A penalidade na India segundo o Código de Manu

By Cândido de Figueiredo

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Manu, by António Cândido de Figueiredo

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Title: A penalidade na India segundo o Código de Manu

Author: António Cândido de Figueiredo

Release Date: February 11, 2007 [EBook #20570]

Language: Portuguese


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*A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU*


     *     *     *     *     *

Sociedade de Geographia de Lisboa


A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU


Memoria apresentada á 10.ª sessão do congresso internacional dos
orientalistas por

CANDIDO DE FIGUEIREDO

S. S. G. L.


LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1892

     *     *     *     *     *




*A PENALIDADE NA INDIA SEGUNDO O CÓDIGO DE MANU*




*I*


Historiar a penalidade indiana sería tão vantajoso como diffícil.
Vantajoso, porque, de todos os historiadôres do direito penal, nenhum, de
que saibamos, se occupou seriamente da penalidade entre os povos hindus:
uns guardam sôbre ella absoluto silencio; outros, contra todas as leis
ethnográficas e filológicas, agrupam, de relance, os indios com os chinas
e japonêses, e segregam-n'os injustamente da legislação comparada; e
outros ainda, os que viveram antes dêste século, não podiam occupar-se
largamente da antiguidade indiana, porque ainda não estavam explorados os
riquissimos filões, de onde os mineiros da sciencia extraíram os
assombrosos monumentos da velha literatura indiana.

E sería diffícil, dissemos, historiar a penalidade na India, pela escassez
de commentadôres e guias em tão árido caminho. Abeirando-nos apenas do
importantissimo assunto, que daria volumes, o que procuraremos sinthetizar
em poucas páginas, aventurâmo-nos, sem mestres nem guias, a devassar a
enredada legislação de Manu, procurando e separando o que é puro direito
penal, d'aquillo que é religioso, civil ou político, visto que a
regulamentação das várias esferas da actividade humana se acha ali
amalgamada, como succede nos códigos primitivos de todas as sociedades.




*II*


O código de Manu é, para muitos orientalistas, o mais antigo monumento
legislativo que se conhece na história da humanidade. Ponderando que este
código reflecte toda a simplicidade antiga dos dogmas religiosos; que ali
ainda se fala de um Deus único, _Brahmá_, e não se faz referencia a
_Vichnu_ nem a _Sívá_, que com _Brahmá_ constituem a trindade indiana, a
_Trimurti_; ponderando que no código não se fez menção das incarnações de
Vichnu, e que das personagens históricas, ali alludidas, nenhuma é
posteriôr ao século X antes da nossa era; e ponderando, ainda, que o
legisladôr desconhecia a grande revolução religiosa de Budhá, revolução
que, como se sabe, precedeu déz séculos a era christan, concluem os
modernos intérpretes do código que elle já vigorava na India no século
XIII antes de Christo.

O código de Manu (_Manava-Dharma-Sastra_, no original sanscrito), abrange
dôze livros; e as disposições penais deparam-se-nos especialmente no VIII,
IX e ainda no XI, se bem que este se occupe sobretudo de penitencias e
expiações religiosas.




*III*


Quem não é de todo estranho á sciencia do direito penal, sabe que a
penalidade póde encarar-se, pelo menos, por quatro faces: incriminações,
penas, competencia e processo.

Sôbre incriminações e penas, podemos colhêr no código de Manu disposições
abundantes e claras; mas, sobre competencia e processo, o código é
excessivamente resumido, ou, antes, excessivamente vago.

Na organização judicial indiana, o rei é o principal julgadôr, e até
executôr em alguns casos, se attendermos unicamente á letra da lei.

Lê-se no código de Manu:

«Depois de tomar em toda a consideração o logar e o tempo, os meios de
punir e os preceitos da lei, é que _o rei inflige a punição_ com justiça
áquelles que se entregam á iniquidade[1].»

      [1] Livro VII, çloka 16.

E mais adiante:

«O ladrão, quer elle morra logo com os tratos que _o rei lhe dê_, quer,
tendo sido deixado por morto, haja escapado, fica lavado do crime; mas, se
_o rei_ não castiga, o crime do ladrão recái sôbre elle[2].»

      [2] VIII, 316.

Talvez dêstes textos se possa deduzir que o rei, além
de juíz, tinha attribuições de executôr da justiça. Não achâmos
todavia no código logares parallelos, que nos confirmem
o conceito.

O que sabemos é que o rei occupava o primeiro logar na jerarquia judicial.
Acompanhado de bráhmanes e de seus conselheiros, e trajando modestamente,
apparecia no tribunal; e, sentado ou de pé, com a mão direita
levantada[3], examinava os negócios judiciários; consultava as leis e o
direito consuetudinário da nação, das classes e das familias[4], e decidia
as causas que o código agrupa sob dezoito titulos:

      [3] VIII, 1 e 2.

      [4] VIII, 3.

Causas sobre dívidas;

Depósitos;

Venda de objecto alheio;

Emprêsas de associações commerciais;

Subtracção de coisa dada;

Pagamento de salários;

Execução de contratos;

Annullações de compra e venda;

Questões entre amo e criado;

Extremas de propriedades;

Maus tratos e insultos;

Roubos;

Salteadôres e violencias;

Adultérios;

Devêres entre marido e mulher;

Partilhas de heranças;

Jogo e combates dó animais[5].

      [5] VIII, 4 e 7.

«As contestações dos homens,--são expressões do código,--referêm-se em
geral a estes artigos[6]».

      [6] VIII, 8.

     *     *     *     *     *

Embora o rei fôsse o principal julgadôr, vemos consignados no código os
tribunais collectivos, embora a civilizações menos antigas se haja
attribuído esta importantissima instituição.

Com effeito, abrindo o código, no livro VIII, çloka 9 a 11, vemos que o
rei, quando não póde por si examinar as causas judiciárias, encarrega um
bráhmane instruído de desempenhar essas funcções. Este bráhmane entra no
tribunal, acompanhado de três accessôres, e examina as causas sujeitas á
decisão do rei.

A autoridade, que se liga a esta assembleia do juízes, é enorme, porque é
divina; e o código consagra-lhe expressões tais, que, ao lê-las a primeira
vez, naturalmente nos occorrem aquellas palavras amoráveis do nosso
Christo:

_Ubi sunt duo vel tres congregati in nomine meo, ibi sum in medio eorum._

O código de Manu tinha dito, muitos séculos antes de Christo:

«Onde quer que estejam três bráhmanes, versados nos _Vedas_, e presididos
por um bráhmane sapientissimo escolhido pelo rei, esta assembleia é
chamada pelos sábios o tribunal de Brahmá quatrifronte[7].»

      [7] VIII, 11.

O rei póde escolhêr juízes entre a classe dos bráhmanes, e até entre as
dos kchatriás e a do vaysiás, mas nunca entre os _çudras_.

Se bem que estas palavras _çudras_, _vaysiás_, _kchatriás_, _bráhmanes_,
não encerrem mistérios para quem tenha alguma notícia do sistema das
castas indianas, afigura-se-nos que não virá fóra de ponto uma ligeira
explanação do assunto, visto como os vicios capitais da penalidade indiana
estão subordinados ao sistema das castas.




*IV*


Como é sabido, a velha civilização indiana tinha por bases o sistema das
castas e o dogma da transmigração das almas.

Pondo de lado este dogma, que é hoje alheio ao nosso intúito, não
omittiremos uma explanação summária do sistema das castas.

O livro I do código refere que _Brahmá_, o deus supremo, o primeiro de
todos os sêres, para povoar a terra produziu da sua bôca o _bráhmane_, do
seu braço o _kchatriá_, da sua côxa o _vaysiá_ e de seus pés o _çudra_.

Os _çudras_ constituem a última classe, a servil; os _vaysiás_ a terceira,
a dos artistas e agricultores; os _kchatriás_ a segunda, a dos militares e
dos reis; e os _bráhmanes_ a primeira, a sacerdotal.

Comquanto dos _kchatriás_ sáiam os reis, o govêrno do país pertence de
facto á casta sacerdotal, e a preponderancia brahmânica faz-se resentir em
todos os monumentos que nos restam da civilização indiana, e até nos
monumentos da antiguidade teocrática europeia.

Um dos resultados da organização sacerdotal do govêrno indiano,
organização trazida para a Europa pelos celtas-arianos, e reproduzida pelo
druidismo, é que os monumentos mais assombrosos da India antiga e da
Europa medieval são os templos, os conventos o os cemitérios[8].

      [8] Ch. Steur, _Ethnogr._ vol. II, pag. 300.

A desigualdade perante a lei, na criminalidade indiana, está, como vamos
vêr, subordinada aos privilégios das castas e ás linhas que as separam.

Mas, antes de falar de incriminações e penas, assuntos em que mais resalta
aquelle vicio, cumpre falar das _provas_ judiciais admittidas pelo código
de Manu, e, em geral, da ordem do processo.




*V*


A acção não se intentava sem que os parentes das partes litigantes
procurassem conciliá-las; costume seguido também pelos celtas e germanos,
e até por outros povos europeus até ao século passado[9].

      [9] Steur, cit., pag. 303.

Se os parentes não podiam conciliair as partes, recorria-se para uma
assembleia, formada de homens da mesma casta; da decisão dêstes podia
apellar-se para os habitantes de toda a communa; dêstes apellava-se para
os _juízes reais_, e dêstes emfim para a decisão do rei numa assembleia
composta de bráhmanes.

     *     *     *     *     *

A _prova_ principal no processo indiano é o depoimento das testemunhas,
que nunca podem sêr menos de três[10].

      [10] Cod. de Manu, VIII, 60.

Para testemunhas, hão de escolhêr-se pessoas dignas e desambiciosas, e não
as pessoas interesseiras, nem os amigos, nem os inimigos, nem os
fraudulentos, nem os inválidos, nem os criminosos[11].

      [11] VIII, 63 e 64.

O theólogo hábil, o estudante, o o asceta, não devem chamar-se para
testemunhas, porque são despendidos de relações mundanas.

O proprio rei, um artista de baixa categoria, como um cozinheiro, o velho,
a criança, um homem só, o ébrio, o dôido, o esfomeado e o sedento, o
apaixonado, o colérico, o ladrão, não podem sêr chamados a depôr em cáusas
judiciárias[12].

      [12] VIII, 65-67.

Mulheres só podem depôr a favôr de mulheres. E, diga-se de passagem, não
deveremos estranhar muito esta disposição da lei indiana, visto como em
pleno século XIX, o código civil português não permitte que as mulheres
sejam testemunhas em testamentos[13].

      [13] _Cod. civ. port._, art. 1966, n.º 2.

Os _çudras_ podem depôr a favôr dos _çudras_; mas, quando se trata do um
facto succedido em logar occulto, como num bosque, ou quando se trata de
um assassínio, póde depôr quem quer que presenceie o facto. Nêstes casos,
á míngua de melhores testemunhas, póde acceitar-se até o depoimento de uma
mulher, de uma criança, de um velho, de um discipulo, de um parente, de um
escravo ou de um serviçal[14].

      [14] VIII, 68-70.

Quando as testemunhas estão reunidas na sala da audiencia, em presença do
demandante e do defendente, ordena o código que o juíz as inquira,
exortando-as brandamente, desta fórma:

«Declarai francamente tudo quanto sabêis sôbre esta matéria, porque se
pretende aqui o vosso testemunho[15].»

      [15] VIII, 79 e 80.

O legisladôr disserta largamente sôbre a obrigação moral, que ás
testemunhas cabe, de dizerem a verdade, e sôbre a responsabilidade e os
castigos que importa comsigo um falso testemunho.




*VI*


Outro meio de prova judicial é o juramento, que o juíz defere ás partes
litigantes, quando não há testemunhas, que possam depôr sôbre o facto
controvertido[16].

      [16] VIII, 109.

O juíz fará jurar o _bráhmane_ pela sua veracidade; o _kchatriá_ pelos
seus cavallos, pelos seus elefantes e pelas suas armas; o _vaysiá_ pelos
seus rebanhos, pelas suas searas e pelo seu oiro; os _çudras_ por todos os
crimes[17].

      [17] VIII, 113.




*VII*


Falaremos agora de outra prova judicial, muito conhecida e muito usada na
Europa da idade média, e que innegavelmente foi trazida para o occidente
pela corrente das emigrações arianas.

Alludimos aos chamados _juízos de Deus_.

Algumas espécies destas provas absurdas e talvez ímpias, deixaram
vestígios no Japão, na Africa occidental, na Escandinávia, na Grécia e na
Irlanda. Prova-o Michelet, fundado em testemunhos irrefragáveis[18].

      [18] _Origines du droit_, chap. VII.

Os _juízos de Deus_ acham-se consignados nas leis dos bárbaros, foram
sanccionados e regulados pela legislação dos concilios visigóticos, e
podemos talvez dizêr que eram ainda invocados, quando já alvorecia a
nacionalidade portuguêsa. Em França puseram-n'os em vigôr as _Capitulares_
de Carlos Magno, e foram ao depois confirmados na legislação do tempo de
Carlos o Calvo[19].

      [19] Desmaze, _Supplices, prisons et grace en France_, chap. II,
      III.

A ignorancia que na idade média fez da instrucção um privilégio da classe
sacerdotal, deixou que os _juízos de Deus_ maculassem mais uma página da
história da humanidade. Intendendo-se que o homem, creatura frágil, podia
faltar á verdade, intendeu-se que a naturêza, que no panteismo oriental so
consubstancía com a divindade, essa não podia mentir.

E assim, quando o juíz pretendia uma prova decisiva, consultava-se a
naturêza e tentava-se a Deus, pedindo-lhe uma revelação: sujeitava-se o
réu á prova do _fôgo_, da _água fervente_, do _ferro em brasa_, do
_veneno_, da _cruz_; e, se elle não saísse illeso destas provas bárbaras,
é porque estava realmente criminoso. Se elle estivesse innocente, Deus
havia de inverter as leis da naturêza, e fazêr que o fôgo ou os demais
supplicios não arrancassem um gemido, nem deixassem um vestigio na carne
da pobre víctima.

Para todas essas provas, havia formulários em latim, que podem ver-se
minuciosamente na collecção de Baluze, tom. II, col. 642 e seg. Por agora,
reproduziremos apenas uma dessas fórmulas, em linguagem nossa:

«O culpado tomará na presença do todos o ferro em brasa, e o conduzirá
pelo espaço de nove pés; liguem-se-lhe as mãos ao ferro em brasa, durante
três noites, e, se ao depois apparecer illeso, dêm-se graças a Deus; mas,
se o ferro em brasa tiver escaldado, e se apparecer rubôr e inflammação
nos vestigios do ferro, seja julgado criminoso e immundo[20].»

      [20] Baluze, tom. II, col. 644.

     *     *     *     *     *

Pois bem. Este símbolo, que nos é tão conhecido pela história da
penalidade medieval, encadeia-se com quási todos os símbolos jurídicos
através dos tempos e dos povos, e vai entroncar nas instituições da India.

E só da India é que podiam derivar os _juízos de Deus_. Lá, no berço das
sociedades, a humanidade, ainda criança, sente-se subjugada pelo império
da naturêza. O homem, desprendendo-se do nada, ergue os olhos e dobra os
joelhos, adorando a natureza-mãi. Se os arreboes purpureiam os horisontes,
adora _Mitrá_; se o astro do dia se levanta, adora _Suryá_; se os ventos
agitam a floresta, adora os _Maruts_; se a tempestade estrondeia nos céus,
adora _Indrá_; se os riachos lhe serpenteiam aos pés, adora _Varuná_; se a
terra floresce e frutifica, adora _Prithivi_; se o fôgo lhe aquece os
membros, adora _Agni_, e o poeta dos Vedas consagra-lhe cânticos de
reconhecimento[21].

      [21] _Rig-Veda_, II, 6.

Os indios tributam ao _fôgo_ uma adoração especial; e por isso a prova do
_fôgo_ sobresái entre os ordálios da legislação indiana.

Além da prova do _fôgo_, a India exibe mais oito espécies destas provas: a
_balança_, a _água_, o _veneno_, o _arrôz_, a _água em que se lavou um
ídolo_, o _azeite a fervêr_, o _ferro em brasa_, e a _imagem de ferro e
prata_[22].

      [22] Hastings, _Asiatic researches_, I, (Michelet, loc. cit.)

Se percorrermos todo o _Digest of hindu law_, poderemos acrescentar
áquella enumeração de Hastings o _chumbo derretido_.

Não sendo porém propósito nosso percorrêr toda a legislação indiana, e
soccorrendo-nos apenas ao código de Manu, especializaremos a prova do
_fôgo_.

No famoso poema épico, o _Ramayana_, muito anteriôr ao código de Manu;
naquêlle grande e dulcíssimo poema que Michelet chamou um _mar de
leite_[23], já se nos depara a prova do _fôgo_. Na última parte do poema,
o herói, havendo libertado sua esposa _Sitá_, duvída de que ella lhe
guardasse fidelidade, emquanto estêve nas mãos do roubadôr. _Sitá_,
desfeita em lágrimas, faz acendêr uma pira, invoca a protecção do _fôgo_
contra as accusações de seu esposo, e precipita-se nas chammas; mas o
_fôgo_, o _testemunho incorruptível do mundo_ como lhe chama o Homero
indiano, comprovou a sua innocencia, porque não molestou sequer a esposa
de _Ramá_.

      [23] _Bible de l'humanité_, pag. 3

O código de Manu reconhece esta prova judicial; e sôbre ella, e sôbre a da
água, preceitua o seguinte:

«O juíz, segundo a gravidade do caso, mandará áquêlle, cuja veracidade
quer conhecêr, que tome lume nas mãos; ou mandá-lo-á mergulhar na água...

«Aquêlle, a quem o fôgo não queima, a quem a água não afoga, e a quem não
succede logo sinistro, deve sêr reconhecido como verídico em seu
juramento.

«... O fôgo é a prova da culpabilidade e da innocencia de todos os
homens[24].»

      [24] VIII, 114-116.




*VIII*


Falemos agora dos delictos e das penas, consignados no código de Manu.

Segundo o código, os crimes mais graves e assim declarados pelos
legisladôres, são:

Matar um bráhmane;

Roubar o dinheiro de um brâhmane;

Bebêr licores fermentados;

Commettêr adultêrio com a mulher de seu pai natural ou espiritual;

E ainda quaesquer relações com o homem, que tais crimes praticou[25].

      [25] XI, 54.

Alem dêstes crimes, são punidos pelo código:

Qualquer assassinio;

O roubo;

A injúria e a calúnia:

O falso juramento;

O estupro;

A negação de dívida ou de objecto depositado;

Dar asilo e alimento a ladrões;

A demolição de tanques, edificios e pontes;

Falsificação de cereais;

E outros delitos secundários.

     *     *     *     *     *

Entre as penas, applicadas aos differentes delitos, devemos especializar:

A pena de morte;

O confisco;

A amputação dos membros;

A multa pecuniária;

A prisão;

O exilio;

A escalvação;

O azeito a fervêr, etc.

A _pena capital_ applica-se, por exemplo, áquêlle quo roubou a pessoas de
boa familia, principalmente se o roubo é de mulheres ou jóias de grande
prêço[26].

      [26] VIII, 323.

O _confisco_ applica-se, entre outros casos, aos ministros que,
encarregados dos negócios públicos, danificam os interesses, cuja
manutenção lhes é confiada[27].

      [27] IX, 231.

O _exílio_ aos que juram falso[28], o aos adúlteros[29].

      [28] VIII, 123, 219.

      [29] VIII, 352.

A _multa pecuniária_ ao insulto em geral, e aos factos de somenos
importância[30].

      [30] VIII, 267-271, 332, etc.

A _mutilação de membros_ ao ladrão que dêlles se serviu para fazêr
mal[31]; e a outros criminosos[32].

      [31] VIII, 334.

      [32] VIII 325, etc.

O _azeite a fervêr_ lança-se nos ouvidos e na bôca do que ousou admoestar
um brâhmane sobre o cumprimento dos seus deveres[33].

      [33] VIII, 272.




*IX*


Conforme já indicámos, observa-se que, na penalidade indiana, as penas não
são tão graduadas pelos delitos, como pela classe dos delinquentes e
daquêlles que são lesados.

Assim:

Na petição de juros, o credôr poderá exigir de um bráhmane _dois_ por
cento ao mês, de um kchatriá _três_ por cento, de um vaysiá _quatro_, e de
um çudra cinco[34].

      [34] VIII, 142.

Um kchatriá, se injuriou um bráhmane, pagará a multa de 100 panás[35]; um
vaysiá a multa de 150 ou 200 panás; e um çudra terá pena corporal.

      [35] _Paná_, moeda de cobre. A maior multa eleva-se a 1:000 panás.
      (VIII, 138).

Um bráhmane terá apenas a multa de 50 panás, por ultrajar um homem da
classe militar; se o ultraje fôr contra um homem da classe commerciante,
pagará 25; e 12, se fôr contra um çudra[36].

      [36] VIII, 267 e 268.

Se um çudra injuriar gravemente um dwidja[37], ser-lhe-á cortada a língua,
ou introduzido na bôca um ferro em brasa, porque é a mais desprezível
criatura humana[38].

      [37] _Dwidja_ é qualquer homem das três primeiras classes, que foi
      investido do _cordão sagrado_.

      [38] VIII, 270 e 271.

Se entre um bráhmane e um kchatriá houve insultos recíprocos, o brâhmane
será condenado á pena ínfima, e o kchatriá á pena média[39].

      [39] VIII, 276.

Para comprovar ainda o facto de desigualdade legal na applicação das
penas, citaremos finalmente o texto seguinte:

«Um bráhmane adúltero é comdenado a uma tosquia ou escalvação ignominiosa,
nos mesmos casos em que um homem das outras classes é punido com a
morte[40].

      [40] VIII, 379.




*X*


Não obstante a desigualdade perante a lei, vício capital na penalidade
indiana, entrevê-se, de espaço a espaço, no código de Manu, um clarão do
justiça, que não illuminou por certo todos os códigos menos antigos.

E, com effeito, o legisladôr indiano ordena que o rei não deixe de punir
seu proprio pai, seu mestre, seu amigo, sua mãi, sua esposa, seu filho, se
elles não cumprirem seus devêres[41].

      [41] VII, 17,18, 30.

Ácerca da naturêza da pena, há no código de Manu ideias que ressumbram uns
longes de alta filosofia e de profunda moralidade:

«A punição é a justiça,--diz admiravelmente o código;--a punição é um rei
cheio de energia, e um sábio admnistradôr da lei.

«A punição governa e protege o gênero humano; a punição véla, emquanto
todos dormem.

«A punição não póde sêr infligida convenientemente por um rei que não tem
bons conselheiros, que é imbecil, ambicioso, cuja intelligencia se não
aperfeiçoou no estudo das leis, e que é dado aos prazêres dos
sentidos[42].

      [42] _Esprit des lois_, chap. XIII.




*XI*


Consignada perfunctoriamente a lêtra e o espírito do _Manava Dharma
Sastra_, com referência á penalidade, desta ligeira exposição resalta a
virtude, o defeito e a importancia daquêlle sistema penal; e ainda a
convicção de que a penalidade indiana é, nalguns pontos, mais plausível
que a penalidade dos povos europeus, em épocas que nos são mais próximas.

Nota-se na penalidade indiana a desigualdade, e talvez a arbitrariedade;
mas, até os fins do século passado, qual foi na Europa a sociedade, em que
as leis se libertaram daquêlle vício?

Por outro lado: as penas não eram só applicadas com mais barbaridade, do
que ao depois o foram, na vigência do código visigótico, das ordenanças da
dinastia carolina, em França, e da justiça ecclesiástica em todo o sul da
Europa.

Mais ainda: não se vê consignada no código de Manu a ideia de vingança; em
todos os códigos da Europa, até o seculo XVIII, sabemos que a pena
procedia da ideia de vingança. O termo _vindicta_ consubstanciou-se com a
legislação penal da Europa; e, quando os legisladôres viram que era tempo
de afastar da penalidade a ideia de vingança particular, fizeram que a
pena derivasse da _vindicta_ pública...

Nos proprios tribunais ecclesiásticos, o _ministério público_ era exercido
por um agente especial, que se chamava _vindex religionis_ (vingadôr da
religião).

Para que desapparecesse esta falsa ideia sôbre a origem das penas, foi
mister que a sciencia e a consciencia erguessem a vóz da justiça; que
Montesquieu protestasse contra a barbaridade das penas[43]; que da Italia
se levantasse o grito eterno de César Beccária; e que por fim os Estados
Gerais de 1789 escrevessem na primeira folha da grande revolução:

«A lei é a mesma para todos, premiando ou punindo.

«Ninguem é prêso, senão nos casos fixados na lei.

«A lei só estabelece penas estricta e evidentemente necessárias; e ninguém
é punido, senão em virtude da lei estabelecida e promulgada
anteriormente[44].»

      [43] O marquez de Beccária publicou em Monaco (1764) o seu _Tratado
      das penas_, que em dois annos teve seis edições.

      [44] _Déclaration des droits de l'homme_, art. 6.º, 7.º e 8.º

     *     *     *     *     *

O direito penal é uma sciência progressiva. Lentamente embora, o direito
penal moderno vai accusando salutares progressos; e, se não é permittido
aspirar á realização das utopias de Girardin[45], é licito confiar em que
o progresso arrastará comsigo a sciência penal; e em que os princípios da
justiça social e as noções superiôres do direito hão de ir allumiando as
páginas de todos os códigos, radicando-se cada vêz mais na consciencia
universal.

      [45] _Le droit de punir_.


_Lisboa, 1892, maio._


CANDIDO DE FIGUEIREDO.





End of the Project Gutenberg EBook of A penalidade na India segundo o Código
de Manu, by António Cândido de Figueiredo

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A PENALIDADE NA INDIA ***

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Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected].  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     [email protected]


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
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increasing the number of public domain and licensed works that can be
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particular state visit http://pglaf.org

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