Oliveira Martins

By Antero de Quental

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Title: Oliveira Martins

Author: Anthero de Quental

Release Date: March 15, 2010 [EBook #31654]

Language: Portuguese


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                           ANTHERO DE QUENTAL

                            OLIVEIRA MARTINS

O critico litterario--O economista--O historiador--O publicista--O politico


                                  LISBOA
                TYPOGRAPHIA DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
                      _50, Largo do Conde Barão, 50_
                                   1894



OLIVEIRA MARTINS



ANTHERO DE QUENTAL

OLIVEIRA MARTINS

O critico litterario--O economista--O historiador--O publicista--O politico


LISBOA
TYPOGRAPHIA DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
_50, Largo do Conde Barão, 50_
1894




Os Luziadas, ensaio sobre Camões a sua obra, em relação á sociedade
portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de Oliveira
Martins. Porto, 1872.


Se a escóla ethnologica está representada, entre os escriptores novos,
pelo sr. Theophilo Braga, a escóla social e historica--a unica, talvez,
a que propriamente se devêra dar o nome de philosophica--acaba de achar
igualmente entre nós um digno representante num escriptor moço e do
maior futuro, o sr. Oliveira Martins, que num livro recente estudou, a
proposito de Camões (e para nos explicar Camões), a litteratura
portugueza do seculo XVI, no ponto de vista largo e comprehensivo, ao
mesmo tempo politico e psychologico, que caracterisa esta ultima escóla.

Neste ponto de vista, a litteratura de um povo, considerada como um todo
symetrico, uma obra gigantesca e collectiva, apresenta-se como a
expressão do seu espirito nacional, determinado não por tal ou tal
elemento primitivo e, por assim dizer, physiologico, mas pelos
elementos complexos, uns fataes outros livres, uns criados outros
herdados, cuja synthese constitue a _idéa_ da sua nacionalidade--raça,
instituições, religião, tradição historica e vocação politica e
economica no meio dos outros povos. A idéa nacional, na sua evolução,
determina gradualmente o que se póde chamar o temperamento da nação; e,
se esta surda fermentação se manifesta em tudo, nos seus actos e nos
seus pensamentos, revela-se sobretudo na sua imaginação, isto é, no seu
ideal, cuja expressão mais livre é a arte e a litteratura. Nesta
invisivel circulação da seiva interior ha periodos, periodos de
revolução, de progresso, de retrocesso, de incubação ou de plenitude de
forças: a estes correspondem invariavelmente os periodos artisticos e
litterarios, com suas variações de intensidade, lenta formação de
escólas, morbidos estacionamentos, subitas e inflammadas florescencias.
E, como nesta vegetação collectiva, cada ramo, cada folha, cada fructo,
se alimenta com a seiva commum e tem uma vitalidade proporcional á força
que trabalha o grande tronco, o espirito individual acompanha o espirito
nacional nas suas evoluções, gradua pela delle a sua intensidade: a sua
liberdade interior tem por limites, realisando-se, as condições do meio
em que se desenvolve, e o genio do artista, do poeta, ainda quando
protesta e se revolta, é sempre _adequado_ ao genio do seu povo e da sua
época. É por aqui que a historia litteraria se liga á philosophia da
historia, ou antes, que faz parte della. As grandes épocas litterarias
coincidem com as épocas de plenitude do sentimento nacional, aquellas
em que esse sentimento, tomando consciencia de si, se revela em obras
harmonicas e complexas, que são como que o fructo definitivo da lenta
elaboração das instituições, dos costumes, dos pensamentos. Reaes e
juntamente ideaes, essas obras supremas dizem-nos ao mesmo tempo o que
um povo _foi_ e o que _quiz ser_, descobrem-nos a sua _aspiração_ intima
e marcam os _limites_ dentro dos quaes lhe foi dado realisal-a. São o
commentario moral das revoluções politicas e sociaes, e como que os
annaes da consciencia nacional: e, para a philosophia, é na consciencia
que a historia encontra a sua explicação definitiva e a sua final
justificação.

O que diz Camões a quem, depois de o ter lido com olhos de homem de
gosto, o relê com olhos de philosopho? Camões, responde o snr. Oliveira
Martins, diz-nos o _segredo_ da nacionalidade portugueza. Houve, com
effeito, uma nacionalidade portugueza--por mais estranha que esta
affirmação nos pareça, a nós portuguezes do seculo XIX, que não atinamos
a encontrar no presente uma _causa vivendi_: houve uma razão de ser
tanto para as instituições como para os individuos, e uma idéa nacional,
espalhada como a alma collectiva por todo este corpo, então vivo e agil.
E não só houve uma nacionalidade portugueza, mas essa nacionalidade,
superior aos impulsos cegos da raça e á fatalidade da geographia,
produziu-se como uma obra do esforço e da vontade, não resultado de
obscuros instinctos primitivos, como um facto politico e moral, não como
um facto ethnologico. Quando em Hespanha não havia ainda senão catalães,
castelhanos, leonezes e navarros; em França provençaes, gascões,
borguinhões, bretões; em Allemanha suabos, austriacos, saxões,
hanoverianos; em Italia tantos pequenos estados rivaes quantas cidades,
e não se fazia bem idéa do que fosse ser hespanhol, francez, allemão,
italiano, porque estas palavras França, Hespanha, Allemanha, Italia
designavam apenas vagas agrupações naturaes e não grupos organisados--em
Portugal havia só portuguezes, e ser portuguez tinha uma significação
definida e precisa. Este é o grande facto, diz o sr. Oliveira Martins,
que faz delle o seu ponto de partida: daqui, a cohesão politica da
nação; daqui a sua physionomia moral. Essa cohesão é a unidade; essa
physionomia é o patriotismo. O patriotismo, pondera acertadamente o sr.
Oliveira Martins, é cousa muito distincta do amor da terra: e o
patriotismo, como os portuguezes dos seculos XV e XVI o conceberam, foi
um phenomeno moral quasi unico na Europa de então, e que os tornou muito
mais parecidos com os romanos antigos do que com os povos seus
contemporaneos. O patriotismo é uma idéa abstracta, que excede a
capacidade toda sentimental da raça; o instincto naturalista da raça dá
o amor da terra; não vai mais além: só a idéa nacional póde dar o
patriotismo, comprehendido á romana e á portugueza. O Cid batalha mais
de uma vez contra os castelhanos, ao lado dos arabes; o condestavel de
Bourbon vira a sua espada aventureira contra a França que o viu nascer;
nem por isso deixa o Cid de ser um typo de bravura idealisado pelos
hespanhoes, e o condestavel de Bourbon um leal cavalleiro para todos os
cavalleiros de França; mas os Pereiras, combatendo ao lado dos
castelhanos em Aljubarrota, são malditos, _arrenegados_; e, mais tarde o
Magalhães será _portuguez no feito, porém não na lealdade_: apostataram
da idéa nacional. Eis a grande differença. Esta noção do patriotismo
cria uma ordem de sentimentos particulares dos individuos para com a
nação, um modo de ser moral peculiar. É o dever patriotico, como o
comprehenderam, em Roma, Fabricio, Regulo, Catão, em Portugal Castro,
Albuquerque--o dever patriotico, cuja expressão suprema é o heroismo.
Leia-se a historia da Europa até ao seculo XVI: abundam os _bravos_, mas
difficilmente se encontrarão os _heroes_, segundo o typo magnanimo que a
antiguidade realisou, e que de novo e no seu ponto de vista realisou
Portugal durante os seculos XV e XVI. No _peito illustre lusitano_ havia
então alguma cousa de grande e transcendente, que impellia a nação para
um destino extraordinario e suscitava no meio della os heroes, que
deviam servir a idéa nacional com a abnegação tenaz e superior com que
se serve uma idéa religiosa. É que o patriotismo é uma especie de
religião civil. Foi por essa religião que, durante tres seculos, nos
erguemos no mundo, para realisar um sonho gigantesco e quasi
sobre-humano: foi por ella tambem que cahimos exangues e desilludidos,
porque a realidade faltou ao sonho, porque todo o sonho, com o seu
idealismo, se exalta primeiro, perturba depois, transvia, endoudece
aquelles que envolve nas suas nevoas phantasticamente luminosas, mas
sempre enganadoras.

A época nacional portugueza, por excellencia, é o seculo XVI. Tudo
concorre então para dar ao espirito dos portuguezes aquelle summo grau
de tensão, que produz os grandes movimentos nacionaes. A nacionalidade
rompe com impulso irresistivel os seus limites tradicionaes, transborda
fremente como um rio caudaloso, e affirma-se na sua plenitude pelas
descobertas e pelas conquistas. Dentro, a sua força é o resultado da sua
concentração: pela reforma dos foraes, pela monarchia absoluta, pela
expulsão dos judeus, attinge o maximo de unidade politica, social,
religiosa, isto é, o maximo de poder sobre si mesma. Esta energica
cohesão depura o sentimento nacional, dá-lhe uma segura consciencia de
si, e leva-o áquelle grau de tensão em que o patriotismo, exaltando-se,
se transforma numa especie de heroismo universal. A nação faz-se heroe:
o heroismo é a sua atmosphera ordinaria, e todos participam mais ou
menos desse contagio sublimador. Daqui, uma concepção particular da vida
social, do direito, do dever, tanto para a nação como para os
individuos. _Ser portuguez_ é alguma cousa de especial, um typo _sui
generis_ de virilidade e nobreza, que todos procuram realisar, e que a
litteratura idealisa, de que ella se inspira na phase nova em que então
entra. Com effeito, a esta evolução moral corresponde uma evolução
litteraria. Á escóla provençal-castelhana, lyrica, aventureira e
romanesca, succede a grave escóla italiana, com a feição nova que o
espirito portuguez lhe deu, adoptando-a, isto é, moral e épica. Ao
trovador Bernardim Ribeiro, ao popular Gil Vicente succedem Sá de
Miranda e Ferreira, dous romanos. O velho typo cavalheiresco,
phantasioso e sentimental, empallidece diante desse outro que surge,
nobre e digno, quasi severo, o homem do dever, não da sensibilidade, que
João de Barros, Ferreira e Miranda vão levantando, e que Camões virá
collocar sobre o sublime pedestal épico.

Este typo, o verdadeiro typo portuguez do seculo XVI, como se revela nos
_Lusiadas_, não é com effeito uma mera invenção do genio de Camões: é
uma genuina criação nacional, um ideal do sentimento collectivo, que se
foi gradualmente formando e depurando, até encontrar no grande poeta
quem lhe désse uma expressão definitiva. É por isso mesmo que elle
domina, de toda a sua altura, o pensamento e a obra de Camões. O que o
poeta canta é o heroismo portuguez: _o peito illustre lusitano_: e todo
o seu poema se resume nisto, como nesse poema se resume toda a vida
moral portugueza durante um seculo. A razão intima dos acontecimentos,
dos costumes, das opiniões encontra-se alli: explicam-se por elle, e só
elles tambem o explicam completamente. O poema e a sociedade são, por
seu turno, texto e glosa que mutuamente se commentam.

Neste ponto de vista, historico e psycologico, não no ponto de vista
meramente litterario de uma esteril poetica de convenção, é que os
_Lusiadas_ devem ser estudados e comprehendidos--e cabe ao sr. Oliveira
Martins a gloria de ter sido o primeiro a fazel-o, a gloria de ter
_commentado_ philosophicamente os _Lusiadas_. A esta luz tudo se explica
na concepção do poema e na substancia moral delle: percebe-se a razão
deste estranho phenomeno, estranho e unico, do apparecimento de um
verdadeiro poema epico nacional em plena idade moderna.

Isto em quanto á concepção. Em quanto, porém, a certa ordem de
sentimentos, que, no ponto de vista épico, são secundarios, mas que
occupam um grande logar no poema, para os comprehender faz-nos o sr.
Oliveira Martins considerar outro lado da physionomia tão complexa de
Camões e da sua época. Com effeito, se Camões é um portuguez do seculo
XVI, é ao mesmo tempo um artista da Renascença; daqui todo um lado dos
_Lusiadas_, que excede a idéa nacional, e por onde este profundo poema
se liga, não já á vida necessariamente estreita de um simples povo, mas
ao vasto movimento do espirito humano nos tempos modernos. Sem este
lado, a significação dos _Lusiadas_ seria meramente nacional e local,
não europêa e universal: teriam só um valor historico e não philosophico
tambem. Mas Camões, portuguez pelo caracter e pelo coração, era pela
intelligencia mais do que portuguez sómente. Respirava a atmosphera
subtil e vivificante da Renascença: no seu vasto espirito, como no dos
grandes artistas desse tempo, havia um lado mysterioso e profundo que se
virava, não para o passado ou para o presente, mas para o illimitado
futuro, presentindo já a revolução moral dos seculos XVIII e XIX. Se
Camões, como portuguez é patriota e heroico, como homem da Renascença é
pantheista; pantheista platonico e idealista, já se vê, como Miguel
Angelo, Leonardo de Vinci, Shakespeare. Portuguez, exalta os feitos por
onde o seu povo conquista entre as nações um logar proeminente: homem da
Renascença, sente e interpreta a natureza com um naturalismo impregnado
de idealidade, que é mais ainda o presentimento de um mundo moral
novo, do que uma imitação da antiguidade pagan. O sentimento pantheista
da natureza, sentimento todo moderno, e que devia mais tarde chegar á
plenitude em Rousseau, Goethe, Hugo, appareceu pela primeira vez em
Camões. Daqui, o caracter do seu espanto em face dos grandes phenomenos
maritimos; daqui, a concepção do Adamastor; daqui, o sensualismo da
primeira parte do canto XI e o idealismo da ultima. É por este lado que
Camões toma logar entre os grandes espiritos, os _Lusiadas_ entre as
grandes obras dos tempos modernos. A imaginação prophetica do poeta
anticipa tres seculos na historia psycologica da humanidade. Com todos
estes elementos, uns portuguezes, outros europeus, uns locaes, outros
universaes, recompõe o sr. Oliveira Martins a physionomia complexa de
Camões e dos _Lusiadas_, com uma lucidez e segurança de critica
verdadeiramente surprehendentes para quem considerar a completa novidade
do seu trabalho. A sua luminosa synthese abraça o poeta, a obra e a
época: e pela épocha, pelo poeta e pela obra faz-nos sentir a intima
realidade da nação e a sua razão de ser historica. E nessa mesma
synthese comprehende-se tambem a sua decadencia; triplice decadencia,
politica, moral, litteraria. Como? pela decadencia da idéa nacional. Com
effeito, o patriotismo heroico do Portugal do seculo XVI continha em si
mesmo os germens da propria dissolução. Era grande, mas não era justo:
ora nada dura no mundo senão pela justiça. Tinha fatalmente de se
corromper essa orgulhosa idéa nacional, fundada na violencia da
conquista, na intolerancia religiosa e no despotismo politico. Os
vicios interiores do organismo nacional appareceram bem depressa:
appareciam já no tempo de Camões: nos _Lusiadas_ encontram-se de vez em
quando, estrophes sombrias, que são como um lugubre _cras enim moriemur_
lançado no meio das alegrias daquelle festim heroico. Era o futuro
velado e lutuoso que o poeta entrevia num deslumbramento prophetico. A
nação estava, com effeito, condemnada. O heroismo que tem de durar,
lança as suas raizes na região mais inalteravel, mais incorruptivel da
consciencia humana, e as do nosso não chegaram lá: foi uma especie de
_sezão nacional_; não foi um acto reflectido, filho da liberdade moral,
um esforço supremo pela justiça; foi apenas um egoismo sublime. Por
isso, martyres da propria obra, a nossa quéda foi cheia de tristeza e
confusão, nem nos ficou no rosto a serenidade luminosa dos verdadeiros
martyres.

As paginas austeras em que o sr. Oliveira Martins estabelece esta
distincção entre o heroismo da consciencia e o da fatalidade, e mostra
Portugal condemnado por aquillo mesmo que fizera a sua virtude e a sua
grandeza, são das mais gravemente pensadas que se teem escripto na nossa
lingua. É a verdadeira philosophia da historia aquella sua, que reduz e
subordina toda a actividade humana á consciencia e á justiça. A
injustiça da idéa nacional, como os portuguezes então a conceberam,
corrompeu gradualmente as instituições, infiltrou-se nos espiritos e
perverteu os costumes: a sociedade, minada interiormente, vacillou, em
despeito do esplendor mentiroso que exteriormente a vestia, e começou a
desabar. O sr. Oliveira Martins desenhou com mão segura e vivissimo
colorido o quadro das implacaveis realidades, que, produzidas pelo
heroico idealismo portuguez, se viraram contra elle, o viciaram e
acabaram por destruil-o. A nação, atacada deste modo nos seus orgãos
mais vitaes e na mesma alma, que podia produzir no mundo do espirito, da
arte, da litteratura? A decadencia social e moral tinha necessariamente
de corresponder a decadencia litteraria. Um desregramento doentio das
imaginações privadas de ideal, depois um estreito classicismo e uma
poetica de academias, succederam á livre e fecunda expansão do genio
portuguez no mundo do sentimento e da phantasia. A idéa nacional levou
comsigo para a cova o segredo das criações poeticas. Do seculo XVI até
hoje não produziu Portugal uma unica obra artistica ou litteraria
verdadeiramente nacional. De vez em quando, nalguns momentos
excepcionaes, o genio dalguns homens tem-se levantado como um protesto,
e tem-se visto ainda uma ou outra obra viva. Mas essa inspiração é toda
individual, não é nacional: é um producto natural que póde demonstrar
que a raça não morreu com a nacionalidade, não é filha de um sentimento
commum e como que organico da sociedade portugueza. A decadencia
nacional é o grande facto inexoravel da nossa historia, vai em tres
seculos: a decadencia litteraria é uma fórma della, nada mais.

Decadencia irremediavel? pergunta o sr. Oliveira Martins, nas ultimas
paginas do seu livro. Não! responde-lhe a philosophia revolucionaria. A
nossa renovação moral e litteraria será possivel no dia em que, pela
reforma das instituições sociaes, por uma nova e melhor comprehensão da
justiça, comece outra vez o espirito a circular neste grande corpo, mais
inerte ainda do que acabado, volte a animal-o uma alma, um ideal
collectivo. Então Portugal terá de novo uma razão de ser, e a idéa
nacional, mais brilhante e mais quente depois do seu eclipse secular,
fará rebentar outra vez fructos e flores deste chão endurecido sim, mas
debaixo do qual ha ainda (embora a grande profundidade) fontes vivas em
abundancia. As grandes acções serão outra vez possiveis, e um melhor e
mais alto heroismo; por elle serão não só possiveis, mas quasi
inevitaveis os grandes pensamentos poeticos. A renovação litteraria de
Portugal é correlativa com a sua renovação social e está dependente
della: é a conclusão do livro do sr. Oliveira Martins, conclusão que
todos devemos aceitar, não como uma vaga esperança, mas como uma verdade
philosophica cuja realisação não depende senão do nosso esforço, da
energia do nosso sentimento moral. Somos os operarios do nosso proprio
destino, e desde já as nossas mãos o vão aperfeiçoando: terá a fórma que
lhe dermos.

Neste trabalho solemne da renovação nacional, grande é a tarefa que está
talhada para a geração nova, e immensa a sua responsabilidade! Estará
ella, pela intelligencia e pelo coração, pela sciencia e pela virtude, á
altura desta obra austera e formidavel? Muitos o duvidam, vendo-lhe no
rosto uma pallidez de mau agouro... Não me cabe a mim decidil-o: direi
sómente que (quaesquer que tenham de ser os nossos destinos) para
darem testemunho das intenções sérias de uma parte consideravel da nossa
geração, do seu espirito renovador, da sua aspiração a uma melhor
sciencia, bastarão em todo o tempo obras como a _Historia da litteratura
portugueza_, do sr. Theophilo Braga, e o _Ensaio sobre Camões_, do sr.
Oliveira Martins.

9 de maio de 1872.




Theoria do socialismo, evolução politica e economica das sociedades
da Europa: por J. P. de Oliveira Martins. Lisboa, 1872.


I

Pelo assumpto do livro, pela maneira porque nelle se resolvem as
questões que o assumpto envolve, e pela muita amizade, além da
affinidade de crença philosophica e politica, que me liga ao autor,
estava eu obrigado a fallar publicamente desta recente e por tantos
lados notavel obra do sr. Oliveira Martins. Se o não tenho ainda feito,
contando o livro perto já de tres mezes depois de publicado, é porque
preoccupações de outra natureza, envolvendo dispendio de tempo e de
attenção para coisas bastante differentes, me teem totalmente impedido.
Agora mesmo, só lhe poderei consagrar uma rapida noticia, expondo apenas
a impressão geral, que uma primeira leitura, por varias occasiões
interrompida, me deixou, tanto dos defeitos como das sérias qualidades,
que avultam na _Theoria do Socialismo_.

Comecemos pelos defeitos, e pelos pontos em que discordo (sem
pretender por modo algum incluir estas divergencias no numero dos
defeitos) da maneira de vêr do autor. Depois, mais desassombrados,
apreciaremos o pensamento essencial da obra.

Os defeitos são, me parece, exclusivamente de fórma e composição. Ha uma
idéa fundamental no livro, que determina uma linha logica,
desenvolvendo-se sem soluções de continuidade da primeira até á ultima
pagina; ha, nos pontos que essa linha percorre, uma successão natural
correspondente ao encadeamento normal dos principios e dos factos na
sciencia e na historia. O que falta, porém, é uma definição
_cathegorica_ da idéa geradora, e uma exposição precisa e desenvolvida
dos principios, de tal sorte que estes não se entrevejam sómente, mas
appareçam de facto como a _razão sufficiente_ dos phenomenos historicos
e a elles _adequados_. É a esta falta que se deve attribuir a
difficuldade e obscuridade que encontram as intelligencias não
preparadas por uma conveniente educação philosophica (e são muitas,
desgraçadamente) em certas partes desta obra, aliás methodica e bem
deduzida. Quero com isto dizer que não é da idéa que provém a
obscuridade, mas da composição e do estilo. Bastava que o autor tivesse
dado ás _theses_, que precedem cada um dos seus capitulos, um
desenvolvimento proporcional, em vez de as encerrar em formulas, ás
vezes um tanto algebricas, e que nas suas exposições de principios
_arejasse_ um pouco o estilo, tornando-o mais ductil e menos technico,
para que as abstrações philosophicas se tornassem accessiveis ao
simples senso-commum, a que se reduz o criterio de 90 por cento dos
leitores portuguezes.

Faço estes reparos, não só para que as pessoas que não comprehenderam
bem certas paginas do livro do sr. Martins se convençam de que essa
obscuridade nada depõe contra a verdade e lucidez da idéa fundamental
delle, como tambem por entender que o estilo nas obras não litterarias,
e até nas de sciencia pura, não deve ser considerado como coisa
accessoria e secundaria. Certamente que não aconselho aos homens de
sciencia que _façam estilo_; mas é que tal conselho não o daria tambem
aos literatos e aos poetas. Para mim, entre ter bom estilo e _fazer
estilo_ ha uma differença essencial: ter bom estilo significa ter o
estilo proprio e conveniente das idéas que se expõem; _fazer estilo_
significa encobrir a falta de idéas com phrases redundantes e
apparatosas, com aquelles _persicos apparatus_ que já Horacio queria
banidos dos festins e, com maior razão ainda, do discurso. Póde haver, e
ha effectivamente, bom estilo até nas sciencias mais rigorosas,
naquellas a que os espiritos vasios, que querem campar de poeticos,
chamam aridas: ha bom estilo em mathematica, por exemplo, e em chimica:
Lagrange passa por ter escripto algebra com uma elegancia e belleza
verdadeiramente classicas; em chimica, gosa hoje de igual reputação o
illustre Wurtz. Mas deixemos isto, porque não é sobre esthetica que me
propuz escrever. Direi sómente que o sr. O. Martins nunca _faz estilo_,
exactamente porque tem muitas idéas; mas que, por não dispôr ás
vezes convenientemente as suas idéas, consoante os respectivos valores,
_cum pondere, numero et mensura_, deixa passar certas paginas, que, sem
injustiça, podemos acoimar por não terem bom estilo.

Tomarei tambem nota de alguns pontos em que não concordo com o modo de
vêr do autor da _Theoria_. Não é que essas divergencias de opinião sejam
muito profundas, quero dizer, que versem sobre pontos essenciaes da
doutrina do livro: são, pelo contrario, exotericas, e versam
exclusivamente sobre certas apreciações historicas, indifferentes em
grande parte á conclusão geral que o autor tira da evolução das
sociedades na Europa desde a época romana. Essa conclusão é a minha
tambem, como o leitor verá: e se tomo nota destas divergencias, é porque
não me apraz estar completamente de accordo com quem quer que seja,
maximamente com aquelles cuja intelligencia préso e respeito--e desejo
deixal-o registado. Custar-me-hia tanto não concordar em ponto algum com
o sr. O. Martins, como concordar em todos absolutamente. Espero que o
leitor comprehenderá, sem mais explicações, o que quero dizer.

Discordo pois, da maneira porque o sr. Martins encara, na sua
generalidade, a Idade-media, considerando-a como um periodo de
retrocesso em relação á civilisação greco-romana, durante o qual os
elementos evolutivos dessa civilisação estacionassem (experimentando
alguma coisa analoga áquillo a que em physiologia se chama _interrupção
de desenvolvimento_), em virtude das sabidas causas ethnologicas,
sociaes e moraes que determinaram a dissolução do mundo antigo, de
tal sorte que todo o movimento europeu, durante aquelles nove a dez
seculos, se reduzisse, de um lado, á tradicção greco-romana, no que ella
tinha de _já definitivo_ e _não evolutivo_, isto é, o Cristianismo e o
Imperio, e do outro lado, ao reapparecimento de elementos primitivos, os
Barbaros, que apenas repetem extemporaneamente phases sociaes, que a
civilisação antiga, havia já seculos, tinha atravessado. Daqui parece o
autor concluir que a evolução normal da civilisação foi perturbada,
durante um certo periodo, pela introducção violenta de elementos
estranhos, constituindo uma como massa indigesta, cuja laboriosa
digestão produzindo uma lethargia secular, explica sufficientemente a
_interrupção de desenvolvimento_ que descobre na idade-media. Esses
elementos anormaes, que a civilisação teve de digerir durante mil annos,
para poder reatar os termos logicos da sua evolução (seculo 5.º, seculo
16.º), foram, de um lado, o Cristianismo com o seu Santo Imperio, do
outro lado os Barbaros com o seu sistema feudal. Ora, de mais de uma
pagina da _Theoria_ concluo eu que, no pensar do sr. Martins, nenhum
destes dois phenomenos é inherente á evolução, pois que vê nas invasões
barbaras só um phenomeno ethnologico e como que uma fatalidade natural,
e no Christianismo uma mera reacção religiosa, um recrudescimento
anomalo de transcendentalismo, quando já pelo Estoicismo, de um lado, e
do outro pelo Epicurismo, entrava o espirito humano na larga estrada da
philosophia natural, e entrevia no horisonte a luz salvadora da
Immanencia. A conclusão a tirar é que, sem estes elementos
perturbadores, não teria havido _interrupção de desenvolvimento_, seriam
poupadas á Humanidade as agonias da sua _paixão_ (como Michelet chama á
Idade-media), o seculo 16.º teria caído no seculo 6.º, e nós hoje
estariamos já aonde só estaremos no seculo 30.º

Se estas conclusões que não estão explicitas no livro do sr. Martins se
contêem realmente nos seus principios, tenho a objectar-lhe, antes de
tudo, que implicam até certo ponto contradicção com a sua idéa
fundamental, isto é, a Evolução como lei primeira da Civilisação. Que
uma circumstancia ou uma serie de circumstancias exteriores e fataes
possam produzir numa civilisação não sómente uma _interrupção do
desenvolvimento_, mas ainda uma atrophia permanente, comprehende-se e em
nada contradiz a idéa da Evolução. Mas o que a contradiz e o que não se
comprehende é que essa atrophia temporária ou permanente possa ser
expontanea, e saia como um termo necessario da mesma evolução, cuja
essencia é o desenvolvimento. Ora, ainda concedendo que os Barbaros
estejam no primeiro caso (e não me parece que estejam absolutamente,
porque que se as invasões barbaras são um phenomeno natural e fatal, e
um agente exterior, a fraqueza interna de uma civilisação, que succumbe
á barbaria, tem por força de ter uma causa tambem interna, que é preciso
determinar), o Cristianismo é que necessariamente estaria no segundo, e
teriamos assim, neste ponto, a evolução embaraçando-se e
contradizendo-se a si mesma.

Logo, uma de duas: ou a evolução, em determinados casos, póde
suspender-se expontaneamente, e não só suspender-se, mas até
retroceder e annullar-se a si mesma, o que é contradictorio com a sua
idéa essencial; ou não houve realmente na Idade-media um _retrocesso
geral_ e atrophia dos elementos evolutivos, e é necessario procurar no
estudo comparativo dos elementos immediatamente anteriores e posteriores
a essa idade a existencia de um _quid intimum_, cujo desenvolvimento,
assegurando o resultado total da evolução, como sendo-lhe essencial,
póde ao mesmo tempo, pela sua particular natureza, _suspendel-a
parcialmente_, durante um certo tempo e em determinados pontos.

Regeitando a primeira hypothese, como envolvendo um absurdo, fica-nos a
segunda, que não só tem a plasticidade sufficiente para se accommodar á
explicação dos phenomenos divergentes e apparentemente contradictorios
de um periodo tão complexo e revolto como a Idade-media, mas encerra
além disso um real valor philosophico, fazendo entrar na historia uma
das idéas fundamentaes das sciencias da organisação, a idéa de _crise_,
e estabelecendo assim entre o mundo da vida e o do espirito uma
concordancia de bastante alcance.

Nestes termos, diremos que não se deu na Idade-media uma _interrupção
do desenvolvimento_, mas sim uma de aquellas _crises organicas_
que são proprias e expontaneas na evolução dentro do mundo dos
organismos--fazendo entrar neste a historia, como uma fórma organica
superior e transcendente. Crises taes são um resultado do mesmo
desenvolvimento dessa ordem de forças complexas (que não são
independentes e apenas paralelas, mas convergentes e solidarias) que
actuam segundo leis analogas, tanto nos organismos como nas sociedades e
no espirito.

Vê-se claramente como desta solidariedade e convergencia, combinadas com
a acção desigual das circumstancias exteriores sobre cada uma dessas
forças, resultem para muitas dellas desencontros e periodos de
estacionamento, em quanto umas esperam para se desenvolverem que outras
tenham attingido um dado grau de desenvolvimento, sem se realisar o qual
ellas mesmas não podem continuar a sua evolução.

É assim que o sabio paleontologista G. de Saporta (_Origens da vida
sobre o globo_), comparando a evolução solidaria dos reinos animal e
vegetal nas idades primitivas, nos mostra o primeiro, depois de ter
percorrido successivamente uma serie ascendente de typos, estacionar
durante muitos milhares de annos, á espera que o secundo, cujo
desenvolvimento, por causas em parte desconhecidas, fôra mais demorado,
attingisse aquelle termo de ascensão, sem se realisar o qual não podia o
reino animal continuar o seu progresso especifico. Se considerarmos (com
depois dos trabalhos de Darwin e Haekel não podemos deixar de
considerar) que os chamados reinos animal e vegetal não são sómente
paralelos mas solidarios, e constituem realmente um só mundo organico,
teremos um facto consideravel, que a paleontologia nos aponta, o exemplo
de uma immensa e prolongadissima crise, que esse mundo atravessou, a
maior porventura que elle tem atravessado.

Ora é exactamente uma crise analoga que eu sustento ter soffrido a
sociedade europea durante o periodo da Idade-media: o _reino_ social
e politico, depois de rapido e ininterrupto progresso realisado desde
Homero até aos Antoninos, teve de estacionar, esperando que o _reino_
moral, atravez das varias _especies_ do cristianismo e da philosophia
escolastica, chegasse a um grau de desenvolvimento paralelo ao seu, que
lhe tornasse possivel continuar a progredir. A solidariedade entre o
progresso social e moral da humanidade, de um lado e do outro o desigual
desenvolvimento destes dois elementos, bem patente no facto singular
(que aliás se explica) de ter o mundo antigo produzido o direito romano
sem sair do polytheismo, dão cabalmente, me parece, a razão sufficiente
deste _desencontro_ de forças, cujo resultado foi a grande crise da
Idade-media.

É por tudo isto que, a meu ver, a Idade-media não póde ser reduzida,
como parece fazel-o o sr. Martins, a uma simples _tradicção_ e a um
periodo de _atrophia_ dos elementos verdadeiramente evolutivos do mundo
greco-romano. Para mim, são verdadeiramente evolutivos _todos_ os
elementos da idade-media, e a idade-media contém _todos_ os elementos
evolutivos da civilisação antiga: sómente o grande desenvolvimento e as
posições respectivas é que são differentes. Considero o cristianismo
como essencial á evolução; mais, como o termo necessario de todo o
movimento moral da antiguidade: para mim, não só não foi elle um
_incidente_ perturbador, mas não foi de modo algum um incidente. A
_transcendencia_, preparada e organisada por todas as escolas
philosophicas desde Socrates até aos Alexandrinos, incluindo os Estoicos
e até os Espicuristas (cuja metaphisica era tão idealista e a moral
tão mystica como as das outras escolas, e que não foram, como a alguns
tem parecido, os precursores _incompris_ dos racionalistas e
naturalistas modernos), a _transcendencia_, phase necessaria do
pensamento humano, tinha forçosamente de produzir uma religião analoga
na essencia ao Cristianismo; ainda quando lhe faltassem os elementos,
quanto a mim puramente morphologicos, da lenda oriental. Uma prova bem
clara desta ultima asserção, encontro-a na reacção de Juliano, chamado o
Apostata, cuja religião-philosophica não era menos transcendentalistica
e mystica do que a cristan, e que, a ter vingado, haveria produzido uma
theologia e uma igreja exactamente como o Cristianismo. Quero dizer que,
dado o estado moral da humanidade na ultima época do periodo
greco-romano, se o cristianismo não era inevitavel, o que era inevitavel
era uma religião na essencia cristan, isto é, mystica. A exaltação
mystica, que então se apossou do espirito humano, se foi um mal (e não
creio que o fosse absolutamente), foi um mal necessario. Era um termo
logico da Evolução; e a Idade-media, que foi o desenvolvimento desse
termo, não póde por esse lado ser considerada como uma simples _tradicção_.

Em quanto aos Barbaros, bastar-me-ha dizer que não creio que fossem
elles os destruidores da unidade romana, por si não só prestes a
desfazer-se, mas já meia desfeita nos seculos 5.º e 4.º; que sem elles o
imperio ter-se-hia igualmente desmembrado; que elles não impediram a
extincção da escravidão antiga nem a formação da burguezia; que
independentemente da influencia germanica, já o feudalismo tendia a
formar-se espontaneamente no imperio em dissolução, desde o seculo 4.º;
que finalmente, muito antes das invasões já as sciencias e as lettras
tinham decaido, e começára um entenebrecimento intellectual, de que os
barbaros não devem ser responsaveis; bastar-me-ha dizer isto para que o
sr. Martins aprecie as razões por que, ainda por este lado, nada
encontro de anormal e de perturbador no curso da evolução geral da
civilisação durante a Idade-media, nem vejo que houvesse _interrupção de
desenvolvimento_ produzida por causas estranhas e fortuitas.

É este o ponto principal da minha divergencia com o autor da _Theoria_ e
por isso o expuz mais detidamente. Os outros, que são ainda mais
indifferentes á idéa geral do livro, sacrifico-os, para entrar quanto
antes na apreciação dessa idéa.


II

Feitas estas reservas, passo a dizer alguma coisa sobre a idéa
fundamental da obra. Obra, ponho eu aqui intencionalmente, porque é
verdadeiramente _uma obra_, e não apenas _um livro_, a "_Theoria do
Socialismo_" Não é uma simples exposição de factos historicos, mais ou
menos curiosos, acompanhada de juizos e considerações, mais ou menos
rasoaveis ou eloquentes: é um todo ordenado e systematico, em que os
factos e as idéas se encadeam logicamente, convergindo para um
centro commum, que é o ponto de vista superior que os abrange e explica
a todos. É um trabalho conjunctamente philosophico e scientifico, em que
as generalizações formuladas pela sciencia historica recebem a sua
sancção final dos principios racionaes em que assenta a philosophia da
historia--tentativa semelhante na essencia e no methodo, embora diversa
nas conclusões e inferior na execução, á que realizou Guizot na sua
"_Historia da Civilisação na Europa_" e Michelet naquella admiravel
"_Introducção á historia universal_". O sr. Martins não é um erudito,
nem um philosopho de profissão: mostrou porém ter sciencia bastante e
sufficiente elevação de pensamento para nunca ser inferior ao que um tal
plano requeria. Ora, tentar isto, e realisal-o, apesar de muitos
defeitos parciaes, com exito feliz na generalidade, é raro merecimento e
que sobejamente justifica, me parece, esta particular designação de
_obra_ que dei ao livro. Escriptos desta natureza e alcance em nenhuma
litteratura são frequentes: o do sr. O. Martins affigura-se-me que é por
ora unico entre nós. Ainda assim, não é bem por isso que me congratulo,
mas por ver na "_Theoria do Socialismo_" um symptoma animador de franca
e séria adopção da idéa nova pelo espirito portuguez: é isto o que me
faz saudar fraternalmente a obra e o autor.

Socialismo é para muitas pessoas uma palavra aterradora, exactamente
porque não é para essas pessoas mais do que uma palavra. É para outras
um symbolo magico e omnipotente abracadabra, a quem tudo se póde pedir,
de quem tudo se deve esperar, dotado sobrenaturalmente de uma
virtude palingenesica para operar nas coisas humanas uma renovação total
e universal, uma regeneração instantanea e absoluta: estes são os
enthusiastas, que encarnam na palavra socialismo os seus sonhos
individuaes de felicidade, em vez de simplesmente a considerarem como a
expressão de uma ordem de phenomenos objectivos, independente das
imaginações sentimentaes de cada qual, e só adequada á natureza das
sociedades no seu desenvolvimento necessario. Apesar do que ha de
respeitavel nos sentimentos desses crentes, estão elles tão longe como
os outros de saberem o que realmente se deve entender por socialismo. A
uns e outros recommendo o livro do sr. Martins, como muito proprio para
lhes fazer perder tanto as esperanças como os terrores apocalypticos.

O socialismo não é nem a subversão violenta das instituições e dos
costumes, nem a palingenesia messianica milagrosamente revelada, para
acabar para sempre com os males humanos, por este ou aquelle inspirado
propheta de tal ou qual cenaculo de crentes: e não é uma coisa,
exactamente porque não é a outra. Não ha nisto paradoxo. Quero dizer que
o socialismo não ameaça as instituições e os costumes, que constituem o
organismo e a tradição da humanidade, precisamente porque não é uma
invenção do pensamento individual um systema sem raizes historicas,
exterior á realidade social, mas sáe, pelo contrario, da tradicção e da
historia, é a propria historia e tradicção num periodo das suas
transformações continuas, um parto da razão collectiva e um fructo
natural do mesmo desenvolvimento da sociedade. É por isso que a não
ameaça, porque a sociedade não se destroe a si mesma: desenvolve-se e
transforma-se; o socialismo não é mais do que a palavra que quadra ao
grau de transformação e desenvolvimento do momento actual. O que foi no
primeiro quartel deste seculo o liberalismo, o que tres ou quatro
seculos antes havia sido a monarchia, e antes cinco ou seis as communas
e o feudalismo, é o que será ámanhan (e já hoje começa a ser) o
socialismo: um novo periodo e uma nova fórma no organismo das sociedades
europeas. Tão inevitavel como aquelles, será como elles tão benefico e
tão pouco subversivo, sendo, como elles foram, não um resultado fortuito
de opiniões e interesses de individuos, mas um facto necessario da
Providencia immanente na historia.

Em que consista esse facto é o que o sr. Martins, fazendo-se interprete
dos phenomenos sociaes, se propôz explicar, e é o que nós, em companhia
delle, vamos examinar.

Logo na primeira pagina do livro, formula o autor a sua idéa deste modo:
a theoria do socialismo é a evolução.--Desculpe-me o meu amigo se lhe
faço ainda questão duma palavra, mas o rigor nos termos não é
indifferente. Duma maneira geral, a theoria do socialismo é certamente a
evolução, mas a evolução dentro da historia e das coisas sociaes tem um
nome mais particular e consagrado: o Progresso, que é a evolução na
série da humanidade. A evolução abrange todas as séries do
desenvolvimento no universo, cosmologico, geologico, organico, etc., e
por isso inclue a humanidade; mas dentro desta é particularmente o
Progresso. Diriamos, pois, com mais rigor: a theoria do socialismo é
o Progresso. Quizera tambem que o autor, nessa sua primeira _these_,
tivesse definido com mais clareza e explicado com mais extensão esta
idéa. Mas não importa: o que não se define totalmente nas primeiras
paginas, torna-se bem patente pelo livro adiante, e isso é o essencial.
O que o autor não diz mostra-o no encadeamento dos factos sociaes e na
successão das doutrinas através da historia, de sorte que o seu livro
representa-nos em relevo essa grande lei do progresso nas suas phases
verdadeiramente significativas.

Ora, qual é o termo actual do Progresso? o socialismo, responde o sr.
Martins, com a historia na mão. Mas que socialismo? o de Babeuf, o de
Fourier, de Saint-Simon, desta escola, daquella seita, não: simplesmente
o da humanidade. É nesta resposta que está a originalidade e a segura
verdade do livro. O socialismo não sáe de uma escola ou de uma seita:
sáe do mais fundo da consciencia humana, affeiçoada por tres mil annos
de progresso. Não é uma experiencia; é um resultado.

Resultado de que? Do triplo movimento moral, politico e economico das
sociedades. Abraça o homem todo, e corresponde a uma nova concepção
systhematica (uma _affirmação synthetica_, como dizem os positivistas)
do Universo, da vida humana e das relações sociaes. Neste momento, a
evolução das doutrinas philosophicas, moraes e juridicas, da sciencia
economica, dos phenomenos politicos e dos phenomenos economicos,
converge para um ponto central. A esse ponto chamamos nós Socialismo,
não porque coincida (note-se bem isto) com este ou aquelle systema
dos que inventaram a palavra, mas simplesmente porque vem satisfazer a
aspiração commum a todos elles, que os produziu e de que eram meros
symptomas: de tal sorte que até com alguns desses systemas póde estar em
completa opposição o Socialismo positivo, como está, por exemplo, com o
Communismo.

Desta tripla evolução moral, politica e economica resultam tres grandes
conclusões. Da evolução no mundo moral resulta a autonomia absoluta da
consciencia humana, independente das pretendidas revelações
sobrenaturaes para descobrir a verdade e determinar a justiça;
independente de qualquer auctoridade, além da sua propria, para conhecer
e praticar a lei moral. Da evolução no mundo politico resulta a
concepção da liberdade como o unico agente organisador e director da
sociedade, com exclusão de qualquer principio anterior ou exterior ao
direito individual, de qualquer auctoridade que não seja a da propria
liberdade sobre si mesma. Da evolução no mundo economico resulta a
affirmação do trabalho como a base unica justa do valor, tendo por
consequencias, de um lado a egualdade dos trabalhadores perante o
capital, mero instrumento do trabalho e a elle sobordinado e garantido
pelo credito e a mutualidade, do outro lado a egualdade dos
trabalhadores entre si, pela divisão do trabalho, que os torna
solidarios e substitue á anarchia da concorrencia individual a
organisação das forças collectivas da producção--e tendo como
resultados, com a annullação dos privilegios capitalista e proprietario,
a consagração da propriedade e do capital individuaes, e a extincção
da lucta das duas classes actuaes, pela conversão de ambas numa unica de
trabalhadores eguaes e livres.

São estas as tres grandes conclusões, que desentranhando-se de um lento
progresso secular, começam a patentear-se no estado actual das doutrinas
e dos phenomenos moraes, politicos e economicos das sociedades
contemporaneas.

As phases desse progresso, isto é, o caminho seguido pela intelligencia
humana e pelos factos sociaes para chegarem a estas conclusões, é o que
o sr. Martins historía com muita lucidez e sciencia no seu livro, boa
metade do qual é consagrado a este trabalho de alta critica historica.

Eu é que, nos limites estreitos deste esboço nem poderei sequer indicar,
com alguns nomes, culminantes, os principaes marcos miliarios no caminho
deste jornadear da humanidade em busca dos seus proprios destinos. Mas
que magestosa _via crucis_!

Desde a doutrina da Graça, com S. Paulo e S. Agostinho, atravez dos
meandros da Escolastica, depois da inspirada philosophia da renascença e
da philosophia mais scientifica do seculo XVII, chega o espirito humano
a entrever com Vico e os encyclopedistas a doutrina emancipadora da
immanencia, que no seculo XIX formulou de um modo cada vez mais positivo
as escolas de Hegel, Feuerbach, Comte, Proudhon. Evolução paralela
seguem as doutrinas politicas: desde o _omnis potestas a Deo_ e a
_Civitas Dei_, atravez da politica theocratica de S. Thomaz e da
politica Cesarista de Dante, atravez do absolutismo da monarchia
civil de Savedra e Bodin e do despotismo naturalista de Machiavello e
Hobbes, vae o principio tradicional da auctoridade recuando cada vez
mais, com Grotius, Locke, Rousseau, Kant, depois com Fichte,
Rittinghaussen, Proudon, diante do principio racional e humano da
liberdade, até ser por elle absorvido, até só ficar de pé a consciencia
juridica do homem, tendo em si mesma a sua propria e absoluta sancção.
As doutrinas economicas, que só no seculo XVIII se desembaraçam das
politicas, galgam de um salto a distancia que vae da auctoridade
(proteccionismo) á liberdade, e pela bocca de Smith, Rossi, Bastiat,
Stuart Mill, proclamam esta ultima, completa, universal.

Ideas! theorias! sonhos! dirão alguns. Não! realidades, porque os factos
vão seguindo, par e passo o desenvolvimento das doutrinas. A
secularisação cada vez mais definida do estado e da sociedade; a
transformação das monarchias de direito divino em monarchias temperadas,
depois em democraticas, depois em republicas populares; os direitos
individuaes inscriptos nas constituições; a egualdade civil; a liberdade
da industria; o nivelamento constante das classes; a importancia
crescente do povo trabalhador e das questões do trabalho; o privilegio
capitalista que por toda a parte recúa, batido já nos seus ultimos
intrincheiramentos; o capital que se faz povo, que se faz multidão, e
vae já passando para as mãos do proletariado; um novo mundo economico
que emerge com força do antigo cahos social:--são factos e não utopias,
e esses factos trazem comsigo a sua lição, a sua doutrina. Não sois
vós, conservadores, que tendes por vós a tradição da humanidade, somos
nós revolucionarios, que temos, com o futuro, o passado por nosso lado,
o passado no que elle teve de melhor: a aspiração da liberdade, da
igualdade, da justiça.

Mas que immenso caminho andado! Eis-nos á porta de um mundo novo! novo e
todavia feito todo com elementos, que os tempos vieram lentamente
accumulando. Organisar esse mundo é a obra do socialismo. Não é de
destruição, essa obra; é de edificação e de consolidação. Não ameaça um
unico direito; define-os a todos e dá-lhes os seus justos logares. Numa
palavra se encerra o socialismo: organisação espontanea. Livre
organisação da industria, do trabalho, do credito, do capital, do
estado; federação juridica e economica, tudo pela liberdade e tudo para
a egualdade; ou como diz, com expressiva concisão, o sr. Oliveira
Martins "uma unica lei, o trabalho, e uma unica norma, a justiça"; eis
ahi como á luz da philosophia da historia se deve comprehender o
socialismo.

Terei depois disto logrado fazer perceber ao leitor a essencial
differença que existe entre a theoria historica e positiva do socialismo
e o socialismo utupista das seitas? Ao mesmo tempo que sae da historia
como uma natural evolução, perde elle para logo o caracter
contradictorio, problematico e, para tudo dizer, assustador, com que a
principio se apresentou no mundo. Alarga tambem o seu horisonte, deixa
de abraçar sómente uma ordem parcial de phenomenos sociaes, para
abranger todo o movimento renovador da humanidade contemporanea, na
philosophia, na sociedade, no estado e nas consciencias. Filho legitimo
da historia, deixa tambem de a contradizer no que ella tem de essencial,
a familia, a propriedade, a herança, bases da sociedade, duplamente
consagradas pela razão e pela pratica e veneração das gerações. Não
propõe uma construcção arbitraria e artificial da sociedade, mas
pretende sómente ajudal-a no seu desenvolvimento organico, segundo uma
theoria estudada nella mesma, nos seus antecedentes. É, numa palavra,
verdadeiramente conservador o socialismo, por isso mesmo que é
verdadeiramente progressista. E se eu tivesse algum direito de em nome
delle dar um conselho aos homens e aos partidos que, por se julgarem
conservadores, entendem ter obrigação de combater uma philosophia
social, que não conhecem, ou diria a esses illudidos: Fazei-vos
socialistas, se quereis realmente merecer o nome de conservadores, que
por ora não tendes sufficientemente justificado: passae para este lado,
que é onde estão os representantes da verdadeira tradição da humanidade,
tradição não de entenebrecimento e oppressão, de odio e lucta
systematica, mas de luz e liberdade, de paz e conciliação: ou, senão,
examinae pelo menos antes de condemnar, informae-vos antes de
amaldiçoar, aliás teremos de dizer que sois só conservadores da vossa
propria ignorancia e obsecada paixão.

Mas eu nao tenho direito de dar conselhos a quem não m'os pede nem me
julga auctorisado a dal-os. Depois, talvez este meu candido appello,
para a conciliação e a tolerancia, seja ainda uma daquellas muitas
utopias que só merecem um sorriso de desdenhosa compaixão dos homens
_praticos_ encanecidos no trato das coisas reaes do mundo... Talvez!

Paciencia. Veremos o que o tempo _praticamente_ responde a tudo isto.

Fevereiro-Março, 1873.




Le Portugal contemporain--Oliveira Martins


En dehors de la littérature proprement dite, le Portugal ne possède
aujourd'hui qu'un seul écrivain réellement supérieur: c'est M. Oliveira
Martins, l'auteur de la _Bibliotheca das Sciencias sociaes_. Définir son
genre et le classer d'un mot me semble chose presque impossible, par la
simple raison que ce mot n'existe pas encore: _socialiste_ a un sens en
même temps étroit et vague; _sociologiste_ serait un barbarisme. Si,
depuis les Grecs on a toujours écrit l'histoire, disserté sur la
politique et plus ou moins observé l'économie et les moeurs des
nations, ce n'est que depuis un demi-siècle à peine qu'on a été amené à
étudier scientifiquement la Société, en la considérant comme un tout
naturel et réel, dont les phénomènes sont susceptibles d'être ramenés à
des relations générales et fixes, c'est-à-dire à des lois. De là la
constitution d'un nouveau et dernier groupe de sciences, qui est venu
s'ajouter à celles qui existaient déjà: le groupe des sciences morales.

M. Oliveira Martins (_socialiste_ ou _sociologiste_, comme on voudra)
s'occupe donc de sciences sociales, et, quoique jeune encore, mérite,
par la profondeur de ses recherches, l'originalité et l'ampleur de
ses vues et la fermeté de sa méthode, d'être rangé parmi les mâitres et
promoteurs de ces études nouvelles. En outre, son estyle, par ses
qualités de vigueur, de vie et d'élévation, quoique trop souvent
incorrect et déparé parfois par le mauvais goût, fait de l'auteur de la
_Bibliotheca das Sciencias_ un écrivain de premier ordre.

Les premiers ouvrages de M. Oliveira Martins (_Theoria do Socialismo_ et
_Portugal e o socialismo_), parus à Lisbonne vers 1873 et 1874,
appelèrent sur les lèvres du petit nombre de personnes en état de les
juger un _Tu Marcellus cris!_ prophétique. Touffus d'idées hardies, mais
encore mal définies, et auxquelles manquait une base solide de
connaissances positives, obscurs et confus par le style, ces deux livres
dénonçaient pourtant les maîtresses qualités qui font le penseur et
l'écrivain d'ordre supérieur.

En effet, le germe des doctrines exposées plus tard dans la
_Bibliotheca_ s'y trouvait déjà formulé dès la première page dans ces
mots: "La théorie du socialisme c'est l'évolution.", Depuis, la pensée
laborieuse de notre auteur n'a fait qu'approfondir et développer cette
idée, en l'étayant de solides études économiques, politiques et
historiques.

Laissant là la manière sèche et étroite des économistes et leur méthode
tout abstraite, M. Oliveira Martins conçoit la société comme un tout
vivant, un être collectif qui, comme l'homme lui-même, est à la fois
naturel et rationnel, sujet dans son développement à la double action
des lois de la nature, auxquelles se rattache la sociabilité elle-même
dans ses formes primordiales, et des principes juridiques et moraux qui
sont le domaine propre et exclusif de l'humanité. La lutte,
l'équilibre, la pénétration et l'opposition de ces deux éléments
constituent, aux yeux de nôtre auteur, l'être même de la société, dont
le développement, changeant et variable comme celui de toute chose
vivante, peut présenter des aspects très dissemblables et impropres:
rien n'y est absolu, rien n'y est nécessaire, hormis les lois générales
de la nature et l'essence rationnelle et morale de l'homme. La méthode
des sciences sociales ne peut donc pas être abstraite: elle doit être,
avant tout, historique.

C'est à ce point de vue, et non pas seulement en naturaliste et
économiste, mais encore en juriste et moraliste, que M. Oliveira Martins
s'est placé pour étudier dans sa _Bibliotheca_ l'ensemble des
phénomènes,--travail, distribution, propriété, classes, gouvernement,
juridiction, culte, etc.,--qui constituent le vaste domaine, encore
imparfaitement jalonné, des sciences sociales. La _Bibliotheca_ comprend
déjà 12 volumes. En outre, M. Oliveira Martins a publié un Mémoire sur
la _Circulation fiduciaire_ et diverses brochures se rattachant toutes
aux questions sociales. L'espace nous manque pour donner même une courte
analyse de chacun des volumes déjà parus de la _Bibliotheca_, et il faut
que je me borne à l'exposition sommaire que je viens de faire des idées
culminantes et de la méthode de l'auteur. Mais je dois au moins appeller
l'attention des personnes compétentes sur deux de ces volumes (_Quadro
das instituições primitivas_ et _O Regime das riquezas_), qui, par leur
grande originalité de vues et de forme, mériteraient bien d'être
traduits en français ou en allemand.

La fécondité de la méthode historique de l'auteur y devient évidente. A
l'encontre des économistes orthodoxes, qui dessèchent la réalité humaine
dans leurs formules et prétendent réduire la vie de la société à une
espèce d'algèbre inflexible, M. Oliveira Martins, plongeant en pleine
réalité, nous montre l'origine variable et les formes multiples des
institutions sociales assujeties dans leur développement non à des lois
purement naturelles, comme le prétendent les économistes, mais avant
tout à des raisons intimes et _humaines_. Jamais les fatalités
naturelles n'y étouffent complètement l'être moral de l'humanité, et,
même dans ses formes premières et plus rudes, la société apparaît comme
le domaine de la liberté. La concurrence y joue un grand rôle, sans
doute, mais contrecarré ou endigué par des forces juridiques et morales.
La pure mécanique sociale, telle que la rêvent les économistes, n'y
triomphe jamais non plus que cet individualisme abstrait qui serait
plutôt l'idéal de la sauvagerie que celui de la civilisation. Celle-ci,
loin de marcher de plus en plus dans le sens des fameuses "lois
naturelles", tend au contraire à s'en affranchir, et la société, dont
l'idéal est la justice et non la nécessité, va graduellement se
rapprochant de ce type de raison et de liberté qui est l'être même de
l'homme.

On voit, par ce rapide aperçu, que M. Oliveira Martins se rattache à
l'école appelé en Allemagne des _Katheder-Socialisten_: il doit beaucoup
aussi à ce puissant penseur, si mal compris encore aujourd'hui, P.-J.
Proudhon. Mais, socialiste doublé d'un historien, il projette sur toutes
ces questions une lumière qui les fait voir sous des aspects
nouveaux en dehors du terrain forcément étroit des écoles et des
discussions, et dans les larges perspectives de la réalité. Là est, à
mon avis, sa principale originalité.

Je voudrais être bref; mais je dois pourtant dire encore quelque chose
des deux ouvrages (_Historia de Portugal_ et _Portugal contemporaneo_),
qui M. Oliveira Martins a consacrés à l'histoire de notre pays, et qui
se rattachent à la _Bibliotheca_, plutôt qu'ils n'en font partie. A
première vue, ces livres semblent ne devoir interesser que les seuls
Portugais; on verra qu'ils ont une portée bien plus générale.

Le Portugal contemporain est une énigme que personne en Europe ne
comprend et dont, même chez nous, bien peu de gens savent le mot. On
cite généralement le Portugal comme un modèle des petits pays libres et
sages: pas de révolutions ni de luttes de classes; la paix, le
fonctionnement régulier du régime parlamentaire; on l'oppose souvent à
l'Espagne, périodiquement convulsionée. Et pourtant ce pays modèle
est--la Turquie exceptée--le plus mal administré qui soit en Europe.
Après 50 ans de paix, sa dette publique est une des plus écrasantes et
elle s'accroît tous les jours, car le budget portugais se solde
régulièrement en déficit. L'esprit publique est nul en dépit d'une
multitude de journaux ordinairement éphémères et tous plus insignifiants
les uns que les autres, et la politique est devenue l'apanage, de haut
en bas et de droite à gauche, d'une classe de gens à peu près ignares et
tenus généralement en estime médiocre. Quant à l'armée, le moins qu'on
en puisse dire est qu'elle est aussi fantastique que coûteuse,
tandis que l'instruction populaire est lamentable et que l'enseignement
supérieur (a l'excepction de deux ou trois écoles spéciales) est
souverainemente pedantesque ou vide[1]. Le seul sentiment
national un peu perceptible est une espèce de haine sourde et
instinctive contre l'Espagne, qu'on ne connaît pas, et, dans les classes
cultivées, l'admiration béate de tout ce qui est français, qu'on suige à
tort et à travers, dans les lois, les moeurs, la litterature et la
langue même, qui va s'adultérant de plus en plus.

Voilà, on en conviendra, pour une nation réputée "le modèle des petits
pays sages et libres", des aspects singulièrement imprévus!

La raison de ce remarquable phénomène de pathologie sociale est que
Portugal est la seule nation en Europe _qui soit réellement vieille et
caduque_. On peut lui appliquer les constitutions, les lois, les
règlements et les phrases qu'on voudra; rien n'y fait, car il n'y a pas
de stimulants pour la décrepitude. Elle acceptera les libertés comme les
coups, les constitutions comme les épidemies, avec le calme indifférent
de l'insensibilité et de l'inconscience. De là sa paix profonde et son
étonnante sagesse; de là aussi un irrémédiable affaissement. Les
contradictions sans nombre qui présente notre état social, politique
et intellectuel, et qui déroutent l'observateur (pas un voyageur en
Portugal n'a compris ce pays), n'ont pas d'autre raison. Les mots ne
répondent plus aux choses, et les meilleurs lois ne sont que de petits
chiffons de papier emportés de France. C'est un système de mensonge naïf
et inconscient. La réalité, c'est cet affaissement irrémédiable d'un
organisme national arrivé à l'extrême limite de ses forces vitales.

L'étiologie historique de ce cas remarquable a été faite, pour la
première fois, et supérieurement, par M. Oliveira Martins, dans son
_Historia de Portugal_, tandis que son _Portugal Contemporaneo_ fait
toucher du doigt les contradictions incurables de la situation actuelle,
issue, non de la raison consciente e d'un effort viril de toute la
nation, mais des illusions plus au moins généreuses d'un petit nombre de
révolutionnaires et de l'atonie des masses, sur lesquelles on faisait
cette expérience doctrinaire: _in anima vili_. On y apprend à connaître
le _quid_ spécial de la Révolution portugaise de 1834, la fatalité qui y
menait et qui changeant tout à coup d'aspect, allait présider aux
convulsions d'abord, puis aux mécomptes, aux désillusions, aux compromis
lâches, et finalement au marasme actuel. Le _Portugal Contemporaneo_ est
l'histoire cruelle de cet avortement. L'auteur y fait, pièces en main et
pas a pas, le procès de ce libéralisme bourgeois, en même temps abstrait
et utilitaire qui, après 50 ans de domination incontestée, aboutit à une
situation inextricable et de la débâcle imminente. Comme description
détaillée d'un cas de pathologie sociale, ce livre, qui, sous d'autres
rapports, n'interesse que les Portugais, peut offrir un intérêt
spécial à toux ceux qui s'occupent, en hommes de science et en
philosophes, des choses de la société.

Les causes premières de cette maladie profonde à laquelle succombe
actuellement la nation portugaise ont été mises en lumière par M.
Oliveira Martins, dans son _Historia de Portugal_.

Em 1580, après la catastrophe d'Alcacer-Kibir, le Portugal était
réellement mort. L'oeuvre féconde et glorieuse de sa vie historique
était accomplie; mais l'ouvrier héroïque gisait exténué. L'application
en grand, pendant trois quarts de siècle, d'un faux système
d'exploitation coloniale avait ruiné le pays et troublé profondement sa
constitution sociale: le jésuitisme, d'un autre côté, avait épaissi ou
perverti son intelligence, brisé son ressort moral, faussé son libre
génie, et, en étouffant tous les germes de l'esprit moderne que la
Renaissance avait si abondamment semés, paralysé tout développement
ulterieur et tué l'avenir. Philippe II, en réunissant le Portugal à la
couronne d'Espagne, n'a donc fait que cueillir un fruit mûr. L'histoire
du Portugal aurait dû finir à cette époque-là. La restauration nationale
de 1640 a été un fait en grande partie artificiel, possible seulement
par l'abbatement de l'Espagne, qui avait perdu sa force d'attraction.

Le nouveau Portugal, qui commence à cette date-là, n'a rien de l'autre,
rien de sa force noble, de son hardi génie. Ce n'est qu'un triste
bâtard, un être malingre et malvenu, le produit artificiel de la
diplomatie, que son grand ami, l'Anglais hérétique, protège, rudoye,
amuse et exploite. De sa seule force, il ne tiendrait pas debout: il
est donc juste qu'il paye celui qui le soutient. Il le payera des
restes de son noble héritage, de ses colonies, qui s'en iront l'une
après l'autre grossir l'empire de la nouvelle reine des mers; il le
payera encore en traités de commerce, qui le ruineront au profit de son
loyal protecteur. Cela s'appella la glorieuse restauration portugaise de
1640--oeuvre néfaste entre toutes, qui démembra l'Espagne et compromit
pour des siècles, peut-être pour toujours, l'avenir de la peninsule
ibérique.

Mais, à côté de l'Anglais hérétique, le jésuite aussi avait travaillé à
cette oeuvre glorieuse: il reçut sa paye. On lui abandonna
complètement l'éducation, l'âme de la nation. Le Portugal a été, pendant
deux siècles, plus encore que le Paraguay, le véritable paradis des
jésuites. Leur produit spécial, leur oeuvre de prédilection, le cagot,
y arriva à la plus merveilleuse perfection. Le cagotisme a été
véritablement le trait, le signe particulier du nouveau Portugal: c'est
par là qu'il acquit une physionomie. Comme état de psychologie
collective, il survécut à la destruction des jésuites, il a traversé les
révolutions: il s'est accommodé du libéralisme, et, chose surprenante,
de l'incrédulité elle-même! Il dure toujours, et la situation trouble,
maladive, énigmatique d'aujourd'hui est avant tout son oeuvre.

Voilà, aussi brièvement que possible, la vérité sur le Portugal moderne.
Cette vérité n'était pas inconnue avant les livres de M. Oliveira
Martins: on la pressentait plus au moins, en tâtonnant à travers le
brouillard d'illusions séculaires et officielles: quelques-uns même
avaient osé la formuler. Mais, seuls, les livres de M. Oliveira
Martins l'on déduite historiquement, c'est-à-dire, en présentant
nettement les faits et en les ramenant à leurs causes. Dans ces livres
si vivants, si incisifs, la forme est narrative et pittoresque, le fond
est philosophique. C'est de la très ferme étiologie historique. En
suivant l'histoire à travers la variété animée des scènes et des
personnages, le lecteur s'aperçoit tout-à-coup qu'on lui a fait une
démonstration en règle. Ce n'est pas là une des moindres originalités de
la manière de M. Oliveira Martins.

Du reste, pour nous autres, tout est original dans ces livres, l'idée
comme la forme, le point de vue critique comme la manière réaliste. Le
Portugal, depuis sa Révolution, n'avait encore eu qu'un seul homme
supérieurement doué et fortement préparé pour le travail de l'histoire:
A. Herculano. Mais, outre que Herculano ne s'est jamais occupé que de
l'histoire anterieure à 1580 (qu'on peut considerer comme l'histoire
d'une autre nation) il était trop dogmatique dans ses vues et trop raide
et guindé dans son estyle, pour qu'on puisse trouver dans ses livres la
vie et la philosophie, c'est-à-dire l'âme et la forme de l'histoire. Son
oeuvre puissant d'effort et de savoir, souvent éloquente, a suivi
toutefois une direction trop particulière.

Pour les autres qui se sont occupés de l'histoire moderne du Portugal,
Rebello da Silva, en dépit de son admirable talent litteraire, n'a été
qu'un médiocre rhéteur: Pinheiro Chagas n'est qu'un compilateur dénué de
toute critique et même de toute idée. Ceux qui ont osé affronter les
livres de M. Theophilo Braga ont eu quelquefois la consolation d'y
rencontrer l'ombre d'une idée neuve et juste et quelques aperçus hardis
ou ingénieux, trop vite noyés dans le fatras babylonien d'une
érudition en délire. Les ouvrages historiques de M. Oliveira Martins
restent donc originaux au premier chef et sans précédents dans nôtre
litterature. Dans les litteratures étrangères, ils se rattachent surtout
à Michelet et Carlyle--avec moins d'imagination et d'intention poétique,
mais avec plus de fermeté et de largeur dans les vues.

Vous allez croire maintenant que l'homme audacieux qui a osé dire à son
pays les vérités les plus cruelles et les plus humiliantes pour sa
vanité, doit être chez nous une espèce de paria, un lépreux tenu à
distance par le monde officiel, quelque chose comme Proudhon l'a été en
France sa vie durant?

Rassurez-vous. M. Oliveira Martins est membre de l'Académie Royale de
Lisbonne et de l'Institut universitaire de Coimbra.

Il a vu un de ses livres, et non pas des moins sévères (_A circulação
fiduciaria_), couronné par cette même Académie Royale. Le monde officiel
le fête, le choye, l'aime de tout son coeur. Les ministres sont très
heureux quand il veut bien se charger de quelque travail qui demande
beaucoup de savoir et beaucoup de désinteressement. Je ne sache pas non
plus que ces terribles livres aient eu de contradicteurs. En un mot, il
ne tiendrait qu'a lui d'être l'homme du jour dans le pays qu'il a si
malmené.

Etonnant, n'est-ce pas?--Pour qui sait comprendre, ce simple fait en dit
plus long que de gros volumes!

1884.

    [1] Un seul fait suffira. A l'Ecole des hautes études litteraires
    (_curso superior de lettras_) de Lisbonne, la chaire de litterature
    ancienne est occupé par un monsieur qui ne ne sait pas un mot de
    grec--et, chose plus curieuse encore, parmi les membres du jury de
    concours qui l'a reçu (composé de professeurs du dit _Curso
    superior_ et de membres délégués de l'Académie royale de Lisbonne),
    _pas un seul non plus ne connaissait le grec_!




Oliveira Martins e o partido progressista


CARTA A SEBASTIÃO D'ARRUDA DA COSTA BOTELHO


Villa do Conde, 1 de agosto de 1885

                                                        _Meu Sebastião_

.......................................................................

Mando-te esses numeros da _Provincia_ para veres o caracter imponente,
que teve a manifestação do Porto e o tom a que o O. Martins tem sabido
levantar o Progressismo, que tão desafinado andava. Verás tambem que
elle não renegou, nem se desdiz. A bandeira que desfralda é a do
Socialismo, como até aqui. Convencido como está, e estão todos os que
sabem observar os factos, da incapacidade actual, (e que o será ainda
por muito tempo), do partido republicano para fundar seja o que fôr e
vendo ao mesmo tempo a imminencia de uma crise pavorosa, o O. Martins
fez acto verdadeiro de patriotismo, procurando aquelles elementos, que
bem dirigidos e transformados, poderão por ventura fornecer ainda um
ponto de apoio no meio do naufragio. Um homem como O. Martins, não dá um
passo destes, nem toma posição de tamanha responsabilidade, sem ter
visto bem as cousas e estudado o melhor caminho. Tem sido approvado por
muita da melhor gente. O O. Martins é o unico homem politico superior
que temos, pois reune a um elevado caracter um saber vasto e não só
theorico mas technico e um poder de trabalho incomparavel. Quando um tal
homem dá um passo, como elle deu, o dever da gente seria, ainda quando o
não approve, é não o estorvar na sua tentativa, reconhecendo a pureza
das suas intenções. Os republicanos, porém, cobriram-n'o de insultos e
imputações as mais baixas--e no dia seguinte o que fizeram? foram
alliar-se com os regeneradores, para combater o movimento por elle
iniciado, movimento que pode falhar, mas que é sem duvida sério e
exprime o sentir nacional, pelo menos neste ponto de querer acabar com
essa alliança da burocracia com a finança, que é a fatalidade do partido
regenerador, origem da corrupção politica e de um systematico
desgoverno. Destruir essa oligarchia burocratico-financeira, que nos
domina e desmoralisa, ha tantos annos, e impedir por meio de leis
convenientes que ella possa de futuro tornar a formar-se, parece-me
coisa muito mais importante do que uma simples alteração no caracter do
poder executivo, cousa que deve ficar para depois, pois só as reformas
economicas e financeiras tornarão aquella outra puramente politica, não
só possivel, mas fecunda e duradoura. Isto tanto mais, quanto está
imminente a bancarrota e uma tremenda crise social; a proclamação da
Republica, não só não remediaria esses grandes males, (pois que
influencia póde ter uma reforma só politica nos elementos
financeiros e economicos?) mas traria mais uma complicação e
elemento de desordem, como ainda em 1873 se viu em Hespanha. Convém,
pelo contrario, addiar essa questão, visto que não é urgente, e não
complicar com ella a outra, urgentissima. É de boa politica, como é de
boa logica, dividir as questões para as resolver, e começar por
aquellas, que resolvidas, podem facilitar a resolução das outras.
Impedir que tudo venha a baixo parece ser a cousa mais urgente. Depois
reformar a constituição economica, de modo a impedir que um tal estado
de cousas possa vir a repetir-se. E só depois organisar a constituição
politica, tanto no que toca ao legislativo, como ao executivo, de modo a
dar estabilidade e duração aos progressos realisados. Pódes crêr que
estas são hoje, como sempre foram, as aspirações do O. Martins, que
continúa sendo tão bom socialista e republicano como era dantes. Eu, por
mim, approvo-o inteiramente na marcha que vae seguindo, e desejava que
toda a gente séria lhe désse o apoio indispensavel, ainda aos maiores
politicos, para fazerem qualquer cousa. Se todos começarem a
hostilisal-o, é claro que nada poderá fazer. Virá a terra, e com elle a
ultima esperança deste pobre Portugal. Então teremos o diluvio.

Adeus, meu Sebastião. Do teu de c.

                                                               _A. de Q._




INDICE

Os Lusiadas, ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação á sociedade
portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de Oliveira Martins.
Porto, 1872 (Folhetim do _Primeiro de Janeiro_) ... 5

Theoria do socialismo, evolução politica e economica das Sociedades da
Europa, por J. P. de Oliveira Martins. Lisboa, 1872 (Artigos do _Diario
Popular_) ... 18

Le Portugal contemporain--Oliveira Martins (Estudo publicado na _Revue
Universelle et Internationale_). Paris, 1884 ... 39

Oliveira Martins e o partido progressista, carta a Sebastião de Arruda
da Costa Botelho, testamenteiro do grande poeta-philosopho ... 50




NOTA


O presente opusculo constitue a mais respeitosa homenagem dos
testamenteiros de Anthero de Quental á memoria do glorioso escriptor
Oliveira Martins.


PREÇO 300 réis





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