, logo no campo As trombetas orrísonas bramáraõ; Cujo som de mistura c'o alarido, E roucos atabales largo espaso Os muros fes tremer, e a gran Cidade Soberba fundasaõ do Grego errante. Ja promto o Talaveiras aguardava De Cilenio o preseito a pôr por obra. Na frente de seus bebados soldados Corajozo se avansa: róxa altiva Que as vagas sem pavor mujindo escuta. Marxando vaõ as filas a compaso, E d'uma, e d'outra parte embravecido O gradivo Mavorte asende os peitos. As caixas daõ final, travase a guerra; De poeira uma nuve os ares turba; Levantase um clamor mais tezamente; Redobraõse as pancadas, corre o sangue... Nada ha mais lamentavel que uma guerra! Foi renhida a peleja: longas oras Pendeu a decizaõ n'ambas as partes. Finalmente naõ sei que infausto cazo Pôs dos vinhos o exercito em dezordem, Que naõ pôde aguentar sobre seus brasos Dos aquozos dragoins o carregume. Perdem todos a côr, as armas largaõ. (Entradas de leaõ, saídas d'asno!) Cae aqui, cae ali, ums sobre os outros Vaõ indo aos trambolhoins. O Talaveiras Reunilos intenta, mas de balde. He de balde bradar: diques naõ sofre Torrente por pavor precipitada. No campo ficou so inteiro e forte. O golpe universal caíu sobre ele. Das setas, e das lansas acravado Parecia um pinhal o grande escudo. Nimguem ouzou xegarlhe, que da terra Naõ fizese vermelha a superfice. E que mais fês d'Olimpias o esforsado Filho, o devastador do mundo invicto, Junto ao tronco, dos seus destituido, Quando o muro saltou dos Oxidracas? Mas a Morte d'Erois sempre avarenta Metida n'uma bala fulminante As pernas lhe atravesa, e despedasa. Acurva a grosa máquina tremendo, E em terra baqueando he maxucada Do violento tropel dos inimigos. C'o este lanse _vitoria_ o Tejo brada: Vitoria, respondeu a xusma ovante, Vitoria pelas aguas, viva, viva. [1] Periclimeno: Neto de Neptuno, de quem recebeu o poder de se metamorfozear. [2] Achelóo: filho de Oceano. Namorouse de Dejanira amante de Hercules. Hercules combateu com ele metamorfozeado em toiro, arrancoulhe um corno, e venseu-o. [3] O Velho, &c. Nerêo, filho de Oceano, e pai das Nereides. [4] Protêo: vej. Virg. Georg. I. 4. v. 429. [5] Um dos Taverneiros de grande conta que Lisboa teve. Na dilatada teia de seus louvores saõ estes meus versos um romendinho. *CANTO IIII.* Foise em folias a seguinte noite. Mas asim que a lus alma avermelhando No orizonte as globozas nuvemzinhas Comesou a doirar o cume aos montes, A vensedora jente enfurecida Respirando outra ves carnajem, sangue, Vai de rota batida, e compasada Ao som dos belicozos instrumentos Demandar do Mondego as marjems frescas. A seu salvo xegando se alojárão. Fas-se conselho, e por comum acórdaõ Para a um tempo levar ao Porto, e Aveiro O terror, e a vitoria Nerêo parte. Em quanto isto asim pasa, ja Coimbra Bem como um formigueiro fervelhava Atonita bradando. Eis muito conxo Correndo á présa contra seu costume, Vem um cambaio tutelar das aguas, O gago Vitorino, e o Santareno[6] Fanfarrão desta sorte dezafia. Cá-cá fora me'amigo, cu na rua; Á de ir aqui tu-udo c'o a maleita. E ve-ve-ve veremos, e veremos Quem-quem leva a melhor: xê-xegá'gora Um nunca visto inzercito de jente; Saõ co-como mosquitos: se tem barbas, S'hé-s'hé-s'hé-s'hé capás ponhase em campo. Qual grande Ferrabrás no xaõ deitado Desprezando do garrulo Oliveiros O louco dezafio, o Eroi prestante Do Rino desprezou o stultiloquio. Naõ se altera; em seu rubido semblante Naõ poim o Mêdo as cores da fraqueza. Lijeiro, quanto sofre a corpulencia, Á trapeira alta sobe onde vijia; E axando ser serta a guerra em caza, Maõs perdidas, dis ele, saõ: ja'gora Ou venser, ou morrer. Xamase ás armas, E toda a jente sua acode prestes. Acodem d'Alemtejo, e Estremadura Bizarros Campioins: da Vidigueira, Vila de Frades, Borba, de Vilalva, Setubal, e Palmela. De Lisboa Axaõ-se os Carcavélicos mansebos De furibundo senho. Estaõ do Algarve Mil Soldados d'embarque destemidos, Mil de sima do Doiro, e das Bairradas; E saõ mais de dés mil Coimbricenses. Toda esta Soldadesca, he bem verdade, Cavaleiros naõ saõ d'aureas esporas: Saõ rotos, bandalhoins, babozos, porcos; Mas qualquer deles um Eroi xapado De inaudito valor, corajem suma, Capás de se avansar ao mesmo Alcides. N'uma palavra bebados eternos. Entrase a rezenhar: cazo estupendo! Inda a mais d'um milhaõ monta a rezenha. Formarse vaõ da Feira ao grande largo.[7] A linda variedade em farda, e armas Os olhos encantava: grande parte Em cambudos capotes romendados A trouxe mouxe postos se rebusa: Parte em mangas, e pernas, sem sombreiro, Xeia de impavidês caminha aos tombos. Este trás um pixel, este trás quatro No alforje a tiracolo: um tres borraxas De admiravel grandeza, e tudo xeio. Armados todos vem muito á lijeira: Nada de arnezes, peito descuberto; Á excesaõ dos rompentes granadeiros Que feitos vaõ ali cabides d'armas. Com grevas, bacinetes, e lorigas Bem poucos se embarasaõ: a rodela, A talhante farrusca colubrina, A adaga, o varapáo, a masa, o xuso, Comforme cada um melhor se ajeita, He tudo quanto importa á mais da tropa. Nas pezadas carretas rexinantes Temivel ali vai das bocas negras A ignívoma tormenta: até naõ falta Quem leve junto a si seu caõ de fila. Entaõ sobre um jumento de atafona Ricamente ajaezado, o Santareno As odreas pernas escarranxa a custo. Veste de bode um tresdobrado coiro; Poim um elmo de vides enlasadas Na caveira d'um tigre tremebundo Que lhe a grande carranca asombra, e adorna, E empunhando na dextra uma tarasca De dilatada folha, vai bizarro Puxando os batalhoins para o combate. Tanto que do lugar alcanse ouveraõ, E os raivozos imigos avistaraõ, Fas alto o Santareno, expede as ordems, As fileiras divide, o campo asenta. Depois entre um salseiro procelozo De perdigotos que da boca xove, Da sua jente á testa asim troveja: Lembrar-vos, generozos Camaradas, O que ides a fazer, fôra esqueserme Até de quem vós fois: eu sei que o brio A cada um de vós outros alentados Na ponta do naris brilhando salta. Ou morrer, ou venser: a cauza he nosa. As Aguas de bazofia em vaõ naõ se enxaõ, Custelhes caro se venser quizerem. Corajem, meus amigos, oje a gloria Q'ate'qui se ganhou naõ vá perder-se. Nos animos calou vinhi-potentes De tal sorte a razaõ destas palavras, Que cada um deles se reputa um raio, E ja para envestir as trélas roem. Agora, ó Muzas, naõ falteis ao Vate, Asopraime no peito o extinto fogo, Que he precizo cantar melhor que nunca O combate maior que os evos viraõ. Deu sinal a trombeta Neptunina Aspero, forte, atrós, e formidavel: Nas cabesas as grenhas se arripiaõ, Bate mais forte o corasaõ nos peitos. Comesaõ-se a mover as longas alas; O medonho alarido se levanta; Daõ fogo os mosqueteiros; da descarga Sobe rapido aos Ceos enovelado O denso negro fumo; c'o estampido Os cavernozos montes retumbando Enxem tudo de orror. Dos grandes eixos Parecia que a máquina do mundo Sacodida, em pedasos se fazia. C'um asoite na maõ de duro ferro Os cruentos cavalos instigando Girava a impia Guerra o campo todo. Os Soldados que a viaõ se animavaõ. A Dezesperasaõ á redea solta Corria furibunda, e sem maneira. As incendidas balas estridentes, As mortíferas xusas enristadas, Gemidos arrancando aos mizeraveis, Um inferno faziaõ. Alastrado De sangue viu-se em breve, e corpos mortos Da orroroza batalha o sitio extenso.[8] Rocio, que em razaõ de vizinhansa O nome erdado tems de Santa Clara, Se gloria ganhas oje em ser teatro De taõ sanguinolenta brava guerra, O nome mudarás, e dos vindoiros Virás a ser xamado o campo Marcio. De forsa neste dia altos prodijios A gente Bacanal fes mais que nunca. Qual, semelhante ao gato entre podengos Que o lombo em arco tendo enxorisado Fas provar velosmente em pulos destro Aos audazes fucinhos circumstantes Das curvas fisgas os lembrados golpes, Para um, e outro lado dezenvolto Murros, e pontapés fervendo atira: Qual d'um talho c'o a espada aos dentes xega: Qual d'uma vês c'o a xusa quatro enfia. Mas ja um Foca enorme e gueludo, De dente anavalhado, unha rompente, Cujo coiro entezado e verde-negro Se ria das mais fortes cutiladas, Um vinheo Capitaõ tragando estava, Quando o intrepido Andrade irozo acode.[9] Aqui ainda viu do mizeravel Engolir os restantes calcanhares. Da vingansa o furor lhe sobe aos olhos, Avansa ao monstro, e sobre o craneo rijo Da inimiga cabesa vensedora Com um buxo roliso (arma cazeira) Mil golpes fulminando, o quebra, e esmaga. Tremeu convulso o monstro; e o bruto sprito Aos ares se soltou envolto em sangue. Acodem muitos Focas, o Eroi cercaõ. Os aquozos Soldados trepidantes De fila cem membrudos cains lhe asulaõ; E, quais sobre a bigorna os malhos batem, As dentadas sobre ele a miudo fervem. Andrade volta a um tempo a todas partes O braso vingador: destróe, derruba, Atropela, maxuca, abola, mata. Mas sendo ja sem conto os inimigos, Depois de longo espaso de conflito, Falto de forsas vai beijar a santa. Aqui (quem crerá tal?) a todo o trance Com mais de quatro mil inda combate. Grandemente bufando aflito espuma, Revolvese, braseja, e o xaõ mordendo Pasmozos coices enraivado atira. Forma mil carantonhas formidaveis, Qual trovaõ rujidor medonho berra. Das dentadas a orrivel tempestade Ja quazi o sosobrava; eis dando um pinxo Em pé se torna a pôr, e a brava xusma. Em fanicos desfás c'o a masa dura. Naõ te déraõ da fonte as alimarias, Valente Palmeirim, tanto trabalho; Bem que viste o broquel feito em pedasos C'o as leoninas unhas; bem que o tigre, Que a mal cortada perna inda arrojava, Te fes afucinhar c'o a garra ardente. N'outra banda com obra azafamado O ferós Damiaõ como um corisco[10] Cae sobre o inimigo: aqui o atacaõ, Aqui destro acomete, rompe, asola. Cada pedra que solta he uma granada Onde vai desfarsada a orrenda morte. Destrosa seis Delfims mesmo a pé quedo: Fas rosto a dés varoins dos tais pixozos, E do primeiro encontro os desbarata. Xovem nele os pelouros abrazados Dos áqueos Soldados impelidos, Como sobre os telhados em Janeiro A saltante saraiva que Euro impele. Ante os muros de Pérgamo mais bravo O filho naõ pugnou da branca Thétis. Nem eu te calarei, Caetano ilustre,[11] Asombro de valor, peito de Marte. Tu ali sobre a terra o pé batendo, Pancraciasta acérrimo, insofrivel Mais de mil desqueixaste a murro sêco. Mesmo o Duque Nemé famozo em murros De deitar-te agua ás maõs capás naõ era. Mas naõ soprava a pérfida Fortuna Com ventos de servir á gente aquatil; E sendo ja sensivel a derrota Tocar a recolher manda Oceano. [6] Vitorino, ou Rino: Aguadeiro de mal semeadas barbas, de gambias escanxadisimas, de gaguês inexplicavel, e de uma paxôrra inata na condusaõ de seus carretos. [7] Ao grande largo. Tudo vai das ipotezes. [8] O sitio extenso. Repito o cavaco que dei respetivamente ao largo da Feira. [9] Andrade. Uma afetada doudice, ou uma continua bebedeira, um tezaõ arrogante, uma catadura tôrva, e uma eterna bandalhise, saõ os caratéres que fazem sempre formidavel este fasanhozo Sapateiro. [10] Damiaõ. Ha tres especes de embriaguês; de leaõ, de galo, e de porco. A 1.ª pare os disturbios: a 2.ª as galhofas: a 3.ª o deleixamento. A deste Pedreiro he da 1.ª espese; e conseguintemente funestos os seus efeitos. [11] Caetano. He um _quidam_ sexagenario, bebado da 2.ª espese, cujas dezencaixadas xocarrises nos fazem ver, que he um daqueles genios que sempre estaõ de caninha n'agua. *CANTO V.* Tanto que a Mãi das trevas taciturna Desdobrou sobre a terra o manto negro, C'o a palma da vitoria ufano e alegre Dar a seus Cabos um convite lauto Determina o Eroi pantafasudo. Quem contar as galhofas desta noite Ouzado poderá com versos dignos? Foi entaõ quando o lépido Caetano[12] Cambaleando em meio do congréso Fes com rizo estalar os circumstantes, Abrindo francamente de seus doutos Jocozos anexims o aureo tezoiro. Foi quando o Doutor Rito, sobre os ombros[13] Tendo ums calsoins de riso por capelo, _Ex cáthedra_ asentado, sobre pontos De guerra longas oras disertando, Escarrou discrisoins, mijou conselhos. Sobre os bicos dos pés alevantado Aqui foi que o tacaõ, gárrulo Xaves[14] Lodozo ganso que a Castalia turba, Batendo as sujas palmas na asembleia As Muzas invocou, e esta perlenga, No modo que lhe he proprio, d'improvizo Recitou com torrente entuziasmado: Nobilisimos Xefes respeitaveis, A quem, naõ sem razaõ, Lieu potente Fes de sua justisa defensores; Vós outros tendes oje ao mundo dado Um raro exemplo de virtude eroica. Nimguem de pôr na cara uma navalha He mais digno que vós. Oh se os meus labios Podesem proferir, se a minha lingua Podefe articular quanto alma sente! Vós tendes os xibantes destrosado Com o mesmo valor com que eu destróso Carangos nos calfoins, e na camiza. Sim, vós os filhos sois abensoados Do invicto Basareu que onrais a Patria. Naõ dezistais da empreza comesada: Depois do que pasou, ja'gora o resto Val tanto como escarro de tabaco. E tu, graõ Jeneral, que o orbe asombras; Tu, em cuja cabesa mioluda Minerva, e o loiro Apolo influxos largaõ, Es digno de rejer um grande Imperio. O noso amado Rei entre o seu povo Naõ póde igual ao teu axar um caco Aonde os seus dezignios se acomodem, Suas trasas se entend$õ. Os dezastres Naõ axaõ no teu buxo o estreito aperto, Que no de um bigorrilhas: o teu buxo Sem inda rebentar, tres mil dezastres Calado e sofredor alojar pode, Porque he muito mais vasto que uma adega. As tres velhas Irmans doirados dias Ainda te conservem: muitos anos Ainda, ainda sejas no teu mando Franco dispensador destes obzequios. Asim clamava o Vate, quando atende Que estava _vox clamantis in deserto_, Porque em sono os ouvintes sepultados Resonando a barraca atormentavaõ. Por tanto pauza fes; uma canéca Presto escorropixou; e c'os Anginhos Paresendolhe estar, fes sucia aos outros. Mas nas tendas a jente estropeada Ja cuidava em curarse, e refazerse, Quando um grande alarido ao lonje se ouve. Alegraõse os vencidos, novas forsas Nos animos cobrando, porque pensaõ Ser xegado o soccorro que esperavaõ. Asim era: Nerêo galhardo, e ovante Seguido de invenciveis combatentes Trazia de refresco o Doiro, e Vouga, Capitains, que a derrota fomentáraõ Dos dois vinheos Erois de seus destritos. Dadas as salvas d'uma, e d'outra parte, Entaõ ele contou como em Aveiro Antonio do Ministro, Cabo astuto,[15] Soldado veterano, omem temivel, Forte se lhe opuzera em campo aberto: Os manhozos ardis que escogitára, Os xoques que tivera, e seus encontros, Do noso Vouga, que prezente estava, Os inclitos servisos referindo. Depois pasa a contar quanto no Porto Lhe dera que fazer uma Matrona[16] Do que a Velha de Diu mais guerreira, Mais fera que as do antigo Thermodonte, Que deraõ tanto lustre á Capadocia. E não menos do Doiro ás nuvems alsa A parte que na asaõ tivera onroza. Em fim conclúe, dando a ver os modos Como d'ambos os dois desbaratados Os olhos entregára ao sono eterno. Oceano um pouco entaõ mais branda a pena Da perdida peleja, aos vensedores Amostrando um Real comprazimento, Comesou a tratar quanto era justo Porse por obra na manhan seguinte. Asentase em tentar novo combate Jeral, e decizivo. As transas loiras No vermelho orizonte ao vento dadas Mal que a Aurora amostrou madrugadora; Mal que os frajeis fugazes pasarinhos Com a lus matutina comesaraõ Nos verdes salgueirais a espenujarse, Um xirlando, outro em módulos gorjeios Enxendo de alegria a selva amena, Tudo se perturbou. Ergue do abismo A terrifica fronte angui-comada Outra ves a maldita a negra Guerra. Salpicadas de sangue as azas bate, E os longos arraiais tres vezes cérca. As buzinas, e os pifanos se tocaõ, Arrusaõ-se os tambores, treme a terra, E os marinhos pendoins dezenrolados Vaõ no imperio dos ventos tremulando. Aprestaõ-se os Soldados vensedores, E se vaõ encontrar c'os inimigos, Ums ainda arrotando a ovos xócos Vaõ enxendo as boxexas, e asoprando; Outros se queixaõ que a xixelo velho Muito a boca lhes sabe: em cuja arenga Entretidos em fim o imigo arróstaõ. Está'li Santareno altivo, e guapo Sopezando na dextra a espada injente; Qual atacada mina que promete Ruinas vomitar de imensa mole. De seus olhos pasmado está pendendo Seu exercito em pezo, aonde espreita, Como os ventos em grimpa, da batalha O escondido suseso. A bateria Entaõ comesa com fragor medonho Da parte dos Neptunios combatentes. Foi uma das descargas mais funestas. Muitos dos mais valentes bebedores Do saborozo xá das tortas parras O derradeiro A Deus aos copos deraõ. Encarnisa-se a jente, ferve a guerra, Reina a Desolasaõ, a Morte, as Furias. Apoucando no campo os inimigos Avia longo tempo que bradava Para um nobre duelo decizivo Pelo Padre Oceano, um Serralheiro.[17] Monstro injente, desforme, aspéto orrivel, A quem bravo, e colérico nas forsas A um toiro igualára a Natureza. Eis que ao lonje do Padre entre as falanjes O brilhante pavês de tartaruga Orlado c'uma pel' de crocodilo Os olhos anelantes lhe deslumbra. Na grande maõ sopeza firme, ufano Uma lansa fatal de largo ferro; E brandindo-a valente, rexinando Despedida a fes ir rompendo os ares. O golpe resaltou do rijo escudo, E a ástea espedasada em terra cae. O Padre embravecido o imigo busca; O imigo c'um montante se defende Briozo pelejando: mas o Padre Por tempo entaõ poupar, de romania Cerrou com ele, e o esmagou nos brasos. Do mesmo vensedor ultimos golpes Contra sua vontade onradamente Sofreraõ dezasete Sapateiros, E algums trinta Alfaiates neste dia. Unidos os d'Embarque denodados Aqui Górgones eraõ: nada em campo, Ante seus forsozisimos revézes, Que folgo respirase, em pé ficava. Nada menos fazia o Alemtejano, O Minhoto, e o Beiraõ. Naquele dia Com eterno desdoiro se encobriraõ Os feitos que nos Gregos cadafalsos Em torneio cruel outr'ora obráraõ Rozuel, Estrelante, e Belizarte. Ali Nereo andava incontrastavel, Ali Periclimeno em forsas grande, Ali o Padre Tejo, o Doiro, o Vouga As mais descomedidas tridentadas, Que o mundo ha visto dar, ao imigo dando. Destroncava Achelóo mais cabesas, Cerceava sanhudo mais orelhas, Do que o fertil Brazil macacos cria. Mas vendo que sua ira inda sedenta Mais estragos dezeja, o arrojo toma, O temerario arrojo de encontrar-se C'o grande Santareno. Este montado No asno, ao som de zurros espantozos, Com guerreiro valor tempesteando Entre seus inimigos, como um rio De caudaloza enxente, que insofrivel Na alagada campina arranca, e arraza Quanto lhe estorva á turbulenta marxa, Levava a toda a parte o orror, e a morte. Acomete Achelóo em manhas ábil, Fáslhe cara o Eroi; quebraõse as lansas, E dos brutos c'o a furia abalroados Pinxaõ das selas pelas ancas fóra. Postos a pé aqui he que saõ elas: Arrancaõ das espadas, talhaõ, cortaõ, Estoqueiaõ, desmalhaõ: nasce fogo Dos asos petiscado; ora se curvaõ, Ora em bicos de pés raivozos se erguem. Os golpes se amiudaõ, giraõ destras As talhantes catanas: um sobre outro Vantajem naõ conhese um'ora inteira. Transforma-se Achelóo d'improvizo N'um dragaõ feio de farpada lingua: Espanta-se o Eroi, mas destemido Sobre as azas um córte lhe aprezenta, Que o fas baquear em terra. Novamente Em majestozo toiro convertido Impetuozo avansa: entaõ por terra C'o a forsa do boléo o Eroi caindo Aos cornos se lhe agarra, e novo Alcides O faria em pedasos desta feita, Se em mosca transformado, n'um momento Lhe naõ foje futil, cobarde, e fraco. Entretanto a carnajem sanguinoza Voando devastava o campo todo, E d'ambos os exercitos provavaõ Os nobres Capitains dezasombrados De valor naõ comum, naõ vulgar fama. Mas a gente marinha desangrada Do ferro Bacanal ja naõ podia De brutos taõ indomitos a sanha Nas filas sustentar. Entra a dezordem, E toca a retirar. Ja de Anfitrite Aos palacios Reais se encaminhava O férvido Titán palido, e triste A darlhe a infausta nova da derrota, Que em sua gente a seu máo grado vira. Caindo as sombras vem dos altos montes, E d'uma, e d'outra banda sepultura Se entra a dar aos cadáveres que alastraõ O campo da batalha, e daõ aos olhos O orrorozo matís que a Guerra estende. [12] Caetano. O mencionado no Canto antesedente. [13] Doutor Rito. Um dos papeloins mais celebres que o ocio nutre. Ainda que nunca lhe lembrou seguir os estudos, andou nos primeiros tempos de batina; foi Doutorado por seus mesmos Pais, e na sua propria caza, servindolhe ums calsoins de riso azul da insignia de capelo. Palra sempre de autoridade; he sorumbatico de natureza, e quazi sempre anda com tericia. A sua caza he de orates. [14] Xaves. Bebado da 2.ª espece: he de um notavel dezembaraso, de uma verbozidade pasmoza, e de uma mania de fazer trovas insofrivel. [15] Antonio do Ministro. Foi em Aveiro um dos Taverneiros principais. [16] Matrona. Uma _ejusdem furfuria_ bem conhecida no Porto pela alcunha de Rainha. [17] Serralheiro. Irmaõ do Gigante Dramuziando, filhos do Entuziasmo, e da Fantazia. *CANTO VI.* Geme o Padre Oceano inconsolavel No fundo de seu peito, e mais aguda Comesa a renovarse a dôr antiga. O malogrado fim de seus dezenhos He um dardo punjente, que as entranhas Lhe pica, e despedasa; e quem naõ soube Dos purpureos Erois ceder ás forsas, Em fim cede á mortal melancolia. Tanto póde a paixaõ n'uma alma grande! Fexase triste no tentorio Regio; Nimguem ouza falarlhe; solitario Só quer por companhia o pensamento. Pasadas oito oras em silencio Manda entrar os seus Cabos: pensativo Sobre a meza encostado o cotovelo Na maõ esquerda descansava o rosto, Gotejandolhe em lagrimas banhadas As venerandas cans da longa barba. Amados filhos (vagarozamente Tendo erguido o semblante macilento Asim lhes dis) Amados filhos, nunca Taõ fera atasalhou meu peito forte A tirana Paixaõ! Nunca minh'alma Tanto vi afracar!... Fatal derrota Foi esta que no livro do Destino Lavrada estava em caratéres negros Pela férrea maõ da atrós Desgrasa! Nosas forsas (as forsas invenciveis Que tem amedrentado o mundo inteiro!) Abatidas as vedes, destrosadas Por barbaros Salvajems, por ums brutos Que nada por si tem mais que fortuna. He pois tempo, surjâmos acordados Deste pelago vil de cobardia Onde a triste vergonha nos asoita. Para o imigo venser quem se embarasa Que aja esforso, e valor, ou que aja dolo? O que forsas naõ daõ, ardís alcansem. Todo aquele que vir que melhor póde Ao exito xegar do que intentamos Meta maõs ao trabalho, dêse présa E reduza a pedasos esta canga Que tanto no caxaso nos carrega. Levantase do asento entaõ pacato O Velho guardador dos grandes Focas, E no meio do cónclave luzido Dest'arte descarrega a consciencia. Até'gora eu naõ quis a colherada Nestas coizas meter; vós tendes feito, Tendes acontecido, sem quererdes Pedirme, nem ouvir os meus concelhos, Porem quando a tortura a tal extremo As coizas vai levando, oporme devo, E servir a meu Rei, qual poso, e valho. Os Deuzes, caro Pai, tem-me ensinado As coizas do por-vir caliginozo, Eu antevi estes dezastres feios, Mas eu sem ser forsado naõ predigo. Por castigo talvês dos Deuzes fose Ao voso dezacordo.... Porem basta, Ja tudo se pasou, agora eu mesmo Tomar á minha conta a empreza quero. Socega, amado Pai, o Eroi da pinga De meus tiros o alvo a ser comesa. Recobrou novos animos o Padre, E do filho nos ombros sempre firmes O pezo descansou da grande guerra. Proteo, que nos ardís exp'rimentado Fôra sempre instrumento a mil fasanhas; E cuja calva frente laureada De importantes facsoins sempre saíra, Um pouco sobre o cazo consid'rando, Este acordo felis contente abrasa. Vaise ter com a Astucia enganadora. He esta uma rolisa Mosatona, Que vestida de peles de rapoza, E empunhando na dextra um rico cetro Domina sobre os omems; manda, impera Os indomitos tigres, quais cordeiros. Em quanto pois bulindo dezenvolta Lhe xamejaõ os olhos inquietos Por ouvir o que quer dizerlhe o Velho, Eu quero, lhe dis ele, que te empenhes Agora em socorrerme quanto pódes. De Baco um General meu inimigo, Xamado por alcunha o Santareno, Do esforso ou da fortuna socorrido Tem triumfado das aguas. Oceano Ja derrotada a flor de sua jente Suspira inconsolavel. Mas dos livros Do tremendo Destino irrevogavel Eu sei que o Santareno ao ferro ao fogo Naõ tem de dar a vida nas batalhas; Pois uma pouca d'agua em ora infausta Bebida, ha de arrancarlhe ao corpo o sprito. O buzilis porem consiste agora Em fazerlha beber sem que ele o saiba, Por quanto este animal temlhe odio eterno. Todavia a este laso que lhe tramo Fugir naõ poderá. N'um arrabalde Naõ lonje da Cidade, brevemente Farsehá uma funsaõ que ele naõ perde. Aqui pela canseira do caminho Moído xegará, suado, e laso. Forsozo he pedir vinho, isto naõ falha. Tu pois, que és marralheira, ásde mui prestes Em sua mesma Môsa transformarte; E eu tornado em agua facilmente Na vazilha entrarei que tu lhe deves Lampeira ministrar. Ele sedento Nem se he vinho, ou se he agua reparando A enfuza vazará no grande buxo. Deste modo a meu salvo os intestinos Ávido devorando o darei morto, E terei concluido a grande empreza. Vamos pois sem demora vem comigo. Vamos onde quizeres; insofrida A Astucia respondeu. E logo promptos Metidos n'uma nuvem negrejante Tirada por seis Euros rujidores, Despejando coriscos sentelhantes Ao orrorozo som d'um trovaõ grande Sobre a airoza Coimbra em fim baixáraõ. Mas como do Deleite o Santareno Estava no país, ordena Próteo Que a Astucia dali sacar o fasa, E á Cidade o conduza aonde a trama Para o pobre cair armar pertende. Entre os longos Estados da Mentira Infame Imperatris da maior parte Da terráquea mole, junto ás fraldas D'uma verde colina alcantilada, Sobre um campo espasozo, plano, ameno A que regaõ d'um rio as mansas aguas, A galante Cidade encantadora Do vaidozo Deleite está plantada, A pálida Doensa, os Desprazeres, Os Remorsos crueis, a orrivel Morte O cume senhoreiaõ do alto monte. Mas o Engano traidor, c'um tolde espêso Tudo isto ávido encobre á gran Cidade. Nela tudo he prazer, tudo he descanso. O povo abitador ao ocio dado Só cuida em divertirse: o Baile, o Jogo, Os Cantos, a Luxuria, os Boms-bocados Aqui abítaõ ledos: pelas ruas Amplas Satisfasoins andaõ jirando Ministros de seu Rei: seu Rei parese, C'o as fraudolentas côres que a Mentira Arteira sobre modo o tem pintado, Um rapás mui lousaõ de afavel jesto. Aqui de toda a parte os povos correm De seus serios deveres deslembrados A pedir a este Rei, quais seus dezejos, Tais as Satisfasoins, que outorga facil. Aqui a avía vindo o Santareno, E a meiga sua Espoza a Santarena, A pasar algums dias satisfeito Do fim da grande asaõ com que ultimando A mais árdua vitoria felismente, Tinha a um nome de impávida memoria Por entre o ferro, e o fogo alcanse dado. Mas a doloza Astucia que naõ sabe Desvelada perder monsaõ de efeito, Por Próteo instigada, em continente As cambiantes azas solta aos ares, Dá nele d'improvizo, e asim o ataca: Dos remorsos se val acuzadores; E por uma maneira extravagante De seu alto saber somente propria, C'o as cores da razaõ na triste ideia Seu vil procedimento lhe debuxa. Faslhe ver com a mesma consciencia Como he mais justo que um Eroi constante, Que as desgrasas tratou de bagatela, Em as prosperidades naõ se infune. Que naõ dê que falar ao povo rude, Que murmurante na Cidade o acuza Pelo ver aos prazeres taõ sensivel. Que deve a sua caza retirarse, Tirar do vencimento util proveito, Naõ confiarse em si, porque inda as Aguas Estancado naõ tem as forsas vastas. Aqui do astuto Anibal traslhe á mente E do Magno Pompeo exemplos vivos, Que ja devem fazelo escarmentado. Em fim estas solicitas lembransas De tal sorte do Eroi fervelhaõ n'alma, Que em si caindo parte rezoluto. *CANTO VII.* Entretanto em Coimbra amotinada Era inda o pasmatorio inexplicavel Por cauza do trovaõ medonho, e orrivel, Que desde os fundamentos abalára As altas cazas, e fizera aos sinos Por si mesmos tocar nos campanarios. Soava Saõ Jeronimo inda em partes, E em outras Santa Barbara bemdita Com espantozos berros; e a vizinha Á timida vizinha inda contava Das viboras de fogo côr de enxofre, Que tortuozas rápidas caíraõ. Os dois obézos vultos, que sozinhos Pelas sombras da noite caminhavaõ Vinhaõ asustadisimos: em bica Lhes corria o suor, e sem falarem Só vinhaõ nas camandolas sebentas Ave Marias mil, e Padre Nosos Ums apôs outros engolindo a medo. A caza em fim xegáraõ, e por terra Depois de averem dado aos Ceos as grasas Pelos ter dos perigos defendido, Entaõ uma Sobrinha por miudo As coizas lhes contou que se pasavaõ. Diselhes, que depois que eles se foraõ Ao seu divertimento, na Cidade Em nenhuma outra coiza se falava Senaõ no grande risco a que seu Tio Tinha ficado exposto; que entre dentes Naõ sei que se rosnava; pois que o Xefe Inimigo tentava armar ocultas, Fraudolentas traisoins; que era precizo Cautela, e mais cautela: acrescentando Que teve ums sonhos (de que Deos nos livre) Mesmo áquele respeito asás funestos. No que naõ creu o Eroi; porem Madama C'o a noticia em extremo intimidada, Asentando que ali avía agoiro, Fês que viese a caza no outro dia Uma ábil Franxinota a lerlhe a sina. Asim foi: uma veio asás jocoza De cabasa, e bordaõ, trincos nas repas Formados em torcidos papelotes, Pálidas maõs, agaloadas unhas, Altas as saias com franjoins de lama, Mursa nos ombros de ensebado coiro Com redondas conxinhas matizada, E um de languidas ábas xapeo ruso Com varios em redor Santiaguinhos No alto da cabesa côr de estriga. Era esta sagacisima, adestrada, Mestra no ultimo ponto em Chiromancias. Olhou, examinou, tomou medidas, Mas viu mil cruzes na polpuda palma Do magnanimo Eroi, mil entrelinhas Cortando inteiras linhas, mil figuras, Mil indicios em fim de agoiro aziago, De caza em todos toma pose o susto: Parese cada cara uma laranja. Porem o Santareno que prezume Ser em materias tais dezabuzado, Que nunca em Bruxas creu, ou Lobizomes, Deita estas coizas para trás das costas. Trata de divertirse, e em mais naõ pensa. Ai de quem da memoria o adagio varre _Quem inimigos tem dormir naõ deve!_ Xegada estava entaõ uma romajem Dia de Pentecoste, onde Coimbra Em pezo aos Olivais sair costuma. He esta uma funsaõ das mais luzidas Daqueles arrabaldes; ali entra Tudo o bom, e bonito; ali se encontra Todo o recreio de qualquer espece. Veemse ali jocozisimas Comedias No amplo teatro do arraial vistozo. Veemse as Trajedias de orrorozo aspéto A sena ensanguentarem. D'uma parte Esgrimese com ansia a espada preta, D'outra em jogo de páo soa a lambada. Aqui n'umas mezinhas enfeitadas Mosas de arromba, que os tafuis arrastaõ, Vendem d'envolta c'o as xulises torpes Sédiso doce de mil castas feito. Ali nas asadeiras xia a carne: Esta freje a sardinha, aquela os ovos, Uma vende agua ardente, outra beijinhos. A fresca como neve limonada De resto ali se trata: ali triumfante, Como em brilhante trono, sobre um carro De cana, parra, e loiros enramado, Adoradores mil em torno tendo, Vêse a _sine-qua-non_ excelsa Pinga. E que peito de páo, que alma de palha Poderá insensivel n'um tal dia Ao recreio negar entrada franca? Um omem de bom senso, e que se préza Ser da onra, e do respeito alumno serio Ha neste dia de trancar insano Em masmorra domestica o seu gosto? Naõ era, o noso Eroi naõ era filho De pai que tal fizese. Espoza cara, Dis ele, he nesesario naõ perdermos Os uzos, e costumes: he xegada A minha romaria: resta veres O que eide merendar; pois tu bem sabes Que nisto da funsaõ consiste o todo. Mas a crédula Espoza, a quem agoiros Sempre grande impresaõ fizeraõ n'alma Aflita com exceso asim lhe argúe: Onde queres tu ir? Tu serás doido? Credo! Apelo eu! Lenho da Crus Santa! Naõ vês, alma de Deus, como danados Andaõ teus inimigos de alcateia A ver se te devoraõ? Tu naõ queres Inda acabar de crer? Eu bem te avizo. Se queres merendar, merenda em caza, Deixa lá ir quem vai á romaria. Bem viste a Franxinota o que te dise Quando lendo te esteve a _buena dicha_. Ai, temos conversado, a Deus Senhora; Quero ir á romaria, tenho dito (Replíca ele agastado) vá dar ordem A um fardel em termos: ca por ora As Aguas nunca me fizeraõ papo: Naõ temo de nimguem, só de Deus temo. Com efeito apromtouse uma merenda, Que para outro qualquer fôra um banquete. Era uma perna de vitela tenra Com Anjelico molho temperada Segundo os boms preseitos que arte ensina; (Ele a tinha aprendido com boms Mestres) De prezunto era um grande pratarrazio, De porco quatro pés, seis orelheiras, Uma lebre, um leitaõ, sete coelhos, Ou láparos talvês; afóra o lombo Que estivera ate'li de vinho d'alhos Iaõ sinco ou seis pains de imensa mole; Coroando por fim a obra toda Xeia de vinho a pel'd'um bode d'ampla Desmedida grandeza: odre admiravel, Qual nunca em seus opíparos banquetes Teve de Bromio o orelhudo Socio. Mas vem a cada porco um S. Martinho. Em fim he tempo, os duros Fados instaõ, E Lachesis da roca por momentos Vai tirar ao Eroi o ultimo fio. Da partida se trata: a carga opíma Da profuza merenda em dois alforjes Um burro fas vergar: na maõ c'o as contas, E c'o a borraxa á cinta, o Santareno A maguada Espoza prende, e abrasa; E entre doces coloquios até a noite Seguro se despede. Mizerando Que ignora que esta noite ao prazo dada He por ordem dos Ceos a noite eterna! Entaõ tres vezes que dirije os pasos Da porta ao lumiar, tres vezes dentro Se torna perturbado, inquieto, mudo. Preságo o corasaõ dentro no peito Agitado lhe bate: mil lembransas De montaõ o atacaõ: anda, pára, Nem sabe a decizaõ que tomar deva. Mas se o que tem de ser, tem muita forsa, Com eroico valor tanto imbecilho Rompendo finalmente a estrada avansa. *CANTO VIII.* Vai a ultimarse a empreza. Numen terno, Que os influxos nos lúgubres cantares Da Heliconia montanha aos Vates mandas, Para oje acompanhar meu canto triste A minha lira d'évano tempéra, E nas cordas me ensaia os dedos broncos, Q'a impreterivel ordem dos susésos; Ja me fas o sinal de pôr aos olhos A lastimoza sena em que a Desgrasa Deixou que á vergonhoza cobardia Cedese o alto valor d'um peito nobre. O estro se me afraca, o pulso treme... Eu quizera esquivarme ao pezo enorme... Ó Muzas ajudaime. Ja sentado Sobre a relva do campo verdejante Onde da romaria a jente estava Noso Eroi dezabotoava impando Os graúdos botoins da imensa vestia. Ja mais em ano algum ele sentira Em funsaõ semelhante entre folgares Taõ grande desprazer dentro em si mesmo. Ui lá! q'inda este burro naõ xegase! Valhame Deus, forte tardansa he esta, (Dizia ele lá comsigo mesmo) Nem moso, nem dinheiro, nem garrafa; Máo está o negocio... E asim rosnando. Sentado cada vês mais se aflijia. Levantase, o capote aos ombros puxa, E gozando do fresco deleitozo, Que o zefiro das azas sacodia C'os olhos do concurso em torno gira. A precavida Astucia, que d'um alto Todos seus movimentos atalaia, Entaõ em Môsa feita, de tal sorte Que a sua em carne, e oso ser parese, Sae d'entre o barulho, e contra o Amo Os concertados pasos endireita. Ora grasas a Deus! Pois inda'gora He que tu la de vir oras axaste? (Lhe dis ele agastado) Morto á sede Ha mais de duas oras aqui posto Sem xegar inda o vinho! Irra c'o a festa! Por onde tems andado? Q'he do burro? Como quem d'um perigo ilezo escapa, Que fica longo tempo, em dezabafo Do aflito corasaõ que á présa bate, Cansado respirando, e da garganta A fala desprender livre naõ pode; Asim depois de um pouco estar ant'ele Descansando arquejante, e fadigada, D'est'arte entre ipotéticos enfados Zangada a Mosa apócrifa responde: Ah Senhor! que me dis? Sabe os trabalhos Q'ese burro nos deu? Olhe a empreitada Melhor naõ pôde ser. Mais de oito vezes Tem caído c'o a carga: eu e o Fernando Temo-nos visto Gregos: os alforjes Vem todos lameados; as casoilas, E frejideiras todas se quebráraõ: (Cada palavra destas piamente Creio que era no Eroi uma facada Segundo as cores mil que ao rosto dava) Os molhos se verteraõ; finalmente Caminhando adiante eu vim mais prestes Somente por pensar que esta tardansa Lhe daria cuidado. E naõ pequeno, (Torna ele) esa está boa! Esta somente A mim he que susede... Paciencia: Que lhe avemos fazer? Eide matarme? Naõ; matese o Diabo. Vai depresa, Que eu tenho muita sede, e estou suado, Buscar meia canada n'uma enfuza, Que eu naõ poso esperar que o odre xegue. E traze do melhor, anda deprésa. A Astucia mais naõ quis ouvir; e dentro Do barulho sumindose contente, O fatidico Vate que a aguardava No aprazado lugar buscando encontra, Mutuos parabems ambos se prestaõ, E sem que dois minutos se esperdisem Em agua o ávido Velho se transforma, E na enfuza se mete. Corre, voa A fatal Portadora. O Santareno Tanto que a enfuza enxérga, ja sem tino As guelas abriu voraginozas, E, sem fazer no gosto algum reparo, Alambazado, e sofrego d'um trago Em vês de vinho foi beber a morte. Dominante entra Próteo. D'improvizo As entranhas do Eroi rujindo estalaõ: Com orrorozas vascas treme o corpo: Os brasos se lhe estrixaõ; torce a boca; Revirados os olhos se lhe vidraõ, Os dedos fexa, estende as pernas, morre. Ah barbaro traidor! Que gloria, ou fama Defeito taõ atrós, de asaõ taõ crua Pertendes alcansar? Sempre em meus versos, Se versos os meus versos sempre forem, Notado tems de ser de vil, de infame. Morreu o Santareno. As longas azas Batendo logo a xocalheira Fama O boato espalhou por toda a parte. Alvorósase o Povo, corre, inquire, E cercaõlhe o cadaver. Escumava, Ainda quente o corpo; e a Morte pálida Ja lhe tinha das faces desbotado O vivo vermelhaõ. Ceos! que terrores, Que frios sustos, que orrorozos pasmos Esta morte naõ cauza á gente toda! Eis uma tumba a multidaõ rompendo Lá o condús em si levando fitos Os tristes olhos da pasmada jente, A funsão se desfás, tudo se abala; E o jeral sentimento nos semblantes Dos calados Romeiros vem pintado. Tal se tira lisaõ destes exemplos! A caza a tumba xega: o povo a porta Rodeia em turbilhoins: toda a familia Frenética rebenta em pranto amargo. Da caza que resoa sem maneira Fere as aureas estrelas o alarido. Ja mais aparesêra em nosos dias De dezordems taõ funebre um teatro! Mas na Espoza infeliz que alma ferida Ja tinha desde muito, entaõ se acaba De cravar o punhal sangui-sedento. A fala se lhe toma, as cores perde, Suspira, desfalese, em fim desmaia. So a linda Sobrinha, linda mesmo Como Deus a criou, largando as redeas Da violenta paixaõ que sofreava, Insana fere as boxexudas faces, Fórma gritos d'espanto, e as maõs fexando Uma n'outra, indizivel xoradeira Fas nestes termos pouco mais ou menos. Ai Tio da minh'alma! Bem dizía Bem diziamos nós que naõ saíse! Que negra romaria nos foi esta! E que áde ser de mim?... Oh Ceos, eu morro. Ai de mim! Ja (quem tanto me queria) Naõ me ouve aqui xorar mesmo ao pe dele! Ja naõ fala, morreu... Forte desgrasa, Senhor, forte desgrasa! Quem diria Que n'um pouco de vinho fose a morte? Mas ah! que a mim do sonho inda me lembra Que ele os tempos atrás de noite teve! Oh mal-aventurado, triste dia! Nunca tu... E asim continuava Abrindo, e com furor fexando as portas. Em tanto a si tornando a Espoza Eroica O amortalhado corpo apenas pôde Só ver, e abrasar, porque fexada Quis dar á sua magua o dezafogo Que a todos nos ensina a Natureza. Naõ ouve caõ nem gato a quem deixase De custar quatro lagrimas tal perda. Todos, bom Santareno, te xoráraõ: Nas mesmas sentidisimas adegas Ainda oje se veem lagrimejando Os bojudos toneis, as gordas cubas. Mas que ternura em mim!... Ah! vinde, vinde Minhas lagrimas ternas, que tributo Melhor naõ pagareis á sua memoria. Oh mal aja o primeiro, que das guerras A praga fes cair no pobre mundo: Nefanda praga dos mortais verdugo, Donde veio a dezordem, donde os roubos, Donde a desolasaõ, a mortandade. Ditoza Pás, dos Ceos abitadora, Serena filha da Ventura eterna, Que os mizeros umanos tanto alegras; Se fora mais privado o teu imperio, Se a execranda Discordia naõ ouzára Entrar com maõ armada os teus limites, Lansar neles o orror, destronizarte; Ainda o meu Eroi de glorias xeio Alegrára vivendo os nosos dias. Mas naõ susede asim: est'alma nobre Foi do sosego seu dezaposada No melhor de seus anos: os trabalhos Mais as consumisoins, que de rezerva Dispostos a atacalo andavaõ juntos, Fizeraõ nele o tiro; e o bem-fazejo, O braso liberal que no regaso Da esfaimada Pobreza amplos tezoiros Franquear costumava viu-se a ponto De pegar da espada. Mas que forsa Naõ era a de seu braso? Que grandeza A de seu corasaõ robusto, e forte? Ah! e que Átropos cega, e sem acordo Condene ao mesmo golpe o poltraõ baixo, E o magnanimo Eroi, que a Patria onra! Amigos deste Amigo, se inda o zelo Vos aquese as asoins, eia xoremos, Naõ sejamos ingratos, indolentes: O luto se conhesa, banhe as faces Um saudozo pranto. Quem mais facil Satisfês algum dia, que este Amigo As nosas precizoins? Quando caía Das nuvems gêlo aspérrimo que o sangue Nas veias encalhava, quando a negra Mortal Melancolia o peito inerme Cruel nos abafava, elle benigno Naõ nos dava o remedio, apenas via Junto á porta asomar nosos garotos? A quem mais beneficios, mais louvores Poderemos dever, telhas abaixo? Ai de mim, que naõ poso, ó grande Amigo, Xorar a tua perda incomparavel Com pranto de ti digno! Oh s'eu podera Gastar agora umor de Carpideira, Noite, e dia regára o teu sepulcro. Tu es digno de lagrimas eternas. Eroi sempre invensivel, que fizeste Notar teus aleivozos inimigos, Se venserte quizeraõ, c'o a infame, C'o a dezonroza marca de cobardes; Varaõ constante, que arrostaste os lanses, Qual aguia majestoza arrosta os ventos. Arrepele os cabelos sibilantes, Que a fronte negra esquálida lhe arreiaõ; Raivoza a lingua morda, dê bramidos Maiores que trovoins a magra Inveja; Tu cantado serás: teu nome egregio Na letárgica veia entre cardumes De populares deslembrados nomes Naufragio naõ fará: em pás descansa, Seja-te leve a terra que te cobre, De teus osos a pás nimguem perturbe. Deixese ao Tempo revolver a roda: Tems sempre de ser celebre no mundo, Sem que a fama de Heitor te fasa sombra, _Sem á dita de Achiles ter inveja._ FIM. * * * * * _Pascitur in vivis livor: post fata quiescit, Cum sùus ex merito quemque tuetur honos._ Ovid. Am. l. I. E. 15. * * * * * End of the Project Gutenberg EBook of Santarenaida: poema eroi-comico, by Francisco de Paula de Figueiredo *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO *** ***** This file should be named 21283-8.txt or 21283-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/1/2/8/21283/ Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was produced from scanned images of public domain material from the Google Print project.) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at http://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is in the public domain in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country outside the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org 1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived from the public domain (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg-tm License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than "Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided that - You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." - You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works. - You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. - You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread public domain works in creating the Project Gutenberg-tm collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain "Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email [email protected]. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director [email protected] Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.