The Project Gutenberg EBook of Poesias, by António Augusto Soares de Passos This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Poesias Author: António Augusto Soares de Passos Release Date: June 13, 2012 [EBook #39992] Language: Portuguese *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK POESIAS *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) POESIAS POESIAS POR A. A. SOARES DE PASSOS QUINTA EDIÇÃO *PORTO* EM CASA DE CRUZ COUTINHO--EDITOR Caldeireiros, 18 e 20 1870 TYPOGRAPHIA DO JORNAL DO PORTO Rua Ferreira Borges, 31 A CAMÕES Ai do que a sorte assignalou no berço Inspirado cantor, rei da harmonia! Ai do que Deus ás gerações envia Dizendo: vae, padece, é teu fadario, Como um astro brilhante o mundo o admira, Mas não vê que essa chamma abrazadora Que o cerca d'esplendor, tambem devora Seu peito solitario. Pairar nos céos em alteroso adejo, Buscando amor, e vida, e luz, e glorias, E vêr passar quaes sombras illusorias Essas imagens de fulgor divino: Taes são vossos destinos, ó poetas, Almas de fogo que um vil mundo encerra; Tal foi, grande Camões, tal foi na terra Teu misero destino. A cruz levaste desde o berço á campa: Esgotaste a amargura até ás fezes: Parece que a fortuna em seus revezes Te mediu pelo genio a desventura. Combateste com ella como o cedro Que provoca o rancor da tempestade, Mas cuja inabalavel magestade Lhe resiste segura. Foste grande na dôr como na lyra! Quem soube mais soffrer, quem soffreu tanto? Um anjo viste de celeste encanto, E aos pés cahiste da visão querida... Engano! foi um astro passageiro, Foi uma flôr de perfumado alento Que ao longe te sorriu, mas que sedento Jámais colheste em vida. Sob a couraça que cingiste ao peito Do peito ancioso suffocaste a chamma, E foste ao longe procurar a fama, Talvez, quem sabe? procurar a morte. Mas, qual onda que o naufrago arremessa Sobre inhospita praia sem guarida, A morte crua te arrojou á vida, E ás injurias da sorte. De praia em praia divagando incerto Tuas desditas ensinaste ao mundo: A terra, os homens, té o mar profundo Conspirados achavas em teu damno. Ave canora em solidão gemendo, Tiveste o genio por algoz ferino: Teu alento immortal era divino, Perdeste em ser humano: Indicos valles, solidões do Ganges, E tu, ó gruta de Macau, sombria, Vós lhe ouvistes as queixas, e a harmonia D'esses hymnos que o tempo não consome. Foi lá, n'essa rocha solitaria, Que o vate desterrado e perseguido, Á patria ingrata, que lhe dera o olvido, Deu eterno renome. «Cantemos!» disse, e triumphou da sorte. «Cantemos!» disse, e recordando glorias, Sobre o mesmo theatro das victorias, Bardo guerreiro, levantou seus hymnos. Os desastres da patria, a sua quéda Temendo já no meditar profundo, Quiz dar-lhe a voz do cysne moribundo Em seus cantos divinos. E que sentidos cantos! d'Ignez triste Se ouve mais triste o derradeiro alento, Ensinando o que póde o sentimento Quando um seio que amou d'amores canta; No brado heroico da guerreira tuba O valor portuguez sôa tremendo, E o fero Adamastor com gesto horrendo Inda hoje o mundo espanta! Mas ai! a patria não lhe ouvia o canto! Da patria e do cantor findava a sorte: Aos dous juraram perdição e morte, E os dous juntaram na mansão funerea... Ingratos! ao que alçando a voz do genio Além dos astros nos erguera um solio, Decretaram por louro e capitolio O leito da miseria! Ninguem o pranto lhe enxugou piedoso... Valeu-lhe o seu escravo, o seu amigo: «Dae esmola a Camões, dae-lhe um abrigo!» Dizia o triste a mendigar confuso! Homero, Ovidio, Tasso, estranhos cysnes, Vós que sorvestes do infortunio a taça, Vinde depôr as c'rôas da desgraça Aos pés do cysne luso! Mas não tardava o derradeiro instante... O raio ardente que fulmina a rocha, Tambem a flôr que n'ella desabrocha, Cresta, passando, co'as ethereas lavas: Que scena! em quanto ao longe a patria exangue Aos alfanges mouriscos dava o peito, De misero hospital n'um pobre leito, Camões, tu expiravas! Oh! quem me dera d'esse leito á beira Sondar teu grande espirito n'essa hora, Por saber, quando a mágoa nos devora, Que dôr póde conter um peito humano; Palpar teu seio, e n'esse estreito espaço Sentir a immensidade do tormento, Combatendo-te n'alma, como o vento Nas ondas do oceano! O amor da patria, a ingratidão dos homens, Natercia, a gloria, as illusões passadas, Entre as sombras da morte debuxadas, Em teu pallido rosto já pendido; E a patria, oh! e a patria que exaltáras N'essas canções d'inspiração profunda, Exhalando comtigo moribunda Seu ultimo gemido! Expirou! como o nauta destemido, Vendo a procella que o navio alaga, E ouvindo em roda no bramir da vaga D'horrenda morte o funeral presagio, Aos entes corre que adorou na vida, Em seguro baixel os põe a nado, E esquecido de si morre abraçado Aos restos do naufragio: Assim, da patria que baixava á tumba, Em cantos immortaes salvando a gloria, E entregando-a dos tempos á memoria, Como em gigante pedestal segura: «Patria querida, morreremos juntos!» Murmurou em accento funerario, E envolvido da patria no sudario Baixou á sepultura. Quebrando a louza do feral jazigo, Portugal resurgiu, vingando a affronta, E inda hoje ao mundo sua gloria aponta Dos cantos de Camões no eterno brado; Mas do vate immortal as frias cinzas Esquecidas deixou na sepultura, E o estrangeiro que passa em vão procura Seu tumulo ignorado. Nenhuma pedra ou inscripção ligeira Recorda o gran cantor... porém calemos! Silencio! do immortal não profanemos Com tributos mortaes a alta memoria. Camões, grande Camões, foste poeta! Eu sei que tua sombra nos perdôa: Que valem mausoléus ante a corôa De tua eterna gloria? O OUTOMNO Eis já do livido outomno Pesa o manto nas florestas; Cessaram as brandas festas Da natureza louçã. Tudo aguarda o frio inverno; Já não ha cantos suaves Do montanhez, e das aves, Saudando a luz da manhã. Tudo é triste! os verdes montes Vão perdendo os seus matizes, As veigas os dons felizes, Thesoiro dos seus casaes; Dos crestados arvoredos A folha sêcca e myrrhada, Cahe ao sôpro da rajada, Que annuncia os vendavaes. Tudo é triste! e o seio triste Comprime-se a este aspecto; Não sei que pezar secreto Nos enluta o coração. É que nos lembra o passado Cheio de viço e frescura, E o presente sem verdura Como a folhagem do chão. Lembra-nos cada esperança Pelo tempo emmurchecida, Mil aureos sonhos da vida Desfeitos, murchos tambem; Lembram-nos crenças fagueiras Da innocencia d'outra idade, Mortas á luz da verdade, Creadas por nossa mãe. Lembram-nos doces thesoiros Que tivemos, e não temos; Os amigos que perdemos, A alegria que passou; Lembram-nos dias da infancia, Lembram-nos ternos amores, Lembram-nos todas as flôres Que o tempo á vida arrancou. E depois assoma o inverno, Que lembra o gêlo da morte, Das amarguras da sorte Ultima gota fatal... É por isso que estes dias Da natureza cadente, Brilham n'alma tristemente Como um cyrio funeral. Mas animo! após a quadra De nuvens e de tristeza, Despe o luto a natureza, Revive cheia de luz: Após o inverno sombrio, Vem a florea primavera, Que novos encantos gera, Nova alegria produz. Os arvoredos despidos Se revestem de folhagem; Ao sôpro da branda aragem Rebenta no campo a flôr; Tudo ao vêl-a se engrinalda, Tudo se cobre de relva, E as avesinhas na selva Lhe cantam hymnos d'amor. Animo pois! como á terra, Tambem á nua existencia, Vem, após a decadencia, Ás vezes tempo feliz; E a vida gelada, esteril, Que o sôpro da morte abala, Desperta cheia de gala, Cheia de novo matiz. Animo pois! e se acaso Nosso destino inclemente, Em vez de jardim florente, Nos aponta o mausoléo; Se a primavera do mundo Já morreu, já não se alcança, Tenhamos inda esperança Na primavera do céo! O NOIVADO DO SEPULCHRO BALLADA Vae alta a lua! na mansão da morte Já meia noite com vagar soou; Que paz tranquilla! dos vaivens da sorte Só tem descanço quem alli baixou. Que paz tranquilla!... mas eis longe, ao longe Funerea campa com fragor rangeu; Branco phantasma, semelhando um monge, D'entre os sepulchros a cabeça ergueu. Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste Campeia a lua com sinistra luz; O vento geme no feral cypreste, O mocho pia na marmorea cruz. Ergueu-se, ergueu-se! com sombrio espanto Olhou em roda... não achou ninguem... Por entre as campas, arrastando o manto, Com lentos passos caminhou além. Chegando perto d'uma cruz alçada, Que entre os cyprestes alvejava ao fim, Parou, sentou-se, e com a voz magoada Os eccos tristes acordou assim: «Mulher formosa que adorei na vida, «E que na tumba não cessei d'amar, «Porque atraiçôas desleal, mentida, «O amor eterno que te ouvi jurar? «Amor! engano que na campa finda, «Que a morte despe da illusão fallaz: «Quem d'entre os vivos se lembrára ainda «Do pobre morto que na terra jaz? «Abandonado n'este chão repousa «Ha já tres dias, e não vens aqui... «Ai quão pesada me tem sido a lousa «Sobre este peito que bateu por ti! «Ai quão pesada me tem sido!» e em meio, A fronte exhausta lhe pendeu na mão, E entre soluços arrancou do seio Fundo suspiro de cruel paixão. «Talvez que rindo dos protestos nossos, «Goses com outro d'infernal prazer; «E o olvido, o olvido cobrirá meus ossos «Na fria terra, sem vingança ter! --«Oh nunca, nunca!» de saudade infinda Responde um ecco suspirando além... «Oh nunca, nunca!» repetiu ainda Formosa virgem que em seus braços tem. Cobrem-lhe as fórmas divinaes, airosas, Longas roupagens de nevada côr; Singela c'rôa de virgineas rosas Lhe cerca a fronte d'um mortal pallor. «Não, não perdeste meu amor jurado: «Vês este peito? reina a morte aqui... «É já sem forças, ai de mim, gelado, «Mas inda pulsa com amor por ti. «Feliz que pude acompanhar-te ao fundo «Da sepultura, succumbindo á dôr: «Deixei a vida... que importava o mundo, «O mundo em trevas sem a luz do amor? «Saudosa ao longe vês no céo a lua? --«Oh vejo, sim... recordação fatal! --«Foi á luz d'ella que jurei ser tua, «Durante a vida, e na mansão final. «Oh vem! se nunca te cingi ao peito, «Hoje o sepulchro nos reune emfim... «Quero o repouso do teu frio leito, «Quero-te unido para sempre a mim!» E ao som dos pios do cantor funereo, E á luz da lua de sinistro alvor, Junto ao cruzeiro, sepulchral mysterio Foi celebrado, d'infeliz amor. Quando risonho despontava o dia, Já d'esse drama nada havia então, Mais que uma tumba funeral vazia, Quebrada a lousa por ignota mão. Porém mais tarde, quando foi volvido Das sepulturas o gelado pó, Dous esqueletos, um ao outro unido, Foram achados n'um sepulchro só. DESEJO Oh! quem nos teus braços podéra ditoso No mundo viver, Do mundo esquecido no languido goso D'infindo prazer. Sentir os teus olhos serenos, em calma, Fallando d'além, D'além! d'uma vida que sonha minha alma Que a terra não tem. Eu dera este mundo, com tudo o que encerra, Por tal galardão: Thesouros, e glorias, os thronos da terra, Que valem, que são? A sêde que eu tenho não morre apagada Com tal aridez: Podésse eu ganhal-os, e iria seu nada Depôr a teus pés. E só desejando mais doce victoria, Dizer-te: eis-aqui Meu sceptro e sciencia, thesouros e gloria: Ganhei-os por ti. A vida, essa mesma daria contente, Sem pena, sem dôr, Se um dia embalasses, um dia sómente, Meu sonho d'amor. Isenta do laço que ao mundo nos prende, A vida que val? A vida é só vida se o amor n'ella accende Seu doce fanal. Aos mundos que eu sonho podésse eu comtigo, Voando, subir; Depois, que importava? depois no jazigo Sorrira ao cahir. BOABDIL ULTIMO REI MOURO DE GRANADA De Granada nas torres já se ergue O pendão de Castella temido; Boabdil, o rei mouro vencido, Deixa a terra em que ha pouco reinou. Do Padul ás alturas chegado, Fez parar o seu timido bando, E o corcel andaluz volteando Taes adeuses á patria mandou: «Ai Granada, lá ficas entregue «Para sempre aos guerreiros de Christo! «Quem teus fados houvera previsto, «Ó sultana de tanto poder? «Acabou-se o dominio dos crentes «N'este solo tão bello de Hespanha; «Não ha força de heroica façanha «Que nos possa das ruinas erguer. «De Toledo, de Cordova, e Murcia, «De Jaên, de Baêza, e Sevilha, «Eras tu, ó gentil maravilha, «Que inda as glorias fazias lembrar. «E perdemos-te, ó flôr do occidente, «Do Xenil ó princeza formosa! «E curvamos a fronte orgulhosa «Nós, os filhos valentes d'Agar! «Deus o quiz! nossa raça punindo «Fez baixar o seu anjo da morte, «E das iras d'Allah no transporte «Baqueou nossa altiva nação! «Nossos odios civis nos perderam, «N'este abysmo fatal nos lançaram, «E nem mesmo o valor nos deixaram «De morrermos com nosso pendão. «Ó guerreiros das eras passadas, «Vencedores da Hespanha descrida, «Lá n'esse eden feliz da outra vida, «Vossas faces cobri de rubor! «Este braço que ousou vossos louros «Arrastar ante os pés de Fernando, «Não ousou n'este peito nefando «Embeber um punhal vingador! «Deshonrado, do throno banido, «Que me resta por sorte futura? «Uma vida cobarde e obscura «No paiz em que outr'ora fui rei... «Nunca, nunca! o destino contrario «D'além-mar nosso berço me aponta: «Lá irei resgatar-me da affronta, «Lá dos bravos a morte haverei. «Para sempre adeus pois, ó Granada! «Adeus, muros, e torres vermelhas «Que brilhaes como vivas centelhas «Nas verduras de tanto jardim! «Adeus, paços e fontes d'Alhambra! «Adeus, altas, soberbas mesquitas! «E vós, thronos das luas proscriptas, «Ó Comares, ó forte Albaicim! «Para sempre, ai, adeus! té á morte «Viverás n'este peito, ó Granada! «Mas debalde, ó mansão adorada, «Que estes olhos jámais te hão de vêr... «Acabou-se o dominio dos crentes «N'este solo tão bello de Hespanha; «Não ha força de heroica façanha «Que nos possa das ruinas erguer.» Disse, e o pranto nas faces corria Do rei mouro, dos seus que restavam. Longe ao longe as trombetas soavam Em Granada já feita christã: Era o canto d'alegre triumpho Em redor dos pendões de Fernando; Era o grito d'Allah desterrando Das Hespanhas os crentes do Islám. CANÇÃO Que noite d'encanto! Que lucido manto! Que noite! amo tanto Seu mudo fulgor! Oh! vem, ó donzella; Não temas, ó bella, Que á noite só vela Quem sonha d'amor. A luz infinita Dos astros, crepita, Arqueja e palpita, Serena a brilhar: Assim o teu seio, De casto receio, De timido enleio, Costuma pulsar. A lua, qual chamma, Que os seios inflamma, Fanal de quem ama, Desponta no céo; E a nitida fronte Retrata na fonte, E estende no monte Seu candido véo. E a fonte murmura Por entre a verdura, E ao longe d'altura Lá desce a gemer: Que sons, que folguedos! Parece aos rochedos Dizer mil segredos D'infindo prazer. Silencio! o trinado Lá solta enlevado, Das noites o amado, Da selva o cantor; E o hymno que entôa No bosque resôa, E ao longe revôa Gemendo d'amor. O facho da lua Co'a sombra fluctua, Avança e recua No chão do jardim; Nas azas da aragem, Que agita a folhagem, Recende a bafagem Da rosa e jasmin. Que noite d'encanto! Que lucido manto! Que noite! amo tanto Seu mudo fulgor! Oh! vem, ó donzella; Não temas, ó bella, Que á noite só vela Quem sonha d'amor. Á PATRIA AO MEU AMIGO A. C. LOUSADA (1852) Esta é a ditosa patria minha amada. Camões--_Lus._ «Esta é a ditosa patria minha amada!» Este o jardim de matizadas flôres, Onde os céos com a terra abençoada Rivalisam nas galas e primores. Este o paiz das tradições brilhantes, Onde cresceu a palma da victoria, Onde o mar conta ás praias sussurrantes Longinquos feitos d'extremada gloria. Esta a nação de laureada frente, Esta a ditosa patria minha amada! Ditosa e grande quando foi potente, Hoje abatida, sem poder, sem nada. Patria minha, que tens, que em desalento Vergas a fronte que alterosa erguias? Porque fitas o gélido moimento, Perdida a força dos antigos dias? Que fizeste do genio destemido Com que domavas esse mar profundo, E sorrias das vagas ao rugido, Ignotas praias descobrindo ao mundo? Onde está esse vasto capitolio De tuas glorias, o soberbo oriente, Lá onde erguida em triumphante solio Empunhavas teu sceptro refulgente? Então eras tu grande! os reis da terra Derramavam-te aos pés os seus thesouros; O mar saudando teus pendões de guerra, Gemia ao pêso de teus verdes louros. Então de lanças e d'heroes cercada, Avassallando a India e a Africa ardente, A cada golpe da valente espada Mais uma palma te adornava a frente. Então prostradas mil hostis phalanges, Retumbava o fragor de teus combates Desde as praias de Ceuta além do Ganges, Fazendo estremecer o Nilo e Euphrates. Então eras tu grande! hoje esquecida, Um ecco apenas de teu nome sôa; Nos braços da victoria adormecida, Perdeste o sceptro e a magestosa c'rôa. Os fortes pulsos entregaste aos laços Da tyrannia e rude fanatismo, E descahidos os potentes braços, Caminhaste sem forças ao abysmo. Um livro apenas te ficou, ó triste, Por epitaphio da passada gloria; Tudo o mais acabou, já nada existe De tanto resplendor, mais que a memoria. Das quinas os pendões já não revoam, Aguias altivas, sujeitando os mares; Teus gritos de victoria, ai! já não soam Na Lybia e nos gangeticos palmares. Nações obscuras quando o mundo inteiro Já tuas glorias aprendido tinha, Vendo apagado teu ardor guerreiro, Arrancaram teu manto de rainha. E repartindo entre ellas seus pedaços, E soltando depois feroz risada, Disseram ao passar, cruzando os braços: «Oh! como essa nação jaz aviltada!» E teus heroes nas tumbas inquietos, Vendo insultadas tuas altas glorias, Agitaram seus frios esqueletos, Despedaçando as lapides marmoreas. E cada qual das pregas do sudario, Erguendo a dextra que empunhára a lança, De pé sobre o jazigo funerario, Com torva indignação bradou: vingança! Debalde! ao vêrem sem valor as quinas, Elles murmuram nas geladas campas: Tu, quem sabe? ditosa te imaginas, E em tua historia mil baldões estampas. Nação que dormes do sepulchro á borda, Ergue-te, surge como outr'ora ovante! Teu genio antigo, teu valor recorda, E aprende n'elle a caminhar ávante! Se longos annos d'oppressão funesta Te pesaram na fronte hoje abatida, No seio de teus filhos inda resta Fogo bastante para dar-te vida. Longe da senda que gerou teu damno, Desata o vôo por espaços novos; E o ardor que te levou além do oceano, Além te levará dos outros povos. Ah! possa, possa ainda a meiga aurora D'esse dia feliz brilhar-me pura! Possa esta lyra, que teus males chora, Dar-te cantos de gloria e de ventura! Mas ah! se negra pagina sombria Tens de volver em teus crueis fadarios, Se o archanjo das ruinas ha de um dia Pairar sobre os teus restos solitarios: Terra da minha patria, ouve o meu brado, Se inda da vida me restar o alento, Tu que foste meu berço idolatrado, Sê minha tumba em teu final momento! ROSA BRANCA Eu amo a rosa branca das campinas, A branca rosa que ao soprar do vento Languida verga para o chão pendida. Como a rosa dos valles, pura e bella Nos campos da existencia ella floria, Como a rosa dos valles que inda envolta No orvalho da manhã, desdobra o calix Ao sol nascente, perfumando as auras. A idade das paixões mal despontava Em seu meigo horisonte. Estava ainda No declinar da melindrosa infancia, D'essa quadra feliz em que a existencia É sonho encantador, em que os momentos Se deslizam na vida como as aguas De brando arroio, humedecendo os prados. Mas quão formosas já, quão seductoras, Por entre as graças da mimosa infancia, As graças juvenis lhe transluziam! Com as socias da infancia ao vêl-a ás tardes Vagando em seu jardim, vós a dissereis A açucena viçosa entre as boninas, Ou, entre os lumes da siderea noite, A estrella da manhã. E, todavia, Ignorava o poder de seus encantos: No mundo que a cercava, outras imagens, Outros amores não sonhava ainda, Além de sua mãe que a idolatrava, De seu pequeno irmão, de suas flôres. E eu amava aquelle anjo como se amam Os sonhos d'innocencia d'outra idade, Ou como essas visões, que nos enlevam, De mundos d'harmonia a que aspiramos. Vi-a uma vez, ao descahir da tarde, No jardim assentada ao pé da fonte, Olhando o tenro irmão, que em seu regaço Depozera as boninas que ajuntára. No regaço tambem, junto das flôres, Repousava, serena dormitando, A pomba que ella amava, e que sem medo Viera procurar tão doce ninho. Nunca a meus olhos se mostrou tão bella, Tão cheia d'innocencia. D'alvas roupas Suas fórmas angelicas cingidas, Se desenhavam, em gentil contorno, Nas verdes murtas que o jardim ornavam: Parecia qual cysne repousando Entre a verdura, de seu lago á beira. Uma rosa nevada, como as roupas, Lhe adornava as madeixas côr da noite, As formosas madeixas que n'essa hora Contrastavam mais negras, e mais bellas, Co'a leve pallidez que reflectia, Em seu rosto adoravel e sereno, O clarão melancolico da tarde. Com terna languidez a face meiga Recostava na mão, curvado o braço, Em quanto com a outra ora afagava Sua pomba querida, ora os cabellos Compunha ao doce infante, que, sorrindo, Uma após outra lhe mostrava as flôres. Ao vêl-a assim formosa, ao vêr o grupo Que fazia com ella o par mimoso, A mente arrebatada afigurou-m'a Celeste archanjo que baixára ao mundo A recolher as orações da tarde, E que o infante e a pomba achando juntos, E a innocencia do céo vendo na terra, Dos irmãos se esquecêra e alli ficára. Archanjo d'innocencia, ai foge, foge! Não te illuda este mundo onde poisaste, Este mundo fallaz, de ti indigno, Que tuas azas de brancura estreme Com seu veneno talvez manche um dia. Archanjo d'innocencia, ai foge! foge! Procura teus irmãos, revôa á patria! E fugiu, e voou. No mesmo sitio, Uma tarde tambem junto da fonte, A mãe a foi achar sósinha e triste. A suas plantas uma rosa branca Jazia desfolhada: era das flôres A flôr que mais queria. Ao vêr ao lado A mãe que idolatrava, estremecêra. Pobre innocente! receiou acaso Não poder por mais tempo disfarçar-lhe Seu cruel padecer. A ardente febre Lhe devorava o seio, e não gemia. Mas seu dia chegava... A exhausta fronte Lhe pendeu sem alento, e immersa em pranto, No regaço da mãe sumiu a face, Que já cobria a pallidez da morte. Tres dias depois d'este a flôr mimosa Que as grinaldas celestes invejavam, Cahia desfolhada no sepulchro. Eu amo a rosa branca das campinas, A branca rosa que ao soprar do vento Languida verga para o chão pendida. ENFADO Dos homens ai quem me dera Longe, bem longe viver! Junto de mim só quizera, Como eu sonho, um anjo ter. Que esse anjo surgisse agora, E o mundo folgasse embora Em seu nefando prazer. Que vista! cede a innocencia Á voz do crime traidor; Folga a devassa impudencia, Nas faces não ha rubor. Traz o vicio a fronte erguida, E a virtude, sem guarida, Geme transida de dôr. Vão ao templo da cubiça, Vão todos sacrificar: Consciencia, fé, justiça, Tudo lhe deixam no altar. Devora-os a sêde d'ouro; O seu deus é um thesouro, Porque o viver é gosar. E que importa que o infante Morra á fome, e o ancião? Que importa que gema errante O proletario, sem pão? Oh! que importa que o talento Esmoreça ao desalento? Que val do genio o condão? Proclamou-se a lei do forte: A lei do fraco é gemer. Ai do triste a quem a sorte Fez entre espinhos nascer! É um dogma a tyrannia, A liberdade heresia, A servidão um dever. Que tempos, que tempos estes! Quem ha de viver assim N'um mundo que rasga as vestes Do justo, no seu festim? Quem ha de? mas esperança! Um dia foge, outro avança, E a redempção vem no fim. Hoje, porém, quem me dera Longe dos homens viver! Junto de mim só quizera, Como eu sonho, um anjo ter. Que esse anjo surgisse agora, E o mundo folgasse embora Em seu nefando prazer. ANHELOS Que immenso vacuo n'este peito sinto! Que arfar eterno de revolto mar! Que ardente fogo, que jámais extincto Sómente afrouxa para mais queimar! Ai! esta sêde que meu peito rala, Talvez a apague mundanal prazer: Alli ao menos poderei fartal-a, Ou n'um lethargo sem paixões viver. Mas d'essa taça já provei... não quero! Quero deleites que inda não senti... A lucta, os riscos d'um combate fero! Talvez encantos acharei alli. A lucta, os riscos, em acção travadas Guerreiras hostes disputando o chão; O sangue em jorros, o tinir d'espadas, O fumo e o fogo do voraz canhão! Alli os gôsos d'um feroz delirio, Á luz das armas, sentirei em mim, Ou n'uma d'ellas o funereo cyrio Que á paz dos mortos me conduza emfim. Mas não, não quero sobre a terra escrava A vis tyrannos immolar o irmão... O mar, o mar, que em sua furia brava Ninguem domina com servil grilhão! O mar, o mar! sobre escarcéos revoltos Em fragil lenho fluctuar me apraz, Ao som das vagas e dos ventos soltos, E das centelhas ao clarão fugaz. Alli sorrindo da feroz tormenta, E dos abysmos que me abrir aos pés, Dentro d'esta alma de prazer sedenta Sublime gôso sentirei talvez. Mas o mar livre tem um leito ainda Que os meus anhelos poderá soster... O espaço, o espaço! na amplidão infinda Talvez que possa o coração encher. O espaço, o espaço! qual ligeiro vento Irei lançar-me n'esse mar sem fim, E a longos tragos aspirar o alento, Sentir a vida que desejo em mim... Ora aguia altiva, desprezando o solo, O rei dos astros buscarei então, Ora entre as neves do gelado polo Voarei nas azas do veloz tufão. Mas solitario, sem cessar errante, De que valêra na amplidão correr?... A gloria, a gloria, que em painel brilhante Me off'rece a imagem d'um maior prazer! A gloria, a gloria! mil trophéos ganhados, Mil verdes palmas e laureis tambem; Triumphos, c'rôas e sonoros brados Da turba--é elle!--repetindo além... Então em sonhos d'uma vida infinda Verei a chamma d'immortal pharol, Que em meu sepulchro resplandeça ainda, Bem como a lua quando é morto o sol. Mas não, que a inveja com a voz mentida A luz em sombras poderá tornar... O amor, o amor, que redobrando a vida, A vida n'outrem me fará gosar! O amor, o amor, celestial perfume Que a mão dos anjos sobre nós verteu, Doce mysterio que n'um só resume Dous pensamentos aspirando ao céo! O amor, o amor, não mentiroso incenso Que em frios labios só no mundo achei, Mas immutavel, mas sublime e immenso Qual em meus sonhos juvenis sonhei... O amor! só elle poderá n'esta alma Risonhas crenças outra vez gerar, De minha sêde mitigar a calma, E inda fazer-me reviver, e amar. O FILHO MORTO No povo d'além da serra Vai a noite em mais de meio, E a pobre da mãe velava Unindo o filhinho ao seio. «Acorda, meu filho, acorda, «Que esse dormir não é teu; «É como o somno da morte «O somno que a ti desceu. «Tarda-me já um sorriso «Nos teus labios de rubim; «Acorda, meu filho, acorda, «Sorri-te ledo p'ra mim.» Mas o infante moribundo Em seu regaço expirou; E a mãe o cobriu de beijos, E largo tempo chorou. Em seu pequeno jazigo Dous dias chorou tambem; Ao terceiro o sino triste Dobrou á morte d'alguem. E á noite no cemiterio Outro jazigo se via: Era a mãe que ao pé do filho Na sepultura dormia. SOCRATES Já proximo do occaso vae descendo O sol ao mar inquieto, Os moribundos raios estendendo Nas alturas do Hymeto; E Socrates, sentado sobre o leito, Inda aos alumnos falla, No silencio geral notando o effeito Da razão que os abala. A verdade sublime lhes revela Em palavras ignotas, Suaves como a voz de Philomela, Ou do cysne do Eurotas. Cebes, o proprio Cebes emmudece, Simmias já não duvida: Nos olhos do inspirado resplandece Um Deus e a eterna vida! Mas o sol expirava: era o momento Que Athenas decretára: Cumpre os deuses vingar: o sabio attento Á morte se prepara. Os discipulos tremem contemplando O dia já no resto; Eis o servo dos onze entra chorando No carcere funesto. O circulo cruzando, a bronzea taça A Socrates estende; O philosopho a empunha com a graça Que nos festins resplende. «Ergamos, disse, nossa prece Áquelle «Que ao longe nos convida, «Por que seja feliz por meio d'Elle «A viagem temida.» E aproximando intrepido e sereno A liquida cicuta, Como nectar a esgota, e do veneno Entrega a taça enxuta. Um lamento geral, um só transporte Percorre em torno o bando Dos alumnos fieis, chorando a sorte Do mestre venerando. Apollodoro geme; succumbindo, Criton lhe corresponde; Phédon abaixa os olhos, e carpindo No manto o rosto esconde. Elle sem vacillar, elle sómente, Sorrindo á turba anciada; «Amigos, que fazeis? um sol fulgente «Me luz em nova estrada. «De presagios felizes rodeemos «Os ultimos instantes! «Chore quem não tem fé: nós que já crêmos, «Nós sejamos constantes!» Disse, e deixando o leito em que jazia Sereno move o passo, Que o veneno lethargico devia Obrar pelo cansaço. Das grades se aproxima, olha o Parthénon, Olha os muros d'Athenas, O Phaléro, o Pireu e as que lhe acenam Regiões são serenas; Olha os céos, olha a terra, a luz do dia Expirando nas vagas, E de harmonias taes se ergue á harmonia De mais ditosas plagas. Depois, volvendo ao leito, diz a tudo O adeus da déspedida; Cobre o rosto c'o manto, e aguarda mudo O instante da partida. O veneno progride, e já do effeito Redobra a intensidade; Dos membros se apodera, sobe ao peito, E o coração lhe invade. Estremeceu! do gelido trespasse Era emfim a agonia... O executor lhe descobriu a face: Socrates não vivia! Triumpha, cega Athenas, ao martyrio O sabio condemnaste, E d'olympicos deuses no delirio A razão engeitaste; Á voz do Areopágo, á voz de ferro Suffocaste a doutrina: A verdade succumbe, a sombra do erro No mundo predomina. Mas que estrella futura se levanta Rasgando a escuridade? Que palavra resôa, e o mundo espanta Prégando a alta verdade? É elle, é elle, o promettido ás gentes Na voz das prophecias! Curvae, ó gerações, curvae as frentes Ao verbo do Messias! A*** Acaso és tu a imagem vaporosa Que me sorriu nos sonhos d'outra idade, Como a luz da manhã sorri formosa Nos espaços azues da immensidade? És tu esse astro que minha alma anhela, Que debalde busquei no mar da vida, Qual busca o nauta bonançosa estrella No meio da procella enfurecida? Ah! se és esse ente que meu ser domina, Se és essa estrella que meu fado encerra, Se és algum anjo da mansão divina Pairando sobre a terra; Já que baixaste a mim, já que a meu lado Me apontaste sorrindo o ethereo véo, Não me deixes na terra abandonado, Transporta-me ao teu céo! ULTIMOS MOMENTOS DE ALBUQUERQUE AO MEU AMIGO A. AYRES DE GOUVEIA Companheiros, sinto a morte Pairando já sobre mim; Cessaram vaivens da sorte, Desço á terra, d'onde vim... Do calix da desventura Eis esgotada a amargura; No leito da sepultura Terei descanço por fim. Terei: a campa é um asylo Que ao impio deve aterrar, Mas eu dormirei tranquillo Sob a lagea tumular. Eu... desgraçado, que digo! Nem lá espero um abrigo, Que os meus restos no jazigo Irão talvez insultar. Murmurando: «aqui repousa Um desleal portuguez,» Irão partir minha lousa, Meu nome calcar aos pés: E o guerreiro que descança Não poderá, por vingança, Brandir na dextra uma lança, Cingir ao peito um arnez... Quaes foram, rei, os meus crimes Para haver tal galardão? Por que a fronte assim me opprimes Com a tua ingratidão? De vis intrigas cercado Ouviste seu impio brado. E sobre as cans do soldado Lançaste negro baldão. Não merecia tal premio Quem debaixo d'este céo, Da roxa aurora no gremio, Um novo imperio te deu; Quem á custa d'uma vida Nas batalhas consumida, Ante as quinas abatida A India inteira rendeu. Por dar-te a c'rôa brilhante Que em tua fronte reluz, Fiz a meus pés arquejante Cahir a opulenta Ormuz; Malaca sentiu meu raio, E em Gôa, roto o Sabaio Entre o sangue, entre o desmaio, Alcei o pendão da cruz. Então desde o Nilo ao Ganges Cem povos armados vi, Erguendo torvas phalanges Contra mim e contra ti; Vi os filhos do deserto Em ondas rugindo perto; Mas com ferro em campo aberto Ás suas iras sorri. Contra as lanças portuguezas A India luctou em vão, Que em troca d'ouro e riquezas Veio comprar seu grilhão. Aos golpes de meus soldados Vi seus thronos abalados, Vi ante mim ajoelhados Reis d'Onor e de Sião. Mas d'Asia não pôde o ouro Cegar-me com seu fulgor, Porque a honra é o thesouro Dos meus passados, senhor. Eu quiz adornar-te a frente C'um diadema refulgente: Ganhei o sceptro do Oriente, E a teus pés o fui depôr. N'esses campos de batalha Onde audaz o conquistei, Das armas sob a mortalha Porque exangue não findei? Entre os louros da victoria Morrêra ao menos com gloria; Do teu soldado a memoria Não a mancháras, ó rei. Eu desleal?! se meus brados Podem chegar até vós, Erguei-vos, restos sagrados De meus extinctos avós! Erguei-vos da campa fria, E com sangue, á luz do dia, Lavae a nódoa sombria Que arrojaram sobre nós! Eu desleal... mas ao mundo Que vale queixas mandar? As vozes d'um moribundo Não vão na terra eccoar... Surge, ó morte!... e vós, amigos, Socios de tantos perigos, Vinde... nem só inimigos Me restam ao expirar. No reino vos deixo um filho: Nossos feitos lhe ensinae; Dizei-lhe qual foi o trilho Que em vida seguiu seu pae... Dizei-lhe qual foi meu norte; Mas, em quanto á minha sorte, Oh! não lhe aponteis a morte, A vida só lhe apontae... E se fallardes um dia A dom Manoel, o feliz, Dizei-lhe que na agonia Albuquerque o não maldiz; Que á beira da sepultura, Para um filho sem ventura, Invoco sua ternura, Se alguns serviços lhe fiz. E vós... e vós, portuguezes, Nossa patria defendei; Dae-lhe os peitos por arnezes, Seja a patria vossa lei. N'um throno que ella não tinha Eu vol-a deixo rainha, Mas não sei o que adivinha Meu pensamento... não sei. Entre as sombras do futuro, Meu Deus! a patria em grilhões! Pelo mar em vão procuro Seus orgulhosos pendões... Coberta d'amargo pranto, Lá se envolve em negro manto... Lá roja a face em quebranto... Ella, a grande entre as nações! Oh! se este braço podéra A fria lousa quebrar, Este braço inda se erguêra Da tumba, para a salvar; Apontando-lhe a vingança, Inda lhe dera esperança, E empunhando a antiga lança, Á morte a fôra arrancar. Mas eis marcado o momento No livro d'além dos céos... Eis a morte... o passamento... São findos os dias meus... Companheiros de victoria, De tantos dias de gloria, Guardae... guardae na memoria, D'Albuquerque o extremo adeus... A morte... a morte... que anceio! Sinto um gêlo sepulchral... Abre-me, ó terra, o teu seio, Quero o repouso final... Desce, guerreiro cançado, Desce ao tumulo gelado... Mas a affronta... deshonrado... India... filho... Portugal!... A TI Oh! quão formoso me surge o dia Lá quando a noite se inclina ao mar, Quando na aurora, que me extasia, Teu bello rosto cuido avistar! Não sei que esp'rança jámais sentida Então me adeja no peito aqui; É que na aurora saúdo a vida, Outr'ora escura, sem luz, sem ti. Correm as horas, a noite avança, A lua brilha com meigo alvor; Então minha alma, que em paz descança, Divaga em sonhos d'ignoto amor. No véo d'estrellas, na branca lua Meus olhos buscam olhos que eu vi, E o pensamento longe fluctua, E uma saudade revôa a ti. Eis que adormeço, e um anjo assoma Todo cercado d'etherea luz; De seus cabellos recende o aroma Das castas rosas que o céo produz. O céo me aponta, sorri-lhe a face; Acordo, e o anjo foge d'alli; Mas em meu peito logo renasce Doce esperança que vem de ti. Já pela terra surgem verdores, Auras serenas baixam do céo, As aves cantam novos amores, Tudo se cobre d'um floreo véo; E céos e terra, montes, paizagem, Tudo a meus olhos, tudo sorri; É que alli vejo só tua imagem, E que hoje vivo mas só por ti. Talvez que eu sinta meu pobre enleio Passar qual brilho de luz fugaz: Que importa? ao menos dentro em meu seio, Já morta a esp'rança, tu viverás. Oh! sim, que os dias são mais serenos Com tua imagem gravada alli; Té mesmo a morte custará menos, Junto ao sepulchro pensando em ti. INFANCIA E MORTE «Ó mãe, o que fazes? em cama tão fria «Não durmas a noite... saiamos d'aqui... «Acorda! não ouves a pobre Maria, «Pequena, sósinha, chorando por ti? «Porque é que fugiste da nossa morada, «Que alveja saudosa no monte d'além? «Depois que tu dormes na terra gelada, «Quão só ficou tudo mal sabes, ó mãe. «A nossa janella não mais foi aberta, «O fogo apagou-se na cinza do lar, «As pombas são tristes, a casa deserta, «E as flores da Virgem se vão a murchar. «Oh! vamos, não tardes... mas tu não respondes... «Em vão todo o dia meu pranto correu; «No fundo da cova teu rosto me escondes, «Não ouves, não fallas... que mal te fiz eu? «Escuta! na torre de frestas sombrias «O sino da ermida começa a tocar... «Acorda! que o toque das Ave-Marias «Á imagem da Virgem nos manda rezar. «A lampada exhausta de Nossa Senhora «Ficou apagada, precisa de luz: «Oh! vem accendêl-a, e á Mãe que se adora «Alli rezaremos, e ao Filho na cruz. «Depois á costura, sentada a meu lado, «Tu has de contar-me, bem junto de mim, «Aquellas historias d'um rei encantado, «De fadas e moiras, d'algum cherubim. «A d'hontem foi triste, pois triste fallavas «De vida e de morte, d'um mundo melhor; «E o rosto cobrias, e muda choravas, «Lançando teus braços de mim ao redor. «Depois em silencio teus olhos fechaste, «Tão pallida e fria qual nunca te vi; «Chamei-te era dia, mas não acordaste, «E em quanto dormias trouxeram-te aqui. «Oh! vamos, não tardes, que as noites sombrias, «Sem ti a meu lado, me causam pavor; «Acorda! que o toque das Ave-Marias «Nos diz que rezemos á Mãe do Senhor.» Taes eram as queixas da pobre Maria... O sino da ermida cessou de tocar... E a mãe entretanto dormia, dormia; Do somno da morte não pôde acordar. Tres dias, tres noites a filha sósinha No adro da egreja por ella chamou... Ao fim do terceiro já força não tinha; Da mãe sobre a campa, gemendo, expirou. O CANTO DO LIVRE AO MEU AMIGO ALEXANDRE BRAGA Gema embora a terra inteira Acurvada a iniquas leis: Esta fronte sobranceira Jámais de rojo a vereis. Oh! ninguem, ninguem a esmaga, Que eu sou livre como a vaga, Que sacode sobre a plaga O jugo d'altos baixeis. Liberdade é o mote escripto No céo, na terra, e no mar! Dil-o a féra no seu grito, E as aves cruzando o ar; Dil-o o vento da procella, A vaga que se encapella, E nos espaços a estrella Em seu continuo gyrar. Dil-o tudo! mas ainda Mais livre me creou Deus Que os astros da altura infinda, Os ventos, e os escarcéos. Eu tenho mais liberdade D'esta alma na immensidade, Pois tenho n'ella a vontade, Tenho a razão, luz dos céos. Eu sou livre! erguendo a fronte Diz-m'o uma voz na amplidão, Quando de pé sobre o monte Me elevo rei da soidão; Quando além do firmamento Alçando meu pensamento, Solto nas azas do vento Meu canto d'inspiração. Eu sou livre! eis minha crença, Nem força contra ella val. Que um tyranno emfim me vença: Triumpharei por seu mal. Triumpharei, que algemado E diante d'elle arrastado, Sou livre! será meu brado Té ao momento final. E que importa que o tyranno, Jurando vingança atroz, Faça erguer, sorrindo ufano, Um cutelo á sua voz? Minha fronte sempre erguida Ha de encaral-o atrevida, E só cahir abatida Ao rolar aos pés do algoz. Mas nunca! pois fôra um preito Dar os pulsos ao grilhão. Tenho um ferro, e n'este peito Tenho um livre coração! Não! jámais serei captivo! Se vencido restar vivo, Cahirei, sorrindo altivo, Sob o punhal de Catão! SAUDADE Assim, pallida lua, assim teu rosto Fulgurava tranquillo n'essa noite Em que o adeus lhe murmurei sentido; Quando, após os momentos preciosos Em que inda pude vêl-a, inda escutal-a, Afoitando meu animo indeciso, Sua trémula voz me disse: parte... Em tanto que uma lagrima furtiva Lhe escorria na face melindrosa, Mais pallida que a tua... Astro saudoso; Astro da solidão, quanto me aprazes! Eu amo o teu silencio, amo o teu brilho, Mais que do sol os importunos raios. Que me importa d'esse astro a luz e a vida, Se a luz e a vida me ficaram longe? Se em meio do rumor que o dia espalha, A voz não ouço que responde á minha? Estes valles, e selvas, estes montes, Á luz do dia, são talvez formosos; Mas não é este o ar que ella respira, Não são estes os sitios que ella encanta Com seu mago sorriso. O dia é mudo; Porém tu surges, solitaria amiga, Tu vens fallar-me d'ella, astro saudoso. Lua, d'esse aureo throno onde campeias, Tu vês os sitios caros. Que faz ella? Acaso, como pomba fatigada, Repousa adormecida? Verte, ó lua, Verte-lhe em torno o perfumado alento Que a noite rouba ás orvalhadas flôres. Mas não; talvez agora em mim pensando, Agora mesmo sobre o teu semblante Ella fixa tambem os olhos tristes, E nossos pensamentos, nossas vistas Se confundem em ti. Oh! não podermos, Adejando como elles n'esse espaço, Embora por momentos confundir-nos Em teu regaço, deslembrando a ausencia! Ao menos, astro amigo, ordena, ordena Que o anjo da saudade, que em ti mora, Desça, e lhe diga o que minha alma sente. Oh! quando solto d'importunos laços, Demandando outros céos, hei de já livre Vêl-a, ouvil-a, fallar-lhe? Quem o sabe? Mas tu entanto, confidente meiga, Em cada noite vem fallar-me d'ella; E em meu peito sombrio e solitario Derrama, envolto no teu doce brilho, O balsamo suave da esperança. Assim possas tu ser, benigna deusa, A invocada dos tristes; e se acaso Amas tambem, se algum remoto lago Entre floridas margens escondido Te prende as affeições, possas tu sempre No crystallino azul de suas aguas Sem nuvens espelhar teu rosto ameno! AMOR E ETERNIDADE Repara, doce amiga, olha esta lousa, E junto aquella que lhe fica unida: Aqui d'um terno amor, aqui repousa O despojo mortal, sem luz, sem vida. Esgotando talvez o fel da sorte, Poderam ambos descançar tranquillos; Amaram-se na vida, e inda na morte Não pôde a fria tumba desunil-os. Oh! quão saudosa a viração murmura No cypreste virente Que lhes protege as urnas funerarias! E o sol, ao descahir lá no occidente, Quão bello lhes fulgura Nas campas solitarias! Assim, anjo adorado, assim um dia De nossas vidas murcharão flôres... Assim ao menos sob a campa fria Se reunam tambem nossos amores! Mas que vejo! estremeces, e teu rosto, Teu bello rosto no meu seio inclinas, Pallido como o lirio que ao sol posto Desmaia nas campinas? Oh! vem, não perturbemos a ventura Do coração, que jubiloso anceia... Vem, gosemos da vida em quanto dura; Desterremos da morte a negra ideia! Longe, longe de nós essa lembrança! Mas não receies o funesto córte... Doce amiga, descança: Quem ama como nós, sorri á morte. Vês estas sepulturas? Aqui cinzas escuras, Sem vida, sem vigor, jazem agora; Mas esse ardor que as animou outr'ora, Voou nas azas d'immortal aurora A regiões mais puras. Não, a chamma que o peito ao peito envia Não morre extincta no funereo gêlo. O coração é immenso: a campa fria É pequena de mais para contêl-o. Nada receies, pois: a tumba encerra Um breve espaço e uma breve idade; E o amor tem por patria o céo e a terra, Por vida a eternidade! O ESCRAVO Tremes, escravo? baqueias Entre os muros da prisão? Vergado sob as cadeias Rojas a fronte no chão? Já da turba ao longe o grito Pede teu sangue maldito: Sentes, escravo proscripto, Vacillar teu coração? Não sinto! nada perturba Minha alegria feroz: Nem o bramir d'essa turba, Nem a lembrança do algoz. Vinguei-me! nada me aterra. Curvae-vos, homens da terra! Contra mim jurastes guerra; Guerra jurei contra vós. Eu era livre sem méta Como as ondas lá no mar; Era livre como a séta Quando sibila no ar: Foi vossa avidez tyranna Que me algemou deshumana. Ó minha pobre choupana! Ó florestas do meu lar! Além, além nas florestas, Foi além onde eu nasci; Onde sem prisões funestas Já venturoso vivi. Foi dos bosques na espessura Que eu tive amor e ternura; Mas liberdade e ventura, Patria, amor, tudo perdi. Perdi tudo! além da morte Já não me resta ninguem. Tinha um pae: a negra sorte Do filho soffreu tambem. Trouxe da patria distante O ferreo jugo aviltante, Inda eu era tenro infante Nos braços de minha mãe. Minha mãe!... oh! quantas vezes Me vinha a triste abraçar, E carpindo os seus revezes Fitava os olhos no mar! Seu pranto cahia ardente, Em bagas, na minha frente; E eu, pobre infante innocente, Chorava de a vêr chorar. Mais tarde, quando o navio Me trazia á escravidão, Nas praias do mar bravio Eu a vi cahir no chão; Via-a atravéz dos espaços, Morrendo, estender-me os braços... Sacudi meus ferreos laços; Mas, ai de mim! era em vão. Perdi-a! só me restava A virgem do meu amor, Que a mulher que eu adorava Quiz partilhar minha dôr. Mas tinha sua belleza Só d'um escravo a defeza... Devia, oh raiva! ser prêza De meu infame senhor. E eu, soberbo vezes tantas, Curvei-me d'aquella vez: Arrastei ás suas plantas Minha feroz altivez. Debalde! que o vil tyranno Escarneceu do africano; Maldição! vaidoso, ufano, Meu amor calcou aos pés. --É minha, só minha a escrava: A ti, pertence o grilhão:-- Disse, e o sangue me escaldava No fundo do coração. Da vingança a torva imagem Me sorriu, me deu coragem, No meu gemido selvagem Rugiu irado o leão. Era noite!--negro sonho Que d'estes olhos não sae!-- Era noite! em céo medonho Vi tua sombra, ó meu pae... Rojando um grilhão pesado, Teu espectro ensanguentado Se ergueu sombrio a meu lado, Sem dar um gemido, um ai... Té que alçando a voz:--meu filho! Meu filho!--bradaste emfim, E os olhos turvos, sem brilho, Tinhas cravados em mim... Eu quiz lançar-me em teus braços, Quiz cingir-te em doces laços; Mas, fugindo aos meus abraços, Volvias a olhar-me assim. Foste escravo... teu destino, Tua morte compr'hendi, E um nome, o do assassino, Delirando te pedi; Mas sem attender a nada, Erguendo a dextra myrrhada, --Vingança!--com voz irada Bradaste, e não mais te vi. Sim, vingado foi teu sangue Por este braço a final, Que um d'elles cahiu exangue Aos golpes do meu punhal. Era amargo o fel da taça: Vinguei a nossa desgraça N'um dos tigres d'essa raça, No sangue do meu rival. Vinguei o meu e teu jugo! Que importam ferreos grilhões, O cadafalso e o verdugo, O supplicio e as maldições? Entre os gôsos da vingança Reluz emfim a esperança; Já não receio a lembrança De seus cruentos baldões. Sinto correr-me nas veias O fogo que lhe ateei... Quebrai-vos, duras cadeias, Escravo não mais serei... Sou livre! a morte o proclama N'este peito que se inflamma... Já n'elle circula a chamma Do veneno que eu tomei! O ANJO DA HUMANIDADE Era na estancia crystallina e pura, Que além do firmamento rutilante Se ergue longe de nós, e está segura Em milhões de columnas de diamante; Jerusalém celeste onde fulgura Do eterno dia o resplendor constante, E onde reside a gloria e magestade D'Aquelle que povôa a immensidade. Na mansão mais recondita e profunda A soberana Essencia o throno encerra, D'onde a fonte de amor brota fecunda, Os astros animando, os céos e a terra; Um mar de luz seus penetraes circumda, Que o proprio archanjo deslumbrado aterra, Luz que em triangulo ardente se condensa Quando o Eterno os oraculos dispensa. Por toda a parte o azul e as pedrarias Na cidade divina resplandecem; Mil arcadas de soes, mil galerias De brilhantes estrellas, a guarnecem; Os anjos em lustrosas jerarchias Nas harpas d'ouro melodias tecem, Outros em córos adejando vôam, E d'aromas e canto o céo povôam. Eis de repente nos umbraes divinos, Sobre as azas pairando, um anjo entrava, Parecendo de sitios peregrinos Que ás regiões celestes assomava; Cruzando o empyreo, as legiões, e os hymnos, Qual rapido luzeiro perpassava, Té que chegando ao throno do Increado, Nos ultimos degraus ficou poisado. Pelos eburneos hombros o cabello Em annelladas ondas lhe cahia; A saphira das azas sobre o gêlo Das roupagens luzentes refulgia. Mais brilhante não é, não é mais bello, Comparado com elle, o astro do dia, Ou a estrella que brilha quando a aurora De purpurina luz o céo colora. Ao throno augusto levantou a frente, Mas com as azas a toldou ancioso, Não podendo soster o brilho ardente Que despedia o fóco luminoso. A milicia dos anjos resplendente Fixou attenta seu irmão formoso; Os concertos pararam, e elle entanto Assim fallou entre o geral espanto: «Eterno Ser, que as divinaes moradas «Enches de gloria em magestoso assento, «Fonte de vida e creações variadas, «Que dás ao mundo poderoso alento; «A cujo acêno tremem abaladas «As columnas do ethereo firmamento, «E cujo nome, que o universo entôa, «No céo, na terra, e nos abysmos sôa! «Por teu mando supremo destinado «A conduzir a humana descendencia, «Desde que a mancha do cruel peccado «A fez cahir da primitiva essencia: «Venho a final, Senhor, de teu mandado «Dar-te conta fiel, apóz a ausencia; «Fazer-te ouvir da humanidade os prantos, «E aguardar teus preceitos sacrosanctos. «Ordenaste-me, ó Deus, que sempre attento, «Proseguisse na terra a lei sob'rana «Que rege, na amplidão do firmamento, «A creação que de teu seio emana: «Essa lei de progresso e movimento «Tenho cumprido na familia humana, «Desde que ao mundo, a combater seu fado, «O desterrado do eden foi lançado. «Primeiro, sobre a terra esclarecendo «Seus duvidosos passos vacillantes; «Depois, o justo e seu baixel sostendo, «Nas aguas do diluvio sussurrantes: «De novo á terra, de pavor tremendo, «Conduzindo mais puros habitantes; «Mais tarde, junto ao berço do Messias, «Annunciando ao mundo novos dias. «Agora, sobre as ruinas d'um imperio «Outro imperio de novo edificando; «Agora, as povoações d'um hemispherio «Sobre as d'outro hemispherio derramando; «Já do teu Verbo o divinal mysterio, «Com as sanctas doutrinas, propagando; «Já mostrando por fim á humanidade «Nova luz de justiça, e de verdade. «Quantos velhos sophismas desterrados! «Quantos idolos falsos em ruinas! «Quantos sabios triumphos alcançados! «Quantas conquistas immortaes, divinas! «Calcando o pó dos seculos passados, «O homem corre ao fim que lhe destinas; «Mas ah! Senhor, no meio da tormenta «Seu valor esmorece e desalenta. «Seu valor esmorece! tantas lidas, «Tanto luctar continuo das idades, «Tanto sangue e martyrios, tantas vidas, «Tantas ruinas d'imperios e cidades: «E o homem soffre, e as gerações perdidas «Se revolvem n'um mar de tempestades, «Sem vêr luzir esse fanal jucundo «Que por teu Filho prometteste ao mundo. «Quantos males ainda! a lei sublime, «A lei d'amor que derramou teu Verbo, «Sobre a face da terra, á voz do crime, «Succumbe e morre por destino acerbo, «O ferreo jugo que as nações opprime, «Os humildes abate, ergue o soberbo, «E o rei da terra, sobre a terra escravo, «Soffre mesquinho seu eterno aggravo. «Por toda a parte, em lastimoso accento, «Se ouve gemer a humanidade afflicta. «A terra, a mãe commum, nega alimento «Dos filhos seus á multidão proscripta: «Emquanto folga em vicios o opulento «A indigencia cruel na choça habita, «E a mãe, a mãe ao peito, em desalinho, «Aperta morto á fome o seu filhinho. «Entanto a guerra, que a ambição ateia, «Ensanguenta as campinas e as cidades; «A crua peste, que ninguem refreia, «Converte as povoações em soledades; «D'estes males crueis a terra cheia, «Cobre-se inda de mil iniquidades; «O vicio, o crime, a corrupção devora «A pobre humanidade, como outr'ora. «Ao vêr tanta miseria, o bom padece, «O mau blasphema de teu nome sancto, «A voz dos inspirados esmorece, «O futuro se envolve em negro manto... «Eu mesmo, eu mesmo, recolhendo a prece «Que a humanidade te dirige em pranto, «Subi confuso ao eternal assento, «A depôr a teus pés meu desalento.» Disse, e um gemido d'afflicção pungente, Semelhante a dulcisona harmonia, Soltou do peito, reclinando a frente Com celeste e ideal melancholia: Assim pendendo ao longe no occidente, Se reclina saudoso o astro do dia; Assim reclina a pallida açucena, Açoitada do vento, a fronte amena. Depois continuando: «ó Deus, quem ha de «Sondar mysterios que teu seio esconde! «Tuas leis divinaes, tua vontade «Cumprirei sobre a terra. Eia responde: «Os passos da mesquinha humanidade «Aonde os levarei, Senhor, aonde?» Uma voz retumbou no céo radiante, Que ao anjo respondeu, dizendo:--ÁVANTE! PARTIDA Ai, adeus! acabaram-se os dias Que ditoso vivi a teu lado; Sôa a hora, o momento fadado; É forçoso deixar-te e partir. Quão formosos, quão breves que foram Esses dias d'amor e ventura! E quão cheios de longa amargura Os da ausencia vão ser no porvir! Olha em roda estas margens virentes: Já o outomno lhes despe os encantos; Cedo o inverno com gelidos mantos Baixará das montanhas d'além. Tudo triste, sombrio, e gelado, Ficará sem verdura nem flôres: Tal meu seio, privado d'amores, Ficará de ti longe tambem. Não sei mesmo, não sei se o destino Me dará que eu te abrace na volta... Ai! quem sabe onde a vaga revolta Levará meu perdido baixel? Sobre as ondas, sem norte, e sem rumo, Açoitado por ventos funestos, Sumirá por ventura seus restos Nas voragens d'ignoto parcel. Mas ah! longe esta ideia sombria! Longe, longe o cruel desalento! Apóz dias d'amargo tormento Virão dias mais bellos talvez. Dá-me ainda um sorriso em teus labios, Uma esp'rança que esta alma alimente, E na volta da quadra florente Eu co'as flôres virei outra vez. Mas se as flôres dos campos voltarem Sem que eu volte co'as flôres da vida, Chora aquelle que em tumba esquecida Dorme ao longe seu longo dormir; E cada anno que o sôpro do outomno Desfolhar a verdura do olmeiro, Lembra-te inda do adeus derradeiro, D'este adeus que te disse ao partir! CANTO DE PRIMAVERA Eis surge a quadra flórida, A quadra dos amores, Vertendo almos fulgores De seio juvenil. Tudo revive ao hálito Que a natureza aquece; Tudo rejuvenesce Á luz do ameno abril. Os bosques odoriferos Se cobrem de verduras: Nos montes e planuras Renasce a tenra flôr; Dos perfumados zephyros Ás musicas suaves Se juntam das mil aves Os canticos d'amor. Salvè, estação esplendida, Ó luz appetecida, Que á terra dando vida, A tudo dás prazer! Minha alma em doces extasis Festeja a tua vinda, E se ergue á luz infinda, Manancial do ser. D'onde, ó calor benefico, Derivas teu alento? E d'onde o movimento Que dás á creação? Do fóco sempre vívido Que anima a natureza Por toda a redondeza Da terra, e da amplidão. Como nos campos fulgidos Espalha essas estrellas, Assim as flôres bellas Nos campos terreaes: Quão bello, ó Providencia, É teu poder fecundo, Enchendo o vasto mundo D'alentos immortaes! Debalde o immenso vortice Retoma quanto gera: Tudo se regenera No perennal crisol, E tudo canta harmonico O Ser que, das alturas, Aos gêlos dá verduras, Ás sombras novo sol. Cantae, ó aves módulas, Cantae em côro ledo! Murmurios do arvoredo, Cantae a Jehovah! Campinas aromaticas, Erguei-lhe os mil perfumes Das flôres em cardumes Que a primavera dá! Abriu-se o tabernaculo Da terra florescente; Todo sorri fulgente, Todo respira amor: Resoem n'elle os canticos De mystica harmonia, Dizendo noite e dia: --Hosanna ao Creador! CATÃO Como em tarde anuviada, Em tarde de negros véos, Para a terra contristada Sorri o iris nos céos; Mas quando o sol esmorece, O iris desapparece, Tudo é negra escuridão; O mar ruge e se encapella, E nas azas da procella Corre bramindo o trovão: Tal ao sol da liberdade Que sobre Roma luziu, Qual iris em tempestade, Catão á patria sorriu. Mas esse astro que fulgente Das aguias brilhára á frente, Do Capitolio baixou; E elle, o iris de bonança, Elle, de Roma a esperança, Com seu fulgor expirou. Contra as iras da tormenta, Ó forte, luctaste em vão: Que póde a virtude isenta Contra a geral corrupção? Já não luziam virtudes Como nos seculos rudes D'essa Roma consular; O templo da tyrannia A seus ministros abria As portas de par em par. Inda infante, viste Mario De Roma o sangue beber; E envolvida n'um sudario A pobre Italia gemer. Viste Sylla, o monstro infando, Entre as cabeças folgando, Qual tigre no seu festim; E, infante, bradaste ufano: --Dae-me um ferro, e do tyranno Livremos a patria emfim!-- Não t'o deram: que lucrava O teu valor juvenil? D'um tyranno outro brotava, Nascia a guerra civil. Enxuto de Roma o pranto, Eis que envolto em negro manto Lá surge um conspirador: Scintilla a morte, a ruina No punhal de Catilina, De Catilina, o traidor. Surge, vibora gerada Dos vicios no lodaçal! Sobre Roma descuidada Lança o veneno fatal! Eia, empunha o facho ardente! Entrega a patria innocente Aos punhaes da tua grei! E entre o sangue, á luz do incendio, N'um throno de vilipendio Vem sentar-te como rei! Mas treme! lá sôa o brado De Marco Tullio, orador. Treme! Catão no senado Já dos teus vence o furor. Succumbiste, algoz ferino! Oh! mas vinga-te o destino Que Roma jurou perder. Catão, cobre-te de luto, Que da Gallia já escuto A guerra civil descer! Gerou-a o triumvirato, Esse monstro d'ambição; Que as eras de Cincinnato, Essas eras já lá vão. D'olhos fitos sobre a Italia Eis desce o leão de Gallia, E Arimino já tomou. É Cezar! eil-o que assoma: Abre-lhe as portas, ó Roma, Que ás tuas portas chegou! Eil-o parte, e já na Hespanha, Os tres legados venceu! Só em Dyrrachio lhe ganha A espada do grão Pompeu. Os mortos jazem aos centos: Sobre os seus restos sangrentos Um homem chora: é Catão. É elle que alli deplora Essa guerra assoladora, Guerra d'irmão contra irmão. A liberdade expirava: O coração lh'o prediz. Roma, a livre, Roma escrava Ia dobrar a cerviz. Não se enganou: lá troveja O fragor d'alta peleja Em Pharsalia inda uma vez; Pompeu vacilla e fraqueia; A liberdade baqueia De Julio Cezar aos pés. Eil-a que expira, eil-a morta... Oh que não! resurge além! Catão é vivo: que importa Quanto Cezar ganho tem? De Pharsalia aos naufragantes Sobre as areias distantes Da Lybia surge um fanal: São d'elle, d'elle as bandeiras Juntando as rotas fileiras Para um combate final. Mas Cezar lá corre ovante, Vence Juba e Scipião; Tudo ante elle vacillante Se prostra emfim: maldição! Não tarda a hora funesta: De liberdade só resta Dentro d'Utica um fulgor. Inda Catão lá impera: É lá que o vencido espera As iras do vencedor. Que venha, que ao seu aceno Curvado não ha de vêr Aquelle rosto sereno, Que nunca soube tremer. Caminha, Cezar altivo, E acharás em teu captivo, Em vez de preito, o desdem! Sabes vencer, porém corre, Vem saber como se morre, Aprende a morrer tambem! Catão, Catão, eis chegado O momento de partir! Com que rosto socegado Te vejo á morte sorrir! Antes do golpe supremo Tu paras inda no extremo A meditar com Platão: Assim a aguia alterosa D'alta penha cavernosa Mede sublime a amplidão. E depois assim como ella, Das nuvens rompendo o véo, Adeja sobre a procella, Deixa a terra, e busca o céo: Tal co'a dextra sempre ousada Cravando no seio a espada, Partiste d'alma os grilhões; E d'entre os vaivens da sorte Voaste, calcando a morte, Ás ethereas regiões. Cezar vence, e ao Capitolio Lá sobe triumphador; Roma cahe do altivo solio, Rojando aos pés d'um senhor. Catão, o livre, expirára... No suspiro que exhalára A liberdade voou. Começava o negro imperio Que um Caligula, um Tiberio, Um Nero, monstro, gerou. Elle entanto, sepultado Nas praias junto do mar, Lá dormia descançado Sob a lagea tumular. Alli a queixosa vaga Vinha, rolando na plaga, Beijar do livre a mansão; E inda fallar com saudade, Da patria, da liberdade, Á estatua de Catão. IMITAÇÃO DO ISLANDEZ Um dia eu te dizia:--se roubada Me fôres, vem buscar-me--e tu não crias Que eu podésse abraçar-te inanimada, Beijar teus olhos, tuas mãos já frias. Mas eu não te amaria, se inconstante Te podésse esquecer na sepultura; Desbotou-se o frescor de teu semblante, Mas inda adoro tua imagem pura. Apagou-se em teus labios o ar da vida, Mas um sôpro immortal veio animar-te; E tu inda és formosa, inda és querida Ao que na terra começou a amar-te. Não me deixes em misero abandono; Escuta ao longe, escuta a minha prece: Quando uma noite a viração do outomno Gemer em nossas rochas, apparece! E se a lua brilhar, se de passagem Me estenderes a mão d'etherea alvura, Eu surgirei por vêr a tua imagem, Por ouvir tua voz serena e pura. Depois, anjo celeste, no meu seio Repousa a fronte, aperta-me em teus braços; Deixa que eu te acompanhe sem receio, D'esta existencia desatando os laços. Sobre a aurora do polo arrebatados Vamos, no seio d'immortaes venturas, Em nuvens d'ouro e purpura embalados, Cantar, sonhar, dormir n'essas alturas. Á MORTE DO MEU AMIGO LICINIO F. C. DE CARVALHO Morreste, amigo, partiste D'esta mansão passageira! Bem depressa da carreira Tocaste a méta fatal! Com a folhagem dos bosques Gelou-te o vento do outomno, E dormes o longo somno Do teu leito sepulchral! Já tua mão extremosa Não aperta a mão do amigo Que tantas vezes comtigo Em sonhos vãos delirou. No seio da fria terra Já não me escutas nem fallas, Contando lutos ou galas Do teu viver que passou. Oh! quantas vezes, immersos N'esses intimos enleios, Que fazem um de dous seios, Sentimos horas fugir! Quantas, sonhando horisontes De poesia, amor, ou gloria, N'uma expansão transitoria Creamos longo porvir! E morto jazes, ai! morto, Sem poder de teus anhelos Realisar os sonhos bellos, Cruzar a vasta amplidão?! Morto sem ter dito ao mundo A palavra augusta e sancta Que a turba anciosa espanta, E que é do genio o condão?! Morto á luz da tua aurora Sem que á luz da tua sesta Podésses, na hora funesta, Sorrir ao passado teu?! Morto, ai, morto sem ter ganho Mais lagrimas de saudade, Tão doces á soledade D'aquelle que já morreu?! Deus! se a vida é campo ameno Onde se vem colher flôres, Porque, do sol aos fulgores, Não se hão de as flôres colher? Se é deserto ingrato e rude, Onde não brota uma fonte, Porque ha de em nosso horisonte A luz do dia nascer? Mas dorme, descança, amigo, Que a vida é o deserto ás vezes... Estrada de mil revezes, E de voragens fataes... E que é o poeta? o viajante Que fere os pés nos abrolhos, Em quanto levanta os olhos Ás regiões divinaes. Ave estrangeira que passa N'este clima procelloso, Com seu canto mavioso Levando as turbas d'apóz; Mas que chora de saudade Por sua patria querida, Té que a final abatida Cahe sem alento, e sem voz. Descança! no frio leito De teu eterno repouso, Não te irá o sol formoso Cada manhã despertar; Mas tambem, da aurora á noite, Não calcarás os espinhos Que em teus agrestes caminhos Verias da flôr a par. Lá não irão festejar-te Ruidosos echos do mundo, Que dizem, no som profundo, Qual é do genio o poder; Mas tambem tuas corôas Não regarás com teu pranto, Nem a inveja em negro manto Tua estrella ha de envolver. Descança! que digo! surge! Ergue-te á luz, ó poeta, E revôa aonde inquieta Te levava a inspiração! Sonhaste mundos brilhantes, Sonhaste amor e poesia: No paiz do eterno dia Vae colher teu galardão! Vae! das plagas do desterro Eis-te a final resgatado: Procura regenerado A patria que te sorri! Lá terás as harmonias Que soltam milhões d'espheras, E florentes primaveras Quaes não terias aqui. Lá gosa! lá, sacudido Sobre a terra o terreo manto, Desprende teu novo canto De novos soes ao fulgor! E, se lá póde chegar-te Esta nota de saudade, Escuta a voz da amizade Entre os mil hymnos do amor! O MENDIGO Nas torres soberbas da grande cidade O sol desmaiado não tarda a morrer; Recrescem as sombras: que importa? a vaidade No manto das sombras envolve o prazer. E o velho entretanto lá sóbe a montanha, Caminha, caminha, no cimo parou: Em frigidas gottas o rosto lhe banha Suor copioso, que á terra baixou. Quiz, antes da morte, nas serras distantes Fitar inda os olhos cançados da luz; A aldeia da infancia saudar por instantes, Depois satisfeito depôr sua cruz. Olhou, e um suspiro de vaga saudade Juntou a seus prantos em funda mudez; Depois, ao volver-se, topando a cidade, Que em ebrio tumulto folgava a seus pés: «Mal hajas, cidade, que ao pobre faminto «O pão da desgraça negaste cruel! «Mal hajas, mal hajas, que a terra do extincto «Talvez lhe negáras, á tumba infiel!» E exhausto, e sem forças, cahiu de joelhos; E a fronte cançada firmou no bordão: Passados instantes, os olhos vermelhos Ao céo levantava, dizendo: perdão! Cahiam-lhe soltas no collo vergado As longas madeixas em brancos anneis: Que nobre semblante de rugas sulcado, Sulcado dos annos, e mágoas crueis! «Perdão para as vozes que solta a desgraça! «Perdão para o triste, perdão, ó meu Deus! «Bem hajas, que aos labios lhe roubas a taça «De fel e amarguras, abrindo-lhe os céos. «Já filhos não tenho, levou-m'os a guerra; «Esposa não tenho, finou-se de dôr; «Amigos não vejo na face da terra: «Que faço eu no mundo? bem hajas, Senhor! «Ás portas do rico bati sem alento, «Eu rico n'outr'ora, mendigo por fim: «O rico sem alma negou-me o sustento, «Aquelles que amava fugiram de mim. «Vaguei pelo mundo, nas faces myrrhadas «Colhendo os insultos que ao pobre se dão; «Sem pão, sem abrigo, por noites geladas «Poisei minha fronte nas lageas do chão. «Que vezes a morte chamei sem alento, «Cançado dos annos, e fomes, e dôr! «A morte não veio: soffri meu tormento... «Só hoje me ouviste: bem hajas, Senhor! «Os homens e o mundo negaram-me os braços, «Mas tu me recolhes, tu me abres os teus... «Minha alma te busca, desprende-a dos laços... «Perdão para todos, perdão, ó meu Deus!» E um ai derradeiro soltou d'anciedade, Cahindo por terra nas urzes do chão; Ao longe, no seio da grande cidade, Brilhava das festas nocturno clarão. A VIDA A MEU IRMÃO Que! luctar sempre em afanosa guerra Contra os rigores d'um feroz destino! A cada passo lacerar as plantas N'esta agra senda que nomeiam vida! Correr apóz um sonho, uma esperança Que leda nos sorria, e vêl-a ao cabo Sumir-se, desfazer-se como o fumo! Ou, se tocamos o vedado pomo, Arrojal-o de nós, murcho e vasio! Alcançar por um bem, mil dissabores! Por uma hora de gôso, mil de prantos! Soffrer, sempre soffrer, não vir um dia Em que possamos exclamar: ventura! E é este o calix de aprazivel nectar Que ao banquete do mundo nos convida? É este o eden que nos prende os olhos, E nos faz recuar ante o sepulchro? Nascemos: com que pena á luz do dia Surgimos logo do materno seio! Filhos da dôr, obedecendo á origem, Nos vagidos da infancia a annunciamos; E ainda assim, no deslizar sereno Dos dias infantis, a vida encanta; A taça da existencia tem doçura, Como se o mel lhe coroasse a borda Para mais facil nos tentar os labios. O horisonte dos annos se dilata; Vem a idade do amor. Que bellos sonhos Em magico painel a vista illudem! Um ser, que a mente em chammas divinisa, Nosso oásis feliz anima todo, Bem como o sol anima a natureza, Ou a rosa do valle os floreos prados. Mas quantos podem na manhã da vida Colher a rosa de seu mago enlevo? Quantos a estrella que adoraram crentes Sentem passar, e desfazer-se em breve, Não luzeiro do céo, porém da terra, Meteóro fugaz que baixa ao solo, E se dissipa redobrando a noite! As illusões do amor se desvanecem: D'esse mundo feliz o homem baqueia E devorando a mágoa segue ávante. Prometheu afanoso, eil-o procura Dar alma e vida ás creações que inventa, Ai! já não bellas, mas de impura argilla. Honras, gloria, poder, bens de fortuna, Sciencia austera, festivaes prazeres, A tudo se abalança, aspira a tudo, E em tudo encontra desenganos sempre. Ao ponto que fitára jámais chega, Ou, se o alcança, não lhe dura o gôso. Ai do que envolto em miserandas faxas, Embalada sentiu a pobre infancia C'os gemidos da fome! Esse á ventura Quasi nem ousa levantar os olhos: Perpetuo desalento lh'os abate Á triste condição em que nascêra. Planta gerada n'um terreno esteril, Não se ergue altiva, não estende os ramos, Vive entre espinhos, e entre espinhos morre. Em vão se cança o triste: raras vezes A dura terra lhe concede o premio Do suor e das lagrimas que verte No seio ingrato d'essa mãe ferina. Um pão acerbo que amassou com pranto, É o alimento que reparte aos filhos; E o marco do caminho a cabeceira Onde desprende o moribundo alento. Ai d'elle! mas não menos desditoso O que em purpuras e ouro vendo o dia, Ou conduzido pela mão da sorte, Chegou aos cumes que a fortuna habita; E, na posse dos bens que o mundo anceia, Palpou tremendo seu medonho nada. Este, empunhando o sceptro, empallidece Sentindo ás plantas vacillar-lhe o solio; No fastigio da gloria aquelle geme, Ao vêr o louro que lhe cinge a frente Pelo bafo da inveja emmurchecido. Um as honras consegue, e as vê sem preço; Outro as riquezas, e lamenta os dias Que mais bellos perdeu em seu alcance. Qual, a sciencia devassando ousado, Apóz longas vigilias estremece Da dúvida ante o espectro; qual ardente Das festas no rumor despende a vida, E a taça do prazer lhe deixa o enfado. Feliz aquelle que em modesta lida, Isento da ambição e da miseria, No regaço do amor e da virtude A vida passa. Mais feliz ainda Se, das turbas ruidosas afastado, Á sombra do carvalho, entre os que adora, Sente a existencia deslizar tranquilla, Como as aguas serenas do ribeiro Que as herdades pacificas lhe banha. Mas, que digo! nem esse. Infindos males, Communs a todos, seu viver não poupam. D'um lado a crua guerra lhe sacode O facho assolador ás brandas messes; A pallida doença, d'outro lado, Dos entes que mais ama o vae privando; E elle mesmo talvez, infausta prêsa D'essa serpente que nos liga á morte, Nos eculeos da dôr a vida exhaure. E, como se estes males não bastaram, Sua mesma virtude lhe é supplicio. Compassivo co'a dôr que os outros soffrem, A dôr alheia o atormenta ainda. Justo, adora a justiça; e, olhando em torno, A injustiça e oppressão verá reinando; Verá a innocencia victima do crime, A virtude humilhada, o vicio altivo, Os prantos da miseria escarnecidos, Por toda a parte o mal, a dôr, e as queixas. Ai d'elle, ai d'elle, se um momento pára Na atroz contemplação de tantos males! Ai d'elle, que turbado e confundido, Em maldições blasphemará terrivel Da virtude, de si, de Deus, de tudo! Não! da vida no pélago agitado Um abrigo não ha, não ha um porto Onde possamos descançar tranquillos. Em nós, dentro em nós mesmos, ruge irada A tempestade que evitar queremos. Como a serpente no crystal da lympha, Na alma serena o soffrimento mora; Não póde o gôso dos mais bellos dias Encher o abysmo que no seio temos. Em vão, em vão anciamos a ventura: Somos na terra qual viajante exhausto Que ouve o sussurro d'escondida fonte, E morre á sêde, sem poder tocal-a. Vida, tremenda herança d'amarguras, Eu te hei sondado nos meus proprios males, E em meus irmãos na dôr, nos homens todos: Grilhão pesado que nos dá o berço, E que depômos nos umbraes da tumba. A lucta, a mágoa, eis os teus dons funestos. Mas d'onde a causa do soffrer eterno Que as gerações ás gerações transmittem? Que um seculo, tombando de cansaço, Como um pêso importuno lega ao outro? D'onde o crime feroz que um tal castigo Sobre nós attrahiu? Se um deus é justo, Que deus, que lei, sem escutar-nos, pôde A sentença lavrar? Silencio é tudo! Em vão, para sabêl-o, em vão mil vezes Interroguei confuso o céo e a terra: O céo de bronze não me ouviu a prece, A terra obscura não me soube o enigma. Dos prophetas na voz, na voz dos sabios, A dúvida cruel achei sómente. Pedindo á morte a solução da vida, Desci ás tumbas, apalpei as cinzas; Quiz vêr se um echo da gelada campa Surgia á minha voz; mas foi debalde. Frias ossadas, carcomidos restos De quem soffreu tambem, só me disseram Que tudo acaba alli. A terra, a terra, O seio impuro dos famintos vermes: Eis o refugio, a habitação amiga Que apóz a lucta nos espera ao cabo! Morte, morte, bem vinda sejas sempre! Em nome da existencia eu te saúdo! Tu reinas pela dôr na especie humana, E, quem sabe? talvez n'esse universo; O sol, o mesmo sol envolto em sombras, Parece reflectir-te as negras azas; E acaso á tua voz, a cada instante, Um comêta voraz fulmina um globo. Porque inda tardas a empunhar o sceptro Que n'este ao menos te pertence ha muito? Ao desterrado do eden porque deixas O resto de poder que inda te usurpa? Eia, desprende sobre a terra as azas, Sobre esta creação que abandonada Talvez por seu author como imperfeita, Qual nau perdida em tormentosos mares, Vaga sem rumo n'esse espaço ethereo! Mas que sinistra voz! Silencio, ó lyra! Não mais prosigas teu cantar blasphemo! Fanal de salvamento, luz d'esp'rança Que na altura do Golgotha brilhaste, Desce á minha alma que a tristeza inunda! Desce! de todos resumindo as dôres O calix d'Elle foi o mais acerbo. Elle soffreu! Sofframos, e esperemos! Depois da noite escura vem o dia: Depois d'este desterro, a eterna patria! DESENGANO Vejo-a ainda! resurge a meus olhos Como em tempos ditosos surgia, E, qual anjo de casta poesia, Desce ás vezes n'um sonho d'amor; Vejo-a ainda nos céos e na terra, Nos encantos e risos da aurora, E, se o dia nas ondas descora, Das estrellas no meigo fulgor. Era a luz que brilhava em minha alma, Era o astro que em sombras luzira, Era o fogo sagrado que a lyra Ás doçuras d'amor acordou... Tudo é findo; debalde nas trevas Busco ainda seu facho luzente: Foi apenas um astro cadente, Meteóro fugaz que passou. Pobre seio que ardente pulsaste Embalado por falsas venturas, O fanal que na terra procuras Sobre a terra jámais acharás. Não ha seio que entenda no mundo Esse ardor de teus vagos anhelos; Não ha luz que em seus raios mais bellos Não te esconda uma sombra fallaz. Que te resta? um futuro vasio D'illusões que nutriu a esperança, E um passado de triste lembrança Como é triste a verdade sem véo... Olvidar! olvidar! que ao presente, Ai! só cabe o repouso do olvido. Olvidar! e que em gêlo sumido Seja o fogo que em chammas ardeu! Sonho bello que esta alma illudiste, Chamma ardente nos céos ateada, Vôa, vôa á celeste morada! Lá nasceste, do mundo não és. E tu, lyra de languidas cordas Que d'amor suspiraste em desleixo, Vae, oh, vae! em silencio te deixo... Vae, oh, vae para sempre talvez! AGAR De Bersabé nos areaes ardentes O desmaiado sol ia esconder-se, E Agar, a expulsa Agar, gemendo afflicta, Unia ao peito o moribundo filho. O vaso d'agua que lhe dera o esposo Esgotára-se em breve, e no deserto Com seu pobre Ismael não descobrira, Desde o romper do dia, a anciada fonte. O dia declinava: eis que o infante, Que pela mão a acompanhava exhausto, Ardendo em sêde lhe succumbe ás plantas. Ella vê-o cahir, ella estremece, E, os olhos turvos em redor lançando, Aqui e alli correndo, busca ainda, Mas debalde, um frescor. Emfim cançada, Ella mesma tambem, eis volve ao filho, Prostra-se, abraça-o, com maternos beijos Tenta anciosa prolongar-lhe a vida. «Filho, meu filho--murmurava a triste-- «Á sêde vaes morrer! Oh! se o podésse «Adivinhar teu pae, cruel não fôra; «E Sara, a propria Sara, enternecida «Emmudecêra seus fataes ciumes. «Oh! não gemas, não gemas, que debalde «Invocas tua mãe. Ella te escuta, «Mas não póde salvar-te: dentro em pouco «Em seu regaço exhalarás a vida. «E hei de eu vêr-te expirar? vêr n'esses olhos «Sumir-se a luz do dia? e n'essas faces, «Que tantas vezes me sorriram ledas, «Vêr as ancias da morte? Oh! não, não posso «Vêr morrer o meu filho.» Disse, e ao tronco D'uma arvore visinha o recostava; Depois, com tristes, vagarosos passos, Foi n'outros sitios aguardar a morte. Alli, ao vêr o sol que esmorecia, Desatou a chorar, e estes queixumes Em voz convulsa murmurou ainda: «Sol do deserto, que o meu pobre filho «Vês expirando na soidão além, «Com teu suave derradeiro brilho «Beijar-lhe a face carinhoso vem! «Oh! vem, que eu triste n'essa face pura «Materno beijo nunca mais darei. «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meus prantos, sem cessar correi! «Quando o teu facho resurgir no oriente, «Tudo na terra sentirá prazer; «E lá nos campos de Mambré virente «Mais bella a rosa te verá nascer: «Só elle em sombras d'uma noite escura «Adormecido ficará, bem sei. «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meus prantos, sem cessar correi! «Por mim não choro, que infeliz escrava «Meus tristes dias findarei aqui: «Ai! choro aquelle que no mundo amava, «Choro meu filho que expirando vi. «Maternos mimos, filial ternura, «Lembrae-me os tempos que feliz gosei! «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meus prantos, sem cessar correi! «Oh! quem dissera nos passados dias «Em que ao meu collo te cerquei d'amor, «Oh! quem dissera que a morrer virias «N'este deserto, sem achar frescor? «Emmurcheceste, já não tens verdura, «Mimoso arbusto que gentil criei! «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meu prantos, sem cessar correi! «Tantas esp'ranças, que o Senhor gerára «Na escrava humilde, findarão assim. «Foi mais feliz a geração de Sara: «Cruel destino só me coube a mim. «Em vão, em vão me prometteu futura «Longa progenie: sem ninguem fiquei. «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meus prantos, sem cessar correi! «Quem, ó meu filho, n'este solo ardente, «Quem no jazigo te virá deitar? «Dizer-te:--dorme--e, reclinando a frente «No teu sepulchro, sobre ti chorar? «Eu não, que em breve n'esta plaga obscura «Tambem já morta como tu serei. «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meus prantos, sem cessar correi! «Aves agrestes que me ouvis as queixas, «Com tristes vozes o seu fim chorae! «Brizas do ermo, suspirae-lhe endeixas! «Astros da noite, seu dormir velae! «Velae-o todos, que a final ventura «Que vos reservo nem sequer terei. «Perdi meu filho: sobre a terra dura «Correi, meus prantos, sem cessar correi! Mas Deus! que viu ella, Que um ai desprendeu? Que pomba tão bella No manto do céo! Que pennas de prata, D'azul, d'escarlata, O espaço retrata Sereno, sem véo! É anjo voando! Que brilho que tem! Que véos ondulando De pura cecem! Que anneis de cabello Nos hombros de gêlo, No collo tão bello Cahindo ao desdem! Descendo, descendo, Já perto chegou; E a pobre tremendo Calada ficou; E o anjo sorria Com doce magia, E á terra descia, Na terra poisou. E em roda mil lumes De brilho sem fim Lançava, e perfumes De nardo e jasmim; E a voz argentina, Suave, divina, Soltou peregrina, Fallando-lhe assim: «O que fazes, Agar, porque choras? «Nada temas, não tens que temer: «Se o teu filho perdido deploras, «Esses prantos converte em prazer. «Do deserto chegou seu gemido «Ás alturas que habita o Senhor: «Surge, surge, e teu filho querido «Vae ao longe buscar sem temor! «Surge, surge, recobra a esperança, «Que as promessas cumpridas serão! «O teu filho, o Senhor t'o afiança, «Será pae d'uma grande nação. «Gloria a Deus que no céo ouve as mágoas «De quem soffre na terra a carpir! «Eis um jorro de limpidas aguas: «Ide n'ellas a sêde extinguir!» E, assim dizendo, lhe mostrava perto Uma fonte escondida entre verduras, Como nunca se vira no deserto, De tão grato frescor, d'aguas tão puras. Depois, batendo as esmaltadas pennas, Deixou na terra um luminoso traço; E, agitando seu manto d'açucenas, Sumiu-se ao longe na amplidão do espaço. Erguendo aos céos a radiosa fronte, A pobre mãe ao Senhor Deus louvava; E, enchendo o vaso no crystal da fonte, Com elle ao filho a salvação levava. MARIA, A CEIFEIRA (IMITAÇÃO DE UHLAND) «Bons dias, Maria: da lida do prado «Nem mesmo te afastam cuidados d'amor. «Se ao fim de tres dias m'o deixas ceifado, «A mão de meu filho te quero propôr.» Promessa é do rico, soberbo rendeiro: Maria, oh! quão ledo seu peito bateu! Seus olhos brilharam, seu braço ligeiro Mais forte nas messes a foice moveu. Soou meio dia: que ardente seccura! Já todos demandam a fonte, o pinhal; Sómente nos ares a abelha murmura: Maria não pára, que é sua rival. O sol esmorece, bateram trindades; Debalde o visinho lhe grita: bastou! Zagaes e ceifeiros se vão ás herdades: Maria, co'a foice, lidando ficou: O orvalho desliza; desponta a seu turno A estrella no espaço, na selva o cantor: Maria, insensivel ao bardo nocturno, A foice incansavel agita ao redor. Os dias e as noites assim por taes modos, Nutrida d'amores, mal sente passar. Tres dias findaram; oh! vinde vêr todos Maria ditosa d'esp'rança a chorar. «Bons dias, Maria: já tudo ceifado! «Lidaste devéras: a paga has de ter. «Emquanto a meu filho, foi graça o tratado: «Quão loucos e simples o amor nos faz ser!» Tal disse, e passava... no peito constante, Ai pobre Maria, que transe cruel! Teu corpo formoso tremeu vacillante, E exhausta cahiste, ceifeira fiel. Um anno a coitada, sósinha comsigo, Vivendo de fructos, vagou sem fallar... No prado mais verde cavae-lhe o jazigo: Ceifeira como esta jámais heis de achar. O FIRMAMENTO AO MEU AMIGO J. S. DA SILVA FERRAZ Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso, O livro do infinito, Onde em mil letras de fulgor intenso Seu nome adoro escripto. Eis de seu tabernaculo corrida Uma ponta do véo mysterioso: Desprende as azas remontando á vida, Alma que anceias pelo eterno gôso! Estrellas que brilhaes n'essas moradas, Quaes são vossos destinos? Vós sois, vós sois as lampadas sagradas De seus umbraes divinos. Pullulando do seio omnipotente, E sumidas por fim na eternidade, Sois as faiscas de seu carro ardente Ao rolar através da immensidade. E cada qual de vós um astro encerra, Um sol que apenas vejo, Monarcha d'outros mundos como a terra Que formam seu cortejo. Ninguem póde contar-vos: quem podéra Esses mundos contar a que daes vida, Escuros para nós qual nossa esphera Vos é nas trevas da amplidão sumida? Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsas Do throno soberano: Quem vos ha de seguir nas profundezas D'esse infinito oceano? E quem ha de contar-vos n'essas plagas Que os céos ostentam de brilhante alvura, Lá onde sua mão sostem as vagas Dos soes que um dia romperão na altura? E tudo outr'ora na mudez jazia, Nos véos do frio nada: Reinava a noite escura; a luz do dia Era em Deus concentrada. Elle fallou! e as sombras n'um momento Se dissiparam na amplidão distante! Elle fallou! e o vasto firmamento Seu véo de mundos desfraldou ovante! E tudo despertou, e tudo gyra Immerso em seus fulgores; E cada mundo é sonorosa lyra Cantando os seus louvores. Cantae, ó mundos que seu braço impelle, Harpas da creação, fachos do dia, Cantae louvor universal Áquelle Que vos sustenta, e nos espaços guia! Terra, globo que geras nas entranhas Meu ser, o ser humano, Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas, E com teu vasto oceano? Tu és um grão d'areia arrebatado Por esse immenso turbilhão dos mundos Em volta de seu throno levantado Do universo nos seios mais profundos. E tu, homem, que és tu, ente mesquinho Que soberbo te elevas, Buscando sem cessar abrir caminho Por tuas densas trevas? Que és tu com teus imperios e colossos? Um átomo subtil, um froixo alento: Tu vives um instante, e de teus ossos Só restam cinzas que sacode o vento. Mas ah! tu pensas, e o gyrar dos orbes Á razão encadeias; Tu pensas, e inspirado em Deus te absorbes Na chamma das ideias: Alegra-te, immortal, que esse alto lume Não morre em trevas d'um jazigo escasso! Gloria a Deus, que n'um átomo resume O pensamento que transcende o espaço! Caminha, ó rei da terra! se inda és pobre, Conquista aureo destino, E de seculo em seculo mais nobre Eleva a Deus teu hymno! E tu, ó terra, nos floridos mantos Abriga os filhos que em teu seio geras, E teu canto d'amor reune aos cantos Que a Deus se elevam de milhões d'espheras! Dizem que já sem forças, moribunda, Tu vergas decadente: Oh! não, de tanto sol que te circumda Teu sol inda é fulgente. Tu és joven ainda: a cada passo Tu assistes d'um mundo ás agonias, E rolas entretanto n'esse espaço Coberta de perfumes e harmonias. Mas ai! tu findarás! além scintilla Hoje um astro brilhante; Ámanhã eil-o treme, eil-o vacilla, E fenece arquejante: Que foi? quem o apagou? foi seu alento Que extinguiu essa luz já fatigada; Foram seculos mil, foi um momento Que a eternidade fez volver ao nada. Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêso Dos annos e ruinas, Tu cahirás n'esse vulcão accêso Que teu sol denominas; E teus irmãos tambem, esses planetas Que a mesma vida, a mesma luz inflamma, Attrahidos emfim, quaes borboletas, Cahirão como tu na mesma chamma. Então, ó sol, então n'esse aureo throno Que farás tu ainda, Monarcha solitario, e em abandono, Com tua gloria finda? Tu findarás tambem, a fria morte Alcançará teu carro chammejante: Ella te segue, e prophetiza a sorte N'essas manchas que toldam teu semblante. Que são ellas? talvez os restos frios D'algum antigo mundo, Que inda referve em borbotões sombrios No teu seio profundo. Talvez, envôlta pouco a pouco a frente Nas cinzas sepulchraes de cada filho, Debaixo d'elles todos de repente Apagarás teu vacillante brilho. E as sombras poisarão no vasto imperio Que teu facho alumia; Mas que vale de menos um psalterio Dos orbes na harmonia? Outro sol como tu, outras espheras Virão no espaço descantar seu hymno, Renovando nos sitios onde imperas Do sol dos soes o resplendor divino. Gloria a seu nome! um dia meditando Outro céo mais perfeito, O céo d'agora a seu altivo mando Talvez caia desfeito. Então, mundos, estrellas, soes brilhantes, Qual bando d'aguias na amplidão disperso, Chocando-se em destroços fumegantes, Desabarão no fundo do universo. Então a vida, refluindo ao seio Do fóco soberano, Parará concentrando-se no meio D'esse infinito oceano; E, acabado por fim quanto fulgura, Apenas restarão na immensidade-- O silencio aguardando a voz futura, O throno de Jehovah, e a eternidade! TRISTEZA Extingue-se o anno, são findos os dias Que os valles encheram de próvida luz; O inverno c'roado de nevoas sombrias, Seus pallidos gêlos á terra conduz. O rio em torrentes inunda as campinas, As veigas perderam seu floreo matiz, Pesada tristeza reveste as collinas, E as selvas que ha pouco sorriram gentis. Em tudo a meus olhos avulta uma imagem De triste abandono, de mystica dôr: Apraz-me este luto que veste a paizagem, Apraz-me esta scena d'extincto verdor. Como estas campinas outr'ora florentes, Meus dias formosos floriram tambem; Como ellas agora, meus dias cadentes, Despidos de encantos, já viço não tem. Quão rico de gôsos o tempo corria! Quão triste o presente, quão pobre ficou! Só resta a saudade, qual vaga harmonia Que uma harpa nocturna de longe soltou. Mas essa que vale perdida a esperança? Que vale um passado que já não é meu? Á flôr desbotada que importa a lembrança Da aurora suave que aroma lhe deu? Um dia outra quadra mais bella e mais pura Virá de boninas ornar os vergeis; Mas vós, ó meus tempos d'amor e ventura, Sois findos p'ra sempre, jámais voltareis. Sondando o futuro, minha alma conhece Que os ermos do mundo já rosas não tem: Já tudo succumbe, já tudo fenece, O sol da ventura, e a esp'rança tambem. Té mesmo em meu peito vacilla agitada A chamma da vida perdendo o calor; Meus dias declinam qual luz desmaiada Que doira as montanhas com tibio fulgor. Se tudo, ah! se tudo findou no passado, Se as trevas se estendem nos céos do porvir, Que esperas, minha alma? do livro do fado São negras as folhas: só resta partir. Ao longe, quem sabe? sulcando as alturas, Jardins mais formosos verás na amplidão, De flôres eternas, d'eternas verduras Que os gêlos da terra jámais seccarão. Temendo os rigores do outomno visinho, As aves adejam buscando outros céos: Tu és, ó minh'alma, qual ave sem ninho,-- Procura outros climas, rasgando os teus véos! A MÃE E A FILHA --Filha, filha, que linda alvorada! Anda vêr este sol a nascer: Ha tres dias que gemes deitada, Mas já hoje sorris de prazer. --Oh! que sonhos d'encantos divinos! Tudo em roda luzia em fulgor, E mil anjos cantavam seus hymnos Em jardins d'açucenas em flôr. Era longe dos olhos humanos, N'uma terra mui longe d'aqui... Oh! que mundo tão livre d'enganos! Oh! que vida que n'elle vivi! * * * * * --Olha o sol que tão bello se esconde Nas montanhas sombrias d'além... Tão calada, tão triste! responde, Que tens tu, minha filha, meu bem? Vou na patria d'eternos amores, Vou ao longe ditosa viver, Mas, no seio de mundos melhores, Ai! não te hei de a meu lado já vêr! Eis um anjo que desce os espaços... Que harmonias! que brilho sem fim! Mãe, oh mãe, dá-me ainda os teus braços... Já não soffro, não chores por mim. O MOSTEIRO DA BATALHA Pulsemos a lyra, que além se levanta Padrão de victoria que immenso reluz! Um templo e altares á Mãe sacrosancta; Um templo, um poema que altivo descanta Grandezas da patria nos atrios da cruz. Grandezas da patria quem traz á memoria Que o peito não sinta d'orgulho bater? Pulsemos a lyra! do livro da historia Volvamos as folhas, que a musa da gloria Em nuvens ethereas sentimos descer! * * * * * Eis já d'Aljubarrota nas campinas Se encontraram as hostes contendoras. D'aqui tremulam portuguezas quinas: D'além as castelhanas invasoras. D'aqui é João primeiro, cuja lança A corôa defende e a patria cara: D'além o estranho rei, pedindo a herança Da princeza Beatriz que desposára. Refulge o sol nas armas, os cavallos Rincham fogosos escarvando a terra; D'um lado e d'outro os chefes a intervallos Correm as alas animando á guerra. Pouco avultam as hostes portuguezas: Tremendo é de Castella o poderío; Mas quem á patria negará proezas D'alto valor, e generoso brio! A vespera é do dia consagrado Á Assumpção gloriosa de Maria; Os olhos levantando, o rei soldado: «Senhora, exclama, nosso esforço guia! «Se vencermos, um templo magestoso «Te erguerei sobre o campo da batalha!» Diz, e esporeando seu corcel fogoso Brios em todos com a voz espalha. Soam trombetas; o signal é dado; Fluctuam soltos os pendões na frente: --Sam Tiago!--brada o castelhano ousado; --Sam Jorge e ávante!--a portugueza gente. Rédeas soltando os esquadrões galopam, E dão em cheio com furor insano, Como torrentes que no val se topam, Ou como as ondas no revolto oceano. Retine o ferro, a multidão se agita; As hachas d'armas, os broqueis lampejam; Piões, ginetes, com medonha grita, N'um mar de sangue em turbilhão pelejam. O sol já desce a mergulhar no oceano, E inda referve a encarniçada lida; Eis redobra d'esforço o lusitano, E o estrangeiro leva de vencida. Foge o rei castelhano espavorido; Fogem os seus em debandada solta; Persegue-os João primeiro, e destemido A gosar do triumpho ao campo volta. Já se erigem trophéos, já resplandece O céo da patria c'o fulgor da gloria; Faltava o monumento que dissesse: --Foi aqui! eis o campo da victoria! * * * * * E eil-o ahi que se levanta Com magestosa grandeza, D'aquella gentil proeza Sublime recordação; Eil-o ahi aos céos erguido, Como um colosso gigante Apontando ao caminhante O sitio da grande acção. Altos porticos, lavores D'ostentosa architectura, Corucheus d'immensa altura Roçando a fronte nos céos; Dentro, a nobre magestade Do sanctuario profundo, Onde, extincta a voz do mundo, Só lembra o passado, e Deus. Sobre os gothicos pilares Brilham tremulos fulgores, Que das vidraças de côres Entorna a mystica luz. Tudo cala, mas, se o orgão Por entre as naves resôa, Tudo se anima, e apregôa O sancto Verbo da cruz. Então a mente se enleva Nas torrentes de harmonia Que da abobada vasia Retumbam pela amplidão; E, abrazada nos fulgores Dos vivos, sagrados lumes, Sobre as azas dos perfumes Revôa á etherea mansão. Se tudo cahe em silencio, Cahe em si mesma, e medita, Recordando a data escripta N'esses gothicos umbraes. Pensa então nos heroismos, E crenças da meia idade, Combatendo a escuridade D'aquelles tempos feudaes. Pensa nos vultos heroicos Dos antigos cavalleiros, E em nossos feitos guerreiros Pela patria e pela cruz; Pensa na grande victoria Que nos fez independentes, E que aos olhos dos presentes N'esse moimento reluz; Pensa n'um povo pequeno, Mas esforçado e guerreiro, Triumphando do estrangeiro Á voz do rei popular; Pensa no Mestre valente; E sua sombra gigante Parece ás vezes distante Entre as columnas vagar. E pensa tambem no artista, N'esse architecto inspirado Que um poema sublimado Alli traçou a cinzel; Que cego da luz dos olhos Accendeu a luz do engenho, E consummou seu empenho, Ao grande assumpto fiel. E Affonso Domingues surge N'esse padrão sobranceiro Ao lado de João primeiro, Seu immortal fundador; Reis ambos: um pelo berço Que lhe deu sua nobreza; Outro, rei pela grandeza Do seu genio creador. Lá dormem! um rodeado Dos brazões da sua gloria, Como depois da victoria, Sob a tenda a descançar; Outro á sombra d'esses tectos Em campa singela e nua, Como querendo a obra sua D'além da tumba guardar. * * * * * E lá dormem tambem outros que a morte Juntou á sombra do logar sagrado, D'infantes e de reis alta cohorte, Servindo de cortejo ao rei soldado. Reunidos emfim no chão funereo, Fernando, Pedro, e Henrique, os tres infantes; Henrique, o sabio audaz que outro hemispherio Primeiro abriu aos lusos navegantes. Duarte e João segundo descançando D'altas victorias na mansão tranquilla; Affonso quinto c'os laureis sonhando D'Alcacer, Tanger, e da forte Arzilla. E no sôpro do vento que perpassa, E lhes roça nas frias sepulturas, Parecem murmurar em voz escassa, E agitar suas ferreas armaduras. E lá quando o luar pelas janellas Lhes escôa nas lapidas marmoreas, Talvez erguidos se recostam n'ellas A fallar entre si de nossas glorias. Dormi em paz, ó chefes do passado, Heroico fundador, prole valente; Dormi em paz no tumulo calado Recordando os laureis da vossa gente. Enchei em roda os penetraes divinos De vossos gloriosos esplendores; E se tendes poder sobre os destinos, Defendei-os do tempo e seus furores. Que as gerações passando reverentes Possam, volvendo as paginas da historia, Largas eras saudar, curvando as frentes, Esse padrão d'immoredoura gloria! DESALENTO Cançado, ai! já cançado quando a vida Em flôr nascente desabrocha ao mundo! Quando a esperança, d'illusões vestida, Sorri a todos n'um porvir jucundo! Alma que gemes em lethal quebranto, Desprende as azas nos vergeis celestes! Amor, gloria, prazer, dae-me inda o encanto Que nos dias passados já me déstes! Mas que é o amor da terra? luz divina Que mal desce do céo logo se apaga; Candida rosa que o tufão inclina, Que o tempo e a morte desfolhando esmaga. Doces imagens que em ditoso enleio Cerquei outr'ora d'illusão infinda, O que é feito de vós? ai! n'este seio Viveis apenas, se viveis ainda. E tu, que és tu, ó gloria? um som que passa, E de seculo em seculo retumba, Mas que a frigida lousa não traspassa De quem já dorme na calada tumba. Astro que brilha e queima, espectro ovante Que a desgraça acompanha, e o genio illude: Vós o sabeis, Camões, e Tasso, e Dante, Vós que gemeis ainda no ataúde. Que é o gôso, o prazer? fumo d'incenso Que embriaga um momento, e se evapora; Que é o saber, a sciencia? espaço immenso Em que a verdade mal reluz na aurora. Que é este mundo que eu sonhei tão bello? Profundo abysmo de tormenta escura; Que é pois a vida? um fadigoso anhelo Que levamos do berço á sepultura. A morte! oh! se além d'ella o porto amigo Nos surgisse a final ledo e formoso! Se n'esses mundos da esperança abrigo Despontasse outro sol mais bonançoso! Mas quem sabe da morte? o ouvido attento No silencio das campas nada escuta; E Socrates não diz se um novo alento Achou, bebendo a gelida cicuta. Senhor, Senhor, porque vim eu ao mundo, E qual é sobre a terra o meu destino, De mim que homem geraste, e que no fundo D'este valle d'angustia érro sem tino? Infeliz de quem nasce! a ave que gyra, A fera, o tronco, o verme que rasteja Tambem nasceu, mas esse a nada aspira, Ou se aspirou alcança o que deseja. E o homem nasce, pensa, e aspira ancioso Ás illusões que a mente lhe depara, E a cada passo lhe esmorece o gôso, E acha só trevas onde luz sonhára. E caminha, e caminha, e sem alento Cahe abysmado no seu terreo leito, Onde apóz a fadiga e o soffrimento A lousa sepulchral lhe esmaga o peito. Aqui, de dôr um pélago profundo; Além, os vermes da feral jazida; Senhor, Senhor, porque vim eu ao mundo? Porque do nada me chamaste á vida? CONSOLAÇÃO Quando nas trevas de minha alma afflicta A procella da dôr mais se encapella, E o desalento, a dúvida, e a descrença Co'as negras azas me escurece o dia, A ti, ó Deus, a ti com mais esforço, Através do infinito onde te escondes Busco elevar-me, demandando auxilio; E tu, Senhor, descendo a quem te chama, Fulguras entre as sombras, e a tormenta Que dentro d'alma rebramia fera, Vae pouco e pouco serenando as iras. * * * * * Bem hajas! quem te procura Jámais te procura em vão: Tu desces, e a noite escura Se volve em doce clarão; Tu desces, e a luz da esp'rança, Como estrella de bonança, Brilha no mar da afflicção. A vida é triste: no mundo Soffremos até morrer; Mas, Senhor, quem sonda a fundo Mysterios do teu poder? A vida é triste, mas breve; E o futuro que se eleve, Eterno, immenso ha de ser. Mundos e mundos no espaço Vão rolando á tua voz, Prêsos em mystico laço N'esses jardins sobre nós; E tudo canta á porfia Aquella grande harmonia Que ensinam teus anjos sós. Tudo folga: só na terra Ha de o homem padecer? Acaso tão pouco encerra Seu fado? não póde ser. Se o homem foi obra tua, N'este mar em que fluctua Ha de um porto emfim haver. Bem hajas! a dôr e o pranto Vem de ti, do teu amor; São crysol augusto e sancto Que nos apura em fulgor; São a chamma, o fogo intenso Que nos ergue como incenso, E a teus pés nos vae depôr. Tu sabes porque sombria Vaga a noite na amplidão, Porque a terra se anuvia, E ruge irado o tufão: É que o dia segue a noite, E das procellas no açoite Se esconde a florea estação. Bem hajas, Senhor, bem hajas! O teu poder nos conduz; Se de luto um dia trajas, Outro dia além reluz. N'este gyro sempiterno, Vem o estio apóz o inverno, E apóz as sombras a luz. Bem hajas! feliz no mundo Quem tua face entrevê, E d'este abysmo profundo Se ergue nas azas da fé! Feliz quem sorrindo ás vagas, De olhos fitos sobre as plagas, Espera, confia, e crê! O BUSSACO Oh! salve irmão do Libano, Que altivo ergues a fronte, Monarcha d'estas serras, Senhor da solidão! Salve, gigante cupula, Que ostentas no horisonte, Erguida sobre as terras, A cruz da redempção! Em teus agrestes pincaros O homem vive e sente Mais longe d'este mundo, Mais proximo dos céos: Por isso, nos seus extasis, O monge penitente Aqui meditabundo Se erguia aos pés de Deus. Por largo tempo o cantico Do pobre cenobita Soou na ermida rude Da tua solidão: Hoje o silencio lugubre Sómente n'ella habita, Silencio d'ataúde Em funebre mansão. Porém se os coros mysticos Findaram sua reza, Se a voz do sancto hosanna Em ti já feneceu; Tu vives, e inda incolume Ao Deus da natureza, Calada a voz humana, Descantas o hymno teu. Oh! como és bello erguendo-te Á luz do novo dia, Que os mantos de verdura Te banha de fulgor! Quando o gemer dos zephyros, Das aves a harmonia, Acordam na espessura Louvando o Creador! Mas quanto mais esplendido Serás quando a tormenta, Sublime, rugidora, Eu teu regaço cahe! Quando de mil relampagos Teu cume se apresenta C'roado, como outr'ora O fulgido Sinai! Quando os tufões indomitos, Rugindo nas escarpas, Se abraçam ás torrentes Com horrido fragor! Depois, em negro vortice, Desferem nas mil harpas De teus cedros ingentes Um cantico ao Senhor! Tu és grandioso; o animo Que a sós aqui medita Recolhe altas imagens De sancta inspiração. Oh! porque veio turbida A guerra atroz, maldita, Soltar n'estas paragens As vozes do canhão? D'um lado eram as bellicas Hostes de Bonaparte; Do outro heroico e ufano O povo portuguez: A liberdade e a patria Ergueu seu estandarte, E a historia do tyranno Contou mais um revez. Tudo passou: sumiram-se Vencidos, vencedores; Té mesmo do gigante Soou a hora fatal: Só tu, sorrindo impavido Do tempo e seus furores, Inda ergues arrogante Teu vulto colossal. E cada vez que fulgido Renasce o novo dia, De nova luz te banhas, Despindo os negros véos; E dizes, em teu jubilo, Ao sol que te alumia: --O rei d'estas montanhas Saúda o rei dos céos. Depois, ao vêl-o pallido Nas vagas do horisonte, Pareces ao mar vasto Dizer com altivez: --Em teu regaço, ó pelago, Tu lhe sumiste a fronte: Avança, que de rasto Virás beijar-me os pés! A FONTE DOS AMORES Eis os sitios formosos onde a triste Nos dias d'illusão viveu ditosa; Eis a fonte serena, e os altos cedros Que os segredos d'amor inda lhe guardam. Oh! quantas vezes, solitaria fonte, Apóz longo vagar por esses campos Do placido Mondego, n'estas margens A namorada Ignez veio assentar-se, E ausente de seu bem carpir saudosa, _Aos montes e ás hervinhas ensinando O nome que no peito escripto tinha!_ E quantas, quantas vezes no silencio D'esta grata soidão viste os amantes, Esquecidos do mundo e a sós felizes, Nos extasis da terra os céos gosando! Pobre infeliz Ignez! breves passaram Os teus dias d'amor e de ventura. Ao regio moço o coração rendêras, E o que em todos é lei, em ti foi crime. Eis do barbaro pae, do rei severo, Se arma a dextra feroz, eil-o que aos sitios Onde habitava amor conduz a morte. Distante de teu bem, ao desamparo, Ai! não podéste conjurar-lhe as iras. Debalde aos pés d'Affonso lacrimosa Pediste compaixão; debalde em ancias Abraçando os filhinhos innocentes, Os filhos de seu filho, a natureza Invocaste e a piedade: a voz dos impios, Dos vis algozes, te abafou as queixas, E o cego rei te abandonou aos monstros. Eil-os a ti correndo, eil-os que surdos Aos ais, aos rogos que tremendo soltas, No palpitante seio crystallino, Que tanto amou, oh barbaros! os ferros, Os duros ferros com furor embebem. Prostrada, agonisante, os doces filhos Por derradeira vez unes ao peito, E de teu Pedro murmurando o nome, Aos innocentes abraçada expiras. Inda, infeliz Ignez, inda saudosos Estes sitios que amavas te pranteiam. As aves do arvoredo, os echos, brizas, Parecem murmurar a infanda historia; Teu sangue tinge as pedras, e esta fonte, A fonte dos amores, dos teus amores, Como que em som queixoso inda repete Ás margens, e aos rochedos commovidos, Teu derradeiro, moribundo alento. A UM THEATRO ACADEMICO Abrindo sepulchros, rasgando mysterios, Quem mortos gelados levanta de pé? Quem varre co'as azas as cinzas d'imperios, E os vultos heroicos anima, quem é? Quem tira do nada uma fórma divina? Quem finge uma imagem de negro terror? Quem ergue virtudes, e o crime fulmina? Quem risos excita, quem prantos de dôr? --O genio do drama e o genio da scena!-- São elles que traçam, em véo d'illusões, D'amor, de ciume, de riso, e de pena O jogo travado, fallando ás paixões. São elles unidos que em chamma inquieta Sentiu Gil Vicente na fronte escaldar? São elles que o bardo da terna Julieta, E a fronte de Talma vieram c'roar. São elles, mancebos, que em nuvens de flôres A senda apontaram que afoitos seguis, De palmas e c'rôas, de magos fulgores, Mas senda d'espinhos; c'o genio condiz. Em nobre fadiga, que os ocios despreza, D'acerbos estudos assim descançaes! Foi bello o designio, difficil a empreza: Quem logra nas artes repouso jámais? Que importa? na lucta se provam alentos, Sómente na lucta se colhem laureis; Aos peitos ardentes, de gloria sedentos, Reluz a bonança por entre os parceis. Ávante! e que o genio das artes potente O fogo das artes vos possa trazer! Que em scenas de prantos o pranto rebente, Que em scenas alegres se gose o prazer! As artes e as letras nasceram amigas: Ás aras das duas incensos levae, E aos louros colhidos em sabias fadigas, Os louros do palco viçosos juntae! N'UM ALBUM Do soffrimento o archanjo lamentoso Sobre a face do mundo estende o braço: Um diadema offertava, e pavoroso: «Para o que mais soffreu!» gritou no espaço. Eis logo immensa turba se atropella, Todos querem ganhar a prenda infausta; Mas nenhum dos que chegam por obtêl-a Mostrava a taça da amargura exhausta. «Afastae-vos!» lhes brada o genio esquivo, «Nenhum tocou do soffrimento a meta: «Tu, só tu mereceste o premio altivo; «Ergue a fronte, corôa-te, poeta!» VISÃO DO RESGATE AO MEU AMIGO ALEXANDRE BRAGA E eu achei-me assentado solitario Junto d'um grande mar triste e sombrio, Cujas ondas d'aspecto funerario, Se agitavam, qual trémulo sudario Sobre um cadaver macilento e frio. E eu era triste! sepulchraes gemidos Me vinham d'essas ondas tormentosas; Seu fragor penetrava em meus ouvidos, Como o arfar de mil peitos opprimidos Em duros transes d'afflicções penosas. E por cima na abobada do mundo Um véo de nuvens se estendia baço; Rebramava o trovão rouco e profundo, E o mar lhe respondia gemebundo, E a tristeza reinava em todo o espaço. E um suor frio me escorreu na fronte, Como o orvalho na cruz d'um cemiterio; E de meus prantos desatou-se a fonte, E eu pedi ao Senhor que do horisonte Me tirasse esta nuvem de mysterio. E o Senhor deu ouvidos a meu rogo, Pois vi descer a mim do firmamento Um facho ardente de celeste fogo, Que as trevas de meus olhos varreu logo, Qual varre as nuvens um tufão violento. E eu vi tudo! esse mar de ondas sombrias Era um mar de nações que se agitava; E eu conheci que em leito d'agonias, Chorando em vão seus miserandos dias, Aquella multidão gemia escrava. Alli o fraco de pavor transido Arrastava grilhões aos pés do forte; O perverso ostentava o rosto erguido, E o justo era qual pombo foragido Que nas garras do açor encontra a morte. O mendigo nos atrios do opulento Pedia amparo, e maldições colhia; O filho do trabalho, sem alento, Comprava o escasso pão ao avarento A troco dos andrajos que despia. E entre as garras da fome devorante O mancebo luctava enfraquecido, O velho desmaiava agonisante, E a mãe sem forças apertava o infante Ao peito como a urze resequido. E um espectro medonho e ensanguentado Por entre aquelles povos divagava, Brandindo um ferro com medonho brado; E o chão que elle pisava era abysmado Como em torrentes d'incendida lava. É que esses povos, como iradas feras, Ao seu brado feroz se levantavam; E a matança era tanta, que disseras Vêr um circo de hyenas e pantheras Que entre as garras crueis se espedaçavam. E no meio de tudo em alto monte Se erguia um throno de rubins accesos, No qual um anjo, coroada a fronte, Dominava soberbo esse horisonte De povos algemados e indefesos. E no semblante d'esse archanjo ardente O dedo do Senhor estava escripto; E eu pude lêr-lhe na sombria frente, Gravadas em caracter refulgente, As sinistras palavras:--_sê maldito!_ E outro archanjo de negras armaduras De joelhos aos pés se lhe inclinava; E, infausto mensageiro d'amarguras, Na sinistra empunhava algemas duras, Na dextra ferrea urna sustentava. E offertando-lhe a urna com respeito, Lhe dizia com voz assustadora: «Anjo do mal que o homem tens sujeito, «N'este vaso de dôr recebe o preito «Das lagrimas crueis que o mundo chora. «Eis o penhor fiel que a tyrannia «Por mim, seu anjo, te conduz ás plantas. «Os humanos resistem noite e dia, «Mas o laço do amor não concilia «As suas turbas, que feroz supplantas. «Mal haja o Christo que o amor ensina! «Seu vil reinado succumbiu na terra. «Triumpha, anjo do mal, reina e domina, «E mil flagellos ás nações fulmina, «De crimes, divisões, de luto e guerra!» E o archanjo brandindo o sceptro ardente Sorria com feroz perversidade: E ao longe murmurava um som fremente, Como o rugido d'um volcão latente, Ou a voz de longinqua tempestade. E eu cedi ao vaivem de minhas mágoas, Como ao sôpro do vento a fragil hera, Té que uma voz, como a das grandes agoas, De minhas penas abrandando as frágoas, Me bradou aos ouvidos:--_crê e espera!_ * * * * * E subito uma aurora Serena, refulgente, Das trevas do oriente Desfez os negros véos; Lavrou, como um incendio, Nas sombras horrorosas, E alfim cobriu de rosas A cupula dos céos. E um astro despontando Na franja do horisonte, Alçou a meiga fronte Coberta d'aurea luz: Sobre elle campeando Cercada d'alta gloria, Promessa de victoria, Brilhava a eterna cruz. E logo ardente nuvem, Relampagos soltando, Baixou do céo voando No carro dos trovões; Bem como de trombeta Soltava estranho accento, E prestes como o vento Rolou sobre as nações. E n'ella a gloria immensa Do Deus que o mundo adora Brilhava como outr'ora No tôpo do Sinai; E o grito da trombeta Dizia em som de guerra: --Surgi, povos da terra, N'um só vos ajuntae!-- E o throno do mau anjo Tremeu nos fundamentos, E eu vi passar nos ventos O espirito de Deus; Seu brado erguia os povos, Bem como a tempestade Do mar na immensidade Levanta os escarcéos. * * * * * E as turbas procellosas remoinharam, Como as areias que o tufão agita; E alçando todas pavorosa grita, Com laços fraternaes se colligaram. E emquanto erguiam seus pendões de guerra, Eis que as azas batendo nas alturas, Cingidos de brilhantes armaduras, Dous archanjos pairaram sobre a terra. Cobriam-lhes as fórmas delicadas Escudos e couraças diamantinas, Aureos elmos as frontes peregrinas, Nas dextras empunhando igneas espadas. E eu vi-os, como soes relampejantes, Adejarem velozes sobre a terra, Brandindo irados, em signal de guerra, As terriveis espadas flammejantes. Té que chegando o instante do resgate, Fitando os povos que os olhavam mudos, Bateram co'as espadas nos escudos, Bradando ás multidões:--eia ao combate! * * * * * E os povos ao brado, Qual mar agitado Fervendo em cachões, Erguiam-se fortes Em densas cohortes, Em mil turbilhões; E á guerra corriam, E feros bramiam Quaes feros leões. Corriam, chegaram, E o throno cercaram Do anjo do mal; Mas elle!--maldito!-- Das luctas o grito Soltára fatal; Na mão, qual espectro, Luzia-lhe um sceptro De lume infernal. Com furia sombria, Da vil tyrannia Ao anjo acenou, E o prompto ministro Seu mando sinistro Fiel acceitou; E eis rapido logo As armas de fogo Medonhas tomou. E enormes serpentes Vermelhas, ardentes, Soltou pelo chão; Das ferreas escamas Sahiam-lhes chammas De torvo clarão; Cada uma nos povos Saltava em corcovos D'horrenda visão. Os povos, que as viam, Debalde investiam Seus gyros mortaes: Crueis lavaredas Abriam veredas Ás serpes fataes; E a turba d'exangue Cahia do sangue Nos rios caudaes. Mas n'isto ligeiros Os anjos guerreiros, No ar inda então, Baixaram luzentes, Quaes astros cadentes, Á terrea mansão; E aos anjos malvados Correram irados Com voz de trovão. E todos, alçadas As igneas espadas Brandiram a par; Cada uma semelha Luzente centelha Cruzando no ar; Semelha no embate A onda que bate Na rocha do mar. Seus olhos vibravam, Seus gritos soavam Em echos d'horror; As turbas rugiam, As armas tiniam Com novo rancor; O carro da guerra Rolava na terra Com torvo fragor. Até que um rebombo Soou, como tombo Ruidoso e fatal De penha que d'alto Desaba, e d'um salto Retumba no val: Era alto ruido Do throno abatido Do genio do mal. E logo infinitos Ouvi ledos gritos, E ouvi maldições; E soltos aos ventos Vi centos e centos D'ovantes pendões; Vi feitos pedaços Algemas, e laços, E ferreos grilhões. Vi thronos cahidos, Vi sceptros partidos Rolarem no pó; Vi aureos emblemas, Vi mil diademas Calcados sem dó; Vi povos diversos, Outr'ora dispersos, Unidos n'um só. * * * * * Vi a terra já livre d'anciedade Rasgar altiva seu funereo manto; Vi os homens á voz da liberdade Surgirem fortes do lethal quebranto. Vi-os, tecendo fraternaes abraços, Sem odios, sem rancor, e sem vinganças Estreitarem d'amor serenos laços, Unidos em sublimes allianças. E eu louvei o Senhor! já não reinava O anjo do mal co'a tyrannia fera: Seu throno demolido semelhava D'apagado volcão torva cratera. * * * * * Coberto de mantos de pura saphíra Que dia tão ledo brilhava sem véos! A estrella formosa que aos homens surgíra Reinava em triumpho no campo dos céos. Seu facho divino cercado de rosas Vertia no mundo torrentes de luz, E o mundo coberto de galas formosas Saudava n'esse astro do Golgotha a cruz. Dos valles, dos montes, da terra, e dos mares, Sahiam murmurios de paz e d'amor, Co'a voz dos humanos soando nos ares Em cantos infindos d'infindo louvor. Batendo serenos as azas douradas, Os anjos formosos pairavam no céo, Qual nitido bando de pombas nevadas Cruzando os espaços n'um dia sem véo. Nem elmos agora, nem malhas luzentes Cobriam dos anjos as fórmas gentis: De branco trajados, seus véos innocentes Ondeavam tremendo nas auras subtis. Cahiam-lhes soltos os longos cabellos No collo, nos hombros d'alvura louçã, Seus rostos ornando, mais puros, mais bellos Que a estrella argentina da rosea manhã. Traziam poisadas nas candidas frentes Grinaldas singelas de casta cecem, E as harpas eburneas tangiam cadentes, C'roadas de rosas e lirios tambem. Um côro celeste voando em cardumes Seguia os archanjos com doces canções; E todos lançando na terra perfumes Assim descantavam por sobre as nações: O ARCHANJO DO CHRISTIANISMO Salve, dia que meigo fulguras Despontando no mundo sem véo! Salve, estrella d'amor e venturas Que resurges formosa no céo! Pura e bella surgíras outr'ora, Densa nevoa cobriu tua luz; Pura e bella resurges agora, Vem reinar sobre os homens, ó cruz! Vem remil-os da negra maldade, Vem na face do mundo luzir, Vem trazer-lhes a luz da verdade, Que o Messias lançou no porvir! Era o anjo das trevas maldito, Quem do mundo regía as nações; Foi o Verbo, o Messias predicto, Que desceu a partir seus grilhões. Novas crenças brotando dos labios Revelou em seu Pae um Deus só, E, caladas as vozes dos sabios, Falsos deuses cahiram no pó. Viu as gentes sepultas no crime, E eis que armado d'augusta missão Deu lições de virtude sublime, D'innocencia, d'amor, e perdão. Ensinou a brandura ao tyranno, Ao soberbo dos justos a lei; Ao avaro bradou:--sê humano! E ao perverso e ao impio:--tremei! Deu ao fraco palavras de vida, Deu ao triste consolos na dôr, Deu a todos a esp'rança perdida D'outro reino de paz e d'amor. E cumprindo do mundo a sentença No tormento da cruz expirou; Mas com sangue d'um Deus sua crença Sobre a terra gravada ficou. Do Calvario, librado nas pennas, A mil povos com ella voei; Mil corôas teci d'açucenas, Com que tantos martyrios ornei. Foi então... dá-me queixas, ó lyra, Dá-me notas de fundo pezar... Christo, ó Christo, a calumnia, a mentira, Ai! ousaram teu Verbo ultrajar. Teus ministros, sem fé na verdade, Renegaram da sancta missão, E entregaram a lei da igualdade Aos tyrannos, á voz da ambição. Logo o facho sangrento da guerra Accenderam com impio furor, E em teu nome cobriram a terra D'exterminio, de sangue, e d'horror. D'ouro e sangue mantendo seus vicios Teus preceitos calcaram no pó; E mil scenas de horrendos supplicios Ostentaram ao mundo sem dó. Então eu á celeste morada D'entre os homens voando subi, E a teus pés com a fronte curvada Largas eras, ó Christo, gemi. Mas das trevas não pôde o combate Apagar o teu astro de luz: Aos captivos, signal do resgate, Eil-o surge brilhante na cruz. Povos, povos, seccae vosso pranto! Levantae-vos do leito da dôr! Terra, entôa de novo o teu canto, Doce canto de paz e d'amor! Da maldade, dos odios, da guerra, Para sempre o reinado morreu. Paz aos homens na face da terra! Gloria a Deus nas alturas do céo! CÔRO DOS ANJOS Hosanna! hosanna! signal de victoria, A cruz do resgate já brilha ás nações; Hosanna! e se eleva nos cantos de gloria Dos anjos, dos homens, de mil gerações! O ARCHANJO DA LIBERDADE Bem vindo sejas, bonançoso dia, Que ao mundo trazes a perdida luz! Bem vindo sejas! teu fulgor lhe envia No facho eterno que as nações conduz! Assim de galas e esplendor vestida Á voz do Eterno a creação rompeu; E a liberdade se ligou á vida, No mar, na terra, na amplidão do céo. --Vivei, sois livres, caminhae ávante!-- O Eterno disse, e me entregou a lei; Seu dedo a terra me apontou distante, E eu das alturas com prazer baixei. E a lei dos mundos vim gravar na selva, No leão das brenhas, e no açor do ar, No cedro altivo, na modesta relva, Nas bravas ondas do revolto mar. No ser humano, d'entre os mais acceito, Gravei mais fundo o universal condão, E d'entre as azas lhe verti no peito Viva centelha d'immortal clarão. Então, qual fumo d'abrazado incenso, Voou da terra festival louvor; E a natureza, no seu gyro immenso, Pulsou de vida, liberdade e amor. Mais ai! que o homem de seus dons celestes No altar dos vicios holocausto fez; Rasgou impuro da innocencia as vestes, Calcou tyranno seus irmãos aos pés. Tomando o ferro de cruel verdugo Fartou com sangue mil crueis paixões; Impôz ao fraco seu tyranno jugo, E o fraco ás plantas lhe arrastou grilhões. Então a terra suspendeu seus hymnos, A luz do dia se turvou no céo, E esta harpa triste, nos umbraes divinos, Aos pés do Eterno desde então gemeu. De negras sombras se toldára o mundo, Mas eis que os tempos eram findos já; Eis que uma estrella de fulgor jucundo, Sorrindo á terra, alumiou Judá. Em vão; só hoje triumphar devia Esse astro immenso de serena luz: Eis surge, eis surge do resgate o dia, Brilhando aos homens sobre a eterna cruz. Povos, sois livres, enxugae o pranto! Do leito amargo do penar surgi! Terra, modúla teu festivo canto, Que o novo dia já reluz em ti! D'um Deus o sangue resgatou a affronta: Quebrae a taça da agonia e dôr! Novo porvir ás gerações desponta De liberdade, de ventura e amor. Eterna gloria ao que desceu á terra! Eterna gloria do universo ao Rei! Que o fraco exalta, que o soberbo aterra, Que impõe aos orbes e ás nações a lei! CÔRO DOS ANJOS Hosanna! hosanna! seu nome infinito Refulge de gloria, qual astro sem véo, Na luz da verdade, no Verbo predicto, No mar, nos abysmos, na terra, e no céo! * * * * * E subindo através do espaço immenso O côro--hosanna, hosanna--repetia, Entre nuvens d'azul, d'ouro, e d'incenso, E entre notas d'angelica harmonia. Entanto eu com a face unida á terra Do novo dia o resplendor saudava, E sobre o campo da passada guerra Ao Senhor dos exercitos orava. VERSÕES D'OSSIAN AO SOL (FRAGMENTO DO POEMA DE «CARTHON») Ó tu que rolas n'esse campo ethereo, Semelhante ao broquel dos meus passados, D'onde vem os teus raios, sol brilhante? D'onde recebes tua luz eterna? Tu despontas solemne e magestoso; As estrellas se escondem quando passas, A lua fria e pallida mergulha Nas vagas do occidente; e tu caminhas Solitario nos céos. Quem na carreira Te póde acompanhar? Os altos robles Baqueiam das montanhas, e ellas mesmas Sob o pêso dos annos se arruinam; O oceano ora se eleva, ora se abaixa; A propria lua na amplidão fenece: Só tu caminhas sempre, e sempre o mesmo, E de tanto fulgor te vanglorías! Quando a borrasca entenebrece o mundo, Quando rolam trovões, e adeja o raio, Tu olhas d'entre as nuvens sobranceiro, E sorris da tormenta! Mas debalde Olhando Ossian procuras, que os teus raios Ossian não mais verá, quer teus cabellos Em nuvens orientaes flammejem soltos, Quer descendo os espaços estremeças Ás portas do occidente. Sol, um dia Talvez como eu serás; talvez, quem sabe? Dos annos teus acabarás o gyro, E insensivel á voz da madrugada, Em tuas nuvens ficarás dormindo. Mas folga, folga entanto magestoso No verdor de teus annos: a velhice É solitaria e triste; é semelhante Ao clarão melancholico da lua Quando brilha entre nuvens, quando o norte Revôa na planicie, e o caminhante Pára convulso e de pavor transido. COLMA (FRAGMENTO DOS CANTOS DE SELMA) Era em Selma e nas festas. Começava Dos bardos o cantar: eis se adianta D'olhos fitos no chão, banhada em pranto, A doce, a amavel Minona. Os cabellos Lhe ondeavam soltos ao soprar da briza Que vinha das montanhas. As almas dos heroes se enterneceram Mal que as primeiras notas De seu canto dulcissimo soaram. Muitas vezes o tumulo de Sálgar, E o tumulo de Colma tinham visto, Da triste Colma abandonada ás queixas Na collina deserta. Um dia Sálgar Promettêra de vir e não viera; Em torno d'ella já descia a noite: Ouvi da triste Colma A queixa solitaria: «É noite! sósinha no monte elevado «Dos ventos ruidosos escuto o bramir... «Sombria a torrente sussurra a meu lado... «Em triste abandono me é doce carpir. «Descobre-te, ó lua, refulge brilhante! «Estrellas formosas, mostrae-vos tambem! «Guiae os meus passos ao sitio distante, «Onde ora cançado repousa o meu bem! «Ó Sálgar, ó chefe dos montes valente, «Quebraste a promessa que em balde te ouvi... «O tronco, os rochedos, a voz da torrente «São estes, ó Sálgar, mas faltas aqui... «Deixei por seguir-te na dôr abysmados «O irmão que estremeço, meu pae que olvidei: «São velhos os odios dos nossos passados, «Mas eu, ó meu Sálgar, jámais te odiei. «A lua calada fulgura na selva, «Nas aguas, nas rochas, com doce clarão... «Quem jaz em distancia dormindo na relva? «És tu, ó meu Sálgar? és tu, meu irmão? «Fallae, meus amigos: immoveis, deitados, «Porque inda em silencio me não respondeis? «Ai mortos! ai mortos! em sangue banhados! «E tintos de sangue seus ferros crueis! «Mataste, ó meu Sálgar, o irmão de minha alma! «E tu, doce amigo, tu jazes tambem! «Perdi-vos: só resta chorar-vos sem calma... «Como eu vos amava não ama ninguem. «Tu eras formoso nas tuas collinas: «Elle era terrivel das luctas no ardor. «Quem vossas espadas guiou assassinas? «Quem pôde inspirar-vos da morte o furor? «Mas, ai! já não ouvem meus longos gemidos... «Na terra gelada gelados estão... «Fallae d'entre as nuvens, phantasmas queridos, «Que as vossas palavras medonhas não são! «No monte sombrio que além se divisa, «Dizei-me a caverna que triste habitaes!... «Calados! calados! nem sôpro da briza, «Nem voz da tormenta me traz os seus ais! «Sentada no monte, c'os olhos absortos, «Espero chorando do dia o raiar. «Erguei-lhes as tumbas, amigos dos mortos, «E n'ellas a Colma guardae um logar! «Passou de meus dias o sonho tão ledo, «Passou para sempre! não mais viverei... «Ao pé da torrente que banha o rochedo, «Oh! dae-me o repouso d'aquelles que amei! «De noite, na serra batida dos ventos, «Meu triste phantasma de pé surgirá, «E ao som da rajada soltando lamentos, «No meio das nuvens gemendo errará. «Ao longe o viandante nos bosques perdido «Ouvindo-lhe as queixas terá compaixão; «As queixas, o pranto de Colma sentido «Chorando os amigos que mortos já são.» Tal foi, tal foi, ó Minona, o teu canto, Doce filha de Tórman. Tristes eram Nossas almas por Colma, e em nossas faces Deslisavam as lagrimas em fio. FINGAL (CANTO PRIMEIRO) Assentado de Tura junto aos muros Estava Cuthullin, perto do tronco De folhas rumorosas. Tinha a lança Encostada ao rochedo, e aos pés o escudo. No poderoso Cárbar meditava, N'esse heroe que vencêra: eis lhe apparece Móran, filho de Fithil, sentinella Do procelloso oceano. «Ergue-te, disse, «Ergue-te, ó Cuthullin! Eu vi ao largo «Os navios do norte. Numerosos «Os inimigos são; muitos os bravos «Do potente Swáran.» «Sempre tremes, «Sempre, ó filho de Fithil, lhe responde «O bellicoso chefe, e assim augmentas «As forças do inimigo. Fíngal era, «Fíngal, rei dos desertos, que o soccorro «Traz a Erin dos ribeiros.» «Vi seu chefe, «Replíca Móran, qual rochedo avulta! «Como um pinho sem rama é sua lança! «Como a lua nascente o seu escudo! «Assentado na praia semelhava «Nuvem que pousa no calado serro! «--Muitos, ó rei de heroes, muitos, lhe disse, «Nossos guerreiros são. Chamam-te o forte, «Mas os fortes em guerra não tem conta «Junto ás muralhas da nublosa Tura.-- «Com estrondoso assento semelhante «Ao da vaga na rocha, elle me brada: «--Resistir-me quem ousa? Os mais valentes «Aos meus golpes succumbem. Só podéra «Fíngal, o rei de Selma, elle sómente, «Meu impeto arrostar. Já combatemos «Uma vez em Malmor. Com nossas plantas «Volviamos a terra; as duras rochas «Despegadas cahiam; as torrentes «Recuavam de susto murmurando. «Tres dias combatemos; os guerreiros «Nos olhavam ao longe, e estremeciam. «Diz Fíngal que cedi, que o rei do oceano «Cahiu por terra ao quarto: o rei do oceano «Resistiu sempre firme! Ceda-lhe hoje «O torvo Cuthullin! ceda ao que é forte «Como as tormentas de seu patrio berço!--» «Oh! não, lhe torna o chefe; a nenhum homem «Cuthullin cederá, mas ha de em campo «Triumphar ou morrer! Toma esta lança: «Parte, ó filho de Fithil, vae com ella «Bater de Semo no sonoro escudo! «De Tura á porta vêl-o-has suspenso. «Sua voz estridente é voz de guerra: «Hão de ouvil-a os heroes e obedecer-me.» Partiu. Bateu no escudo. Espavorida Tremeu na selva a corça; em torno os montes, Os concavos rochedos retumbaram. Dos ingremes penhascos saltam logo Curach, e Cónnal de sanguinea lança. Bate de Grúgal o ancioso peito; O filho de Favi deixa a caçada; «É o escudo da guerra!» brada Rónnar; «De Cuthullin a lança!» brada Lúgar, Empunha, ó Cálmar, a soante espada! Ergue-te, ó Puno, temeroso chefe! Deixa, ó Cairbar, o ramoso Cromla! Eth, aproxima-te; á planicie desce Das torrentes de Lena! Os alvos peitos Mostra, ó Cathol, atravessando o plaino Sussurrante de Mora; os peitos alvos Como as espumas que arremessa a vaga Aos rochedos de Cúthon! Eis os chefes! Eil-os soberbos dos antigos feitos! Inflammados recordam as proezas, As glorias do passado. Os olhos torvos Chammejantes revolvem, procurando Inimigos da patria. As mãos valentes Descançam nas espadas. Cada vulto Lampeja armado de brunido ferro. Brilhantes são os chefes da batalha Co'as armas de seus paes! Sombrios, torvos Os seguem seus heroes, como a caterva De pluviosas nuvens segue os igneos Meteóros do céo. Por todo o campo Resôa o estrondo d'armas, e d'envolta Os uivos dos mastins; de quando em quando Rompem cantos de guerra, e o alarido Se repercute no fragoso Cromla. Sobre o plaino de Lena estão postados Como a nevoa do outomno sobre o outeiro, A movediça nevoa tenebrosa Que aos céos levanta a retalhada fronte. «Filhos dos valles, Cuthullin exclama, «Caçadores do gamo, eu vos saúdo! «Uma nova caçada nos convida: «O inimigo se adianta como as vagas «Que se arrojam sombrias sobre a costa. «Combateremos nós, filhos da guerra, «Ou cederemos nossa Erin viçosa «Aos filhos de Lochlin? Responde, ó Cónnal, «Tu primeiro entre os homens, tu que partes «Os escudos na guerra! Já mais vezes «Com Lochlin pelejaste: empunhar queres «A lança de teu pae?» «De ha muito sabes, «O chefe lhe responde, se nas guerras «Minha lança fulgura. Seu deleite «É ferir nos combates, é banhar-se «No sangue d'inimigos. Mas se o braço «Arde por combater, sereno o peito «É pela paz d'Erin. Ó tu na guerra «De Cormac o primeiro, observa ao longe «A frota de Swáran. São mais densos «Os seus mastros na costa do que os juncos «Na lagôa de Lego. Os seus navios «São florestas nublosas, cujos troncos «Cedem a espaços ao soprar do vento. «Os seus chefes guerreiros não tem conta. «Cónnal é pela paz. O proprio Fíngal «Evitára a peleja, elle que sabe «Dispersar os heroes como dispersa «O vento os sons de Colna quando a noite «Carregada de nuvens cobre o outeiro.» «Ah! foge, homem de paz, foge! lhe brada «Cálmar, filho de Matha. Vae, regressa «Aos teus montes calados onde a lança «Jámais brilha na guerra! Vae, acossa «O veado do Cromla! com teus dardos «Fere a corça de Lena! Tu, em tanto, «Tu, ó filho de Semo, d'esta guerra, «Ó arbitro supremo, abate o orgulho «Dos filhos de Lochlin! Suas fileiras «Rompe atrevido! Que nenhum navio «Das regiões da neve ouse de novo «Galgar as ondas d'Inistor sombrias! «Negros ventos d'Erin, rugi! Erguei-vos, «Ó turbilhões de Lara! Que entre as nuvens «Me espedacem as iras dos phantasmas «Se ha prazer para Cálmar como a guerra!» «Quando, ó filho de Matha, lhe responde «Cónnal com lenta voz, quando me viste «Aos combates fugir? Embora obscuro «Seja o nome de Cónnal, sempre á guerra «C'os amigos corri, sempre dos fortes «O triumpho ajudei. Mas a ti fallo, «A ti, filho de Semo, e tu me escuta. «Ametade das terras e presentes «Dá em troca da paz, até que Fíngal «Aporte ás nossas praias. Mas se a guerra «Desejas antes, minha lança e espada «Erguerei satisfeito! os inimigos «Correrei a affrontar! e como sempre «Brilhará o meu animo na lucta!» «Eu, tornou Cuthullin, amo o som d'armas «Como a voz do trovão acompanhado «Dos chuveiros do estio. Vossas tribus «Ide pois ajuntar para que eu possa «Vêr os filhos da guerra. Que elles passem «Brilhantes como o sol antes que o vento «Accumulando as nuvens remurmure «Nos carvalhos de Mórven. Mas que é feito «Dos amigos que eu tinha? Onde os que ajudam «Meu braço nos perigos? Onde páras, «Ó Cathba d'alvo peito? Onde te escondes, «Nuvem da guerra, varonil Duchómar? «Tu, Fergus, onde estás? porque me deixas «No dia da tormenta? Eil-o que chega! «Fergus, filho de Rossa, tu primeiro «No prazer dos festins, braço da morte, «Vens de Malmor acaso? vens correndo «De tuas serras como leve gamo? «Salve, filho de Rossa! que tristeza «Assombra a alma da guerra?» «Quatro pedras, «Responde o chefe, a sepultura cobrem «Do valoroso Cathba; e já na terra «Dorme tambem o varonil Duchómar. «Tu eras para Erin, eras, ó Cathba, «Como um raio do sol! e tu, Duchómar, «Como a nevoa do Lano que no outomno «Rola sobre a planicie, e leva a morte «A viventes sem conta! Ó Morna, ó bella «Entre as mais bellas, socegado é o somno «Que dormes junto á rocha! Eis-te cahida «Entre as sombras da morte, como a estrella «Que se esvae no deserto, e o caminhante «Deixa saudoso de seu raio esquivo.» «Ah! conta-nos, lhe diz de Semo o filho, «Conta-nos, Fergus, como foram mortos «Os guerreiros d'Erin. Cahiram ambos «Em combate de heroes? Dize-nos, Fergus, «Porque é que a terra nos esconde os fortes?» «Cathba, lhe torna o chefe, cahiu morto «Aos golpes de Duchómar; cahiu junto «Do roble das torrentes. Exultando «O fero vencedor foi ter com Morna «Á caverna de Tura.--Amavel filha «Do valente Cormac, elle lhe disse, «Porque saudosa no fragoso serro, «Na caverna da rocha venho achar-te? «O ribeiro murmura; a arvore annosa «Geme ao sôpro do vento; o lago é turvo; «Negras as nuvens que no céo revôam! «Mas tu és como a neve da planicie; «Como o vapor do Cromla é teu cabello, «Como o vapor do Cromla quando brilha «Aos raios do poente! São teus peitos «Como os lisos rochedos que se avistam «De Branno dos ribeiros; são teus braços «Como as alvas columnas espalhadas «Pelas salas de Fíngal!--» «--D'onde inquieta, «Lhe diz a virgem de formosas tranças, «D'onde vens, ó Duchómar, tu dos homens «O mais torvo e sombrio? Carregado «Trazes o rosto, e ensanguentada a vista. «Descobriu-se o inimigo? Que noticias «Trazes tu lá do mar?--» «--É da montanha «Que eu venho, elle responde; da montanha «Dos escuros veados. Tres cahiram «Traspassados por mim; tres foram mortos «Por meus ageis lebreus. Um d'elles tinha «Magestosa a cabeça, e os pés movia «Ligeiros como o vento. Amo-te, ó bella! «Para ti o matei: não m'o regeites!-- «--Ah! foge, homem sinistro! ella lhe torna. «Carregado e terrivel tens o rosto, «E duro o peito como rocha dura! «Tu, ó filho de Tórman, tu, ó Cathba, «És meu unico amor! és a meus olhos «Como um raio de sol em tempestade! «Oh! dize-me se o viste, o joven bello «Na serra dos seus gamos, pois ha muito «Que n'este sitio o espero!--» «--E largo tempo «O esperáras, ó Morna, elle responde! «Olha esta espada nua: aqui o sangue «De Cathba ainda escorre. Cahiu junto «Da torrente de Branno: sobre o Cromla «Lhe erguerei o sepulchro. Volta os olhos, «Volta-os para Duchómar: é seu braço «Forte como a tormenta.--» «--Morto, exclama «Em desespêro a angustiada virgem, «Morto o filho de Tórman! nos seus montes «Extincto o joven de nevado peito! «O primeiro em caçadas, o inimigo «Dos guerreiros do oceano! Eu te detesto, «Ó Duchómar cruel! Dá-me essa espada! «N'esse barbaro ferro quero ao menos «Vêr o sangue de Cathba!--» «--Elle movido «De suas queixas, lhe confia a espada, «E ella no peito varonil lh'a embebe. «Bem como se despenha a ribanceira «Da torrente da serra, elle baqueia. «Na agonia mortal estende á virgem «A mão convulsa, e diz: Por ti fui morto «No verdor de meus annos. Sinto a espada «Fria, ai, fria no peito! Meu cadaver «Entrega á bella Moina: eu era o sonho «Das noites d'essa virgem. Compassiva «Meu sepulchro ha de erguer; e ha de o meu nome «Cantar o caçador. Mas vem do peito, «Oh! vem tirar-me este gelado ferro!-- «De lagrimas banhada acode a virgem, «O agudo ferro extrahe, e eil-o que a furto «O crystallino seio lhe atravessa. «Vacillando ella cahe; o sangue em ondas «Lhe tinge os braços niveos, a madeixa «Desgrenhada lhe roja; e na caverna «Seus extremos gemidos echoaram.» «Paz, disse Cuthullin, paz e descanço «Ás almas dos heroes! Sublimes foram «Seus feitos de valor! Que elles me cerquem «Pairando sobre as nuvens! que eu lhes veja «As guerreiras figuras! Então forte «Nos perigos serei; será meu braço «Como o fogo do céo! E tu, ó Morna, «Sobre um raio da lua me apparece! «Ás horas do descanço quero vêr-te «Quando em paz estiver, quando cessarem «Os tumultos da guerra. Mas as hostes «Ordenae, meus amigos, e marchemos «Para a guerra d'Erin! Tomae por norte «Meu carro de batalha! extasiae-vos «Ao rumor do seu curso! Eia, a meu lado «Tres lanças collocae! De meus cavallos «O galope segui! Que eu possa afoito «Com meus socios contar quando esta espada «Relampejar nas sombras da peleja!» Como espumea torrente que se arroja Do tenebroso Cromla, quando rola O trovão pelos céos, e a escura noite Impera na montanha, quando os rostos Dos lividos phantasmas apparecem Nas fendas da borrasca; assim furiosa, Vasta, e medonha se arremessa a turba Dos guerreiros d'Erin. Na frente avança O valoroso chefe, semelhando A baleia do oceano acompanhada Do marulho das ondas, ou torrente Que arrasta as aguas através dos campos: Aos filhos de Lochlin chega o ruido Como o surdo rumor da tempestade: No pesado broquel bate Swáran Chamando o filho d'Arno. «Que sussurro «Lhe diz, é este que nos montes sôa, «Semelhante ao zumbido que levantam «Os insectos da tarde? Acaso descem «Os guerreiros d'Erin? Rugem acaso «Os ventos na floresta? É assim que ás vezes «Elles soam no Górmal quando querem «Das minhas vagas açoitar o dorso. «Sobe já, filho d'Arno, sobe ao monte, «E estende a vista pelo escuro plaino.» Partiu. Em breve regressou tremendo. Em torno os olhos revolvia inquieto; O coração lhe palpitava ancioso; As palavras a custo proferia Cortadas, vagarosas. «Surge, disse, «Surge, ó filho do oceano, altivo chefe «Dos escuros broqueis! Eu vi a negra «Caudalosa torrente da batalha! «As movediças forças numerosas «Dos guerreiros d'Erin! Já temeroso «Como a chamma da morte se aproxima «De Cuthullin o bellicoso carro! «Na parte posterior é recurvado «Como a vaga ante a rocha, ou como a nevoa «Doirada pelo sol. São embutidos «De pedraria os lados, e resplendem «Como em torno da barca ondas nocturnas. «É de polido teixo fabricado «O comprido timão; e o liso assento «D'osso branco e macio. Tem os bordos «Recheados de lanças, e no fundo «O degrau dos heroes. Diante do carro, «Á dextra parte, relinchando avulta «O d'amplas crinas, largos peitos, forte, «Agil, fero cavallo da montanha. «Estrondoso galopa; a crina esparsa «Pelo pescoço, os turbilhões imita «Do vapor que se estende pelas rochas. «É de brancas espadoas, e chamado «Sulin-Siffada. Do outro lado, o esquerdo, «Resfolga ardente o d'elevado collo, «De raras crinas, duros pés, ligeiro «Filho da serra, saltador ginete. «Tem por nome Durósnnal entre os filhos «Da guerra procellosa. Os duros freios «Entre frocos d'espuma resplandecem. «Cheias de pedraria as finas redeas «Batem no collo dos frisões soberbos, «Que ligeiros resvalam na planicie «Como o vapor nos paludosos valles. «Seu rapido galope é como a fuga «Do trepido veado, e irresistivel «Como a descida da aguia sobre a prêsa. «Dentro do carro se divisa armado «De rijas peças o valente chefe. «Chama-se Cuthullin, progenie illustre «De Semo, rei das taças. Tem córado «O bello rosto como este arco liso. «Sob as negras arcadas dos sobr'olhos «As pupillas azues amplas revolve. «Como uma chamma lhe fluctua a coma «Quando se inclina ao manejar a lança. «Ah! foge, rei do oceano! Elle se adianta «Como vasta procella que rugindo «Corre ao longo do val!» «Fugir? e quando «Fugir me viste? respondeu Swáran. «Quando medroso se esquivou meu braço «Á batalha das lanças? Quando, ó chefe «D'alma pequena, recuei eu nunca «Em frente do perigo? Eu já do Górmal «Encarei as tormentas quando as ondas «Espumavam raivosas; já das nuvens «Arrostei os combates: hei de agora «Ante um homem tremer? Oh não; nem Fíngal «Me podéra assombrar. Eia ao combate, «Ó valentes guerreiros! Rodeae-me «Como turbidas aguas! Cercar vinde «De vosso rei o chammejante gladio! «A firmeza mostrae das nossas rochas, «D'essas montanhas que a tormenta encaram, «E oppõe ao vento os pinheiraes sombrios!» Como duas procellas que no outomno Correndo oppostas de diversos montes Se avisinham medonhas, assim torvos Uns contra os outros os heroes correram. Como duas torrentes que á planicie D'altas rochas descendo as bravas ondas Encontram restrugindo, assim ruidosa, Fera, e terrivel se encontrou a gente De Lochlin e Inisfail. Chefe com chefe, Homem com homem se travou em lucta. O ferro bate no sonoro ferro; Abrem-se os capacetes; jorra o sangue; As cordas zumbem nos polidos arcos; Atravessando o espaço as frechas voam; As lanças descem como a luz que doira Os véos da noite em alongadas curvas. Como o rumor do oceano quando as vagas Encapella raivoso, como o extremo Rebramar do trovão, assim resôa O fragor do combate. Quando mesmo Para a lucta cantar alli viessem De Cormac os cem bardos, ao estrago Dos cem bardos a voz não bastaria. Muitas foram as mortes, muito o sangue De heroes valentes n'esse chão vertido. Chorae, filhos do canto, chorae morto O nobre Sithallin! Que de Fiona Os suspiros resoem na planicie Do seu Ardan querido! Ambos cahiram Como dous gamos do deserto aos golpes Do potente Swáran. Na refrega Elle rugia dominando as hostes Como o espirito fero da tormenta Que entre as nuvens campeia, e olha em triumpho O nauta que sossobra. Nem ocioso, Chefe da ilha das neves, foi teu braço! Muitos, ó Cuthullin, á morte déste! Era o teu gladio como o fogo ethereo Que incendeia as montanhas, e fulmina Os íncolas do val. Calcando os mortos Relinchava Durósnnal; e no sangue Galopava Siffada. Todo o campo Destroçado deixavam, como as selvas Ficam no Cromla quando passa o vento Carregado d'espiritos da noite. Sobre a rocha dos ventos chora afflicta, Ó virgem d'Inistor! Inclina ás ondas A formosa cabeça, tu mais bella Que o espirito da serra quando ás vezes Do meio dia sobre um raio desce Ao silencio de Morven! Teu amigo, O teu joven amigo já não vive! Pallido vacillou, cahiu extincto De Cuthullin sob a tremenda espada! Nunca mais teu amor em valentia Á grandeza dos reis ha de elevar-se. Trénar, o bello Trénar cahiu morto, Ó virgem d'Inistor! Debalde o chamam Seus cães uivando: no solar só vêem Seu espectro vagar. Pende na sala Desarmado o seu arco, e no aposento Dos seus veados, o silencio reina! Como rolam mil vagas contra a rocha, Taes arremettem de Lochlin as hostes. Como o rochedo vagas mil affronta, Taes lhes resistem as d'Erin seguras. Á pavorosa grita que resôa O tinido das armas se reune. É cada heroe como um pilar de nevoa; Sua espada na dextra é como um raio. De lado a lado todo o campo sôa Semelhando a fornalha onde retumbam Na vermelha bigorna cem martellos. Quem são esses que tetricos pelejam Na campina de Lena? Quem são esses Que duas nuvens na figura imitam, Cujas espadas sem cessar lampejam? Em derredor os montes espantados, Os rochedos medrosos estremecem, Quem são elles senão d'Erin o chefe, Senão o filho do oceano? Pelo campo Co'a vista inquieta os acompanham sempre Seus guerreiros anciosos. Mas a noite Os envolve nas sombras, e crescendo Á batalha terrivel põe remate. Do emmaranhado Cromla sobre a encosta Depositára Dorglas o veado Que ao romper da manhã fôra colhido, Estando ainda na montanha as hostes, Eis ajuntam a lenha cem mancebos, Dez guerreiros accendem a fogueira, E trezentos escolhem lisas pedras: O fumo do banquete sobe aos ares. O poderoso espirito concentra Cuthullin meditando, e recostado Á lança refulgente a voz dirige Ao filho das canções encanecido, A Cárril d'outros tempos. «Devo acaso «Do banquete gosar, e ha de isolado «Longe do gamo das montanhas suas, «Longe das festas dos salões ruidosos, «O chefe de Lochlin ficar na praia? «Vae, ó Cárril annoso; vae levar-lhe «Amigaveis palavras. Annuncia «Ao que as ondas ruidosas nos trouxeram «Que vae dar Cuthullin o seu banquete. «Venha ouvir o murmurio dos meus bosques «Pelas sombras da noite, pois gelado «Sussurra o vento nas espumeas vagas. «Venha gosar os tremulos accentos «Da harpa melodiosa; escutar venha «O louvor dos heroes!» Obedecendo Parte o velho cantor, e em tom benigno Dos escuros broqueis diz ao monarcha: «Acorda, ó rei das selvas, eia acorda! «D'entre as pelles da caça te levanta! «Na alegria das taças, no banquete «Do principe d'Erin vem tomar parte!» Como o sinistro sussurrar do Cromla Antes da tempestade, elle responde: «Quando mesmo, Inisfail, as tuas virgens «Me estendessem os braços côr de neve, «E descobrindo os palpitantes seios «Os amorosos olhos me lançassem, «Firme n'este logar, como são firmes «As rochas de Lochlin, ficára ainda! «N'este logar esperarei que o brilho «Da matutina luz venha chamar-me «De Cuthullin á morte. Eu amo o sôpro «Dos ventos de Lochlin! Elles cruzaram «Os espaços do mar! Elles me fallam «No zumbir das enxarcias, e me trazem «Minhas verdes florestas á lembrança; «As florestas do Górmal, que eu ouvia «Rugir ao seu befejo, quando a lança «Do javali na caça manejava. «Oh! vae: que o torvo Cuthullin me ceda «O throno de Cormac, ou em torrentes «Correrá das montanhas á planicie «De seus guerreiros o espumoso sangue!» «Funestos são, diz Cárril d'outros tempos, «Os ditos de Swáran!»--«Sim, funestos, «Responde Cuthullin, lhe hão de ser elles. «Mas ergue a voz, ó Carril, e reconta «Os feitos do passado. Com teus cantos «Nos abrevia a noite; em nós desperta «O gôso da tristeza. Heroes infindos, «E mil virgens amantes hão passado «Na terra d'Inisfail. Doces resôam «Os cantos do infortunio que se elevam «Nas rochas d'Albion quando emmudece «O rumor da caçada, e ás vozes d'Ossian «Se casa o murmurio das correntes.» «No tempo que passou, começa o bardo, «Os guerreiros do oceano a Erin vieram. «Numerosos baixeis galgando as ondas «Aportaram d'Erin ás mansas praias. «Os filhos d'Inisfail se levantaram «Dos escuros broqueis sustando a raça. «Militava no exercito Caírbar, «Dos homens o primeiro, e o joven Grúdar, «De garbosa figura. Desde muito «Que entre si contendiam pela posse «Do immaculado touro que mugia «Na campina de Golbum; desde muito «Que a morte viam nos agudos ferros. «Contra os filhos do mar um tempo unidos «Combateram a par, venceram juntos. «Quem na montanha possuia a gloria «De Caírbar e Grúdar? Mas, oh pena! «Porque mugia o immaculado touro «Na campina de Golbum? Mal que o viram «De novo a sanha lhes brotou nos peitos. «Sobre as margens do Lúbar combateram: «Grúdar cahiu sem vida. Então Caírbar «Caminhou para o valle onde Brassolis, «Sua irmã formosissima, entoava «O canto da tristeza. Ella narrava «As façanhas de Grúdar, o mancebo «De seu intimo affecto; ella chorava «Seus perigos no campo, e sua volta «Esperava com ancia. O branco seio «Lhe transluzia sob as roupas leves «Como a lua entre nuvens; e mais doce «Era seu canto que os gemidos da harpa. «Em seu bem adorado tinha a mente, «E seus olhos gentis fallavam d'elle. «--Quando virás emfim?--ella dizia; «--Quando virás, ó poderoso em guerras?-- «--Guarda, lhe diz o irmão, guarda, ó Brassolis, «Este escudo sangrento: vae fixal-o «Da minha sala no elevado tecto. «É o escudo de Grúdar!--Mal que o ouve «A donzella estremece, e a côr perdendo, «Sem tino, eil-a que parte. Envolto em sangue «Na planicie de Cromla vê o amante, «E junto d'elle, vacillando, expira. «É este, Cuthullin, é este o sitio «Em que repousam ambos! Estes cedros «Lhes brotaram nas campas, e saudosos «Do furor das tormentas os defendem. «Formosa era Brassolis na planicie! «Elegante era Grúdar na montanha! «Hão de os cantos dos bardos memoral-os, «E ao remoto porvir levar seus nomes!» «Suave é tua voz, suave, ó Cárril, «Diz o chefe d'Erin. São apraziveis «Os contos do passado, como o orvalho «Da amena primavera quando brilha «Pelos campos o sol e a nuvem leve «Revôa nas collinas. Ao som da harpa «Celebra o meu amor, a luz serena «Da solitaria estrella de Dunscaith. «Canta a gentil Bragela, a terna esposa «Que saudosa deixei na ilha das nevoas. «Que fazes, doce amiga? acaso elevas «Sobre a rocha escarpada a bella fronte, «E meus navios descobrir procuras? «O mar se agita ao longe: a branca espuma «Por minhas vélas tomarás acaso. «Recolhe-te que é noite, amor querido: «Em teu cabello o vendaval murmura. «Aos meus paços festivos te recolhe, «E pensa em outros dias. Aos teus braços «Não poderei voltar sem que serene «A tormenta da guerra. Falla, ó Cónnal, «Falla-me d'armas só: quero as saudades «De meu seio expulsar, quero esquecêl-a.» «Dos guerreiros do oceano te acautela, «Responde o lento Cónnal. Sem demora «Manda escoltas nocturnas que vigiem «O campo do inimigo. Sou de voto, «Ó Cuthullin, que a pelejar não vamos «Sem que Fíngal, dos homens o primeiro, «Aporte ás nossas praias, sem que brilhe «Como os raios do sol em nossos campos.» Sobre o escudo d'alarma bate o chefe, E o nocturno esquadrão se põe em marcha. O restante do exercito no campo Ao sereno da noite se adormece. Dos derradeiros mortos os espectros Divagavam em torno e fluctuavam Entre as nuvens sombrias. Longe, ao longe Por sobre a escura solidão de Lena Funereas vozes murmurar se ouviam. FIM INDICE PAG. A Camões 5 O Outomno 12 O Noivado do Sepulchro 16 Desejo 20 Boabdil 22 Canção 26 Á Patria 29 Rosa branca 34 Enfado 38 Anhelos 41 O Filho Morto 45 Socrates 47 A*** 51 Ultimos momentos d'Albuquerque 52 A ti 59 Infancia e Morte 61 O Canto do Livre 64 Saudade 67 Amor e Eternidade 70 O Escravo 72 O Anjo da humanidade 78 Partida 85 Canto de Primavera 87 Catão 90 Imitação do Islandez 98 Á Morte do meu amigo Licinio F. C. de Carvalho 100 O Mendigo 105 A Vida 108 Desengano 116 Agar 118 Maria, a ceifeira 125 O Firmamento 127 Tristeza 134 A Mãe e a Filha 137 O Mosteiro da Batalha 139 Desalento 147 Consolação 150 O Bussaco 154 A Fonte dos Amores 159 A um Theatro Academico 162 N'um album 164 Visão do Resgate 165 Versões d'Ossian: Ao sol 187 Colma 189 Fíngal 193 End of Project Gutenberg's Poesias, by António Augusto Soares de Passos *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK POESIAS *** ***** This file should be named 39992-8.txt or 39992-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/3/9/9/9/39992/ Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. 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Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License available with this file or online at www.gutenberg.org/license. Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation information page at www.gutenberg.org Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at www.gutenberg.org/contact For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director [email protected] Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. 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Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For forty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.