The Project Gutenberg EBook of O Marquez de Pombal á luz da Philosophia, by Angelina Vidal This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: O Marquez de Pombal á luz da Philosophia Author: Angelina Vidal Release Date: November 14, 2008 [EBook #27255] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O MARQUEZ DE POMBAL *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) O MARQUEZ DE POMBAL Á LUZ DA PHILOSOPHIA ANGELINA VIDAL O MARQUEZ DE POMBAL Á LUZ DA PHILOSOPHIA LISBOA IMPRENSA DA VIUVA SOUSA NEVES 65, Rua da Atalaia, 67 1882 A CAMILLO CASTELLO BRANCO ESCRIPTOR ILLUSTRE Estamos em pleno jubileo. Cada época traz o seu cunho caracteristico de exagero, e tristes dos que se affoutam a soltar qualquer nota discordante no concerto da lisonja publica. No meio d'este anemico paiz vibra ainda uma corda vocal, a ultima--é a maledicencia. Este facto pathologico é porém de modo tal inoffensivo, que minuciosamente estudada a sua etiologia, conclue-se que por unica therapeutica deve applicar-se-lhe o despreso. Insultar é uma necessidade tão inherente ao organismo patrio, que se o indigena não houvera a quem fazel-o, insultar-se-hia a si mesmo. Não se combatem principios; oppõem-se abusos a abusos; á communhão da Liberdade não se admittem cerebros livres; tem de annullar-se a consciencia, em honra do opportunismo. Para ser-se _immortal_ pedem-se as credenciaes aos monarchas da opinião, e inscreve-se o pretendente nos clubs do elogio mutuo; não é economico, porque importa a dignidade dos candidatos; mas custa menos do que fazer-se eleger deputado de qualquer partido. Eu porém affasto-me dos microscopicos fetiches, para venerar tão só os privilegiados do talento, e tenho bastante valor para arrostar com os desdens do enfatuamento ignaro. Democrata convicta, e evangelisadora do livre exame--em ethica, sciencia, e politica, manifesto amplamente as opiniões do meu espirito, com a altiva independencia de quem se habituou a superar os diques verminosos da sórdida mesquinhez. Por isso estendo fraternamente a mão ao glorioso mestre da patria lingua, e saudando o fecundo engenho do athleta da litteratura portugueza, offereço-lhe despretenciosamente estes humildes versos. Lisboa 30 de abril de 1882. _Angelina Vidal._ I Um côro de ovações se eleva norte a sul; No seio do paiz, palpita a festa ingente, Mil eccos de alegria ondulam pelo azul, E a vaga popular circula vivamente. Que enorme vibração aos tristes galvanisa? Que fado deslumbrante a Patria considera? Una rasgo de valor que um mundo synthetisa? Um estro que irradia a Gloria pela esphera? Um Genio que assombrasse o coração do mundo? Talvez Dante ou Camões, talvez um Diderot, Ou Bacon, ou Voltaire o destructor profundo, Feurbach ou Galileo, Danton, Goethe, Rousseau? Oh não! A Patria canta o athleta da Realesa, O Hercules pujante, o pulso sem rival Que punha até por terra as leis da Naturesa, Mas que tambem erguia a fama Nacional. Thuribulisem pois o nome do gigante, Incensem sem descanço o esteio da corôa, O facho da instrucção, o genio penetrante, Que de um montão de cinza ergueu nova Lisboa! Cantae, Democracia; o espirito do bravo, Que o nivel fez rolar por sobre a Sociedade, Prostrando o jesuitismo, ou libertando o escravo, Quebrando á inquisição as garras da maldade. Lisonja, ergue a Pombal um hymno de louvores! Realça o que é brilhante, esconde o que é medonho! Cerrae a porta á Historia, ó novos pensadores! O mal não existiu; é falsidade, é sonho! II Nove horas; a cidade acorda sob um ceu De christalino azul, de transparente veu; Movimenta-se a pouco a gente nas viellas, Adornam-se com arte as donas e donzellas, E os sinos vão chamando os fervidos catholicos Aos festejos do templo, e aos canticos symbolicos. Entoa o padre a missa, e os crentes, com respeito Se curvam brandamente; habita em cada peito A prece fervorosa, os orgãos gemem notas Que fazem palpitar as candidas devotas. Ha como que um sereno e doce mysticismo Que leva os corações, em nuvens de idealismo, Aos páramos do ignoto, aos vagos paradisicos, Onde a crença cultiva os lirios metaphisicos. Nas praças, os peões, laboram tristemente, E n'uma gelosia um vulto sorridente Espreita cuidadoso ao longo dos caminhos. Passa ás vezes um nobre envolto em bons arminhos, E alinham-se na rua, á porta dos conventos, Os novos com preguiça, e os velhos sem proventos. De repente porém, um intimo ruido Se escuta assustador na entranha da cidade! Depressa lhe succede horrivel alarido, E um turbido baquear, em toda a extensidade. Oscilla cada predio, e cahem pelo sólo Desfeitos como em pó os rijos edificios; E a misera Lisboa, afflicta, pólo a pólo Vomita o seu terror, por igneos orificios. Fogem as mães tremendo, os filhos junto ao seio, E correm a acolher-se aos templos do Senhor; Mas eis que ao grande affan do seu materno anceio Ahi se expõe um quadro escuro e aterrador. Abobadas cahindo em cima dos altares, E o padre surpreendido em meio dos cantares, Sem voz, sem movimento, a par de uma madona Que ha muito se ostentava em seu painel de lona. Creanças a chorar, columnas em pedaços, Soluços do estertor, e aqui e além uns braços Sob as pedras surgindo e estrebuchando a custo!... Nas ruas e jardins não é menor o susto. Rodou rapidamente o nivel da desgraça! Só resta enorme entulho onde era alegre praça, E os tectos ao cahir nos crepitantes lumes, Erguem linguas de fogo, em cálidos queixumes. Estala o velho tronco ao cedro gigantesco, E paira em tudo o horror mortifero e dantesco. E para cumular o quadro de afflicções, O Tejo, saccudindo os pardos turbilhões, Devora febrilmente as ruinas rescaldantes, E lambe o morto, e o vivo, em saltos delirantes, E abrindo o coração, sedento de vingança, Abysma o forte, o fraco, o velho, a mãe, a creança! E como se o terror gerasse a crueldade, Para opprobrio veraz da crúa humanidade, No cahos tumulento anda essa immunda plebe Que rouba, que assassina, e apenas se apercebe, Sob as nuvens de fumo e pulsações do fogo. E o rei e o seu ministro? Accaso n'esse jogo Da horrifica tormenta, o ceu de azul purissimo Ousaria esquecer um rei que é _fidelissimo_? Quem sabe se terão cahido do vaivem? Salvou-o Jehovah--el-rei estava em Belem? ........................................... Depressa chega ali a nova deploravel; Aterra-se a nobresa; o facto lamentavel Envolve em lucto e pranto innumeros varões. Entreolham-se a tremer, e logo as orações Se elevam para o ceu como espiraes de dôr. El-rei branco de susto, os filhos com pavor Percorrem os salões, idiotas e perplexos. Mas fulgem n'um olhar uns vividos reflexos, E um vulto erecto e firme encara D. José; «Marquez, murmura el-rei, castigo de Deus é «O horrivel cataclysmo! E agora, que afflicção! «Que havemos de fazer em tal destruição? «Arde toda a cidade, e estão vasios os portos» --Salvemos quem viver, demos á terra os mortos.-- Responde friamente o imigo da utopia. E longe de invocar a Deus ou a Maria, Expede ordens de cunho e toma arduas medidas, Alenta sem delonga as perigadas vidas, Corta os braços á chamma, e tolhe o passo á fome; Liberta o infeliz da angustia que o consome, E ahi onde o devasso um roubo perpetrava, Ahi a forca bruta á morte o condemnava. ......................................... Annos depois surgia a nova capital N'um throno que assentava em bases de christal. III Que borburinho é esse? O Porto anda revolto? Que foi que se passou? Como é que invade a praça o povo irado e solto, Se tanto laborou El-rei, por tel-o em bens e liberdade envolto? Se ha tanto beneficio, exforços tão visiveis Em prol da causa publica, Como podem brotar reprovações sensiveis, Como é que a ideia nublica Não acha na Rasão um dique d'impossiveis? «O povo é desgraçado,» affirma a humana Historia, «Mataram-lhe o Direito, «E forçara-n'o a seguir a negra sorte ingloria, «Calado, contrafeito, «Pagando sem gosar, tecendo a alheia gloria!» Um dia, de repente, ergueu-se a reclamar; A ignara populaça. O monopolio rouba-a, era mister luctar! E logo, a plebea raça Reclama valorosa, em vez de supplicar. Mas o ministro excelso havia já disposto Das cousas do alto-Douro; Vivesse embora a Patria em noute de desgosto. Os cofres tinham ouro... Que importa se a Rasão traz lagrimas no rosto? Por isso se indignou o esteio da Realesa, E os raios da vingança Fabrica muito á pressa, e envia com prestesa Á popular esp'rança Fundada na intuição das leis da Naturesa. E após, hórrido insulto á crença humanitaria! Por um delicto falso Estende-se no Porto a rede sanguinaria, E o torpe cadafalso Arranca friamente a vida ao triste paria! Creanças sem vigor, rojadas sobre a rua, Forçaram-se a seguir O sacrificio immano, onde o valor recua, E a ver a mãe subir A via da amargura, e escarnecida e nua! E um homem venerando, um martyr impolluto Que a Consciencia chora, O bom Juiz do Povo, um bravo resoluto, Sereno como a aurora, Lá foi tambem lançado á morte, ao chão do lucto! O que ha que justifique o horror de taes supplicios? Que espirito medonho, Não treme ao ver a morte, açoutes, e os exicios? Não julga quasi um sonho Que um homem só, profunde infindos precipicios? Quem ha que não palpite em plena indignação Olhando um nobre velho Manchado pela affronta, exposto á impia acção. Pondo um lastro vermelho, Na terra onde semeia a intima afflicção. Quem ha que não suspire, ao ver a mulher casta, Violada em seu pudor, Pendida n'uma forca, e desnudada, e gasta Nas ancias do terror, Maldita pelo algoz, que á sepultura a arrasta? Se o Homem fôra um monstro, um tigre em sangue absorto, Comquanto fôra filho, Havia de exprobar ao potentado morto O mortuario trilho Que abriu com turvo affan no coração de Porto! Se a Mãe fosse mais fera ainda que a leôa, Comquanto fosse Mãe, Havia de olvidar o astro de Lisboa, Para escutar além, O brado perennal que pólo a pólo sôa! Ahi tens, ó Povo Luso, o heroe que agora incensas; Proclama-o democrata! Mas pesa-lhe a injustiça, os odios, e as sentenças E dize se arrebata Um nome que traduz as mais crueis offensas! ............................................ E o titan que esmagava assim, rude e febril, Os braços da nação, os braços productores, Os ferros destruia ao escravo no Brasil, E baixava ao commercio os olhos protectores! Infando laborar! Contradicção tamanha, Que põe n'um ser vidente um tumultuoso abysmo, E nos traz á memoria a flórida montanha Que engendra no seu flanco o igneo paroxismo! Homem! Dizes-te o ser Supremo do Universo Quando és synthese só das leis da creação! És tu quem dás a luz, e estás na sombra immerso, Proclamas o Progresso, e dás a Destruição! Exhaures toda a força em busca da Verdade, Penetras com valor nos seculos remotos, E quando julgas ver a eterna claridade Surge-te frente a frente um turbilhão d'ignotos! Que vezes a inconsciencia ao Genio se avantaja! Que infrene marulhar na logica dos factos! E quando a Aspiração em nuvens de ouro viaja, Ha de chegar emfim aos desenganos latos. Buscae por toda a esphera a perfeição preclara; O Sol vigora a planta, o Sol requeima o fructo; A chuva banha o solo, a chuva innunda a ceara, A Gloria cria a Fama, a Gloria tece o lucto! A Ideia rasga a entranha á mãe commum, á Terra, E tira-lhe do ser, minerio, luz, sustento; Mas rola sobre o campo o carro eril da Guerra, E põe um muro espesso em face ao Pensamento. Os cyclos do passado, erguendo o reposteiro, Mostram em toda a linha o Bem e a Crueldade; E o Homem preso á rocha, é destructor e obreiro Que agora incensa á treva, e logo á Liberdade! Nos dramas do Universo ha sempre imitações O fado é perennal, a fórma é transitoria; Cada época produz idoneas mutações E ha pontos de contacto a escurecer a Historia. Se um dia a raça humana attinge os lisos portos De seus nobres ideaes, então, forte e sublime, Escalpellando á luz, heroes, fetiches mortos, Ver-lhe-ha nos corações crescer a flor do crime. E então, em vez de honrar ministros, generaes, Em vez de pôr n'um templo os grandes assassinos, Dará seu preito eterno ás leis universaes, E á Sciencia e Liberdade os mais sonoros hymnos! IV Vem rompendo a manhã, dizem as aves Seus canticos tranquillos e suaves. As perolas da aurora, sobre as flôres, Parecem lamentar ignotas dôres; E a voz do pegureiro, nas collinas, De envolta com as phrases purpurinas Com que o espaço saúda a Humanidade, Tem um cunho supremo de saudade, Tem um ecco de angustia tão sentida, Como a corda de uma harpa, que, partida Expande pelo ether seus lamentos. Vem rompendo a manhã, nos movimentos Dos multiplos anceios luminosos Que agitam sem cessar a humana arteria, E transformam as lides da Materia, Parecem destacar-se uns sons dolosos, Que a Naturesa arranca das entranhas, E que vibram no valle e nas montanhas. E comtudo nos floridos caminhos Balouçam brandamente os doces ninhos, E reflectem nas limpidas correntes As nuvens azuladas, transparentes, Como um espelho brilhante da Consciencia, E as varzeas em virente florescencia Espalham pelo ambiente seus perfumes. Mas escutam-se ao longe alguns queixumes, Mas um grande alvoroto se aproxima, E parece que a aurora desanima, Que os doces rouxinoes tremem de susto, E pende a Naturesa o roseo busto! Quem é que vem então por essa estrada, Quando apenas desperta a madrugada? Que significa pois tanto tropel, Que quer dizer a angustia tão cruel Que pulsa ahi no seio universal? É talvez um factor do negro mal, Algum gigante audaz, filho da noute, Algum Attila ou Nero, rijo açoute Das coleras divinas, e illusorias, Que vem correndo as turvas trajectorias Do vicio, do rancor, do odio insano, Até rasgar o peito ao ser humano! ................................. É um cortejo que segue... quem será!? Já passam muito perto... Que numerosos são! Que vejo!... Ah! Com passo frouxo e incerto Caminha uma mulher, em desalinho, Mais pallida que arminho. De um lado traz o padre, e de outro o algoz De ventas dilatadas E a estupida expressão de um ser feroz. As brancas mãos ligadas, Veem roxas das auras matutinas, E das correntes finas. Cinge-lhe o corpo esvelto a alva infamante Dos tristes condemnados, E ás vezes solta um ai tão lancinante, Que tremem magoados Os proprios corações mais rancorosos, E os monstros mais odiosos. Vem seguida dos filhos e do esposo, Santissima cohorte Que vae cahir tambem no seio iroso Da vingativa morte, Que o ministro do rei, fero e iracundo, Arroja sobre o mundo. Chegam junto do poste; ahi pára tudo. O algoz, sem mais respeito Bate no hombro á martyr; fica mudo O feminino peito, Varado pela intima agonia Da infrene tyrannia. «Levanta essa cabeça, infiel traidora! Ordena-lhe o carrasco; «Tu serás a primeira, que és senhora! E com medonho chasco Procura, um por um, os instrumentos Que servem aos tormentos. «Vê marqueza de Tavora--era a triste! «Que esplendidas tenazes! «Sabes quanta virtude aqui persiste? «São para os teus rapazes. «Applico-lh'as na cara, mesmo em braza, «E faço--taboa raza! «E as torquezes? São rijas de uma vez! «Agarram como o brêo! «Hão de arrancar os olhos ao marquez, «_Meu amo e senhor meu;_ «E emquanto lhe correr o pranto amargo Protesto que o não largo! «Fidalga sem vergonha, olha os cutellos «Com que eu lhe parto as pernas. «Agarro-lhes depois pelos cabellos, «E, lanço-os nas cisternas. «Porém seu coração traidor, e infausto, «Dos corvos será pasto. «Vá! Morre descançada, morre em paz, «Que eu mato os teus tambem! «Vão todos para o monstro Satanaz! «E tu, que és boa mãe, «Deves nutrir os jubilos eternos «Por vel-os nos infernos! «Mas ouve, ouve mais; teu corpo amado, «Sou eu que o amortalho «Nos farrapos do opprobrio e do peccado, «E em cinzas o retalho. «E para mór despreso demonstrar «Atiro-as logo ao mar. «Recae-a em tua fronte todo mal, «Infamia e maldição! «Sepulte-se n'um torpe lodaçal «Teu limpido brazão, «E fique para sempre o nome teu «Mais vil que o de um judeu!» A martyr, com a vista erguida ao espaço Soffria silenciosa. Rodeia-lhe o pescoço o frio laço E a victima formosa E ao ver fugir da vida os aureos brilhos Só diz «Filhos, meus filhos!...» Ó mães! Que dôr suprema isto traduz! Que turbida epopeia! Ó povo soffredor, fóco de luz De onde irradia a Ideia, Medita; o que ha de mais cruento e féro No coração de um Nero?! Como é que desce tanto a raça humana? Como é que um Povo culto Supporta resignado a mão tyranna Que lhe arremessa o insulto, E deixa ir esmagando sob as lousas As filhas, mães, e esposas? .................................... Horas depois os martyres morriam Ás mãos do indigno algoz; Boatos na cidade percorriam Porém a plebea voz Produz-se eternamente no vazio... Por isso... não se ouviu! El-rei dava audiencia; ao seu ministro Fel-o marquez e conde; O premio era brilhante mas sinistro, E a Historia ainda esconde Os prantos que verteu, porque o terror Suffoca os ais á Dôr! Comtudo alguma cousa se levanta A protestar com ancia; Alguma aspiração sublime e santa, Em firme reluctancia Descobre ás gerações os negros rastros Dos portentosos astros. E chama-se Consciencia á eterna força, Que os seculos correndo, Sem que a linha traçada alguem contorça, Pharoes vae accendendo Nos angulos do turvo precipicio, Onde faz ninho o vicio. Em nome d'essa força que defende O fraco, o pobre, a creança, Gigante luminoso que se estende Da morte á loura esp'rança, É que eu reprovo a impia atrocidade Da velha sociedade. Sou democrata e mãe; procuro um norte De Liberdade e Gloria; Acceito essa revolta ardente e forte Que faz tremer a Historia, Porém condemno o immano desvario Que mata a sangue frio! ........................................... Que a lei arvóre o facho augusto do Direito, E vá depois cravar nos intimos do peito As garras da Inclemencia, Que a Lei fulmine a infamia e seja mais infame Que avilte e prostitua, e contra a ignavia clame, Revolta a sã Consciencia! Se o misero infeliz que pelas praças dorme Calcado pela dôr, medita o _crime enorme_ De procurar viver; Se presa da afflicção divaga pelas ruas, Sem casa nem familia, ao frio, as costas nuas, E os prantos a correr; Se a esposa que implorou á sociedade honesta Um meio de vencer a fome, e a sorte infesta, Se encontra repellida; E para alimentar um filho, irmão ou pae, Arranca o seu diadema, e sobre as lamas vae Manchar-se, prostituida. Se o orphão que vegeta a par do vicio ignobil, Mais tarde é para o vicio o nauseabundo mobil, Se rouba e prostitue, Como ousa revoltar-se a sociedade vil, Se é ella quem provoca, e desbragada e hostil, Perverte e não instrue? Que pensamento assiste aos monstruosos codigos? Se os papas, deuses, reis, no crime hão de ser prodigos, Como é que a lei castiga Um ser vidente e bom, que aclara a escuridão Com o facho viril da leal Revolução? Como é que a Lei intriga? Como é que ella protege o roubador agiota, E arrasta na enxovia o desgraçado illota Que a fome fez baquear Nos pelagos do mal? Ó sociedade absurda! Á voz da Naturesa, a lei ha de ser surda E o odio ha de julgar! ......................................... Matar uma mulher que é mãe, que é democrata, Assassinar sem dó a esposa aristocrata, Junto dos filhos seus, É por egual cruel, é por egual maldito! E havia de fazer chorar todo o infinito, Se acaso houvera um Deus! Por mim, que offerto o culto ao que é sereno e puro, Que adoro o Bem sublime, e odeio quanto é duro, Que não conheço a fé, Protesto contra a morte infausta de Antonietta, De Sophia, Leonor, Rolland, gentil athleta, De Tavora e Corday! A mão que referenda o crime da injustiça, Quando podia erguer da deleteria liça Um sol ou um jasmim, Assigna, sem pensar, o perennal deslustre De um seculo, de um nome, ou de um paiz illustre, Da Humanidade emfim! V Como ha de pois a Historia olhar esse Gigante, Que tinha em si a morte, o Bem, a luz e o crime? Que ora se eleva a um mundo altivo e coruscante E logo gera um mal que a Gloria não redime? Elle era um diplomata, um patriota, um merito, Podia ser tambem um nobre benemerito Levando o Povo Luso ás concepções do Justo, Se em vez de ser feroz, de ter um genio adusto Voltasse ao sentimento um coração suave. Julgou que ser tyranno era o mister mais grave Do ministro de um rei! Fez um docel de sangue ao tribunal da Lei, Poz um manto de lucto aos hombros da Justiça, Pisou raivoso o clero, e foi ouvir-lhe a missa, E como affirmação da ideia monarchista Dos nobres ao plebeu traçou a rubra lista. Como ha de pois a Historia olhar o athleta ousado? Pesando com criterio os factos do passado, Seguindo passo a passo o luminoso accesso Da Sciencia e do Progresso. ........................................ Ha muito que na Europa o sopro percorria Da clara discussão da sã philosophia. Desde o seculo doze, a duvida christã, Buscava escalpellar o craneo de Satan. Pierre d'Abelard examinara a crença, E via já na fé uma utopia immensa. Breve, Thomaz d'Aquino, imigo da Rasão, Antepunha ao Progresso a fera inquisição. Mas Bacon, um titan, repelle a fé-cahotica, E dando luz á Optica Recebe uma intuição da Sciencia positiva. Então larga a rotina, e só na lide activa Depoz a base firme á ideia demonstravel. Foi elle um ser vidente, e concebeu provavel, Toda a gloria vindoura; em seu nobre labor Meditava o progresso enorme do vapor; Mas como em sua frente a infamia não assoma, Foi um martyr da Sciencia, e victima de Roma, A eterna desbragada, a eterna prostituta Que as gerações enlucta. Mas o germen vingou; surgiu em breve a imprensa, Excelso meteoro, a realidade immensa Que faz de Guttemberg um centro luminoso! Ia baquear em terra um deus medonho e iroso; Ia a Ideia pulsar na mente e força do Homem! E como as trevas somem Os raios de um bom sol, assim o novo invento Abria par em par a estrada ao Pensamento! O Genio eternisava em breve a Pomponace, E o forte Rabelais batia face a face A escolastica, e a lei theocratica e politica, Bem como o abuso annexo á concepção juridica. A Patria lusitana, a joia do Occidente Á Europa mostra então o poeta Gil Vicente, Que açouta o clero hostil com látegos de risos, E nem sequer poupando os _santos paraisos_. Na praça era o judeu sujeito a atrocidades; Na côrte, D. Manuel escarnecia os frades. Havia pois de um lado a força da rotina E do outro a Ideia incuba a preparar a ruina. Mas n'isto um sobresalto os cerebros sacode, Roma chega raivosa, e vê que nada póde. Copernico affirmava a terrea rotação, Perdia o seu prestigio a _santa_ religião! Forçoso era impedir a affronta d'essa Idéa! O sabio ponderou, que outr'ora na Chaldéa Se havia já mostrado o movimento á Terra; Porém a Curia segue em furibunda guerra, E condemnou-lhe a obra. Mas eis um luctador que a força audaz redobra, E com coragem fria Procura no infinito as leis da astronomia. Inventa o telescopio e applica-o logo ao ceu. E o mundo olha assombrado o insigne Galileu, Que segue passo a passo O trajecto eternal dos mundos pelo espaço. Se ha nome que de Gloria esplenda no universo, É o d'esse velho nobre Que o clero punge e arrasta, em dôr, e pranto immerso, Mas que ao Genio descobre A esteira do futuro, a via dos heroes Que põem no Progresso os rubidos pharoes! A quéda do Oriente, estremecer convulso Havia dado á Ideia um vigoroso impulso, Civilisando a mente e pondo em toda a parte O gosto da Poesia, e pelos brilhos da arte. Então o aureo paiz dos inclitos varões Produz um sol gigante o esplendido CAMÕES, A synthese do Genio, um estro democrata Assombro dos Ideaes, talento que arrebata! Que bella actividade! Um cyclo era uma escola De sublimado intento!... Porém vê-se descer o manto de Loyola Por cima d'esse advento, E logo a aurora cae nas garras do terror, E logo a humana gloria exprime no estertor Que a prostra um assassino! Comtudo avança o Bem! Luthero, Huss e Calvino Feriram mortalmente O abuso, a tyrannia e o repugnante agente Das penas infernaes, Geradas no rancor das hyenas clericaes. A lucta assim travada é turbulenta e audaz! De um lado impera altivo o monstro Satanaz. E do outro a aspiração das comprovadas cousas. A aurora veste lucto, a terra veste lousas, E o sangue corre a flux no precipicio escuro... Mas elle fecundou os germens do Futuro! ....................................... Keppler, Newton, Brahé, tinham desfeito o mytho Da creação divina; os livros do infinito Já tinham revelado, em phrases de planetas Da grande lei sidérea as deslumbrantes metas. Descartes ampliára as lucidas conquistas E profundára o abysmo ás vãs ficções deistas; E como o jesuitismo erguesse um throno ao mal, Surgiu-lhe o valoroso e hostil Blaise Pascal, Com satyra cortante e lucido criterio, Traçando-lhe no Tempo o eterno cemiterio. Desfibrava-se a pouco a lenda theologica, E punha-se a attenção na historia geologica, Gognel, Jussieu, Buffon, tinham rasgado a entranha No valle, e na montanha, Á esphera onde se agita o Genio e o desatino. Seguiram-lhe o trajecto um Pallas e Arduino, E todos, sem sentir, Fizeram o passado esmorecer, ruir. A antiga historia china oppunha-se á utopia Da lenda de Moysés; a sciencia cada dia Os cerebros levava á nova experiencia, Que em breve provaria á forte intelligencia A historia da Materia No mar, na vida, e morte, e sons, e luz etherea. ................................................ Brotava na Consciencia a aspiração politica; Deixara a Inglaterra a fórmula mephitica, E em todos os sentidos Se pressentiam já os turbidos ruidos. Voltaire e Diderot entravam no futuro. Desmoronando o muro Que ainda protegia a treva e o fanatismo. Ficou pois fulminada a crença e o mysticismo! Nenhum abrigo havia aos golpes do alvião Vibrados pela firme e rija Evolução. Os reis, mesmo a sorrir abriam o jazigo, Onde ia sepultar-se o clero, o seu amigo, Sem verem que aluida a base do edificio Que tem por cima o odio, e em baixo o precipicio, Desaba fatalmente em multiplas bastilhas. Tinham sulcado o oceano as portuguezas quilhas, E o genio dos heroes deixara esteiras certas Á bella exploração das ricas descobertas. No clima luxuriante, e terras do Equador Eram a flóra e fauna os ninhos do esplendor, E o Homem que estudava, o Homem já sabia Que Deus era ignorante, e muito, em Geographia. .............................................. N'este mar revoltoso é que se eleva o homem Que uns coroam de luz, outros na campa somem! VI O marquez de Pombal, producto do seu meio, Trazia na Consciencia o salutar anceio Das santas cousas bellas. Mas um facto mental, o facto do attavismo, Acorrentava-o sempre ao velho despotismo Dos thronos e das cellas. A corrente soprada além, da heroica França, Fazia-lhe pulsar a magestosa esp'rança Das creações mais caras; Porém n'esse combate imigo do Direito, Cedia tristemente á voz do Preconceito, E ás perversões ignaras. Demonstra-o fartamente o proceder confuso Com que arrojava ao Povo um turbilhão diffuso De mortes e afflicção, Curando juntamente, e com visivel gloria, De lhe aplainar a rude e fria trajectoria, Por meio da instrucção. Affirma-o sem rodeio o manifesto empenho Com que guerreou Bocage, o sublimado engenho Do seculo passado, Por seus bellos ideaes, modernos e atheistas, Expostos com vigor, e com profundas vistas De um espirito avançado. Comprova-o a friesa usada com Fylinto Que longe do seu ninho, o doce riso extincto, Chorava, em lyra de ouro, As ruinas da ventura, o azul do patrio lar, As aguas do Mondego, e as vibrações do luar Entre os jasmins e o louro. A ethopéa social dos seculos transactos, Reflecte-se e vigora em seus funestos actos. Fluctua sem cessar seu espirito viril, Que ora se eleva ao bello, ora se entrega ao vil. Mas n'elle transparece uma tendencia rude Que punge a leal Virtude! A statica mental aperta-a pelos pulsos; E a dynamica então imprime-lhe os impulsos Da progressiva lida; E assim n'este vaivém lhe corre toda a vida. Porém quando abordou á estancia derradeira Deixava atraz de si a sanguinosa esteira, Onde o espectro do pobre, e justo, e velho, e creança Reclamam com vigor criterio e segurança Ao tribunal da Historia, onde serão julgados Os sabios, os heroes, os reis e os scelerados. .............................................. Tenho attacado o clero, aspiro á excelsa luz, Detesto o ignobil lenho, e sinto por Jesus O affecto que daria a irmão, se irmão tivera, Venero o positivo, e nunca a van chimera. Meus filhos, castos soes, o meu thesouro immenso, Por quem me sinto grande, a quem adoro e incenso, As heras infantis que enleio na Consciencia, A força que me impelle á lucta da inclemencia Que aqui, n'este paiz de cousas pequeninas Odeia a quem cultiva as rosas christalinas No coração do Bem, Progresso e Liberdade, Seguem a religião do Justo e da Verdade, É a sua crença ideal, Resume-se no amor do seu sentir filial. Mas tendo a mente forte e despresando os idolos, E combatendo firme os monumentos frivolos, Politico-sociaes, Revoltam-me a Consciencia os actos tão brutaes Da vida do marquez, E vejo com tristesa o nome portuguez Coberto pelo horror, Quando podia ser um foco de explendor. A queda do jesuita é justa, é rasoavel; Expulsa essa barreira imiga insuperavel, Podia a sociedade erguer-se da ignorancia, Dormir em paz a Mãe, sorrir a loura infancia Ao Pensamento novo, a santa aspiração! É digno de louvor quebrar á inquisição Os braços da vingança a ira da torpesa. Mas cobrem-se de lucto as leis da Naturesa, Mas ouve-se um protesto, a palpitar fremente, Ao ver, cheio de affronta, um martyr impotente, Rojado pelo chão, manchado pela lama! E pelas nações clama A Ideia humanitaria, amena, e justiceira, Vendo arrojar um ente á estupida fogueira! E embora fosse um padre, embora um jesuita, Embora fosse irmão da raça atroz, precita, A minha voz sentida Protesta contra a morte imposta a Malagrida! Protesto! E emquanto houver Um coração de luz em peito de mulher, Meu brado ha de correr nos angulos do mundo, E em todo o mar fecundo! VII Que se ha de então fazer aos grandes luctadores, Que lançam sobre a Historia as olorosas flores, E regam com seu sangue os fructos do porvir? Que fontes de esplendor iremos nós abrir Ao vidente Danton, a Lincoln, a Blanqui, O martyr que sorri Por entre a cerração da noute do tormento? Que havemos de offertar aos soes do Pensamento? Nunca apoiei Thiers, nem o chacal da Russia! Detesto a immanidade, e a vingativa astucia... O sangue da Communa, as lagrimas de Jessa, Formaram no silencio a fulgida cabeça Da indomavel revolta! O monstro que commanda, em meio de uma escolta As manobras crueis que geram a orphandade, É mais feroz que um tigre, e avilta a Humanidade, E deve ter na mente A infamia de Javheh, e os odios da serpente. Como hei de eu incensar a monarchista treva? Como hei de então louvar um ser de fronte seva? Pombal beijou a patria, e espedaçou-lhe o seio; Fez guerra ao Preconceito, e prostergou o anceio Dos crentes do porvir! Levou seu nome á Gloria, e fel-o após cahir. No sangue inda escorrega Quem segue a lusa historia. A sã Justiça nega Um preito, a quem desdenha a humanitaria via, E lança a Liberdade ás palhas da enxovia. Fique acima de tudo o limpido criterio; Formar uma cidade onde era um cemiterio Seria expôr a vida aos morbidos prejuizos. Vasar em molde infiel historicos juizos Será viciar tambem o pensamento ao Povo. Justiça! Ha de o vindouro escalpellar de novo A nossa actividade; e então... tremendo encargo! Ou ha de ter no peito um sentimento amargo Ou ha de achar mesquinha a obra dos avós! Salvemos o Futuro, e que elle creia em nós! FIM End of the Project Gutenberg EBook of O Marquez de Pombal á luz da Philosophia, by Angelina Vidal *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O MARQUEZ DE POMBAL *** ***** This file should be named 27255-8.txt or 27255-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/2/7/2/5/27255/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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