Historia da Grecia

By Fernandes Costa

The Project Gutenberg eBook, Historia da Grecia, by José Fernandes Costa


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Title: Historia da Grecia


Author: José Fernandes Costa



Release Date: April 29, 2010  [eBook #32174]

Language: Portuguese


***START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA DA GRECIA***


E-text prepared by Pedro Saborano



*Notas de transcrição:*

O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso em 1902.

Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos
alguns pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura
do texto, e que por isso não considerámos necessário assinalá-los.

No original havia uma errata. Nesta adição corrigimos os erros
apresentados nessa errata.





PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO

PARA

Portuguezes e Brazileiros

BIBLIOTHECA DO POVO

E DAS ESCOLAS

CADA VOLUME 50 REIS



Historia da Grecia

POR

J. FERNANDES COSTA

Capitão de Artilharia


      Cada volume abrange 64 paginas, de composição cheia, edição
      estereotypada,--e fórma um tratado elementar completo n'algum
      ramo de sciencias, artes ou industrias, um florilegio litterario,
      ou um aggregado de conhecimentos uteis e indispensaveis,
      expostos por fórma succinta e concisa, mas clara, despretensiosa,
      popular, ao alcance de todas as intelligencias.



LISBOA
SECÇÃO EDITORIAL DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
Adm. Justino Guedes
Largo do Conde Barão, 50
Agencias: PORTO--Largo dos Loyos, 47,1.º
RIO DE JANEIRO--R. da Quitanda, 38
1900

NUMERO 131




INDICE

    Noções geographicas.
    Noções mythologicas.
    CAPITULO I--Tempos legendarios ou primitivos. Tempos heroicos e
                mythicos dos Hellenos.
    CAPITULO II--Tempos historicos.
    CAPITULO III--Esparta. Legislação de Lycurgo. Guerras de Messenia.
    CAPITULO IV--Athenas. Legislação de Solon. Os Pisistratidas. A
                 democracia Atheniense.
    CAPITULO V--As Guerras Medicas.
    CAPITULO VI--Hegemonia de Athenas.
    CAPITULO VII--O seculo de Pericles.
    CAPITULO VIII--Guerra do Peloponeso.
    CAPITULO IX--Tyrannia dos Trinta em Athenas. Restabelecimento da
                 democracia.
    CAPITULO X--Hegemonia de Esparta.
    CAPITULO XI--Decadencia de Esparta. Hegemonia de Thebas.
    CAPITULO XII--Supremacia da Macedonia.
    CAPITULO XIII--Desmembramento do Imperio de Alexandre.
    CAPITULO XIV--Reducção da Grecia a provincia romana.




HISTORIA DA GRECIA




NOÇÕES GEOGRAPHICAS


_Grecia_ foi o nome dado pelos Romanos ao paiz chamado _Héllada_ pelos
seus naturaes. Tal nome coube primeiramente a uma pequena divisão do
Epiro; depois applicou-se á Thessalia, aos paizes ao sul das Thermopylas
e ao Peloponeso, vindo, com o andar do tempo, a comprehender todo o
Epiro, a Illyria na sua maior parte e a Macedonia. Mas o vocabulo não
era conhecido pelos habitantes do paiz, do mesmo modo que estes se não
designavam pelo nome de _Gregos_, com que ficaram memorados na Historia.
Na lingua grega a Grecia era chamada _Héllada_, como dissemos,
_Hellenia_ ou paiz dos _Hellenos_. São ignorados os motivos pelos quaes
prevaleceram os nomes--_Grecia_ e _Gregos_--empregados na lingua romana.

A palavra Héllada (em grego _Hellas_) designou primitivamente um pequeno
districto da Phthiotida, na Thessalia. D'ahi, os Hellenos espalharam-se
gradualmente por todo o resto da Grecia,--mas ainda no tempo de Homero o
seu nome não era commum a toda a nação grega. O grande poeta designa os
Gregos pelos nomes de Danaos, Acheus, ou Argivos; e imbora na _Iliada_,
cant. II, v. 530, appareça uma vez a designação de _Pan-Hellenos_, é
ella tida como espuria pelos commentadores antigos.

Entretanto, nos tempos mais remotos da Historia Grega, todos os membros
da raça hellenica, vangloriando-se de um antepassado commum, _Hellen_,
eram conhecidos pelo mesmo nome, e a todos os districtos em que se
estabeleciam davam o nome generico de Héllada, o qual significava,
assim, «terra dos Hellenos» e não uma região qualquer definida por
limites geographicos precisos. Ora, n'este sentido generico, as mais
distantes colonias hellenicas pertenciam á Héllada; e d'esse modo as
cidades de Cyrena na Africa, de Syracusa na Sicilia, e de Tarento na
Italia, formavam partes tão essenciaes da Héllada como as cidades de
Athenas, de Esparta, e de Corintho.

Este é o sentido mais amplo do termo, o qual se empregou tambem mais
restrictamente para designar todo o paiz ao sul do Golpho Ambracico e da
foz do rio Peneu, até ao isthmo de Corintho. N'esta significação era o
paiz designado pelo nome de _Héllada contínua_ e, segundo os modernos,
pelo de _Héllada propria_.

Poremos, comtudo, de parte este nome classico e erudito; e adoptaremos
para toda a Peninsula o de _Grecia_, consagrado pelos seculos e pelo
consenso unanime dos historiadores.

A Grecia é a mais oriental das tres peninsulas em que o continente
europeu é recortado ao sul. A sua extensão superficial está longe de
egualar-se á do nosso pequeno paiz, e não é por ella decerto que nos
cumpre avaliar a extraordinaria importancia que os filhos d'essa região
privilegiada tiveram na historia do mundo.

Presta-se o paiz, pelo muito accidentado das suas montanhas, ao
estabelecimento de pequenos Estados analogos aos cantões da Suissa,
assim como pelo arrendado do seu vasto littoral se presta a uma grande
expansão de commercio maritimo, facilitado ainda pela proximidade da
Asia, da Italia, e do Egypto.

Ao norte, a Peninsula é cortada, do Mar Negro ao Mar Adriatico, pela
cadeia de montes que, a leste, toma o nome de _Hemo_ ou _Balkan_, e em
cujas vertentes meridionaes assentam a _Illyria_, a _Macedonia_, e a
_Thracia_.

Ao sul da Illyria e da Macedonia ficava a _Grecia septentrional_,
comprehendendo o _Epiro_ e a _Thessalia_, separados de norte a sul pelo
monte _Pindo_. Ao sul do Epiro incontravam-se os _Molossos_, cuja
capital era _Ambracia_ (Arta), banhada pelas aguas do golpho do mesmo
nome, e ao norte, na fronteira da Macedonia, _Dodona_, celebre pelo seu
oraculo.--A Thessalia é atravessada pelo rio _Peneu_, o qual fórma o
valle de _Tempe_, entre os montes _Olympo_ e _Ossa_. Entre as cidades,
cumpre citar:--_Larissa_, banhada pelo Peneu, e antiga capital dos
Pelasgos; _Iolcos_ e _Lamia_; _Pharsalia_, e, perto d'esta,
_Cynocephalia_ («Cabeça de Cão»), celebre campo de batalha. A cadeia de
montanhas meridional chama-se monte OEta, e n'elle existe uma
estreita garganta, o celebre desfiladeiro das _Thermopylas_ («portas
quentes»), unica passagem natural da Thessalia para a Héllada.

Ao sul da Thessalia e do Epiro (isto é, da Grecia septentrional) ficava
a _Héllada propria_ ou _Grecia central_. Compunha-se ella dos seguintes
estados: _Attica_, _Beocia_, _Phocida_, _Dórida_, _Lócrida_, _Etulia_,
_Acarnania_, _Megarida_.

Na _Attica_ ha a mencionar o monte _Penthelico_, celebre pelo seu
marmore, e o monte _Hymetto_, afamado pelo seu mel, e ambos elles
contrafortes do OEta. As cidades principaes eram: a capital _Athenas_;
o porto do _Pireu_ na peninsula de _Munychia_; _Eleusis_, famoso centro
do culto de _Demeter_ (_Ceres_) e dos mysterios. Eram tambem na Attica
as celebres planicies de _Marathona_. Em frente de Athenas, no Golpho
Saronico, incontrava-se a ilha de _Egina_, famosa pela sua grande
navegação, pela riqueza e cultura dos seus habitantes, e ao norte d'ella
a ilha de _Salamina_, celebre pelo combate naval que d'ahi tirou o nome.

Na _Beocia_ havia quatorze cidades, reunidas em liga, a cuja frente se
encontrava _Thebas_,--a das septe portas,--com a fortaleza _Cadméa_.
D'entre as outras ficaram memoraveis pelas guerras de que foram theatro:
_Platéa_, _Délio_, _Coronéa_, Leuctra, _Cheronéa_.

Na _Phocida_ estava o centro da Grecia e até mesmo, segundo então se
julgava, o centro de toda a Terra, o templo de _Delphos_. Esta cidade
era celebre pelo seu oraculo de Apollo, pela sumptuosidade dos seus
edificios, e pela sua fonte de _Castalia_, cansagrada ás Musas.

A _Dórida_ era uma pequena região montanhosa, tendo apenas quatro
cidades, tão insignificantes que não vale a pena citar-lhes os nomes.

Na _Lócrida_ é digno de menção o porto de _Naupacta_ (hoje _Lepanto_), e
na _Etulia_ a inexpugnavel cidade de _Thermon_.

Finalmente, na _Acarnania_, ao sul do Golpho de Ambracia, notava-se:--o
promontorio de _Accio_, celebre pela victoria de Augusto (31 A. C.), e
em cuja proximidade depois se fundou _Nicopolis_; a cidade de _Leucate_,
e a de _Stratos_; etc. Na _Megarida_, distinguia-se a cidade de
_Megara_, proximo da costa, a porta do isthmo, com dois portos, um no
Golpho Saronico, outro no de Corintho.

Resta-nos falar da terceira grande divisão geographica de toda a
Peninsula Grega, o _Peloponeso_ (hoje _Moréa_). Constitue ella por si só
uma peninsula secundaria da principal, á qual se liga por uma estreita
lingua de terra, o isthmo de Corintho. Subdividia-se nos seguintes
Estados: a _Arcadia_, a _Laconia_, a _Messenia_, a _Achaia_, a
_Argolida_, a _Elida_.

Na _Arcadia_ havia, alêm das cidades antigas de _Mantinéa_ e de _Tegéa_,
_Megalopolis_ e outras localidades de somenos importancia.

Na _Laconia_, parte mais meridional de toda a Grecia, notava-se, alêm da
capital _Esparta_ (_Lacedemonia_), _Amycléa_ antiga cidade dos
Tyndaridas, celebre pelo culto ahi prestado a Apollo, _Sellasia_,
_Hélos_, e o porto _Githio_.

Na _Messenia_, separada da Laconia pelo monte _Taygeto_, havia a antiga
fortaleza de _Ithoma_, a cidade maritima de _Pylos_ (_Navarino_), a
capital _Messena_, e a cidade dorica de _Steniclaros_.

A _Achaia_, no Golpho de Corintho, continha as cidades de _Patras_, de
_Egio_, de _Hélice_, e mais nove, formando todas uma liga, e tinham para
centro o templo de Zeus (Jupiter) em _Egio_. A liga _achaica_ ou _achéa_
comprehendia, alêm d'estas doze cidades, a de _Sicyonia_, altamente
commercial, e a de Corintho, opulenta tanto pelo seu commercio como pela
sua actividade industrial e artistica, e notavel pela sua forte
cidadella (_Acrocorintho_).--Ao sueste, achava-se a _Phliasia_, pequena
republica com a cidade de _Phlionte_.

Na _Argolida_ sobresahiam a capital _Argos_, com a sua cidadella
_Larissa_--do tempo primitivo dos Pelasgos, _Mycena_ e _Tiryntho_, onde
se vêem ruinas das muralhas cyclopicas; e, alêm d'estas tres cidades de
maior ou menor importancia, muitas localidades, algumas celebres na
Historia da Mythologia, taes como: _Neméa_ (jogos nemeus), _Lerna_
(hydra de Lerna), _Epidauro_, _Trezena_, _Hermione_, _Nauplia_, a ilha
de _Calauria_, etc.

Na _Elida_, região sagrada, havia, alêm da capital _Elis_, a floresta de
_Altis_ na planicie de _Olympia_, banhada pelo _Alpheu_, onde de quatro
em quatro annos se celebravam os famosos _jogos olympicos_, e o
magnifico Templo de Zeus, com a estatua do Rei dos Deuses feita de
marfim e oiro, pela arte sublime e prodigiosa de Phidias.--A região ao
sul de Olympia chamava-se _Triphylia_; e n'ella ficava a _Pylos_, de
Nestor.

      *      *      *      *      *

Eram estes os Estados do continente ou terra-firme. Ha, porêm, ainda a
considerar um grande numero de ilhas. Citaremos, as mais importantes:

No mar de oeste ou Mar Jonio: _Corcyra_ (hoje _Corfú_), talvez a celebre
ilha dos _Pheacios_, residencia do rei _Alcinoo_, e que Homero cantou;
_Leucate_, com um sanctuario de Apollo; _Ithaca_ (hoje _Thiaki_), morada
de Ulysses; _Cephallenia_ e _Zacyntho_, d'onde veio a colonia hespanhola
de Sagunto.

No mar do sul: _Cythera_, antiga colonia phenicia, d'onde talvez lhe
proveio o culto da Venus Aphrodite (a _Astarte_ phenicia); _Creta_
(_Candia_), com o seu monte _Ida_, afamada pela legislação de Minos, e
com as cidades de _Cydonia_, de _Gortyna_, de _Cnossa_ (labyrintho),
entre outras, que Homero faz chegar ao numero de cem; _Chypre_,
abundante em azeite e vinho; _Rhodes_ (a Ilha das Rosas) com a celebre
estatua de Hélios (_colosso de Rhodes_) no porto da sua capital.

No mar de léste ou Mar Egeu, tambem chamado _Archipelago_, as ilhas eram
tão numerosas, que este ultimo nome do mar ficou designando todos em que
as ilhas são muitas, ou, mais restrictamente ainda, todos os
agrupamentos de ilhas. As principaes eram: _Eubéa_ (_Negroponto_), com
as cidades de _Eretria_, de _Chalcis_ (ligada á Beocia por uma ponte),
de _Carysta_, afamada pelos seus marmores, e de _Oréa_; _Scyros_,
pertencente aos Athenienses; _Lemnos_, celebre pelo culto de Héphaistos
(Vulcano); _Thasos_; _Imbros_ e _Samothracia_, ambas conhecidas pelo
antigo culto mysterioso dos _Cabiras_; as _Cyclades_, grupo assim
chamado por formar um circulo de ilhas em torno da ilha de _Délos_,
consagrada ao Sol. Em Délos havia o grande sanctuario de Apollo. E entre
as outras Cyclades, cumpre mencionar: _Paros_ (marmores), _Andros_,
_Céos_, _Melos_, e _Naxos_. A léste das Cyclades, ficavam as _Sporades_,
mais ligadas já ao continente asiatico, sendo entre ellas notaveis:
_Tenédos_; _Lesbos_, com a cidade de _Mitylene_; _Chios_; _Samos_,
patria de _Pythagoras_; _Cos_, pátria de _Apelles_ e de _Hippocrates_;
_Patmos_, depois celebre por ahi ter residido o evangelista S. João.




NOÇÕES MYTHOLOGICAS


*1.º Theogonia grega.*--A Terra (_Gé_) gerou por si mesma o Céu
(_Urano_) e o Mar (_Ponto_). Da alliança entre o Céu e a Terra nasceram
os _Cyclopes_ e os _Titans_.

Os cyclopes forjavam os raios. Dos Titans, uns vagueavam pela Terra como
o _Oceano_, deus marinho, cujos filhos e filhas eram os rios e as
fontes, outros esplendiam nas regiões ethéreas ou cruzavam o espaço,
como _Hypérion_ (luz primitiva), _Théia_ (claridade diurna), _Hélios_
(sol), _Seléné_ (lua), _Eos_ (aurora), o céu nocturno com as suas
estrellas (_Léto_ e _Astéria_), os quatro ventos (_Zéphyro_, _Bóreas_,
_Noto_, _Euro_); outros representavam os destinos e as tendencias do
espirito humano, como _Japeto_ e seus filhos, _Atlas_, _Menecio_,
_Prometheu_ e _Epimetheu_ (_Prometheu_ que roubou aos deuses o lume e
por isso Zeus o amarrou n'um rochedo onde um abutre lhe devorava as
intranhas; _Epimetheu_, marido de _Pandora_, de cuja boceta sahiram
todas as miserias da Terra ficando-lhe só a esperança no fundo); outros
eram as forças amigas ou inimigas da humanidade, _Themis_ (guarda da
ordem legal e moral), _Mnemosyne_ (memoria), mãe das 9 Musas, _Hécate_,
deusa da noite. O mais novo dos Titans foi _Chronos_, que destronou seu
pae, Urano.

Das gottas de sangue cahidas no chão nasceram as _Erinnyas_ ou
_Euménides_ (_Furias_ na Mythologia Romana), e os _Gigantes_. Da espuma
do mar nasceu _Aphrodite_ ou _Anadyómena_ (Venus na Myth. Rom.), a deusa
do amor. Da ligação de _Gé_ com o mar proveio _Nereu_ e d'este as
nymphas maritimas ou _Nereides_ (aspectos risonhos do mar) e _Thaumas_,
_Phorcys_, _Céto_ (fenomenos terriveis das ondas). De Thaumas nasceu
_Iris_ (o arco iris) e as _Harpyas_ (trombas, redomoinhos). De Phorcys e
de Céto vieram as _Graias_ (as tres velhas com um olho e um dente só),
as _Gorgones_ (_Stheno_, _Euryale_, e _Medusa_, tendo serpentes na
cabeça em vez de cabellos), as _Hesperides_ (que guardavam os pomos de
oiro no Jardim do Occidente). Do filho de Medusa nesceram os espectros
_Cerbero_, _Hydra_, _Chimera_.

A Noite deu o ser a estes de influencia mysteriosa ou nociva: o somno,
os sonhos, a morte, o destino (Ker), as tres _Moera_ (_Parcas_ na Myth.
rom.): _Clotho_, _Lachésis_, e _Atropos_.

Depois de Urano reinou _Chronos_ (_Saturno_ na Myth. Rom.), e o seu
reinado foi a edade de oiro, o periodo da felicidade sem nuvens; _Zeus_
(_Jupiter_ em Roma), seu filho mais novo, foi creado secretamente em
Creta, escapando por um artificio materno, no qual tomaram parte os
_Curetes_ e as _Corybantes_, á sorte de todos os outros seus irmãos,
pois Chronos devorava á nascença todos os filhos que lhe dava sua mulher
_Rhéa_ (_Cybele_). Zeus desthronou seu pae e fundou o reinado dos
_deuses olympicos_, depois de um combate contra os Titans e Gigantes
(forças revoltas da Natureza), do qual sahiu triumphante, despenhando os
seus adversarios no Tartaro, com excepção apenas de Thémis, do Oceano, e
de Hypérion.


*2.º Deuses olympicos.*--O senhor e soberano dos deuses, o deus
principal dos Hellenos, era Zeus. O seu culto nasceu em Dodona, no
Epiro, extendendo-se depois á Thessalia e d'ahi á Grecia toda. Acima de
Zeus só havia o _Destino_ e as leis invariaveis da Natureza. A mulher e
irman de Zeus, _Hera_ (_Juno_ na Myth. Rom.) era a divindade feminina do
céu, a atmosphera. Presidia aos casamentos. Suas filhas _Hébe_ e
_Elithya_ eram: aquella a deusa virginal que servia o nectar aos deuses
antes do rapto de _Ganymedes_ pela aguia de Zeus, esta a deusa que as
mulheres invocavam no momento dos partos.

Da cabeça de Zeus sahiu armada _Pallas Athené_ (_Minerva_ entre os
Rom.), a deusa protectora de Athenas. Ao principio, deusa do céu azul
que esplende magnificamente sobre toda a Grecia, foi depois a creadora
de todas as artes. Descobriu a charrua e ensinou a plantar a oliveira.
Era a guarda das cidades e das instituições publicas.

A sua estatua (_Palladio_) tinha culto em quasi todas as cidades gregas,
sendo Athenas o seu mais celebre sanctuario. Celebravam-se aqui em sua
honra, de quatro em quatro annos, as grandes, e, todos os annos, as
pequenas _Panathenéas_. Chamava-se _égide_ o escudo de Minerva e n'elle
estava a cabeça de Medusa.

De Zeus e de Hera nasceu _Héphaistos_ (_Vulcano_ em Roma), que seu pae
precipitou do céu. Foi o inventor das forjas, isto é, o grande promotor
da civilização. Ajudavam-n'o os _Ciclopes_, que no Etna e nos outros
vulcões forjavam os raios para Zeus.

De Zeus e de _Léto_ (_Latona_) nasceram _Artemis_ e _Apollo_, gemeos, na
ilha sagrada de Délos. Apollo, deus radiante da luz (_Phébo_) é por isso
confundido ás vezes com _Hélios_, deus do sol. Este deus era um dos mais
importantes; o seu mestér era combater a obscuridade e a impureza, e
estabelecer a ordem no mundo physico e no mundo moral. Com respeito á
vida humana era o preservador dos males. Sob o nome de _Paion_ foi pae
de _Asclepios_ (_Esculapio_) que preside á medicina. Como deus das artes
e especialmente da musica e da poesia, Apollo dirige o côro das _Musas_
(e recebe então o nome de Musageta).

As Musas eram nove: _Calliope_ (poesia épica), _Clio_ (historia),
_Euterpe_ (poesia lyrica), _Melpomene_ (tragedia), _Therpsicore_ (dança
choral e canto), _Erato_ (poesia erotica e imitação mimica), _Polymnia_
(hymno sublime), _Urania_ (astronomia), _Thalia_ (comedia e poesia
idyllica). Habitavam os montes _Hélion _e _Parnaso_ nas proximidades de
Delphos.

_Artemis_ (_Diana_ entre os Romanos), irman de Apollo, era a deusa da
lua, a divindade das musas e dos oraculos, e presidia á caça. Tinha um
celebre templo em Epheso onde era representada como mãe creadora, com um
grande numero de seios. Na Taurida, prestou-se-lhe um culto barbaro, com
sacrificios humanos, nos quaes tomou parte a familia dos _Atridas_
(_Iphigenia_ e _Orestes_).

_Poseidon_ (_Neptuno_ entre os Romanos), antigo deus pelasgico, que teve
o seu culto primitivo na Beocia e no isthmo de Corintho, culto que
passou d'ahi para a Attica e para o Peloponeso, era o deus do mar e
governava-o com o seu _tridente_. Tinha por companheira _Amphitrite_,
nympha marinha. Foi tambem o domador dos cavallos, e pae de _Pégaso_,
cavallo alado, que nasceu do sangue de Medusa. Adoravam-n'o em Athenas a
par de Athené.

_Ares_ (o _Marte_ dos Romanos) era o deus da guerra e dos combates.
Tinha em Athenas uma collina que lhe era consagrada (_Areopago_).

_Aphrodite_ (a _Venus_ dos Romanos), era a deusa do amor sensual e da
formosura. O seu culto celebrava-se principalmente em Chypre, em
Cythera, e em Gnido.

De Ares e de Aphrodite nasceu a _Harmonia_, divindade de Thebas e esposa
do phenicio _Cadmo_, fundador da cidade.

Ao mytho de Aphrodite está ligado o de _Adonis_, seu favorito, morto na
caça por um javali. Adonis por concessão especial de Zeus ficou vivendo
seis mezes do anno com Aphrodite e os outros seis com _Perséphone_,
rainha das sombras. Este mytho, de origem phenicia, parece representar o
principio vivificante da Natureza: a morte de Adonis durante seis mezes
e a sua resurreição n'outros seis é o lethargo da Natureza no inverno e
a sua revivescencia na primavera.

O filho e companheiro de Aphrodite, segundo lendas mais modernas, era o
pequeno deus do amor, _Eros_ (_Amor_, _Cupido_) cuja amada foi _Psyche_
(a _alma_). No séquito d'este pequeno deus e de sua graciosa mãe andam
as _Charites_ (_Graças_), e as _Horas_, deusas das Estações.

Havia, ainda, entre os _deuses supremos_, cujo numero subia a doze,
_Deméter_ (_Ceres_), _Hermes_ (_Mercurio_), e _Hestia_ (_Vesta_).


*3.º Divindades terrestres.*--_Deméter_ (_Ceres_), a _Terra-Mãe_, filha
de Chronos, era a Natureza fecunda e creadora. Inventou a Agricultura. A
Sicilia e Eleusis eram os principaes pontos do seu culto. Sua filha
_Perséphone_ (_Proserpina_ entre os Romanos), raptada por _Hades_
(_Plutão_), e vivendo metade do anno sobre a Terra e outra metade no
mundo subterraneo, era a imagem da semente interrada durante os mezes do
inverno. Em honra de Deméter celebravam-se as _Thesmophorias_, as
grandes e as pequenas _Eleusinas_, e as _Anthesterias_.

_Hades_ (_Plutão_) governava o mundo dos mortos, separado do mundo dos
vivos por alguns rios, taes como o _Styge_, o _Acheronte_, o _Cocyto_, o
_Lethes_ (rio do esquecimento), etc. Sob o nome especial de _Plutão_ era
particularmente a divindade dispensadora das riquezas. O mundo
subterraneo comprehendia o _Elyseu_ (morada dos justos) e o _Tartaro_
(morada dos condemnados). Era guardado por _Cerbero_, cão de tres
cabeças. Os manes dos que na morte tiveram sepultura atravessavam o rio
infernal n'uma barca dirigida por _Charonte_.

_Hermes_ (_Mercurio_ entre os Romanos), divindade pelasgica, ligada á
agricultura e á vida pastoril, era tambem arauto e mensageiro dos
deuses. Tinha azas nos calcanhares, e usava o _caduceu_, symbolo da
inviolabilidade. Era o deus da eloquencia, da circumspecção, da
prudencia, e até da finura e da astucia, chegando mesmo á fraude e ao
perjurio (isto é, tinha na sua qualidade de arauto olympico todas as
prendas da diplomacia e da politica). Attribue-se-lhe a invenção do
alphabeto, dos numeros, da astronomia, da musica, da gymnastica, dos
pezos, das medidas, a cultura da oliveira, etc. Estava tambem o
commercio sob a sua protecção.

_Dionysos_ (_Baccho_ entre os Romanos e tambem entre os Gregos), antiga
divindade pelasgica, filho de Zeus e da thebana _Seméle_, era
representante da Natureza no que ella tem de mais opulento, mais
luxuriante e activo, e, em especial, deus do vinho. Havia muitas festas
em sua honra, particularmente as _Bacchanaes_, as _Dionysias_, as
_Anthesterias_, etc.

Os _Cabiras_, deuses pelasgicos ou phenicios, eram tambem divindades
terrestres e symbolizavam as forças productoras da Natureza.


*4.º O mundo heroico.*--O _Alcides Heracles_ (_Hercules_) é a
personificação da força e do trabalho humano em lucta com os obstaculos
levantados pela Natureza e pelo Destino.

No Peloponeso originou-se o mytho de _Tantalo_ com a sua familia
amaldiçoada. Entre os _Tantalidas_ ha a mencionar _Pelops_, _Atreu_,
_Thyestes_, _Agamemnon_, _Menelau_, e _Orestes_.

Em Lacedemonia foram venerados como heroes os _Tyndaridas_, irmãos de
Helena, os gemeos Castor e Pollux, e em connexão com elles os
_Dióscoros_, estrellas brilhantes propicias aos navegadores.

O phenicio _Cadmo_ foi o heroe fundador de Thebas. Era irmão de
_Europa_. D'este tronco descendeu _Laio_, pae de _OEdipo_, o heroe
tragico que assassinou seu pae; matou a _Esphinge_, e casou com sua
propria mãe, _Jocasta_. Seus filhos, _Eteocles_ e _Polynice_, mataram-se
um ao outro, em combate singular, deante de Thebas.

A Thebas pertence tambem o cantor _Amphion_, tão celebre tocador de lyra
que, ao som d'este instrumento, moviam-se por si mesmas as pedras e
formavam a muralha da cidade por elle reconstruida. Era irmão de _Zetho_
e marido de _Niobe_.

Na Beocia e na Attica havia o mytho de _Tereu_ com os de _Progne_ e
_Philoméla_, metamorphoseadas, a primeira em andorinha, a segunda em
rouxinol.

Na Thessalia, brotou a lenda dos _Centauros_, semi-homens e
semi-cavallos, os quaes tiveram grandes combates contra os _Lapithas_.
Um dos centauros, _Chiron_, teve por discipulos _Asclepios_ e
_Achilles_.

Em Athenas, o heroe nacional era _Theseu_ filho de _Egeu_. Foi elle quem
libertou os Athenienses do oneroso tributo de septe mancebos e septe
donzellas que de nove em nove annos tinham de ser inviados para o
_Minotauro_ de Creta. Matou o monstro e sahiu do _labyrintho_, graças a
um fio que tinha recebido de _Ariadna_, filha do rei. O mytho do
Minotauro parece ser, segundo os mais recentes estudos, uma expressão do
culto sanguinario de Moloch.




CAPITULO I

TEMPOS LEGENDARIOS OU PRIMITIVOS TEMPOS HEROICOS E MYTHICOS DOS HELLENOS


*1.º Tempos pelasgicos.*--Consideram-se os Pelasgos como os mais remotos
habitantes da Grecia, ou, por outras palavras, como a primeira raça que
ahi deixou alguns germens de civilização. Eram povos talvez originarios
da Asia, e, segundo as melhores conjecturas, devem ter-se estabelecido
na Grecia em epocha não posterior ao seculo XVIII antes da era christam.

As suas primeiras residencias parece que foram na _Thesalia_ e na
_Arcadia_, sendo, comtudo, bem visiveis ainda hoje vestigios da sua
existencia, nas ilhas do Mar Egeu, na Italia e na Asia Menor.

Esses vestigios são restos architectonicos de um caracter perfeitamente
definido; ruinas de aqueductos, de diques, de canaes, de muralhas;
monumentos chamados, _cyclopicos_, porque as gerações posteriores,
absortas deante de obras tão colossaes, attribuiram-n'as a uma raça de
gigantes, os _Cyclopes_, não querendo a imaginação popular convencer-se
de que taes moles de pedra tenham sido collocadas umas sobre outras
pelas simples forças de que a raça humana pode dispor.

Monumentos de tal modo pezados, e que assombram pela sua enormidade, os
homens d'agora, ficaram attestando aos seculos a desgraçada escravidão
em que devem ter vivido os povos á custa de cujo suor, sangue, e
lagrimas, se ergueram. Taes foram, a par dos muros pelasgicos, a grande
muralha chineza, as pyramides do Egypto, os _téocallis_ sagrados, do
Mexico.

Outros indicios, mais vagos e incertos, parecem affirmar-nos que entre
os Pelasgos havia castas, analogas ás orientaes, havia uma poderosa e
influente classe sacerdotal, e uma aristocracia hereditaria para defesa
do paiz...

Dos Pelasgos suppõe-se que foram consanguineos os _Thracios Pierios_ (da
_Pieria_, estreita faixa de terra na costa SE da Macedonia, que se
extendia desde a foz do _Peneu_, até ao _Haliacmon_). Teem celebridade
estes povos na historia primitiva da musica e da poesia grega; no seu
paiz nasceu o culto das Musas, e alli foi sepultado _Orpheu_, o heroe
mythico cuja voz e cuja lyra tinham o dom de arrebatar os homens, de
amansar a ferocidade animal, e de predispôr á benevolencia, os deuses
sombrios do mundo subterraneo. Permittiram-lhe estes que trouxesse dos
Infernos sua mulher _Eurydice_ e voltasse a viver com ella na Terra.

Ao lado d'Orpheu colloca-se _Lino_, inventor da elegia, e o sacerdote
cantor _Eumolpo_, fundador dos _mysterios de Eleusis_, que legou a
direcção d'elles aos _Eumolpidas_, seus successores.

Persistia entre os Gregos, n'estes e n'outros mysterios, como culto
secreto, a religião dos Pelasgos. Celebravam-se as _pequenas Eleusinas_
na primavera; as _grandes_, que duravam nove dias, no outono. N'ellas se
dava culto aos mythos de _Deméter_ e de _Perséphone_, como forças de
concepção, ao de _Dionysos_, como força de producção. A iniciação era
feita pelo _hierophante_; alêm d'este, havia gran-sacerdotes, simples
sacerdotes e sacrificadores, os quaes todos, nos dias de festividade, se
vestiam de purpura e coroavam de myrto.

Pertencem, tambem, ao cyclo legendario do primitivo povo pelasgico os
mythos de _Inacho_ em Argos, de _Egialeu_ em Sicyonia, de _Pelasgo_ na
Arcadia, de _Oxiges_ na Attica, etc.

Perante a critica historica são insustentaveis as lendas do egypcio
_Cécrops_, fundador da cidadella (_Cecropia_) de Athenas; do phenicio
_Cadmo_, fundador de Thebas, introductor da arte da escripta e da arte
de fundir o bronze; do phrygio _Pelops_ que deu o seu nome ao
Peloponeso; do estabelecimento de _Danao_ e das _Danaides_ na Argolida,
etc. Perante as investigações da moderna sciencia historica tem certo
fundamento a opinião que admitte a originalidade e o caracter aborigene
da organização grega, bem como a que ingeita o parecer de ter sido
introduzida a civilização na Grecia pelos seus colonizadores do Egypto,
da Phenicia e da Asia Menor. Mas, apezar d'estas asserções, é
incontestavel que cedo existiu uma corrente civilizadora entre a Grecia
e o Oriente, exercendo este sobre aquella uma influencia indelevel tanto
nas instituições da vida civil como nas do systema religioso.

Isto não obstou a que os Gregos, ou, para melhor dizermos, os Hellenos,
dessem livre expansão ao seu genio politico, ás suas tendencias
artisticas, ás suas concepções religiosas, confirmando, sobre os
Pelasgos conquistados, a superioridade da sua raça e as suas mais vastas
aptidões intellectuaes.


*2.º Tribus hellenicas.*--Nada se sabe emquanto á origem e ao
apparecimento historico dos Hellenos. Sabe-se que constituiram tribus
militares, e que venceram, afugentaram, ou escravizaram, as tribus
industriosas dos Pelasgos. Estes procuraram asylo nos desfiladeiros do
Olympo, em alguns pontos da Thessalia, do Epiro, da Macedonia, da
Attica, da Arcadia, e defenderam por largo tempo a sua independencia. No
tempo de Homero, havia pouco ainda que tinham sido de todo subjugados.

Presume-se, no emtanto, que os Hellenos não constituiam uma raça
particular, mas sim que formavam tão sómente a cavallaria ou parte
guerreira dos Pelasgos, a qual submetteu por violencia ao seu jugo tanto
a classe theocratica como o povo pacifico.

Como quer que fôsse, essas tribus guerreiras subdividiram-se em quatro
grupos, ou tribus principaes, que mantiveram em todo o decurso do seu
viver historico profundas differenças de usos, de lingua, e de regimen
politico.

Essas quatro tribus foram as seguintes: os _Dorios_ e os _Acheus_ no
Peloponeso, os _Jonios_ na Attica e nas ilhas, e os _Eolios_ na Beocia e
outros pontos.

O nome de _Acheus_ foi, durante os tempos heroicos, o de todas as tribus
do povo grego, e por elle são os Gregos designados em Homero. Foi no
seculo IX A. C. que esta denominação se restringiu aos habitantes das
margens dos rios do norte do Peloponeso, recebendo os outros Hellenos as
especificações que dissémos. Crê-se que foram os sacerdotes de Delphos
quem, posteriormente, imaginou para as quatro tribus uma genealogia
commum.

Essa lenda genealogica foi a seguinte: em tempos remotissimos houve um
diluvio em que morreram todos os homens com excepção de _Deucalião_ e de
sua mulher _Pyrrha_. Andaram estes vogando nove dias n'uma arca; e, ao
fim d'elles, deram fundo no cume do Pindo, ou, como depois se disse, no
do Parnaso. Supplicaram então aos deuses que repovoassem a Terra, e,
attendidos na sua prece, receberam ordem para irem arremessando para
traz de si _os ossos da mãe_, isto é, pedras da Terra. Das pedras que
Deucalião atirou nasceram homens, e das de Pyrrha nasceram mulheres.

A esta lenda primitiva acrescentou-se em tempos mais recentes a de
_Hellen_, filho de Deucalião. O primogenito de Hellen foi _Eolo_, tronco
dos _Eolios_; o segundo foi _Doros_, personificação dos _Dorios_; o
terceiro foi _Xutho_ (o _expulso_), de quem descendiam _Ion_ e _Acheu_.
A outro filho de Deucalião, _Amphictyão_, attribuiu-se a instituição da
_amphictyonia_ (isto é, uma liga em que se abrangiam as diversas
tribus), e a um filho de Pandora, filha de Deucalião, o nome de _Gregos_
que os povos do Occidente deram aos Hellenos.

Os sacerdotes de Delphos, versados nos mythos do Oriente, cuja
influencia transluz em toda esta série de lendas, tiveram um fim
altamente patriotico quando pretenderam dar ás quatro tribus uma
ascendencia commum. Quizeram dispertar o sentimento da communidade
nacional, dando-lhe uma expressão comprehensivel.


*3.º Guerra de Thebas.*--Colloca-se este acontecimento no seculo XIII A.
C.; mas todas as datas attribuidas aos factos dos tempos mythicos são
absolutamente incertas. Um dos episodios mais remotos das tradições
nacionaes gregas é a guerra de Thebas, ou, como ordinariamente se diz, a
guerra dos septe chefes deante de Thebas.

_Eteocles_ e _Polynice_, filhos de _OEdipo_, da tragica familia de
_Laio_, disputavam o throno paterno. Polynice, expulso por seu irmão,
refugiou-se na côrte de _Adrasto_, rei de Argos, o qual lhe deu uma
filha em casamento e o acompanhou até deante de Thebas com um exercito
commandado por elles ambos e por mais cinco chefes illustres. Todos os
chefes morreram, com excepção de Adrasto. Eteocles o Polynice mataram-se
um ao outro em combate singular; e _Créon_, seu tio, sentou-se no throno
que os dois irmãos haviam disputado. Créon mandou matar sua sobrinha
_Antigona_ por haver infringido as ordens dadas por elle para que não
fôsse concedida sepultura aos dois irmãos; mas _Theseu_, guarda e
vingador das leis moraes, declarou-lhe guerra e matou-o.

Tempos depois os filhos dos septe vingaram sobre os Thebanos a morte de
seus paes na guerra dos _Epygonos_ (Posthumos). _Laodamas_, filho de
Eteocles, ou foi morto ou fugiu para a Thessalia; e _Thersandro_, filho
de Polynice, reinou em Thebas devastada.


*4:º Expedição dos Argonautas.*--Este grande facto parece ter sido ainda
anterior á guerra de Thebas. N'elle teem querido alguns criticos vêr um
resumo poetico das primeiras impresas maritimas dos Gregos para o Mar
Negro. A _expedição dos Argonautas_ foi dirigida por _Jasão_, de
Iolchos, na Thessalia, de parceria com 54 heroes entre os mais illustres
d'aquelle tempo: _Heracles_, _Theseu_, _Castor_ e _Pollux_
(lacedemosios), _Peleu_, pae de Achilles (thessaliano), o cantor thracio
_Orpheu_, _Pirithoo_, _Meléagro_, _Esculapio_, e muitos outros. Partiram
para o remoto Oriente, no navio _Argos_, com o fim de conquistarem o
_vélo de oiro_, especie de palladio da Colchida, que um principe
thessaliano, _Phryxo_, tinha collocado n'uma floresta consagrada a Ares
(Marte), e que, segundo a fabula, era guardado por um dragão. O mastro
da nau _Argos_ era feito do tronco de um carvalho cortado na floresta
de Dodona, no Epiro, e pronunciava oraculos.

Hercules abandona a expedição, depois de ter libertado, nas costas da
Mysia, Hesione, a quem um monstro marinho ia devorar.

Jasão inspira uma paixão exaltada a _Medéa_, filha do rei da Colchida e
conhecedora de todos os segredos da magia; subjuga dois toiros com pés e
armas de bronze, e que vomitavam chammas, junge-os a uma charrua de
diamante e lavra com elles qualro geiras de terra consagradas a Marte;
semeia os dentes de um dragão e d'estes nascem homens armados; vence e
mata o monstro que guardava o velocino, e brilhantemente logra
conquistar por esta fórma o suspirado thesouro; depois, volta com Medéa
no seu navio, e a feiticeira Circe protege-o.

As _Nereides_ levantam nos braços a nau, para ella passar sem perigo
entre Scylla e Charybdes. As _Sereias_ intentam perder os nautas com os
seus cantos melodiosos, mas Orpheu desfaz-lhes o incanto com os accordes
da sua lyra. Visitam, em Africa, o jardim das Hespérides onde Hercules
tinha, pouco antes, colhido os pomos de oiro, e chegam finalmente á
Grecia.

Durante a viagem, e aqui, Medéa practica os maiores horrores. Corta em
bocados o cadaver de seu irmão e semeia-lhe os ossos ao longo do caminho
para demorar com esse espectaculo horroroso seu pae que a vinha
perseguindo. Rejuvenesce, em Iolchos, o velho Eson; e induz as filhas de
Pélias a trucidarem seu pae, cozendo-lhe os membros n'uma caldeira com
hervas magicas. Abandonada por Jasão, degola seus proprios filhos; dá á
sua rival, Creusa, filha do rei de Corintho, uma tunica envenenada; e,
erguendo-se aos ares n'um carro puxado por dragões com azas, refugia-se
na Attica, onde desposou Egeu.

Como se vê, a poesia grega inriqueceu com todas as galas da ficção mais
ingenhosa, a lenda heroica d'esta aventura maritima.


*5.º Guerra de Troia.*--De todos os grandes acontecimentos pertencentes
ao periodo heroico da Grecia, este foi o mais notavel e é o mais
conhecido. Incumbiram-se de perpetuál-o, desde os mais remotos tempos, a
lenda, a arte, a poesia.

A guerra de Troia é um facto evidentemente historico, imbora as
particularidades de que o revestem sejam meras ficções poeticas. A quéda
da grande cidade asiatica serviu muito tempo de era á chronologia grega.
Muitos historiadores consideram este episodio bellico como o termo da
lucta entre a nacionalidade hellenica e a nacionalidade pelasgica;
Herodoto via n'elle simplesmente um grande imprehendimento da Grecia
contra a Asia; a poesia explicou-o por um odio hereditario entre as
familias reaes de Troia e do Peloponeso, aggravado por uma affronta
mortal feita por um principe troiano á honra do lar domestico de um
monarcha grego.

_Priamo_ reinava em _Ilion_ ou _Troia_, na costa noroeste da Asia-Menor.
Seu filho _Páris_ (ou Alexandre) raptou _Helena_, mulher do rei
lacedemonio _Menelau_, que lhe havia dado magnifica hospitalidade na sua
casa. O marido insultado pediu aos outros reis da Grecia que o
auxiliassem a vingar-se, e em breve se organizou uma expedição
commandada por _Agamemnon_, rei de _Mycenas_ e irmão de Menelau.

A espontaneidade com que tantos principes e tantos povos diversos se
unem para a mesma impresa commum é significativa. Não ha, como nunca
houve, entre aquellas pequenas agglomerações de homens ciosos e
independentes, entre tantos e tão varios Estados, a necessaria unidade
politica; não ha uma federação geral; mas vê-se que existem em germen
todos os elementos de uma nacionalidade. Cincoenta e septe Estados e
outros tantos chefes tomaram parte na impresa. Alêm do _Atrida
Agamemnon_, rei de _Mycenas_, de _Corintho_ e de _Sicyonia_, fizeram
parte da expedição: _Menelau_, rei de _Esparta_; _Achilles_ e o seu
amigo _Patroclo_ da Thessalia; _Ulysses_, rei de _Ithaca_; _Diomedes_,
rei de _Argos_; _Ajax_, rei da _Lócrida_ e _Ajax_, rei de _Salamina_;
_Nestor_, rei de _Pylos_; _Idomeneu_, rei de _Creta_; _Philocteto_, que
possuia as flechas de Hercules; e muitos outros. Partiram do porto de
_Aulida_ 1:186 navios, transportando para a Asia mais de 100:000
guerreiros. Uma tradição posterior affirma que, em Aulida, Agamemnon
sacrificou a Artemis sua filha _Iphigenia_.

Prolongou-se por dez annos a resistencia da cidade, a qual finalmente
foi tomada por artificio, incendiada, e destruida. _Heitor_, filho de
Priamo, morrêra traspassado pela lança de Achilles; _Priamo_ foi
degolado; _Hécuba_ e suas filhas, levadas para o captiveiro; uma
d'ellas, _Polyxena_, immolada sobre o tumulo de Achilles; _Andromaca_,
viuva de Heitor, dada a Pyrrho, filho de Achilles, e _Cassandra_, outra
filha de Priamo, a Agamemnon. Dos Gregos morreram Patroclo, Achilles,
Ajax de Salamina, e outros. Os vencedores expiaram terrivelmente a sua
victoria. Ulysses vagueou dez annos sobre as ondas antes de tornar a vêr
a sua Ithaca; Menelau, tambem, durante oito annos andou perdido e
acossado pelas tempestades; Agamemnon, depois de um regresso
attribulado, foi morto por _Egistho_, a instigações da sua infiel esposa
_Clytemnestra_. Ajax, da Lócrida, naufragou de incontro a um rochedo
onde pereceu. Teucer, repellido pela maldição paterna, por não ter
vingado seu irmão Ajax, foi edificar em Chypre uma nova Salamina.
Diomedes fugiu para a Italia afim de se subtrahir, no seu reino, a uma
sorte analoga á de Agamemnon. Philocteto, Idomeneu, e Epéos, tambem
foram ter ás costas de Italia, onde egualmente incontraram asylo os
troianos _Antenor_ e _Enéas_, filho de _Anchises_, considerado, depois,
pelos Romanos, como tronco da sua raça.

As façanhas e as desgraças d'estes heroes foram cantadas pelos poetas
nacionaes; mas d'esses cantos, que formavam dois cyclos épicos, só nos
restam a _Iliada_ e a _Odysséa_, attribuidas a Homero, poeta que viveu
provavelmente no seculo X antes da nossa era.




CAPITULO II

TEMPOS HISTORICOS


*1.º As migrações dos Dorios. Jonios e Dorios, raças rivaes. Athenas e
Esparta.*--Os tempos immediatos á guerra de Troia foram de violentas
commoções politicas e de longa anarchia. Desappareceram quasi todas as
antigas familias reaes, victimas ou de tragedias domesticas ou de luctas
cruentas com outras familias. Houve alêm d'isto um grande embate de
tribus, ao fim do qual as mais fracas succumbiram, estabelecendo-se as
mais poderosas em regiões novas.

A mais importante d'estas migrações foi a dos _Dorios_ para o
Peloponeso. Viviam os Dorios a sua vida pastoril e agricola junto ao
monte OEta, onde tinham, ao cabo de muitas peregrinações, fundado uma
republica livre, cujo centro moral era o culto de Apollo, no sanctuario
de Delphos, quando os Thessalianos e os Beocios os expulsaram d'ahi para
o sul. Conduzidos pelos _Heraclidas_ (suppostos descendentes de
Heracles) sustentaram longos combates para fazerem valer as pretenções
hereditarias de seus chefes á soberania da Argolida e da Laconia, onde
reinavam os descendentes de Pelops, e conquistaram porfim a peninsula do
Peloponeso. A pouco e pouco assenhorearam-se da _Argolida_, da
_Laconia_, da _Messenia_, de _Sicyonia_, de _Corintho_ e da _Megarida_;
intraram na Attica; e ameaçavam já Athenas, quando esta foi salva pelo
heroico sacrificio de _Codro_, seu rei.

Os _Acheus_, até então o mais poderoso dos quatro ramos da raça
hellenica, fugindo deante d'esta invasão, expulsaram por sua vez os
_Jonios_ do littoral septentrional e occuparam o paiz, que recebeu
d'elles o nome de _Achaia_. Os Jonios atravessaram o isthmo de Corintho
e estabeleceram-se na Attica, onde já tinham sido precedidos pelos
_Eolios_ de Messenia e outros fugitivos do Peloponeso. Irradiando ainda
d'ahi para as costas occidentaes da Asia-Menor e para as ilhas de
Lesbos, de Chios, de Samos, etc., fundaram as _colonias jonicas_ tão
celebres pelo alto grau de cultura, de civilização, e de actividade
commercial e industrial a que chegaram.

Os Dorios e os Jonios são as duas grandes familias que d'aqui em deante
(seculo X A. C.) occupam o plano da Historia; são os dois povos rivaes
que vão desinrolar parallelamente com o seu antagonismo duas
civilizações, nas quaes, sob os mais diversos aspectos, se manifestam
todas as fórmas do genio grego.

«A _raça dorica_, diz um historiador moderno, menos mesclada, tinha um
caracter de gravidade, de energia, de rudeza, de orgulho, que se
reproduzia no seu dialecto, nos seus costumes, no seu culto e nas suas
instituições politicas. Exclusivamente militar, constituiu quasi por
toda a parte poderosas aristocracias que reinavam sobre bandos de
escravos ou de servos (_hilotas_).

«A _raça jonica_ era movel, aventureira, impressionavel, enthusiasta; e
amava apaixonadamente os prazeres, a liberdade, a gloria e as artes.
Inclinada para o commercio e para a navegação, era, como todas as
populações maritimas, intensamente dominada pelo espirito democratico.

«São estas as feições geraes que nos cumpre indicar aqui, e que veremos
de cada vez mais energicamente accentuadas na physionomia dos Espartanos
(Dorios) e dos Athenienses (Jonios), pelos quaes estas raças hão-de
chegar ao seu mais completo desinvolvimento, e que, pelo importante
papel que desimpenharam, pelo esplendor das suas victorias, e finalmente
pela sua rivalidade sangrenta, mereceram representar, durante muito
tempo, os destinos da Grecia toda.»


*2.º Organização social e politica.*--A Grecia nunca poude attingir a
majestosa unidade a que chegou Roma; nunca formou um Estado unico.
Compoz-se de uma infinidade de Estados, communidades urbanas, especies
de cantões, entre os quaes, de tempos a tempos, havia um que, pelas
eventualidades da boa sorte na guerra, passava a exercer predominio nos
outros (_hegemonia_). Assim succedeu com _Esparta_, _Athenas_, e
_Thebas_.

Havia, porêm, um certo numero de laços que uniam todos os diversos
Estados entre si, formando por esse modo, até certo ponto, uma nação
unica, composta de _Hellenos_, e para os quaes todos os mais povos
tinham o nome commum de _Barbaros_. Esses laços eram a lingua, os
costumes, e as instituições religiosas.

Na Grecia não havia _castas_ propriamente ditas, não havia barreiras
insuperaveis entre as classes; as prerogativas da nobreza eram pouco
extensas. Abaixo dos nobres havia os homens livres, que formavam as
assembléas publicas e que exerciam uma grande influencia moral nas
deliberações dos chefes.

Dependiam, porêm, principalmente da religião as instituições communs a
todas as tribus hellenicas. Occupava o primeiro logar a _liga dos
Amphictyões_, cujo centro era o oraculo de Delphos, e á qual inviavam
deputados doze Estados gregos. Antes de qualquer impresa importante era
sempre consultado o Apollo delphico, sendo as respostas, obscuras e
muitas vezes equivocas ou enigmaticas, formuladas em sentenças por uma
sacerdotiza inspirada (_pithoniza_).

Todas as tribus e todos os Estados gregos estavam egualmente unidos pelo
laço das _festas nacionaes_ com sacrificios, jogos gymnasticos, e
concursos de musica. As mais antigas e mais celebres eram as _festas
olympicas_ que, de quatro em quatro annos, se celebravam n'uma planicie
da Elida, nas margens do Alpheu; emquanto duravam, havia treguas geraes
em toda a Grecia.




CAPITULO III

ESPARTA. LEGISLAÇÃO DE LYCURGO. GUERRAS DE MESSENIA


Os Dorios, que se fixaram na Laconia, consentiram que os indigenas
d'este paiz (isto é, os _Laconios_) vivessem nas terras que lhes tinham
pertencido, mas reduzidos á qualidade de vassallos. Umas tribus
submetteram-se; outras, porêm, intentaram sacudir o jugo, e, sendo
vencidas, foram collocadas na dura condição de escravas (_hilotas_).
Ficou, portanto, havendo na Laconia tres especies de homens: os Dorios,
ou os dominadores; os Laconios, ou os vassallos; os Hilotas, ou os
escravos.

Quando os Dorios conquistaram o Peloponeso, coube a Laconia em parte aos
dois filhos de _Aristodemos_, _Eurysthenes_ e _Procles_, os quaes
fundaram ahi duas dynastias simultaneas que reinaram em Esparta durante
mais de nove seculos.

Os tempos decorridos desde a invasão dorica até Lycurgo (1100?--884? A.
C.) são quasi completamente desconhecidos não só pelo que respeita a
Esparta como a todo o resto da Grecia. Nem as tradições nem a poesia,
tão fecundas nos tempos heroicos, se quizeram occupar com esta primeira
phase dos tempos historicos. O que se sabe é que os Dorios,
relativamente em pequeno numero, e estabelecidos no seio de um paiz
hostil, se concentraram em Lacedemonia ou Esparta, e d'ahi tomaram o
nome especial de _Espartanos_. Viviam n'um estado de armamento
constante, submettidos a uma rigorosa disciplina militar, habituados,
por necessidade da propria conservação, ao jugo de leis durissimas.

Quando _Lycurgo_, patriota espartano da estirpe regia dos Proclidas,
pretendeu restituir á sua cidade natal a tranquilidade interna
perturbada desde longa data pelas dissensões de algumas familias
poderosas e pelas usurpações de uma aristocracia absorvente da
propriedade e dos direitos dos cidadãos, assegurando-lhe assim a antiga
preeminencia sobre os outros Estados, não teve de inventar as leis que
lhe são attribuidas; o que fez apenas foi restaurar o antigo regimen
dorico.

Das leis de Lycurgo eram umas de caracter politico, as outras de ordem
civil. As primeiras mantiveram as relações estabelecidas entre os
Espartanos dominadores e os Laconios avassallados; conservaram os _dois
reis de Esparta_, regulando os direitos da realeza dividida pelas duas
casas. Os dois reis deviam pertencer á raça dos Heraclidas, possuindo
portanto a sua dignidade por direito hereditario; eram investidos nas
mais altas funcções do sacerdocio e da justiça; pertencia-lhes o
commando dos exercitos e o cuidado de velarem pela execução dos decretos
formulados pelo senado, e livremente acceites pela assembléa do povo. O
senado (_Gerusia_) compunha-se de 28 velhos, cuja edade minima fosse a
de 60 annos, pertencentes a familias nobres. A assembléa do povo
(_Ecclesia_), na qual tomavam parte todos os cidadãos de mais de 30
annos de edade, tinha o direito de adoptar ou de regeitar sem discussão
as propostas feitas pelo senado e pelos reis. Finalmente, o collegio dos
_Ephoros_ (cinco nomeados por um anno) era composto de magistrados que,
sendo nos primeiros tempos da sua creação simples governadores de
districtos e juizes nas questões civis, chegaram em tempos posteriores a
um alto grau de poder, superintendendo nos serviços de todos os
funccionarios, sem exceptuar mesmo os _Gerontes_ (senadores), e chegando
a tomar contas aos proprios reis.

As leis civis de Lycurgo assentaram sobre o principio da mais estricta
egualdade entre todos os cidadãos, a começar pela egualdade dos bens.
Dividiu elle o sólo da Laconia em 39:000 quinhões, sendo 9:000 para as
9:000 familias espartanas, ficando esses quinhões indivisiveis e
transmissiveis por direito de primogenitura, e 30:000 para os Laconios,
que talvez não passassem de usufructuarios. Os Hilotas não só não
tiveram quinhão na partilha, mas ainda foram obrigados a cultivar, como
servos e jornaleiros, as terras dos Dorios. As terras assim
distribuidas, com a condição de não passarem a mãos estranhas,
constituiam uma especie de feudos militares inalienaveis. Com o mesmo
pensamento de manter a egualdade, Lycurgo prohibiu o luxo; e, para
desacreditar a riqueza e tornál-a de um certo modo impossivel,
proscreveu toda a moeda de oiro e de prata, permittindo apenas a de
ferro, com pezo consideravel e diminuto valor, afim de obstar á
accumulação d'ella. Instituiu as refeições publicas subordinando-as á
mais apertada frugalidade. Prohibiu tambem o commercio, as artes e as
lettras; e ordenou que todos os cidadãos concorressem aos mesmos
exercicios physicos, afim de preparar rijos defensores para o paiz. No
mesmo intuito incaminhou a educação da mocidade, de modo que as creanças
pertenciam mais á republica do que a seus paes; as que nasciam fracas ou
disformes eram impiedosamente mortas, afim de não alterar o vigor e a
belleza da raça.

Assim Lycurgo constituiu sobre bases novas a cidade, a familia, a
propriedade, a educação. Ha muitas duvidas sobre o tempo justo em que
esta revolução se effectuou, tornando-se provavel que levasse a
consummar-se um longuissimo prazo, sendo muito mais resumida a obra de
Lycurgo.

Na opinião de muitos criticos é contestada a existencia do proprio
Lycurgo, sendo este nome apenas admittido como symbolo de uma serie de
revoluções politicas e sociaes, comprehendidas n'um periodo de tempo
indeterminado.


*Guerras de Messenia.*--Esparta, vendo-se livre das suas dissensões
internas, graças á rigorosa legislação de Lycurgo, resolveu continuar a
conquista do Peloponeso, e estabelecer a sua supremacia sobre os povos
que a rodeavam. De 860 a 815 A. C. occupou-se em reduzir as cidades
laconias que se haviam emancipado do seu jugo durante o periodo que ella
consumira na sua reorganização civil e politica. Depois voltou as suas
armas contra Messenia.

Eram os Messenios de raça dorica, como os Espartanos; e, bem como os
d'estes, os seus reis pertenciam ao tronco real dos Heraclidas. Muito
tempo viveram em boa paz os dois povos irmãos, prestando culto a Diana
no mesmo templo, erguido na fronteira commum, em memoria da sua origem
fraterna.

Talvez rivalidades de supremacia e de poderio começaram a dividir os
dois Estados, alimentando entre ambos hostilidades surdas durante mais
de meio seculo. Porfim, em 766, rebentou uma guerra aberta e geral. Foi
a _primeira guerra de Messenia_, a qual durou vinte annos.

Os Messenios depois de uma serie de desastres consultaram o oraculo de
Delphos, o qual, pela voz da pythoniza, lhes ordenou a immolação de uma
virgem pura, da familia real dos Epytidas, para acalmar a vingança dos
deuses infernaes. Aristodemo immolou sua filha para obedecer ao oraculo;
mas, vendo cahir Itoma, cuja defesa sustentára durante dez annos, e
perdendo a esperança de ver salva a patria, matou-se sobre o tumulo da
filha, tão impiedosa e barbaramente immolada. Os Messenios
submetteram-se porfim (723) e os Espartanos impuzeram-lhes condições que
os escravizavam.

Volvidos quarenta annos de jugo, rebentou a _segunda guerra de
Messenia_. Aristomenes, o heroe da independencia nacional, não sómente
bateu os Espartanos, mas chegou a penetrar de noite na cidade e a ir
collocar um trophéu n'um dos templos d'esta. Os Espartanos, aterrados,
vêem-se reduzidos a pedir um general aos seus rivaes, os Athenienses.
Estes inviam-lhes, por escarneo, um poeta obscuro, _Tyrteu_, o qual
perde successivamente tres batalhas, mas consegue reaccender a coragem
abatida dos Lacedemonios com os seus hymnos heroicos, acabando por
conduzil-os á victoria.

Aristomenes, trahido pelo seu alliado Aristocrates, rei dos Arcadios, é
vencido na renhida batalha das Trincheiras (680) e retira-se para o
monte Ira, onde prolonga por onze annos uma resistencia merecedora de
melhor exito. Porfim succumbiu na lucta pertinaz, e retirou-se,
preferindo o exilio á escravidão. Esparta submetteu de todo a Messenia,
reduziu os habitantes á condição dos hilotas, mas não conseguiu nunca
diminuir o odio implacavel dos opprimidos, os quaes lhe votaram uma
inimizade perpetua.


*Esparta desde a segunda guerra de Messenia até ás Guerras
Medicas.*--Seguiu-se para Esparta um longo periodo pacifico, de mais de
quarenta annos. Ao cabo d'elle, rompeu a lucta com os Arcadios, lucta
que durou quasi sessenta annos, terminando, cêrca de 600, pela
affirmação da supremacia espartana. Argos teve de renunciar á hegemonia
sobre o Peloponeso que lhe pertencêra de um modo fugitivo durante algum
tempo (768-740), depois de ter perdido, pela bravura do espartano
Othryades, a provincia de Cynuria e a cidade de Thyréa (550), e de ter
sido desbaratada perto de Tiryntho pelo rei Cleomenes (524). Os
episodios de todas estas luctas pertencem mais á poesia heroica do que á
Historia.

Os Argivos, depois dos seus desastres, e sentindo a sua humilhação,
tomaram por systema o conservarem-se afastados, d'ahi em deante, de
todas as impresas dirigidas pelos Espartanos, bem como estes se
satisfizeram com a honra de terem abatido o poderio dos seus rivaes. Nas
guerras geraes, em que intervinham todos os Estados do Peloponeso, os
Espartanos determinavam as forças que cada Estado tinha de fornecer ao
exercito confederado, presidiam ao conselho da Liga, e exerciam o
commando superior das tropas. Um pouco antes das Guerras Medicas, cerca
de 690 A. C., eram o povo mais poderoso da Grecia continental.




CAPITULO IV

ATHENAS. LEGISLAÇÃO DE SOLON. OS PISISTRATIDAS. A DEMOCRACIA ATHENIENSE


É capital a differença entre os Espartanos e os Athenienses, se os
considerarmos na escolha da sua fórma de governo: ao passo que os
primeiros conservam durante seculos a constituição de Lycurgo, os
segundos passam vezes sem conto de uma para outra constituição,
experimentando todas e não os satisfazendo nenhuma.

Com a morte corajosa de Cedro (1068 A. C.) acabou a realeza dos tempos
heroicos, e acabou tambem, ou foi modificada a realeza propriamente
dita. Os Athenienses escolheram então na familia dos Medontidas
(Codridas) um magistrado vitalicio, chamado _archonte_, que exercia
funcções régias, mas privado das principaes prerogativas da realeza.

Esta revolução, que a poesia tradicional cercou de lendas, não pode ser
explicada por ellas, em boa critica; e parece mais provavel que fosse
antes uma victoria das familias aristocraticas sobre o poder supremo.
Essa aristocracia (_Eupatridas_) formada dos chefes das antigas tribus
pelasgicas e dos das diversas emigrações eolias e jonias ficou d'ahi em
seguida senhora absoluta do Estado. Instituindo uma sombra de realeza em
logar da realeza antiga, attribuiram, por deferencia, a nova
magistratura a Médon, filho de Codro, e conservaram-a em doze dos seus
descendentes, sem comtudo deixarem de fazer ao archontado a mesma guerra
que haviam feito á realeza. Por fim, cêrca do anno 752, deram profundo
golpe no archontado perpetuo, reduzindo-lhe a duração a um decennio.

Succederam-se septe archontes decennaes, até que, em 684, o archontado
se tornou annual e composto de nove archontes tornando-o assim
accessivel a todas as familias nobres e aos muitos elegiveis que
ambicionavam tão alto logar. Nas mãos d'elles estavam todos os poderes:
o politico, o judiciario, o civil, o religioso, o militar. Athenas era
uma oligarchia pura, governada pelas familias nobres.

As classes baixas foram então muito opprimidas, tornando-se, em breve,
ameaçador o seu descontentamento. Muitos nobres, despeitados com os seus
rivaes e querendo hostilizál-os, procuraram apoio na opposição popular e
deram-se ao incargo de regularizál-a para a fazerem servir aos seus
fins. Entre essa nobreza contavam-se as grandes familias athenienses dos
Alcmeonidas e dos Pisistratidas. O povo, incitado e aconselhado por
elles, reclamou um codigo de _leis escriptas_, porque até ahi apenas
havia costumes e leis oraes que os Eupatridas, unicos juizes,
interpretavam ao sabor das suas paixões ou dos seus interesses.

A nobreza, assim atacada nos seus baluartes, condescendeu com as
aspirações do povo e serviu-se d'essas mesmas pretenções para comprimir
a emancipação do espirito popular. Incarregou um dos seus, o archonte
Dracon (620), de redigir a legislação nova. As leis de Dracon eram
severissimas na applicação das penalidades, sendo castigadas com a morte
até mesmo pequenas faltas. A sua dureza inflexivel tornou-se proverbial,
e ainda hoje se diz _lei draconiana_ de alguma lei excessivamente
severa. D'ellas disse um orador grego, que tinham sido escriptas com
sangue.

O effeito de taes rigores foi contraproducente. O povo atacou os
Eupatridas, e estes mesmos se guerrearam uns aos outros infraquecendo
assim o seu poder em luctas fratricidas. Levantou-se então em impetos
desesperados a lucta dos devedores contra os seus poderosos credores,
lucta analoga á que insanguentou os primeiros tempos de Roma, antes da
sua constituição definitiva.

A aristocracia, quando se viu á beira do abysmo e sem esperança de
salvar-se, procurou um homem de alta consideração publica, que pudesse
servir de arbitro e de medianeiro. Incontrou-o em _Solon_, que foi
elevado á dignidade de archonte e depois dictador supremo e legislador
(593 A. C.).


*Legislação de Solon.*--A constituição de Solon é um complexo de
elementos aristocraticos e de elementos democraticos, como vamos vêr.

Solon começou por facilitar o pagamento das dividas e restituiu a
liberdade a todos os devedores. Para attingir o primeiro resultado,
lançou mão de um recurso que a moderna economia publica decerto não
approva, mas que foi vulgar nas sociedades politicas dos antigos
tempos:--estabeleceu uma especie de bancarrota legal; deduziu do capital
das dividas os juros já pagos, e para o re-imbolso do resto elevou o
valor nominal da moeda.

Recusou, porêm, aos pobres a partilha das terras que elles reclamavam, e
que, para muitos, não era mais do que uma restituição dos proprios bens;
e procedia assim, porque o seu intento, sendo o de abolir uma
aristocracia oppressora, não era comtudo o de estabelecer uma democracia
pura.

Atacando a aristocracia de raça, instituiu no logar d'ella a
aristocracia da riqueza, dando assim á constituição do Estado uma base
nova. Com este fim, dividiu a população em quatro classes:--á 1.ª
pertenciam os cidadãos que tinham um rendimento annual de 500
_medimnos_, isto é, que recolhiam nas suas proprias terras 500 medidas
de productos solidos ou liquidos (a estes cabiam os grandes cargos, taes
como o archontado, o commando em chefe do exercito ou da esquadra); á
2.ª, os que possuiam uma colheita de 300 medimnos, sufficiente para
fornecer dois cavallos de batalha, um para o amo e outro para o
escudeiro; á 3.ª pertenciam aquelles cujo rendimento annual era de 200
medimnos, e que apresentavam uma parelha de muares ou de cavallos, ou
uma junta de bois, e podiam servir nas tropas pezadas (_hoplitas_); á
4.ª competiam os que desfructavam um rendimento inferior a 200 medimnos,
e serviam como tropa ligeira ou marinheiros, sendo dispensados de todos
os impostos (tinham direito de voto nas assembléas do povo e nos
tribunaes, mas eram excluidos de todas as magistraturas e dos
commandos).

O governo compunha-se de quatro corpos politicos:--os _archontes_, o
_senado_, a _assembléa do povo_, e o _areopágo_.

Os archontes, em numero de nove, eram eleitos annualmente e assim
classificados: o 1.º archonte, que dava seu nome ao anno; o
archonte-rei, successor do antigo rei-pontifice hereditario; o
archonte-general; e os seis guardas da lei (_Thesmothétas_). Eram todos
responsaveis perante a assembléa do povo.

O senado compunha-se de quatrocentos cidadãos das tres primeiras
classes, eleitos annualmente pelas tribus e posteriormente tirados á
sorte, mas submettidos antes d'isto a provas rigorosas.

A assembléa do povo era formada pelos vinte mil Athenienses que
compunham a cidade politica, e estava longe de constituir uma verdadeira
democracia. Não passava de um grande corpo privilegiado.

O areopágo, essencialmente aristocratico, compunha-se de archontes que
tinham findado o periodo de exercicio do seu cargo. Era uma especie de
senado judiciario e politico.

Solon, ao mesmo tempo que regulou a ordem politica, legislou tambem para
a vida civil. Attendeu ás condições da familia, ao casamento, dotes,
tutella de menores, direito de testar, ordem de successões, etc.

Só não legislou para o caso de parricidio, pois não admittia que tal
crime pudesse ser commettido.

Lycurgo tinha proscripto o trabalho; Solon animou-o e constituiu-o n'uma
obrigação, punindo a ociosidade. Nas suas leis civis o legislador
atheniense não sacrificou o homem ao cidadão, nem a moral á politica,
como fez o legislador espartano.


*Os Pisistratidas.*--Apezar da promulgação das leis de Solon, as
dissidencias entre as diversas facções recrudesceram; os nobres
pretendiam a preeminencia absoluta; o povo, não satisfeito com o governo
mixto de Solon, queria transformál-o n'uma pura democracia.

Á frente do partido popular estava um homem habil, pertencente á
aristocracia da riqueza, _Pisistrato_. A influencia que elle exerceu na
cidade chegou a contrabalançar a dos magistrados (565).

Pisistrato não era violento, nem exercia rudemente a sua tyrannia;
protegia até as artes e as lettras. Em 560, simulando que o haviam
querido assassinar no meio da praça publica, conseguiu que lhe fosse
dada uma guarda para sua garantia pessoal. Com essa guarda, porêm,
desarmou os cidadãos, poz em fuga os seus inimigos, e apoderou-se da
cidadella e do governo (560).

No anno seguinte, foi expulso pelos chefes das outras facções, _Lycurgo_
e _Megacles_; mas conciliando-se com este ultimo, ajudado por elle,
poude voltar a Athenas (556). Casou então com a filha do seu alliado
Megacles, chefe dos Eupatridas, mas foi outra vez exilado por este, em
547. Voltou dez annos depois, á frente de um corpo de mercenarios, que
ficaram sendo a sua guarda habitual, e conservou-se no poder até ao fim
da vida. Soube, no emtanto, honrar, se não legitimar, a sua usurpação
com uma gerencia habil e prospera.

Succederam-lhe (528) seus dois filhos, _Hipparco_ e _Hippias_, os quaes
governaram juntos e perfeitamente tranquillos até 514. N'este anno, dois
moços athenienses, _Harmodio_ e _Aristegiton_, movidos por uma violenta
animosidade contra os dois irmãos, combinaram matál-os. No dia da festa
das grandes Panathenéas, dirigiram-se ao Ceramico, levando os seus
punhaes escondidos sob ramos de murta. Hipparco foi morto; mas Hippias
salvou-se e impoz ainda durante quatro annos aos Athenienses, um
despotismo cruel. A poderosa familia dos Alcmeonidas, que estava
exilada, logo que achou momento opportuno, resolveu-se a derrubar o
ultimo dos Pisistratidas. Procurando o apoio dos Espartanos e auxiliados
por um exercito dorico, intraram em Athenas e constrangeram o tyranno a
uma capitulação que o exilava. Este retirou-se para a corte da
Persia,--e, vinte annos depois, incontramol-o combatendo a sua patria
nas planicies de Marathona.


*A democracia atheniense.*--A queda de Hippias animou os Eupatridas,
dirigidos por _Isagoras_, a intentarem o restabelecimento da oligarchia
das familias nobres. Mas á frente dos Alcmeonidas estava _Clisthenes_,
archonte eponymo ou primeiro archonte, que reformou as leis de Solon
tirando-lhes os elementos aristocraticos, e foi o verdadeiro fundador do
regimen popular em Athenas.

Dividiu a população em dez tribus, tendo cada uma dez _démos_ ou
districtos, e n'esta nova organização geographica e politica estabeleceu
direitos eguaes para todos os cidadãos. Cada dois démos formavam uma
_naucraria_, á qual incumbia armar e equipar uma triréme e fornecer um
_epheta_ (juiz) ao tribunal criminal do archonte-rei. Elevou a
quinhentos o numero dos senadores, eleitos annualmente pelas dez tribus,
sendo cincoenta por cada tribu. O archontado, continuando a ser apanagio
dos maiores contribuintes, tornou-se cada vez mais um cargo puramente
honorifico. A auctoridade do areopágo foi limitada na mesma proporção.
As assembléas do povo reuniram-se com mais frequencia, adquirindo este
uma acção directa e preponderante nos negocios publicos. Todo o cidadão,
quando chegava aos trinta annos, tinha voto consultivo e deliberativio
na assembléa geral e era apto para juiz ou jurado.

Clisthenes forneceu, egualmente, ao povo uma arma nova e poderosissima,
o _ostracismo_. Consistia este no direito de exilar por dez annos
(honrosamente) todo o cidadão que, pelo seu poder, pela sua grande
consideração, ou pela sua excessiva influencia, fizesse perigar a
egualdade civil, a constituição democratica, e as liberdades publicas.
Quando a conveniencia de exilar um cidadão n'estas condições era
apresentada ao povo, este escrevia n'uma concha (em grego _ostrakon_; e
d'aqui a palavra _ostracismo_) o nome d'aquelle que tinha de ser banido.
Eram necessarios, pelo menos, seis mil suffragios, para a sentença poder
ter execução.

O ostracismo não era uma pena applicada a um culpado; era uma
demonstração de honra e de consideração, e ao mesmo tempo uma medida de
prudencia contra a possibilidade de uma tyrannia.

Isagoras, chefe da facção aristocratica, pediu soccorro aos Espartanos,
a exemplo do que haviam feito os Alcmeonidas, a cuja frente estava agora
Clisthenes, e elles mandaram-lhe o rei Cleomenes á frente de um
exercito. Clisthenes foi proscripto com mais septecentas familias
athenienses, e Isagoras submetteu a cidade a um conselho oligarchico de
trezentos Eupatridas. O povo sublevou-se, tomou a cidadella, expulsou os
Espartanos e Isagoras, abriu as portas da patria aos banidos, e
confirmou as leis de Solon com as reformas de Clisthenes.

D'esta fórma a democracia triumphou, porque o povo attingira um elevado
grau de cultura politica e tinha a consciencia e o sentimento da sua
força, e da sua liberdade. Com a victoria do novo systema de governo
começou o periodo da grandeza e supremacia de Athenas. Decorrendo apenas
vinte annos desde a queda de Hippias até ás Guerras Medicas, e sendo
elles quasi completamente occupados com dissensões intestinas e com
guerras externas contra os Beocios, os Eginetas, os Chalcidios e os
Espartanos, Athenas conseguiu pelo acerto da sua politica e pelas
vantagens das suas armas dilatar por toda a Héllada a sua influencia
politica e o seu prestigio. Apossando-se da Eubéa, do Chersoneso da
Thracia, e da ilha de Lemnos, que Milciades conquistou, tornou-se uma
formidavel potencia maritima, potencia que _Themistocles_ ainda
ingrandeceu mandando construir 200 navios com o producto das minas de
prata do Laurion, como em seu competente logar diremos.

A democracia atheniense, com todas as suas consequencias, durou 200
annos, salvo algumas perturbações; e tão longa duração explica-se pela
comprehensão que todos os cidadãos tinham da vida politica e pelas
disposições naturaes do povo, de modo que a nova fórma de governo não
era um accidente, mas sim uma constituição profundamente radicada. O
povo comprehendia que a sua soberania propria estava na soberania da lei
e na inviolabilidade d'esta, e não tolerava o arbitrio individual.

_Aristides_, uma das mais puras individualidades entre os estadistas de
todos os povos, poz o remate ás instituições de Solon, abrindo a
carreira do archontado e das outras funcções publicas a todos os
cidadãos, sem privilegios de nascimento nem de riqueza.


*Os septe sabios da Grecia.*--Por esta designação vulgar, ficaram sendo
conhecidos uns homens eminentes da Grecia, a quem o povo attribuia
sentenças e maximas concisas de verdadeira sabedoria experimental e
practica. Eram os representantes da sciencia e da experiencia moral,
politica e social, do seculo VI. Ha, porêm, confusão e divergencia nos
nomes d'elles, e nas sentenças que lhes são attribuidas. Segundo a
maioria das versões, os septe sabios eram: os quatro philosophos da
Grecia asiatica, _Thales_, _Pittaco_, _Bias_ e _Cleobulo_, de Lindos, na
ilha de Rhodes; e os tres da mãe-patria, _Solon_, de Athenas; _Chilon_,
de Esparta; e _Periandro_, de Corintho, sendo ás vezes substituido este
ultimo por _Pherecydes_, de Scyros, ou _Myson_, de Laconia.


*Escravidão e servidão.*--A escravidão na Grecia data dos tempos
pelasgicos, como o provam os monumentos cyclopicos, demonstração
evidente de que os homens empregados em erguêl-os viviam nas condições
de uma escravidão durissima. Ha vestigios d'ella:--nas lendas dos tempos
primitivos, como nos mythos, de Apollo, escravo de Admetto, e de
Hercules, duas vezes escravizado; no tributo de mancebos e donzellas,
imposto por Minos aos piratas athenienses; na constituição das
republicas cretenses; e, finalmente, nos proprios poemas homericos.

No começo dos tempos historicos, os Thessalianos, submettendo os povos
das regiões onde foram estabelecer-se, reduziram-n'os, pelo confisco das
suas propriedades, a um regimen analogo á servidão da gleba. Estes
servos tiveram o nome de _penestes_. Durante a guerra do Peloponeso, um
cidadão de Pharsalia poz 1:200 penestes á disposição de Athenas.

Os Dorios instituiram no Peloponeso as mesmas fórmas de servidão, e,
quando terminaram a conquista da Laconia, dividiram os indigenas, em
duas grandes classes de servos: os _periecos_ e os _hilotas_.

Os _periecos_ tinham-se submettido voluntariamente, e foram-lhes
deixadas as suas cidades e uma parte dos campos. Tiveram 30:000 lotes na
partilha attribuida a Lycurgo. Pagavam tributo, não tinham direitos
politicos; eram, comtudo, de condição livre, e tomavam parte nos jogos
olympicos. Dedicavam-se ao trabalho, ao commercio, á industria: teciam
ricos mantos de purpura, faziam calçado luxuoso, fabricavam armas
magnificas, obras cinzeladas, etc. Houve entre elles alguns artistas
muito notaveis. Nos exercitos, formavam as guardas ligeiras; nas armadas
eram marinheiros peritos,--e alguns periecos houve que as commandaram,
nas guerras maritimas com os Athenienses. Finalmente, os periecos tinham
escravos seus para os trabalhos agricolas.

Os _hilotas_ eram verdadeiros escravos; não constituiam uma sociedade
áparte e vivendo a sua vida propria, como os periecos. Eram inteiramente
submettidos aos Espartanos. Cultivavam as terras, guardavam os rebanhos,
trabalhavam nos serviços domesticos, e, na marinha, eram remadores.
Desprezavam-n'os, tratavam-n'os barbaramente, chegando a ponto não só de
serem açoitados todos os annos para se lhes lembrar a sua abjecção, como
tambem de serem caçados e mortos (_eryptia_), em verdadeiras correrias
pelos campos, como bestas-feras. O numero dos hilotas dos dois sexos,
que havia na Laconia, elevava-se a 200:000, os quaes juntos com 120:000
periecos formavam uma população dez vezes maior que a dos Espartanos.

Estes ultimos tinham tambem escravos extrangeiros dos dois sexos. O
direito de alforria era exclusivo do Estado. Os libertos não eram
elevados á categoria de cidadãos; ficavam em differentes condições
particulares, com os nomes de _epeunactas_, _cructeros_, _aphétas_,
_neodamodos_, etc.

Em Creta, onde o regimen era o mesmo que em Esparta, incontram-se as
mesmas fórmas de servidão: populações submettidas analogas aos periecos;
escravos do Estado sob o nome de _mnoítas_; escravos empregados na
cultura dos campos e no serviço dos cidadãos (_aphamiotas_ e
_clarotas_), bem como escravos comprados no estrangeiro.

Incontram-se egualmente, as mesmas fórmas em todas as regiões, onde se
estabeleceram os Dorios, taes como nos _orneatas_ e nos _gymnetas_
«homens nus» da Argolida; nos _cynophylos_ «raça de cães» de Corintho;
nos _conipodos_ «de pés impoeirados» de Epidauro; nos _craulidas_ de
Delphos; nos _callicyrios_ de Syracusa, etc.

Em Athenas o tratamento dado aos escravos era mais benigno, sem comtudo
deixarem estes de ser considerados coisas, e, como taes, estavam
submettidos ás leis que regem a propriedade.

Havia, tambem nos templos, em diversas cidades da Grecia, bandos de
escravas que, com o nome sagrado de _hierodulas_, eram votadas ao culto
de Venus. O templo de Venus, em Corintho, incerrava mais de mil d'essas
cortezans, as quaes desfructavam grande consideração publica por
concorrerem para a prosperidade da cidade, attrahindo a esta um grande
numero de estrangeiros.




CAPITULO V

AS GUERRAS MEDICAS


*Sublevação dos Gregos da Asia-Menor.*--Quando a Persia, na expansão do
seu ingrandecimento, attingiu os seus limites naturaes na Asia, só lhe
restava aberto o lado de noroeste (isto é, a Europa) para a dilatação
das suas fronteiras.

Começou por incontrar as ricas cidades gregas disseminadas pelas ilhas e
pelo littoral do Mediterraneo, e submetteu-as. Mileto intregou-se sem
resistencia; outras oppuzeram-se tenazmente ao jugo, mas porfim todas
foram absorvidas pelo colosso asiatico. Annexadas ao imperio, carregadas
de impostos, conservaram, no emtanto, uma tal ou qual autonomia sob a
auctoridade absoluta de chefes escolhidos pelo vencedor no partido
aristocratico de cada uma, responsaveis pela obediencia e fidelidade dos
seus concidadãos e dependentes do satrapa da respectiva provincia.

Isto durou pouco mais de meio seculo. Porém, no tempo de Dario,
manifestou-se uma sublevação geral contra o poderoso imperio.

Histieu, principe de Mileto, estava em Suza, capital da Persia,--e
deixára Aristágoras, seu genro, com o governo da cidade. Parece que
este, humilhado pela altivez do governador da Asia-Menor, e receoso do
castigo com que os Persas procurariam punil-o, por ter aconselhado e
dirigido uma impresa contra Naxos, que a facção aristocratica queria
intregar aos Persas afim de se apoiar n'elles para consolidar a sua
preeminencia, quiz experimentar a sorte das aventuras provocando uma
revolta entre os Gregos descontentes. Sublevou a Jonia (501),--e a
sublevação propagou-se como um incendio por toda a costa da Asia, desde
a Caria até Chalcedonia sobre o Bosphoro.

Os revoltosos mandaram pedir soccorros a Esparta e a outros Estados
poderosos da mãe-patria; mas só Athenas e a pequena cidade de Erétria na
Eubéa inviaram um pequeno numero de navios. Ao principio as vantagens
foram todas do lado da sublevação; os Gregos conquistaram e incendiaram
Sardes, capital da Asia-Menor. Mas dentro em breve a sorte das armas
mudou: o exercito nacional grego foi derrotado em Epheso pelo governador
persa; e porfim a desproporção das forças, a falta de unidade entre os
confederados, e a traição, lançaram-n'os outra vez sob o jugo que
pretendiam sacudir. Em 494 foi destruida Mileto. Dos Milesianos foram
uns passados á espada, outros levados captivos para o Tigre inferior.
Aristagoras fugiu para os Thracios da margem do Strymon, onde foi morto.
Histieu, que, voltando á Jonia, se tinha ligado com os revoltosos,
morreu crucificado; a Caria e a Jonia foram reduzidas e severamente
castigadas; e Dario jurou tirar uma vingança cruel das duas cidades,
Athenas e Eretria, que tinham auxiliado os revoltosos.


*Primeiras expedições dos Persas.*--Resolvido a pôr em práctica os seus
projectos de vingança contra os Gregos, Dario, excitado tambem pelas
instancias do antigo tyranno de Athenas, Hippias, deu a seu genro
Mardonio (492) o commando de um exercito, que devia penetrar na Europa
pela Thracia, seguindo a esquadra ao longo das costas. Ao mesmo tempo os
arautos do grande rei reclamavam dos diversos Estados gregos _a terra e
a agua_, symbolos de submissão.

Mardonio, por uma habil medida politica, assegurou a sua retaguarda e as
suas bases de operações, acabando de pacificar a Jonia por meio de uma
concessão singular: depoz em todas as cidades os tyrannos, e
restabeleceu o regimen democratico, ou pelo menos o governo das cidades
pelos seus proprios cidadãos.

Nada lhe valeu, porque todas as circumstancias conspiraram contra elle.
A esquadra submetteu a ilha de Thasos, mas foi despedaçar-se quasi toda
por uma tempestade ao dobrar o promontorio do monte Athos. Perderam-se
trezentas galeras e vinte mil homens; e Mardonio, que tinha já subjugado
parte da Macedonia, reconhecendo que não podia continuar a conquista,
voltou para a Asia (492), com o resto do seu exercito.

Os arautos que, em nome de Dario, se adeantavam reclamando _a terra e a
agua_, segundo a formula de homenagem que os Persas exigiam dos povos
que subjugavam, não foram melhor succedidos. Egina e muitas outras
cidades obedeceram-lhes; mas, quando elles se apresentaram com a mesma
exigencia deante de Esparta e de Athenas, a indignação dos habitantes
d'estas cidades foi tão grande que, olvidando o direito das gentes,
mandaram-n'os matar. Os Espartanos atiraram-n'os a um poço, dizendo que
procurassem no fundo d'elle a terra e a agua que quizessem.

Dario, cheio de indignação com um tal insulto, inviou logo segunda
esquadra, com muitas tropas de desimbarque, sob o commando de Datis e de
Artaphernes. Esta atravessou o Archipelago, onde obrigou Naxos e as
outras Cyclades a submetterem-se, e chegou em seguida á Eubéa, onde
bloqueou Eretria, capital da ilha, a qual lhe foi intregue pela facção
aristocratica. A cidade foi arrasada e os habitantes remettidos como
escravos para o interior da Asia (490). Em seguida os Persas, conduzidos
por Hippias, desimbarcaram nas costas da Attica, e acamparam, a algumas
leguas de Athenas, na planicie de Marathona, habilmente escolhida como
favoravel para as grandes evoluções de cavallaria.


*Batalha de Marathona.*--Mandou Athenas, n'este grande aperto, pedir o
auxilio de Esparta; mas os Espartanos, detidos por um uso supersticioso,
que lhes não permittia partir para a guerra antes da lua-cheia, pediram
dez dias de espera. Os Athenienses, a quem a difficuldade das
circumstancias não permittia delongas, marcharam ao incontro do inimigo.
As dez tribus forneceram cada uma mil homens e um _stratégo_ ou general,
sendo o commando em chefe conferido a Milciades. O exercito dos Persas
era dez vezes mais consideravel, o que não obstou a que a sua derrota
fôsse completa. A _batalha de Marathona_ (490) inaugurou com gloria o
imperio e o prestigio da democracia atheniense.


*Morte de Milciades.*--Em seguida, Milciades convenceu os Athenienses a
armarem uma esquadra para conquistarem as ilhas do Mar Egeu que tinham
prestado homenagem aos Persas. Foi sitiar Paros; mas teve de levantar o
bloqueio com perdas, regressando com a esquadra a Athenas. Ahi foi
accusado por Xantippo, um dos primeiros personagens da cidade, pae de
Pericles, de ter inganado o povo, lesado o thesouro publico, e causado a
morte de um grande numero de cidadãos. Milciades não poude comparecer no
tribunal, por estar gravemente doente de uns ferimentos recebidos em
Paros, e foi condemnado ao pagamento de uma multa equivalente ao
dispendio que tinha feito a expedição. Morreu da sua ferida pouco
depois,--e seu filho pagou a multa, para não ficar incurso na
incapacidade legal para o exercicio de qualquer cargo publico.


*Aristides e Themistocles.*--Athenas subiu ao primeiro logar entre as
nações gregas, e no seu seio travou-se em breve o conflicto de duas
ambições rivaes. Dois homens, Aristides e Themistocles, disputavam um ao
outro a influencia e o credito:--Aristides, dotado de tal rectidão que
recebeu o nome da _Justo_; Themistocles, homem de genio militar o
politico, tendo as mais altas qualidades, infelizmente maculadas por
grandes defeitos. Themistocles era o chefe do partido popular. Quando se
tratou de dar successor a Milciades no commando da esquadra, elle obteve
a preferencia sobre o seu rival. Submetteu algumas das ilhas do Mar
Egeu; mas, quando voltou a Athenas, incontrou Aristides á frente de um
grande partido (o aristocratico) que o apoiava. Romperam grandes
desintelligencias entre as duas parcialidades, e porfim Themistocles
conseguiu obter a expulsão de Aristides, por meio do ostracismo. O povo
não teve em vista, com esta medida, castigar um homem cujas virtudes
apreciava; o que pretendeu foi enfraquecer o partido da nobreza,
tirando-lhe o chefe.

Themistocles, ficando chefe da republica, e comprehendendo, ao contrario
de todo o povo, que a derrota dos Persas em Marathoha não era o termo da
lucta, mas sim o começo de guerras novas, viu com admiravel penetração
que o futuro da Grecia dependia do seu ingrandecimento maritimo, e não
deixou um momento de pugnar pela creação da marinha atheniense, afim de
oppôl-a um dia a novas invasões dos Asiaticos, e ao mesmo tempo para
garantir a Athenas o senhorio do mar e a preponderancia sobre os outros
Estados gregos.

Para conseguir a realização dos seus projectos, obteve de Delphos uma
sentença que o favorecia. O oraculo declarou que a salvação dos
Athenienses dependia de se abrigarem cobertos por «muros de madeira».
Por estes muros o povo intendeu «navios». O producto das minas de prata
do Laurion era até então consumido em festejos publicos ou distribuido
pelos cidadãos. Themistocles obteve que fosse empregado na construcção
de cem triremes de guerra, e para melhor fazer acceitar a sua proposta
valeu-se do profundo rancor que os seus concidadãos tinham á ilha de
Egina, por se haver rendido espontaneamente aos Persas, e levou-os a
approvarem o augmento das forças navaes com a mira no castigo dos
Eginetas.


*Expedição de Xerxes.*--Dario, o orgulhoso monarcha persa, humilhado com
o desastre de Marathona, estava preparando os elementos para uma
desforra memoravel quando a morte o surprehendeu. Seu filho e successor,
Xerxes, herdeiro do seu odio e dos seus sentimentos de vingança, adoptou
os projectos paternos e proseguiu nos armamentos que, em larga escala,
se estavam accumulando havia tres annos. Segundo a narrativa de
Herodoto, fundada na tradição popular e poetica, o exercito asiatico
attingiu o numero de 1.700:000 homens, sendo a esquadra de mais de 1:200
navios de alto bordo.

Em 481, depois de ter atravessado o territorio de Ilion, chegou aquella
immensa mole de gente ás praias do Hellesponto. Septe dias, sem
interrupção, levou o exercito a passar sobre duas pontes de barcos. Era
um mixto de povos e nações diversas: Persas, Médos, Assyrios, Arabes,
Sacios, Indios, Mongoes, Ethiopes, etc. Depois da passagem do
Hellesponto, dirigiu-se do Chersoneso para a Macedonia e para a
Thessalia atravez da Thracia. Os povos das differentes regiões
atravessadas, taes como os montanhezes da Dorida, do Pindo, do Ossa, do
Pélion, do Olympo, os Thessalianos, uma parte doa Beocios, correram a
offerecer ao grande rei as suas homenagens. A esquadra, n'este meio
tempo, ia avassallando os mares e apossando-se das ilhas.

Themistocles conseguiu, com os seus esforços patrioticos, fundar uma
liga composta dos restantes Estados gregos, que o terror do inimigo não
abalára de todo. Formou-se uma dieta, sob a hegemonia de Esparta, no
isthmo de Corintho. Por um momento foram esquecidas todas as dissensões
internas.


*As Thermopylas.*--Em Julho de 480, exactamente quando se celebravam os
jogos olympicos, appareceram as avançadas do exercito de Xerxes em
frente do desfiladeiro das Thermopylas. Ahi as esperava _Leonidas_, um
dos dois reis de Esparta, o qual, segundo o plano de defesa combinado,
tinha por missão deter os Persas n'essa estreita garganta, que conduzia
da Thessalia para a Locrida, cobrindo ao mesmo tempo a Grecia central.
Ao mesmo tempo o exercito naval dos Gregos esperava as esquadras de
Xerxes no estreito de Artemision. Para defender o Peloponeso, ultimo
refugio da independencia hellenica, estava um exercito de reserva
acampado no isthmo.

O rei lacedemonio commandava septe mil homens, entre os quaes se
distinguiam trezentos Espartanos. Foi com estes que Leonidas se postou
no desfiladeiro, prompto a fazer frente a toda a inundação asiatica.
Intimado a intregar as armas, Leonidas respondeu:--«Vem buscál-as!»
Quando o inimigo appareceu á vista, disse um grego:--«Os Persas estão ao
pé de nós», a que Leonidas replicou:--«Porque não dirás antes que nós
estamos ao pé dos Persas?» Os soldados valiam tanto como o chefe. Disse
um d'elles, atemorizado, que os inimigos eram em tão grande numero, que
as suas flechas escureceriam o sol.--«Tanto melhor, respondeu outro,
combateremos á sombra». Leonidas desejava salvar dois mancebos
espartanos; deu a um d'elles uma carta, a outro uma commissão para os
éphoros.--«Não estamos aqui para levar recados; estamos para combater».

Durante muitos dias procurou o Rei dos Persas forçar a passagem; e já
quasi desesperava de conseguil-o, quando um traidor grego lhe ensinou um
atalho por meio do qual se podia tornear a inexpugnavel posição.

No dia seguinte, os Gregos de Leonidas vêem-se cercados pelo inimigo. Os
trezentos Espartanos, e septecentos habitantes da cidade de Thespia,
resolveram sacrificar-se pela patria. Alli succumbiram todos, combatendo
como leões. Xerxes, que tinha perdido vinte mil dos seus melhores
soldados, sentiu a humilhação da sua victoria. Pelo contrario, o
sentimento nacional dos Gregos exaltou-se com esta derrota gloriosa, e
decidiram-se a defender a liberdade e a independencia até á morte.


*Batalha de Salamina.*--Durante este tempo, conservava-se no estreito de
Artemision a esquadra grega, commandada superiormente pelo espartano
Eurybiades, commandando Themistocles as galeras athenienses. Fazia-lhe
frente a immensa esquadra dos Persas, e entre pequenas fracções das duas
armadas haviam-se travado já algumas escaramuças e combates parciaes.

Quando se soube que tinha sido forçado o desfiladeiro das Thermopylas, e
que Xerxes, depois de devastar a Phocida e a Beocia, avançava sobre
Athenas, determinado a destruil-a, os Athenienses esperavam que todas as
forças alliadas tentariam defender a Attica. Mas os outros Gregos,
cuidando especialmente em cobrir o Peloponeso, só pensavam em fechar o
isthmo de Corintho, já fortificado por uma formidavel muralha.

Themistocles fez então revogar a lei de exilio contra Aristides, e
determinou o povo a abandonar Athenas para se não expôr á lei do
vencedor; as mulheres e as creanças foram para Trezena, para Egina e
para Salamina; os homens recolheram-se á esquadra; e a cidade foi
incendiada e devastada.

A esquadra persa ancorou na enseada de Phalera. Os Gregos, assustados,
deliberam abandonar o estreito de Salamina e aproximar-se do isthmo onde
estão reunidas as forças de terra. Contra esta deliberação insurgiu-se
Themistocles, por intender que o combate sería mais favoravel n'umas
aguas apertadas, onde a grande esquadra persa, não podendo mover-se á
vontade, perderia parte das vantagens do numero. No conselho dos chefes,
foi tal a energia da sua opposição, que o almirante-supremo, Eurybiades,
levantou contra elle o bastão de commando.--«Bate, mas ouve!» replicou
imperturbavel Themistocles, contendo assim o impeto do fogoso espartano.

De nada lhe valeu a perseverança com que procurou dissuadir os outros
chefes. Recorreu então a um estratagema que, se não sortisse effeito,
poderia ser tomado por uma traição horrorosa. Inviou a Xerxes um
mensageiro secreto, a informál-o das divisões dos Gregos e do projecto
de retirada, e lembrando-lhe que os fechasse no estreito, onde poderia
aniquilál-os com facilidade.

Immediatamente Xerxes deu ordem para bloquear a ilha e a esquadra grega.
Foi Aristides quem, regressando do exilio e tendo atravessado a esquadra
inimiga, deu aos Gregos a noticia de estarem involvidos. Só restava
combater desesperadamente. Foi o que se fez.

O papel de Themistocles, quaesquer que sejam as suspeitas que a Historia
tenha de reservar sobre a fidelidade e boa fé d'este homem estranho, é
incontestavel que foi decisivo n'esta batalha memoravel. A victoria dos
Athenienses foi completa, e salvou a Grecia. Xerxes retirou-se abatido e
com precipitação, atravez da Thessalia, da Macedonia e da Thracia, onde
grande numero dos seus soldados morreram de fadigas, de frio e de fome;
e tornou a atravessar o Hellesponto. Os Espartanos, tão ciosos das
glorias alheias, deram espontaneamente uma corôa de oliveira a
Themistocles.


*Batalhas de Platéa e de Mycale.*--Na Thessalia ficaram trezentos mil
homens, sob o commando de Mardonio, para effectuarem a submissão da
Grecia. Passado o inverno, desceram atravez da Beocia; devastaram a
Attica, de novo abandonada pelos confederados; e occuparam Athenas,
quasi completamente em ruinas e deshabitada. Mas, na grande _batalha de
Platéa_ (479), os Gregos, commandados pelo espartano _Pausanias_, o qual
tinha sob as suas ordens Aristides, general dos Athenienses, obtiveram
sobre o exercito inimigo, tres vezes superior em forças, uma victoria
tão completa que a maior parte dos inimigos, incluindo o seu general,
ficaram no campo de batalha. Apenas 40:000 homens tornaram a atravessar
o Hellesponto.

No mesmo dia d'esta assignalada batalha, a esquadra grega, commandada
pelo rei espartano _Leotychidas_, derrotou a esquadra persa em frente do
promontorio de Mycale, na Asia-Menor. Xantippo, pae de Pericles,
commandante dos navios athenienses, teve uma parte importante na gloria
d'esta grande acção naval.




CAPITULO VI

HEGEMONIA DE ATHENAS


*Reacção da Grecia sobre a Asia.*--Depois d'estas victorias, Aristides
fez acceitar aos alliados a idéa de uma _liga_ permanente contra a
Persia; e decidiu as ilhas e os portos gregos a concluirem uma alliança
com os Athenienses (476), obrigando-se a fornecerem dinheiro e navios
para a continuação da guerra. O centro da Liga estabeleceu-se em Delos,
e aos Athenienses coube a gerencia financeira da associação e o commando
da esquadra commum.

Uma tendencia irresistivel impellia os Gregos para a Asia. Apenas a
invasão fôra repellida e logo os Athenienses retomaram Sestos e o
Chersoneso da Thracia. Em 477, a esquadra, commandada por Pausanias,
apoderou-se de Chypre e de Byzancio, e chamou á liberdade as cidades
gregas da Asia.

O contacto com os povos do Oriente causou a perda do general espartano
Pausanias. Este, quando tomou Byzancio, aprisionou alguns persas de
elevada gerarchia, entre os quaes se contavam alguns parentes do Rei.
Pausanias restituiu-os a Xerxes, contra vontade dos outros confederados,
e mandou prometter ao Rei da Persia que o auxiliaria a combater Esparta
e a dominar a Héllada, mediante a condição d'elle lhe dar uma filha em
casamento e de o fazer governador do Peloponeso. O Rei da Persia
acceitou a proposta, e Pausanias tornou-se tão arrogante que chegou a
esquecer as leis e os costumes de Esparta. Adoptou o uso de vestuarios
magnificos, intregou-se a excessos de mesa, tomou para seu serviço
creados médos e egypcios, tornou-se odioso pela sua altivez, fazendo a
auctoridade espartana detestada. Chamado a Esparta, continuou a manter
intelligencia com Xerxes e a preparar os meios de se apoderar do poder
absoluto. Sendo descoberta a sua traição, refugiou-se no Templo de
Minerva Chalcioecos, d'onde não era possivel arrancál-o sem commetter
sacrilegio; e por isso os Ephoros mandaram tirar o tecto ao edificio, e
intaipar as portas, deixando-o alli morrer de fome.

Emquanto isto succedia com Pausanias, que, pela sua defecção, fazia
perder a Esparta o commando supremo dos alliados,--Themistocles
ingrandecia Athenas, cercando-a de muralhas, construindo o porto do
Pireu que se tornou uma cidade, e que posteriormente foi unido a
Athenas, que lhe ficava á distancia de 7 kilometros, por dois longos
muros concluidos no tempo de Pericles. Attrahiu á Attica, por meio do
offerecimento de grandes vantagens, excellentes operarios extrangeiros,
e fez decretar que todos os annos se construisse um certo numero de
triremes, para assegurar a supremacia maritima da sua patria. Em 474, os
seus inimigos politicos conseguiram exilal-o por dez annos, por meio do
ostracismo; e os Espartanos, que o detestavam, pelo modo como elle
ingrandecêra Athenas, accusaram-n'o de ter tomado parte na traição de
Pausanias, por não o haver denunciado, e citaram-n'o a comparecer
perante um tribunal da confederação, cuja presidencia pertencia a
Esparta. Themistocles, perseguido, conseguiu a muito custo e atravez dos
maiores perigos, retirar-se para a Asia (466) onde o Rei da Persia o
recebeu com a maior consideração dando-lhe por apanagio tres cidades da
Asia-Menor. O fim da sua vida foi obscuro.


*Cimon e a grandeza maritima de Athenas.*--A Pausanias succedeu Cimon,
filho de Milciades, no commando em chefe dos confederados. Era da facção
dos Eupatridas, que o oppunham a Themistocles. Comtudo, apezar de
aristocrata e apoiado por elles, estava-lhe reservado o fazer triumphar
por toda a parte a influencia da democracia atheniense; imbora
adversario de Themistocles, coube-lhe o papel de realizar o pensamento
patriotico d'este grande homem.

Começou por expulsar os Persas da sua ultima estação na Thracia, e
conquistou o littoral onde os Athenienses então fundaram Amphipolis;
expulsou os piratas da ilha de Scyros dividindo a ilha por colonos
athenienses; percorreu como vencedor as costas da Caria e da Lycia,
libertando do dominio asiatico as cidades gregas. Ganhou (em 466) duas
batalhas no mesmo dia (uma terrestre, outra naval), nas margens do
Eurymédon, o que assegurou a Athenas o imperio do mar, e tentou uma
brilhante expedição contra a ilha de Chypre (460), para arrancál-a aos
Persas. Em 458 foi votado ao ostracismo, pelas suas opiniões
aristocraticas, que o levaram a oppôr-se ao movimento progressivo da
democracia na cidade. Morreu em Chypre, em 449.


*Athenas até á paz de Pericles.*--Na lucta com a Persia crescia o poder
atheniense, sem proveito particular para os outros povos alliados.
Começaram estes a mostrar o seu descontentamento, que Cimon explorou com
habilidade summa. Levou-os a substituir o seu contingente de soldados e
de marinheiros por um augmento de contribuição para o cofre da Liga em
Delos, e a intregarem-lhe as suas galeras vazias. D'este modo
desarmou-os, transformando-os de alliados e de confederados em
tributarios e em vassallos. Deixou até de os consultar, transportou para
Athenas o thesouro hellenico, e dilatou a sua influencia energica até ao
governo interno das cidades.

_Naxos_ revoltou-se (463), mas foi castigada e teve de supportar o
estabelecimento de uma colonia atheniense; a ilha de _Thasos_ perdeu os
seus navios, as suas ricas minas de oiro nas costas da Thracia, e a sua
independencia; _Egina_ foi conquistada (457) depois de uma grande lucta,
os seus habitantes expulsos e ella repovoada por colonos atticos;
_Mégara_ cahiu tambem na dependencia de Athenas; _Carystos_, na Eubéa,
teve a mesma sorte.

Os Espartanos, ciosos da preponderancia dos seus rivaes, preparavam-se
para guerreál-os, apezar da lucta em que andavam com Argos e outras
cidades do Peloponeso, quando uma serie de calamidades os feriu. Um
espantoso terramoto, que abalou, a Arcadia e a Laconia, precipitou sobre
Esparta um grande desmoronamento do monte Taygeto (465). A maior parte
da cidade ficou em ruinas, perecendo vinte mil pessoas.

Os hilotas, crendo favoravel o momento para a sua emancipação, atacaram
os sobreviventes, mas foram repellidos. Dispersando-se e fugindo,
ligaram-se com os Messenios que, revoltando-se de novo, se
intrincheiraram no monte Ithoma, começando uma _terceira guerra de
Messenia_, a qual durou dez annos (464-454).

Foi só depois de finda esta guerra, que os Espartanos puderam voltar as
suas attenções para Athenas. Invadiram a Héllada com um formidavel
exercito, sendo o seu fim contrabalançar a influencia de Athenas com o
restabelecimento da hegemonia de Thebas sobre as cidades beócias, a qual
tinha sido anniquilada durante as Guerras Persicas.

Ganharam a victoria de _Tanagro_ (456) contra os Athenienses,
commandados por Pericles. Mas, dois mezes depois, Myronidas inutilizou
todas as vantagens adquiridas pelos Espartanos, ganhando a batalha de
_OEnophyta_,--batalha que tornou os Athenienses senhores da Phocida, da
Locrida e da Beocia.

Chegára, assim, Athenas ao apogeu da grandeza, d'onde em breve tinha de
cahir, porque a propria extensão das suas possessões lhe havia de ser
fatal. Romperam dissidencias entre Athenas e Esparta, por causa da
intendencia no Templo de Apollo. Os Espartanos queriam-n'a para os de
Delphos, seus alliados; os Athenienses, alliados dos Phocidios,
sustentavam as pretenções d'estes, os quaes as fizeram triumphar pelas
armas. Um exercito espartano restituiu o templo aos primeiros; um
exercito atheniense, commandado por Pericles, retomou-o para os segundos
(448). Estas excursões guerreiras dos dois povos dominantes, atravez da
Beocia, accenderam os odios dos partidos; e os exilados beocios da
facção aristocratica puzéram-se em campo, chegando a apossar-se de
várias cidades. _Tolmidas_, general atheniense, atacou-os com pequenas
forças, e foi completamente desbaratado na batalha de _Choronea_ (447).
A Beocia cahiu, de novo, sob o poder de Thebas; Mégara e a Eubéa
revoltaram-se, e um exercito espartano, atravessando o isthmo, chegou
ameaçador ás fronteiras da Attica. Pericles comprou a pezo de oiro o
general lacedemonio; e concluiu com elle um tratado em virtude do qual
Athenas, para não perder a Eubéa, restituiu todos os pontos de que se
havia apossado nas costas do Peloponeso.

As duas cidades rivaes ajustaram uma tregua de 30 annos (445),
garantiram mutuamente as suas hegemonias. Assim ficou Esparta com a
preponderancia continental; Athenas, com o dominio do mar.




CAPITULO VII

O SECULO DE PERICLES


Pericles, grande estadista e guerreiro, que nasceu em 494 A. C., era
filho de Xantippo, o vencedor dos Persas em Mycale. Apezar da sua
ascendencia nobre, adoptou os principios democraticos e poz-se á frente
do partido popular.

Em 461 começou a apparecer nos negocios publicos, e induziu o orador
Ephialtes a propôr um decreto que arrancava ao areopágo as suas mais
importantes attribuições para as transferir para o povo, despojando
assim aquelle supremo conselho da nobreza, de todo o seu poder moral e
dos seus privilegios aristocraticos, transformando-o n'um simples
tribunal de jurisdicção muito limitada. O decreto foi approvado; e
quando Cimon, ao regressar de uma das suas expedições, tentou operar uma
contra-revolução a favor da aristocracia, o povo votou-o ao ostracismo,
como já dissémos.

Foi discipulo, em dialectica, de Zénon d'Eléa; e de Anaxagoras, nas
altas concepções philosophicas,--adquirindo nos habitos serios de um
estudo profundo e de uma reflexão aturada, uma certa majestade grave e
serena, que em todas as suas palavras e em todos os seus actos
transluzia, a ponto dos seus contemporaneos lhe darem o qualificativo de
_Olympico_.

Pela morte, de Cimon, Pericles ficou em Athenas com um ascendente
incontestado e absoluto. O seu governo foi uma verdadeira dictadura. Sob
o titulo de _stratégo_ (general) annualmente eleito, sem nenhuma outra
dignidade (pois ha duvidas até sobre se alguma vez foi archonte), tomou
a direcção de todos os negocios, e exerceu com nobreza e rectidão uma
auctoridade cuja extensão podia ser um perigo.

Conservou as fórmas republicanas do governo e não reprimiu os habitos da
liberdade. Os poetas comicos e muitos philosophos, todos partidarios da
aristocracia, chegavam a diffamar Pericles, nas suas peças e nas suas
licções, sem nenhum receio de repressão para os abusos da sua critica.
As magistraturas, em logar de serem dadas pelo suffragio, como até ahi,
passaram a ser distribuidas pela sorte, processo mais democratico,
porque deixava os cargos abertos a todos, ao passo que a eleição, imbora
exercida pelo povo, os fazia recahir sempre nos grandes. Este systema de
sorte não tinha inconvenientes em uma sociedade constituida como o era a
atheniense. Aqui, os cidadãos (isto é, os athenienses de condição livre)
não passavam de uns vinte mil, e constituiam uma verdadeira aristocracia
popular, na qual todos os membros tinham sensivelmente a mesma educação
politica, e estavam nas circumstancias de desimpenhar os mesmos cargos.
Conservou-se, porêm, o processo da eleição para a nomeação dos
stratégos, cujas funcções eram muito importantes, e comprehendiam todos
os negocios militares, e todas as relações da politica externa. E, com
respeito aos archontes e aos senadores, a sorte só podia exercer-se
entre os que se apresentavam candidatos, os quaes se submettiam a um
rigoroso exame prévio.

Attribuiu a gratificação de tres óbolos diarios a todo o cidadão que nas
assembléas judiciarias e nas politicas tomasse assento, consagrando o
seu tempo ao estudo e á regularização das questões ahi apresentadas e
debatidas. Augmentou o estipendio dos soldados e dos marinheiros;
ordenou distribuições gratuitas de trigo ás classes pobres; tomou a
cargo da cidade a educação dos filhos d'aquelles que morriam pela
patria; arbitrou soccorros periodicos aos invalidos e infermos; etc.
Inviou colonos para muitos pontos da Asia e das ilhas, dando-lhes terras
e conservando-lhes os seus direitos de cidadãos de Athenas; decretou
grandes solemnidades nacionaes, festejos publicos para regosijo e
illustração do povo; finalmente, cobriu Athenas com os mais sumptuosos e
bellos monumentos que jámais se edificaram, alguns dos quaes estão ainda
de pé, attestando a sua magnificencia primitiva debaixo das mutilações
que os tempos lhes trouxeram.

Como os rendimentos da Attica não podiam chegar nem para o centesimo do
custo de tantas obras primas, Pericles não hesitou em lançar mão das
contribuições que os alliados derramavam no thesouro commum, e cujo fim
era assegurarem, em caso de ataque, a defesa dos interesses geraes das
cidades confederadas. Este proceder infiel, que a posteridade quasi não
teve animo de estigmatizar, em vista das maravilhas artisticas a que deu
origem, foi um aggravo que as cidades juntaram a muitos outros já
recebidos de Athenas, e que com elles concorreu para a queda d'esta
potencia oppressora.

Pericles commetteu um grande erro mandando fazer o recenseamento dos
verdadeiros cidadãos da Attica, excluindo d'esta classe todos os que não
eram filhos de pae e mãe athenienses. Cinco mil habitantes perderam
assim os seus direitos politicos.

É prodigioso o esplendor das artes na Athenas de Pericles. Atravez dos
seculos ficou deslumbrando o mundo o sol de civilização que d'alli
irradiou. Nomes immortaes, como os de nenhum outro povo, attestam a
preeminencia da raça hellenica em todas as concepções do espirito, e dão
lustre inolvidavel aos tempos que, por toda a posteridade, ficaram
consagrados com o nome de _seculo de Pericles_.

Nas bellas artes monumentaes e decorativas basta citarmos os nomes de
_Phidias_, de _Ietino_, de _Mnesicles_, de _Zeuxis_ e de _Parrhasio_; na
poesia dramatica _Sophocles_ e _Euripides_ (_Eschylo_ foi um pouco mais
antigo); na comedia politica e satyrica _Aristophanes_; na historia, na
philosophia, etc., _Herodoto_, _Socrates_, _Anaxagoras_, _Hippocrates_,
e tantos outros, logo pouco depois seguidos de _Aristoteles_, _Platão_,
_Xenophonte_, _Thucydides_!




CAPITULO VIII

GUERRA DO PELOPONESO


*Desde a revolta de Corcyra até á paz de Nicias.*--A tregua de trinta
annos celebrada, em 445, entre Esparta e Athenas, não poude durar mais
de quatorze. Em 436, rebentou uma guerra entre Corintho e Corcyra, sua
colonia, na qual Athenas tomou o partido d'esta contra a metropole. Ao
mesmo tempo, os Athenienses tinham tornado tributaria a colonia
corinthia de Potidéa, na Macedonia, e n'esse momento lhe estavam pondo
cêrco por ella, confiada no apoio do Peloponeso, negar-se a pagar-lhe
tributo (432).

Corintho, Esparta e as cidades do Peloponeso accusaram Athenas de ter
rompido as treguas, e de opprimir os seus alliados. Estavam em presença
duas ligas hostis: uma, a _liga atheniense_, na qual intravam as
colonias jonias e a maior parte das ilhas (Lesbos, Chios, Samos, etc.),
apoiada pelo partido democratico de todas as cidades e firmando o seu
poder material principalmente na sua marinha; outra, a _liga
peloponesica_, a cuja frente estava Esparta, e que se compunha dos
Estados doricos e da maior parte dos Estados eolios (Beocia, Phócida,
etc.), tendo pelo seu lado o partido aristocratico das differentes
cidades, e contando, como principal recurso material, com a bravura do
exercito de terra.

Reunida a dieta geral do Peloponeso, em Esparta, os Corinthios
apresentaram as suas recriminações, em virtude das quaes os Lacedemonios
reclamaram de Athenas o levantamento do cêrco de Potidéa, o da
interdicção pronunciada contra Megara, e a restituição da liberdade a
todos os confederados, mórmente aos Eginetas. Como os Athenienses não
satisfizessem nenhuma d'estas exigencias, um exercito espartano invadiu
a Attica e devastou-a.

Ao principio a lucta foi-se protrahindo n'uma série de escaramuças e
surpresas de saque. Todos os annos, pela primavera, os de Esparta vinham
devastar a Attica, e a esquadra atheniense andava exercendo as suas
rapinas pelas costas do Peloponeso. Ao terceiro anno de guerra, uma
peste horrivel, vinda das bandas da Ethiopia, dizimou a população
accumulada em Athenas. Pericles, depois de perder dois dos seus filhos,
cahiu, tambem, fulminado pelo flagello (429).

O partido popular deu-lhe para successor Cléon, por nenhum modo capaz de
se comparar a Pericles,--mas dotado, ainda assim, de talentos
administrativos, e de patriotica energia. A guerra continuou. Athenas
viu a destruição de Platéa, sua fiel alliada, pelos Espartanos e pelos
Beocios, os quaes assassinaram os habitantes capazes de pegar em armas e
reduziram á escravidão as mulheres e as creanças. Os Athenienses tomaram
a ilha de Lesbos onde exerceram represalias crueis: no primeiro momento
queriam matar todos os habitantes de Mitylene (427), reduzindo á
escravidão as creanças e as mulheres; depois, reconsideraram, e
condemnaram á morte mil revoltosos. A lucta tomára o caracter de uma
vingança horrorosa.

No sexto anno da guerra, a peste reappareceu, e houve, grandes
terremotos na Attica, na Beocia, e nas ilhas. Em 424, Brasidas, illustre
general lacedemonio, consegue intrar em Amphipolis e faz pender as
vantagens para o lado de Esparta; mas Demosthenes (não é o orador),
general atheniense, contrabalança este exito do seu adversario,
apoderando-se da importante posição de Pylas (Navarino), na costa da
Messenia, onde se mantêm, apezar dos ataques de Brasidas, o qual não
poude conseguir mais, para inquietar o inimigo, do que desimbarcar
quatrocentos e vinte Espartanos na pequena ilha de Sphacteria, onde,
depois de uma defesa pertinaz, foram uns mortos, outros aprisionados por
Cléon (425).

Admittia-se, desde as Thermopylas, que os Espartanos podiam ser mortos,
mas nunca aprisionados, de modo que o resultado da lucta em Sphacteria
produziu um grande effeito moral nos Athenienses. Os Espartanos começam
a sentir uma série de revezes: perdem Cythera e outras posições
importantes, vêem devastada a Laconia, teem de reprimir as insurreições
dos Messenios e dos Hilotas, assistem a novas vantagens ganhas pelos
Athenienses, e, vendo o Peloponeso como que bloqueado por estes, perdem
a força moral e mandam implorar a paz, que lhes é affrontosamente
recusada.

Em breve, porêm, a fortuna das armas muda de rumo. Os Athenienses são
vencidos pelos Beocios em Delio; Brasidas, apoiado pelo Rei da
Macedonia, Perdiccas, foi combater as colonias athenienses á Thracia e á
Chalcidica, para ferir Athenas no seu poder maritimo, cortando-lhe as
suas relações com os povos que lhe forneciam a cordoalha dos seus navios
e as madeiras de construcção. O partido da paz, isto é, o partido
aristocratico, tendo á sua frente _Nicias_, começou depois d'isto a
crear preponderancia. Mas Brasidas e Cléon eram intransigentes e
apoiavam a guerra a todo o transe. Em 421, Brasidas tomou Amphipolis,
que os Athenienses perderam pela negligencia de Thucydides, tão mau
general como grande historiador.

Cléon apresenta-se deante da praça para reconquistál-a aos Lacedemonios.
Dá-se uma batalha, em que os Athenienses são vencidos, mas na qual os
dois generaes perdem a vida, terminando assim os dois principaes
obstaculos que havia contra a paz. Então os partidarios da paz adquirem
de novo a superioridade, e conclue-se a _paz de Nicias_, pela qual foi
garantida uma tregua de armas de cincoenta annos.

A tregua foi observada na apparencia durante uns septe annos, mas de
facto rompida um anno depois da conclusão do tratado.


*Alcibiades.*--Os Corinthios, vendo que se concluira a paz entre Esparta
e Athenas, sem contar com elles nem com os outros Estados secundarios,
indignaram-se contra Esparta, e, ligando-se com Argos e algumas cidades
da Arcadia, resolveram tirar a Esparta a hegemonia do Peloponeso.
Deu-lhes o seu apoio o atheniense _Alcibiades_, sobrinho de Pericles e
discipulo de Socrates, homem com admiraveis dotes naturaes, riquissimo,
formoso, espirituoso, sabio, eloquente, mas tambem ambicioso, desleal,
corrompido, sem fé nem convicções, indifferente para tudo,--n'uma
palavra, o mais brilhante, mas tambem o mais immoral e o mais perigoso
cidadão de uma republica.

Logo que se involveu nos negocios do Peloponeso determinou uma guerra
entre os Espartanos e os confederados. D'esta lucta sahiu Esparta
victoriosa na batalha de Mantinéa (418). Apresentando-se como adversario
de Nicias, chefe da aristocracia e do partido da paz, fez isso menos por
suggestão da consciencia do que para explorar em proveito da propria
ambição os sentimentos bellicosos das classes mais baixas.

Decidiu, com a sua eloquencia, os Athenienses a imprehenderem uma
expedição contra a Sicilia, da qual teve o commando juntamente com
Lamacho e Nicias. O pretexto era soccorrer Segesto contra Selinonte e
Syracusa; o fim verdadeiro da expedição, ferir as colonas doricas e
cosquistar as ricas cidades gregas da Sicilia. A impresa malogrou-se. Na
vespera da partida da esquadra (415) appareceram mutilados durante a
noite, em toda a cidade, os Hermes ou bustos de Mercurio. Os inimigos de
Alcibiades atribuiram-lhe este sacrilegio, bem como o de ter profanado
os mysterios de Elensis; e, transformando as suas suspeitas n'uma
accusação capital, revocaram-n'o, mal elle tinha chegado á Sicilia, afim
de ser julgado no tribunal. Segundo o relatorio apresentado pelo orador
Andocides, aquelle sacrilegio fôra uma conspiração secreta contra a
constituição democratica, e como suspeitos de cumplicidade n'elle foram
presos e condemnados á morte muitos cidadãos respeitaveis. Alcibiades,
temendo a mesma sorte, expatriou-se, e, sendo condemnado, retirou-se
para Esparta, onde, por vingança, premeditou a ruina da sua patria, e
determinou os Espartanos a renovarem a guerra. Por conselhos d'elle, os
inimigos de Athenas apossaram-se da forte posição de Decelia, na Attica,
e resolveram-se a soccorrer os Gregos da Sicilia, onde Nicias,
contrario á guerra, conduzia as operações frouxamente. Gylippo, habil
general espartano, foi em soccorro de Syracusa e deu um golpe fatal nos
Athenienses, que cercavam a cidade. Lamacho morreu (414) com uma grande
parte dos hoplitas; a propria esquadra atheniense foi toda destruida
pelos navios mais poderosos dos Syracusanos e dos Corinthios; Nicias e
Demosthenes foram decapitados em Syracusa ás mãos do algoz; os que não
morreram com as armas na mão, foram condemnados a uma escravidão
durissima (413).

Em Athenas, ao saber-se d'estes desastres, quasi todas as familias
vestiram lucto; os confederados athenienses desligaram-se da cidade
feliz e procuraram o apoio de Lacedemonia; um exercito espartano,
intrincheirado em Decelia, fechava as communicações; uma esquadra
espartana, commandada por Tissaphernes, governador da Asia-Menor, em
nome dos Persas, atacava as forças navaes de Athenas; a Eubéa cahiu no
poder das forças do Peloponeso; e, dentro de Athenas, um partido
oligarchico, dirigido por _Pisandro_, procurava derrubar a constituição
democratica, de intelligencia com Esparta. Para isso, instituiu um
_conselho dos quatrocentos_ que a si mesmo se elegia, limitou a
communidade do povo a cinco mil cidadãos, que nunca foram convocados
para o exercicio dos seus direitos civis.

A esquadra atheniense, do commando de _Thrasybulo_, que estava em Samos,
pronunciou-se contra esta revolução e manteve a antiga ordem de coisas.
Alcibiades, a esse tempo descontente com os Espartanos, retirou-se para
a Asia, chamou aos seus interesses Tissaphernes, tomou o commando da
esquadra de Samos, ganhou proximo de _Cyzico_ (410) e em mais dois
combates gloriosas victorias contra os Lacedemonios, apoderou-se de
Byzancio, de Chalcedonia, e de outros pontos da costa, e estabeleceu no
Hellesponto um direito de navegação que fez affluir um novo rendimento
para Athenas.

Alcibiades, amnistiado e glorificado por um decreto publico, introu em
Athenas como triumphador, foi nomeado generalissimo do exercito e da
esquadra, e o povo atirou ao mar as tábuas onde as suas faltas estavam
inscriptas. Partindo para a Asia, afim de completar a submissão das
antigas possessões athenienses e de bater a esquadra inimiga, foi
infeliz n'uma impresa contra a ilha d'Andros. Durante uma ausencia sua,
um de seus immediatos foi derrotado nas alturas de Epheso (407) pela
esquadra de Lacedemonia, commandada por Lysandro. Os Athenienses,
tristemente impressionados com estes revezes, retiraram o commando a
Alcibiades e nomearam, para o substituir, dez generaes, entre os quaes
se contava _Conon_. Então Alcibiades, reunindo alguns mercenarios
extrangeiros, retirou-se para as fortalezas que mandára construir na
Thracia, e d'alli começou a fazer guerra por sua propria conta, como um
aventureiro.

Os Espartanos, commandados por _Callicratidas_, atacaram Lesbos e
bloquearam os navios athenienses no porto de Mitylene. De Athenas foi
uma nova armada em soccorro da primeira. Travou-se um grande combate
naval proximo das ilhas _Arginusas_ (406), onde Callicratidas, successor
de Lysandro, ficou morto. A victoria decidiu-se afinal pelos
Athenienses.

Seis dos generaes vencedores foram condemnados á morte pelo povo, não só
por terem deixado de recolher os cadaveres dos seus mortos (o que era um
sacrilegio para as idéas religiosas dos Gregos), como tambem por terem
deixado perecer sem soccorro as tripulações de 25 triremes desamparadas
durante o combate e batidas pela tempestade.


*Queda de Athenas.*--Depois da derrota e morte de Callicratidas, Esparta
restituiu a Lysandro o commando da esquadra. O almirante espartano soube
conciliar habilmente o favor de _Cyro_ «_o Moço_» governador da
Asia-Menor, e com o auxilio dos Persas augmentou as forças navaes de
Lacedemonia. Percorreu audazmente todo o Mar Egeu, tomou Lampsaco, e
surprehendeu a esquadra atheniense ancorada em _Ægos-Potamos_ («_Rio das
Cabras_»); na costa do Hellesponto, não longe de Sestos. Só pudéram
escapar oito navios athenienses que Conon salvou em Chypre, e um bom
veleiro, o _Paralos_, que levou a triste noticia a Athenas (405). Assim
acabou o predominio maritimo e a grandeza politica d'esta cidade.

A batalha de Ægos-Potamos foi uma horrorosa carnificina. Os marinheiros
e soldados athenienses estavam na maior parte desimbarcados, em jogos e
distracções, quando foram surprehendidos. Os navios eram capturados e
destruidos quasi sem resistencia. Tres mil Athenienses, com muitos dos
seus chefes, foram, em seguida, conduzidos a Lampsaco e sacrificados á
vingança dos Espartanos.

Lysandro percorreu em seguida todas as cidades maritimas da obediencia
de Athenas, nenhuma das quaes ousou resistir-lhe, destruindo n'ellas os
governos democraticos e substituindo-os por oligarchias. Depois atacou
Athenas pelo lado do mar, emquanto pelo lado de terra a cercavam os reis
espartanos Agis e Pausanias. A grandiosa cidade, digna de melhor sorte,
dilacerada internamente pelo furor dos partidos, prolongou quanto poude
a sua defesa heroica; mas, porfim, nos apertos da fome, teve de
render-se sem condição (404).

Os vencedores impuzéram-lhe:--a demolição dos seus muros e das
fortificações do Pireo; a intrega de todos os navios, exceptuando doze
galeras, limite maximo a que ficava reduzida a sua marinha; a evacuação
de todas as cidades conquistadas; o regresso dos exilados amigos de
Esparta; o pagamento de um tributo annual; a abolição da constituição
democratica, e a sua substituição pela oligarchia dos _trinta tyrannos_.

Para a humilhação ser mais completa, as galeras athenienses foram
queimadas, e as muralhas bem como as fortificações foram arrasadas ao
som de flautas, no meio de chascos grosseiros, e em presença de todos os
alliados de Esparta coroados de flores.




CAPITULO IX

TYRANNIA DOS TRINTA EM ATHENAS. RESTABELECIMENTO DA DEMOCRACIA


A administração do governo atheniense foi confiada por Lysandro a 30
membros da nobreza, alliados de Esparta, os quaes receberam a missão de
organizar o Estado no sentido aristocratico por meio de leis novas.
Estes oligarchas, a cuja frente estava _Critias_, ficaram conhecidos
pelo nome de _trinta tyrannos_; e o seu governo foi um verdadeiro
periodo de terror; tantas foram as crueldades e prepotencias por elles
practicadas, não só contra os democratas, mas até mesmo contra os
aristocratas mais moderados. Só tres mil cidadãos gozavam do direito de
burguezia, e os _trinta_ chegaram a decretar que só os _tres mil_
poderiam habitar em Athenas, sendo banidos os outros cidadãos. As
diversas cidades regurgitavam de proscriptos athenienses.

Thrasybulo, chefe dos democratas, e um dos heroes da grande guerra,
imprehendeu libertar a cidade. Sahiu de Thebas com um punhado de
proscriptos, e intrando na Attica, onde se apossou de uma pequena
fortaleza, repeliu dois ataques dos Trinta e dos Lacedemonios,
surprehendeu de noite o Pireu e conseguiu chamar os oligarchas ao
combate. Critias morreu combatendo; os outros tyrannos retiraram-se para
Eleusis, com permissão de Thrasybulo, que restabeleceu a constituição
democratica e promulgou uma amnistia, restituindo d'este modo a
tranquillidade ao Estado. Athenas offertou ao seu libertador a corôa de
oliveira.


*Socrates.*--N'estes desgraçados tempos viveu o grande philosopho
Socrates, um dos maiores nomes da historia da humanidade. Nascido em
469, pagou á patria o seu tributo de sangue combatendo em Potidea, em
Amphipolis e em Delion. Na primeira d'estas batalhas salvou a vida a
Alcibiades, na ultima ao moço Xenophonte. Não é aqui logar para expormos
as suas idéas philosophicas, na manifestação das quaes empregava um
methodo interrogatorio, que ficou celebre com a designação de _ironia
socratica_.

Em 399, a democracia atheniense, usando de uma intolerancia que para
sempre a maculou, instaurou processo a Socrates pelas suas opiniões
religiosas e pela sua propaganda politica; e este grande homem foi
condemnado a beber a cicuta, morrendo com admiravel serenidade.




CAPITULO X

HEGEMONIA DE ESPARTA


Vencida Athenas, os Espartanos procuraram completar a sua hegemonia
sobre as ilhas e as cidades do litoral, conquistando a soberania do mar.
Apoderaram-se de Samos, obrigando os cidadãos a emigrar e a abandonarem
as suas riquezas; tiraram aos habitantes de Chio os seus navios, e
mataram por traição 80 democratas de Mileto; subjugaram Elis; expulsaram
novamente de Naupacta os infelizes Messenios; lançaram pezadissimos
impostos ás cidades maritimas e substituiram em toda a parte as
constituições democraticas pela sua organização aristocratica. Com as
contribuições formaram o seu thesouro publico; as populações do
Peloponeso forneciam-lhe soldados; as das cidades do litoral e das
ilhas, esquadras e marinheiros.

O seu dominio era mais oppressor para os povos subjugados do que fôra o
de Athenas, mais duro, mais cruel, e sem ter ao menos a compensação de
manter n'uma alta esphera intellectual a cultura dos espiritos. Era a
prepotencia da força, o desprezo da justiça, o anniquilamento do
direito. Era a decadencia inexoravel, sem remedio.

Decadencia em tudo, rapida, nas instituições, na grandeza, na
civilização, no prestigio! Os éphoros tinham usurpado a auctoridade
toda; os reis estavam reduzidos á condição de uns simples generaes
hereditarios; uns mil cidadãos, quando muito, constituiam toda a
oligarchia soberana. A propriedade estava em meia duzia de mãos; as
classes servis, cada dia mais numerosas, principiaram a conhecer a força
de que poderiam dispôr contra os seus oppressores, se conseguissem
unir-se.

De toda a Grecia, apenas Argos, Corintho, Thebas, e a Etolia, não
reconheciam o jugo terrivel de Esparta, e em breve haviam de ser o
nucleo de uma formidavel coalisão.


*A retirada dos Dez Mil.*--No throno da Persia tinham-se succedido, a
Xerxes, Artaxerxes Longomano (465-424), Xerxes II e Sogdiano (424),
Dario II Nothos (ou o Bastardo) (423-404), e Artaxerxes II Mnémon, que
deu a satrapia da Asia-Menor a seu irmão Cyro «o Moço». Este,
pretendendo ter mais direitos ao throno do que seu irmão, intentou
arrancar-lhe o poder; e, para isso, juntou um formidavel exercito, no
qual tomou a seu soldo treze mil mercenarios gregos, tropas que lhe foi
facil juntar, pois com o termo da grande guerra muitas forças militares
estavam desoccupadas.

Esparta, pelo seu lado, tinha interesse em favorecer a guerra civil na
Persia, como uma garantia da sua propria tranquilidade e segurança do
seu dominio; e por esse motivo não só permittiu o levantamento das
tropas, como tambem poz á disposição de Cyro 25 galeras e um corpo de
septecentos hoplitas.

Cyro invadiu a Persia, penetrou até ás portas de Babylonia; e ahi, na
planicie de _Cunaxa_, travou-se uma grande batalha, na qual os Gregos
ficaram victoriosos, mas onde o régio aventureiro foi morto (401).

Cercados por todos os lados, os Gregos começaram a sua famosa retirada.
_Clearoo_, seu general, e outros officiaes, foram aleivosamente
assassinados n'uma conferencia a que os Persas os convidaram; mas o
atheniense _Xenophonte_, que tinha tomado parte, como voluntario, na
campanha, poz-se á frente das tropas, e, de accordo com o espartano
_Cheirisopho_, conduziu-as; no meio das mais incriveis difficuldades,
atravez de quatrocentas leguas de paiz inimigo, por meio das montanhas
impracticaveis da alta Mesopotâmia, da Armenia e do Ponto, até ás praias
do Mar Negro. Quinze mezes durou esta extraordinaria operação militar,
assignalada por cem combates, realizada por um punhado de homens, sem
conhecimento do paiz nem da lingua, sem guias, passando a vau torrentes
impetuosas, subindo cerros escalvados, atravessando vastidões
inhospitas, cobertas de neve espessa, soffrendo toda a especie de
privações, acossados de perto pelos inimigos, inquietados a todo o
momento pelos habitantes.

A retirada dos Dez Mil foi um dos maiores feitos militares da
Antiguidade, e immortalizou duas vezes Xenophonte, como capitão e como
historiador. A _Anabasis_ (ou a narrativa da expedição de Cyro «o Moço»
contra a Persia e do regresso do exercito grego sob o commando do
proprio historiador) é a melhor obra de Xenophonte.


*Expedição de Agesiláu.*--Os Persas, irritados com os factos que
acabamos de narrar, e pretendendo vingar-se, procuraram submetter de
novo as cidades jonias do littoral, que eram então tributarias dos
Espartanos. Estas pediram auxilio a Esparta, que lhes mandou um
exercito, cujas vantagens ao principio foram insignificantes; mas depois
mudaram as coisas de feitio quando o rei Agesiláu (398-361) tomou o
commando da expedição.

Agesiláu devastou a Phrygia, a Bithynia, a Caria, a Lydia; venceu perto
de Sardes (396) o satrapa Tissaphernes, e outros governadores persas em
diversos combates; inriqueceu de magnificos despojos os seus soldados. E
preparava-se para chegar até ao coração do Imperio pelo caminho traçado
pelos Dez Mil, quando recebeu ordem terminante de regressar a Esparta.
Eram os Persas que tinham suscitado a Esparta uma guerra no interior da
Grecia, e Agesiláu tinha de correr em auxilio da patria ameaçada.


*Guerra Corinthia.*--Incitada pelo oiro dos Persas, mas principalmente
pela tyrannia espartana, Thebas foi a primeira cidade a insurgir-se
contra a supremacia de Esparta; com ella se ligaram Corintho, Argos,
Athenas, e a Thessalia. Lysandro, que partiu immediatamente para a
Beocia, afim de remover o perigo imminente, foi vencido e morto na
batalha de Haliarte (395). N'isto chegou Agesiláu, a tempo de ganhar
sobre os alliados a _batalha de Coronea_ (394).

A Persia deu ao atheniense Conon uma esquadra phenicia, com a qual foi
destruida, em frente de Cnido, a armada lacedemonia. Esparta perdia o
dominio do mar, e Athenas concebia a esperança de rehavêl-o, sendo esse
o pensamento de Conon. Este restituiu a independencia ás ilhas de Chios,
de Lesbos, de Samos, expulsou os governos oligarchicos impostos pelos
Espartanos, e, auxiliado pela Persia, effectuou o restabelecimento das
fortificações da cidade e do porto de Athenas, e a construcção de mais
navios.

A republica atheniense, sentindo-se renascer, inviou Thrasybulo com uma
esquadra para reduzir Byzancio, o que elle fez, sendo, porêm, morto na
Pamphylia; mas, ao mesmo tempo, Athenas commetteu um grande erro,
soccorrendo Evagoras, rei de Chypre, contra os Persas, o que lhe retirou
a protecção d'estes, inclinando-os de novo para o lado de Esparta.

Por outro lado, Iphicrates, atheniense, general muito habil, fundou uma
tactica nova, servindo-se de soldados armados á ligeira e dando aos
hoplitas uma organização e um armamento mais nacionaes. Assim conseguiu
derrotar completamente n'um recontro a infantaria, até ahi invencivel,
de Lacedemonia.

Esparta atemorizada com as vantagens dos Athenienses, tanto no mar como
na terra, negociou com o grande rei o vergonhoso _tratado d'Antalcidas_.


*Paz d'Antalcidas.*--Por este tratado (387) foram submettidos aos Persas
os Estados Gregos do continente asiatico com a ilha de Chypre,
conservadas a Athenas as ilhas de Lemnos, de Imbros e de Scyros, e
reconhecidas como independentes umas das outras todas as cidades da
Grecia. Argos e Thebas, que se recusavam a obedecer ao tratado, foram a
isso constrangidas por Esparta.

Por este tratado, imposto á Grecia por um monarcha extrangeiro, as
costas occidentaes da Asia-Menor foram para sempre arrancadas ao dominio
hellenico, todas as ligas foram dissolvidas, todas as confederações
desmembradas, ficando assim destruidos todos os centros de força e de
vida collectiva.




CAPITULO XI

DECADENCIA DE ESPARTA. HEGEMONIA DE THEBAS


Pela paz d'Antalcidas tornou a affirmar-se a preponderancia de Esparta,
mas por pouco tempo. A orgulhosa cidade, oppressora e despotica,
principiou por conquistar e destruir _Mantinéa_ (386) qua se não
submettia ao jugo com a exigida complacencia; depois inviou novamente
para todas as cidades os seus partidarios aristocraticos, carregando-os
de honras e poder. A cidade grega de Olyntho, na Macedonia, formava com
outras cidades proximas uma liga, a _confederação chalcidica_. Os
Espartanos prohibiram essa liga como contraria á paz d'Antalcidas.

Os Olinthos não quizeram dissolvêl-a (382); e por isso viram o seu
territorio invadido pelos Espartanos que lhes puzéram cêrco á cidade e
os obrigaram a submetter-se depois da uma lucta de tres annos.

Em 380, o general lacedemonio, _Phebidas_, atravessando a Beocia,
ligou-se com os chefes do partido aristocratico de Thebas para os ajudar
a derrubar o partido democratico, e tomou de surpresa a Cadmea ou a
cidadella, com desprezo de todos os direitos. Tres annos depois,
_Pelopidas_ surprehendeu a seu turno a Cadmea, libertou-a, e reuniu toda
a Beocia n'uma alliança commum (379).

Os Athenienses alliam-se então com as Thebanos, e uns e outros conseguem
tirar grandes vantagens contra Esparta, na terra e no mar. Na recontro
de Tegyra (375), forças inferiores dos alliados derrotam a temivel
infanteria dos Lacedemonios. Um certo numero de ilhas e de Estados
maritimos, taes como Chios, Rhodes, Samos, Mitylene, formam uma segunda
_liga atheniense_; a victoria do atheniense _Chabrias_, proxima de
Naxos, em que toda a esquadra espartana foi anniquilada, restituiu a
Athenas a supremacia maritima.

Juntamente com Pelopidas dirigia os negocios em Thebas um dos maiores
homens da Antiguidade, _Epaminondas_. Pelopidas tinha estabelecido o
_batalhão sagrado_, corpo em que os guerreiros eram unidos pelos laços
da amizade mais apertada; e Epaminondas introduziu uma nova tactica, a
ordem de batalha obliqua. Graças aos seus esforços combinados, foram
reduzidas á submissão as cidades menores da Beocia e destruidas Thespia
e Platéa (374).

Athenas, descontente com o Engrandecimento e a ambição de Thebas,
concluiu pazes com Esparta. Thebas foi intimada a dissolver a sua liga
recente e a libertar as cidades confederadas. Epaminondas, negando-o
formalmente, viu os Lacedemonios invadirem o territorio thebano. Marchou
ao incontro d'elles, levando Pelopidas debaixo do seu commando, e
derrotou-os completamente na memoravel batalha de Leuctra, na qual
terminou todo o prestigio militar dos Espartanos (371).

Epaminondas ingrossou o seu exercito com as forças que lhe inviaram
quasi todos os povos do norte da Grecia, atravessou o isthmo de Corintho
em 369, penetrou na Laconia, desceu o valle do Eurotas e chegou até á
planicie de Esparta a apresentar batalha ao velho rei Agesiláu. Este
conservou-se habilmente na defensiva, com as suas tropas em posições
fortissimas, d'onde o general thebano não poude desalojál-as.
Epaminondas satisfez-se com esta humilhação imposta ao orgulho de
Lacedemonia; e, depois de ter devastado toda a Laconia até ao mar,
voltou para a Beocia com o seu exercito.

No seu regresso, chamou á liberdade os Messenios, e restituiu aos
descendentes dos antigos habitantes o paiz de seus paes, o que fui um
golpe mortal para Esparta. Estes conseguem levantar, contra Thebas,
Athenas, a Persia e Diniz de Syracusa. Epaminondas invade segunda vez o
Peloponeso, mas é forçado a retirar abandonando os seus alliados de
Argos e de Mantinéa, os quaes perdem contra Esparta a batalha a que os
Espartanos, por não terem perdido n'ella nenhum dos seus homens, ficaram
chamando a _batalha sem lagrimas_.

Ainda Epaminondas invadiu o Peloponeso, pela terceira vez, em 366, e
pela quarta vez, em 362, avançando direito sobre Esparta. Agesiláu reune
todas as suas forças e corre ao incontro d'elle, apoiado pelos
Athenienses e pelos aristocratas da Arcadia. Dá-se a _batalha de
Mantinéa_ em que a victoria é ganha pelos Thebanos á custa da vida de
Epaminondas. Pelopidas tinha morrido, dois annos antes (364) n'uma
expedição a Thessalia. Com a morte d'estes dois grandes homens, Thebas
recahiu de novo na sua obscuridade. Mas nem Esparta nem Athenas puderam
tambem levantar-se mais.




CAPITULO XII

SUPREMACIA DA MACEDONIA


Os antigos reis da Macedonia haviam sido tributarios dos Persas.
_Alexandre I_ (498-454) ora alliado dos Persas, ora alliado dos Gregos,
atacou e desbaratou parte do exercito persa, quando este fugia atravez
da Macedonia, depois da batalha de Platéa. Os reis que se lhe seguiram,
taes como _Perdiccas II_ (425), introduziram nas altas classes do paiz
os costumes civilizados dos Gregos. _Archeláu_ (413-399) deu
hospitalidade a Euripides e convidou Zeuxis a pintar-lhe o palacio e o
templo de Pella. A este succedeu _Amyntas II_ (399-369), cujo reinado
foi muito tempestuoso. O filho mais novo d'este monarcha, _Philippe_,
viveu algum tempo, como refens, em Thebas, em casa de Epaminondas, e ahi
se familiarizou com a organização e os costumes dos Hellenos, estudando
ao mesmo passo o segredo da força e da fraqueza das republicas gregas.

Chamado ao throno, por morte de seus irmãos, bate os seus competidores,
compra a alliança de Athenas, estabelece amizade com os Thracios,
derrota os barbaros Peonios e Illyrios, e consegue restituir á Macedonia
as suas fronteiras naturaes (358). Feito isto, pensa logo em alargál-as.
Começa por conquistar umas apoz outras as colonias gregas assentes no
littoral dos seus Estados, e organiza uma esquadra. Penetra na Thracia e
chega até ás proximidades de Byzancio; involve-se nos negocios da
Thessalia onde então lavrava a _guerra sagrada_, e transforma
insensivelmente este paiz n'uma provincia macedonica. Avança, em
seguida, para as Thermopylas; mas ahi os Athenienses, cuja vigilancia
era despertada pela eloquencia do grande Demosthenes, oppõem-se-lhe á
passagem, desconcertando-lhe os projectos, e Philippe tem,
prudentemente, o cuidado de retirar-se (352).

Demosthenes redobra de energia, solta do alto da tribuna grega as suas
vigorosas _Philippicas_, e durante quinze annos lucta com toda a força
do seu genio e com toda a sua penetração contra os designios do seu
temivel adversario. Mas se a palavra do maior dos oradores impunha
respeito á astucia do monarcha ambicioso, não teve força para conjurar a
catastrophe. Em 348, Philippe vibrou o seu grande golpe, tomando
Olyntho, a poderosa metropole das cidades gregas da Chalcidica, que
Athenas protegia e que Demosthenes tinha querido salvar.

Athenas, ameaçada na Eubéa e até mesmo na Attica, teve de assignar um
tratado de paz. Mas Philippe, deixando de cumprir as clausulas juradas,
ataca as Thermopylas, termina a guerra sagrada que lavrava entre os
Phocidios e os Thebanos, subjuga os primeiros arrasando-lhes as cidades,
e toma assento no conselho amphictyonico onde se arroga os dois votos
que os Phocidios alli possuiam (346).

Eis, pois, Philippe, arbitro da Grecia, pela posse da Thessalia, das
Thermopylas, e da influencia no conselho amphictyonico. Sabendo esperar,
não quiz precipitar-se na conquista definitiva, afim de evitar qualquer
reacção geral perigosa. Dirigiu-se para a Thracia, onde o atheniense
Phocion, aliás seu partidario, o impediu de se apoderar das colonias
gregas do Hellesponto; chegou até ao Danubio e ahi assentou os limites
septentrionaes do seu reino; levou a guerra á Illyria, ao Epiro, ao
Chersoneso, sitiou Perintho e Byzancio, que Phocion defendeu
efficazmente. Os Athenienses apoderam-se da Eubéa, emquanto Demosthenes
organizava ligas das diversas cidades, sublevando-as contra o inimigo
commum.

Mas o orador atheniense Eschines, rival de Demosthenes, subornado pelo
oiro de Philippe, consegue no conselho amphictyonico a investidura do
rei da Macedonia no commando e direcção de uma nova guerra sagrada
contra os Locrios. Philippe volta immediatamente á Grecia (338), esquece
o pretexto da sua intervenção, apodera-se de Elatéa e dos desfiladeiros
que conduziam á Beocia, e chega quasi ás portas de Athenas.

Demosthenes realiza então um supremo esforço, e obtém, á força de
eloquencia, a alliança de Thebas. As duas cidades apresentam-se unidas
no ultimo campo de batalha da liberdade e da independencia grega.
Esparta conservou-se isolada no seu perpetuo egoismo. Incontraram-se os
exercitos junto a Cheronéa, na Beocia. Os hoplitas athenienses, o
batalhão sagrado dos Thebanos, despedaçaram-se contra a _phalange
macedonica_. Demosthenes tomou parte na acção. A victoria de Philippe
foi decisiva e completa.

O vencedor foi de uma desusada e honrosa moderação; reuniu uma assembléa
geral dos povos em Corintho, e, para legitimar até certo ponto o seu
dominio sobre a Grecia, renovou o projecto de uma grande expedição
nacional contra os Persas, e fez-se nomear generalissimo de todas as
forças gregas. Quando estava a ponto de realizar os seus vastos
designios, um dos seus guardas assassinou-o, crê-se que por suggestões
da rainha repudiada, _Olympias_.


*Alexandre Magno.*--Philippe legava a seu filho, Alexandre, mancebo de
vinte annos apenas, elementos preciosos para este levar a cabo a impresa
por elle concebida. Deixava-lhe um exercito numeroso e aguerrido,
generaes habeis e thesouros accumulados para aquelle fim.

Demosthenes conseguiu sublevar de novo as cidades á noticia da morte de
Philippe. Alexandre, que tinha acabado de submetter as tribus illyricas,
atravessou a Macedonia, a Thessalia, e chegando em frente de Thebas
atacou a cidade e tomou-a, arrasando-lhe em seguida os muros. Os Gregos,
aterrados, declaram-n'o, em Corintho, generalissimo e dão-lhe soccorros
para a invasão da Asia. Não o acompanharemos na sua marcha triumphal,
que determinou a destruição perpetua do Imperio dos Persas. A morte
surprehendeu-o em Babylonia (328) no meio dos seus ambiciosos sonhos de
grandeza e de monarchia universal. Este homem assombroso, que ao expirar
contava apenas 33 annos incompletos, intregou, no leito da morte, o seu
annel a Perdiccas. E quando os seus generaes lhe perguntaram a quem
deixava a corôa, respondeu:--Ao mais digno.




CAPITULO XIII

DESMEMBRAMENTO DO IMPERIO DE ALEXANDRE


Alexandre deixava:--sua mulher, Roxana, de quem houve um filho pósthumo,
Alexandre; um outro filho, bastardo, Hercules; um irmão imbecil,
Arrhideu; duas irmans, Cleopatra e Thessalonice; e sua mãe, Olympias. A
herança começou por ser attribuida ao filho posthumo do heroe e a
Arrhideu, ficando Perdiccas com uma auctoridade similhante á de ministro
supremo. Os diversos governos foram repartidos pelos generaes:
_Ptolomeu_, teve O Egypto; _Leonnato_, a Mysia; _Antigono_, a Phrygia, a
Lycia e a Pamphylia; _Lysimaco_, a Thracia; _Antipater_ e _Cratero_, a
Macedonia; _Eumenes_, a Cappadocia; _Laomédon_, a Syria; _Pithon_, a
Média; _Peucestes_, a Persida.

Pithon teve de suffocar em sangue uma revolta de 23:000 Gregos na
Alta-Asia; e, na Asia-Menor, Eumenes incontrou inesperada resistencia ao
tomar posse do seu governo da Cappadocia. Antigono recusou-se a
auxiliál-o, tendo Perdiccas de lhe prestar apoio com o exercito real.
Antigono é obrigado a fugir e acolhe-se á côrte de Antipater e Cratero.
Eumenes tem de fazer frente a todos tres, ao passo que Perdiccas avança
para o Egypto contra Ptolomeu, mas é morto pelos seus proprios soldados,
nas margens do Nilo. Então Antipater apodera-se da regencia e proscreve
Eumenes, cujos Estados são dados a Antigono (321). Mas Antipater morre
logo depois (320) deixando a regencia a Polysperchon. Eumenes liga-se na
Alta-Asia com os satrapas armados contra Seleuco de Babylonia, onde
Antigono o persegue (317), conseguindo havêl-o ás mãos e mandando-o
matar (316).

Ao mesmo tempo que os generaes se dizimavam entre si, a familia real
ia-se anniquilando a si propria. Olympias, ligando-se com Polysperchon,
fez morrer Arrhideu e sua mulher Eurydice; Roxana mandou matar Statira
ou Barsina, filha de Dario, e uma das mulheres de Alexandre. Cassandro,
filho de Antipater e rival de Polysperchon, cercou Olympias em Pydna, e,
havendo-a ás mãos, matou-a (315). Havendo-se já apossado de Itoxana e do
filho d'esta, casou com Thessalonice, irman do conquistador, e
estabeleceu assim as suas preterições á herança. Quasi toda a Grecia,
incluindo a Thessalia e a Macedonia, lhe obedeciam; Athenas cahiu sob o
poder de Demetrio de Phalera, que a administrou sábiamente durante dez
annos.

Pela morte de Eumenes, ficou a Asia a Antigono. Seleuco, governador de
Babylonia, cedeu-lh'a sem combate e refugiou-se na côrte de Ptolomeu, no
Egypto, a quem excitou á guerra. Ao mesmo tempo, Lysimaco na Asia-Menor
e Cassandro na Europa avançam contra Antigono, que pretendia reunir todo
o imperio de Alexandre. Demetrio, filho de Antigono, foi derrotado por
Ptolomeu, em Gaza (312); e a paz foi estipulada em 311.

A agonia da Grecia durou mais de um seculo. Em 280 houve uma terrivel
invasão de Barbaros. Os Gaulezes, seguindo o valle do Danubio,
devastaram a Macedonia e a Thracia. Foram expulsos em 278.




CAPITULO XIV

REDUCÇÃO DA GRECIA A PROVINCIA ROMANA


Em 251, Arato, banido de Sicyonia, refugiado em Argos, livrou a sua
cidade natal do tyranno que a opprimia, organizou em Sycionia uma
democracia temperada, e incorporou-a na liga achaica. Esta, que fôra até
ahi obscura, só teve importancia quando Arato lhe communicou o impulso
necessario para destruir a hegemonia macedonica e as tyrannias que
pezavam sobre as cidades do Peloponeso.

Arato aggregou á liga achaica Megalopolis, Mantinéa, Argos, Trezena e
outras cidades; combateu os Etolios; e arrancou aos Macedonios Corintho,
Athenas, Megara, Salamina. Em 229, a confederação contava como alliados
o maior numero dos Estados do Peloponeso, a Megarida, Salamina, e a
Attica. Esparta e a Laconia mantinham-se fóra da liga. A Beocia, a
Locrida, e a Thessalia, soffriam ainda o jugo dos Macedonios. A Etolia
era então alliada dos Acheus.

Foi n'este mesmo anno 229 que os Romanos puzéram o pé na Illyria.
Eil-os, pois, a caminho da Grecia. Já lhes estavam submettidas as ricas
cidades gregas da Italia Meridional (Grande Grecia), seguiram-se a estas
as da Sicilia, e dentro em breve a grande Syracusa reconhecia o seu
dominio.

Os grandes planos de Arato foram, porêm, contrariados pelos Espartanos.
Então Arato teve de chamar os inimigos da Grecia em seu auxilio.
Antigono Doson, rei da Macedonia, introu em Esparta, e a cidade de
Lycurgo cahiu para sempre.

Pela morte de Arato (213), Philopoemen, de Megalopolis, reorganizou a
liga e combateu a influencia romana. Mas a liga etolia declarou-se a
favor dos Romanos; e, em 197, os Gregos foram vencidos nas planicies de
Cynocephalos. Pouco depois, o consul Flaminio proclamou, em nome do povo
romano, a independencia local de todos os Estados Gregos, começando
assim a acostumál-os ao protectorado romano. Em 189 foi destruida por
estes conquistadores a liga dos Etolios. Em 183 os, Romanos
apoderaram-se de Philopoemen, e condemnaram-n'o á morte pela cicuta. Em
168 Paulo Emilio alcançou a victoria de Pydna, que destruiu o poder da
Macedonia. E finalmente em 146 a Grecia foi reduzida a provincia romana,
com o nome de _Provincia da Achaia_.


FIM




      *      *      *      *      *

Os Mysterios da Inquisição

POR

F. Gomes da Silva

Obra illustrada a cores

POR

MANUEL DE MACEDO E ROQUE GAMEIRO

Sob o titulo *Os Mysterios da Inquisição* condensam-se variadissimos
factos historicos, desentranham-se os horrores d'epochas passadas,
escalpellam-se figuras d'outros seculos, investigam-se particularidades
estupendas, encadeiam-se acontecimentos dispersos e tenebrosos,
enaltecem-se as grandes virtudes, faz-se rebrilhar a verdade, e põem-se
em relêvo todas as personagens que entram n'este grande drama, em que
vibram commoções da maior intensidade e affectos do mais exaltado amor.

O romance *Os Mysterios da Inquisição* constará de 3 volumes de grande
formato. A distribuição será feita semanalmente, em fasciculos de 3
folhas ou 24 paginas com uma gravura a côres, pelo preço de 60 réis, ou
em tomos de 15 folhas ou 120 paginas com 5 gravuras, por 300 réis.

Para as provincias a distribuição é feita em tomos, de 300 réis ou em
fasciculos quinzenais de 48 paginas e 2 gravuras por 120 réis.


_Precioso brinde a todos os Srs. assignantes_


Uma magnifica estampa a cores, medindo 0,57x0.44



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